PROVA DESPORTIVA
CONTRATO DE SEGURO
CORRIDA DE AUTOMÓVEIS
ACIDENTE
Sumário

I. No caso da realização de prova desportiva automóvel, em que seja configurável a coexistência de vários contratos de seguro automóvel, a lei prevê uma ordem de acionamento das apólices em caso de sinistro.
II. Assim, não tendo o organizador da prova incluído no seguro de prova desportiva o veículo que circulou como carro de segurança e tendo este embatido noutra viatura que estava fora da via, responde pelos danos a seguradora com quem o proprietário tinha celebrado seguro com a menção de que o veículo circulava ocasionalmente para participar em manifestações desportivas.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO
 A. intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Companhia de Seguros B., peticionando que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 7.687 EUR, pelos danos materiais sofridos em consequência de acidente que identifica, sendo essa quantia acrescida de juros de mora à taxa legal, computados desde a data do acidente e até efetivo e integral pagamento.
Alegou, para tanto e em síntese, que:
- No dia 13 de Abril de 2013 ocorreu um acidente numa via desta cidade, acidente esse que envolveu a viatura ...HR e o veículo ...TR, que na altura estava estacionado;
- A viatura HR, relativamente à qual a responsabilidade estava transferida para a ré, circulava como carro de segurança de rally, no contexto de uma prova, e a mais de 100 km hora quando ficou com o diferencial da direção bloqueado, motivo pelo qual entrou em despiste e veio a embater no veículo do autor;
- A reparação do veículo do autor teve um custo de 3.793,62 EUR;
- O veículo sofreu uma desvalorização de 3000 EUR;
- Por causa do embate ficaram ainda danificados diversos equipamentos que se encontravam no interior da mesma e que eram utilizados na exploração ambulante de bar que era praticada no mesmo;
- Devido ao acidente a carrinha do autor ficou impossibilitada de desenvolver a sua atividade durante 26 dias, tempo necessário para a reparação, o que provocou um prejuízo de 2.080 EUR.
A Ré Companhia de seguros B., deduziu contestação, defendendo-se por exceção e por impugnação. Nesse articulado  sustentou que:
- Não tem conhecimento direto dos factos, mas na sequência das diligências realizadas concluiu que o acidente ter-se-á devido a uma avaria no diferencial o que teria sido detetado caso a viatura tivesse efetuado IPO;
- Ademais, a viatura segurada estava a participar em prova desportiva, sendo certo que o organizador havia celebrado um seguro para cobrir todos os participantes do evento;
- A seguradora do evento é que deveria ser demandada;
- Se assim não se considerar, então terá de concluir-se que a participação em prova automobilística extravasa do âmbito do seguro contratado com a ré;
- E, nesta medida, deveria ser demandado o Fundo de Garantia Automóvel e o condutor da viatura;
- Se assim não se entender, então assiste-lhe sempre direito de regresso sobre o seu segurado;
Concluiu suscitando incidente de intervenção acessória provocada do condutor da viatura, H..
Na sequência desta contestação, o autor apresentou réplica. Sustentou que o carro em causa não participava no rally. Suscitou incidente de intervenção principal provocada da Companhia de Seguros C., S.A., por a mesma ter efetuado seguro respeitante aos participantes na prova desportiva.
Foram admitidos ambos os incidentes (de intervenção acessória provocada de H. e de intervenção principal provocada da C.).
Veio a C. Companhia Seguros, S.A. defender-se por exceção e por impugnação. Alega, no essencial, que:
- Celebrou com a FPAK um seguro do ramo automóvel, ao qual recorreu a FF. MotorClube para garantir a responsabilidade na prova em causa;
- O veículo HR não estava incluído na lista de veículos participantes e, nessa medida, está excluído da apólice;
- Exatamente por isso o proprietário do HR celebrou com a B. um seguro especial para cobrir o risco de circulação em provas desportivas;
- O autor não demonstra minimamente ter suportado quaisquer custos ou despesas em consequência do acidente em causa.
Também H. veio apresentar contestação na qual se defende quer por exceção quer por impugnação. Alegou que:
- A responsabilidade relativamente à sua viatura está transferida para a Companhia de Seguros B.;
- A viatura em causa não carecia de IPO;
- Circulava a não mais de 50 km/hora;
- A viatura dispõe de um diferencial traseiro com mecanismo autoblocante que transferiu a potência disponível para a roda traseira direita. Quando acelerou antes de ter desfeito totalmente a direção da viatura, esta acabou por seguir para a direita, subiu o passeio e embateu no veículo TR;
- Sem prejuízo, a prova estava abrangida por seguro da FPAK e a viatura desempenhava uma função indispensável;
- F., Unipessoal, Lda., organizadora da prova e que não incluiu a viatura na lista dos veículos segurados é responsável e, nessa medida, deve ser admitida a sua intervenção nos autos;
- O réu tem igualmente seguro de garagista, o qual também responde nesta situação;
- A viatura do autor não podia estar naquele local mercê da realização da prova desportiva;
- A localização dos vendedores ambulantes e público é da responsabilidade da organização da prova;
- Não houve qualquer avaria ou falha técnica na viatura do autor;
- Não se verifica qualquer desvalorização da viatura depois de reparada;
- Da peritagem não consta a existência de quaisquer eletrodomésticos;
- O réu diligenciou pela reparação da viatura do autor, no dia 19 de Abril de 2013, de forma a obviar aos atrasos nas respostas das seguradoras, tendo a viatura ficado apta a circular nessa data;
Na sequência de pedido formulado pelo autor, foi admitida a intervenção do Fundo de Garantia Automóvel, uma vez que ambas as seguradoras puseram em causa a existência de um seguro válido e eficaz que cobrisse o automóvel do réu H.
Regularmente citado veio o Fundo de Garantia Automóvel apresentar contestação. Alegou, no essencial:
- Ser parte ilegítima no presente pleito, pois tendo o acidente ocorrido no âmbito de uma prova desportiva, está excluído do âmbito do contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel;
- Este é válido apenas para a circulação rodoviária normal, sujeita às regras estradais;
- o acidente estava coberto por contrato de seguro válido e eficaz abrangendo aquele veículo, ao arrepio do defendido pelas seguradoras, pelo que nunca haveria lugar à sua intervenção subsidiária;
- Impugna os factos, por deles não ter conhecimento pessoal, reputando como exageradas as quantias peticionadas.
H., réu, suscitou incidente de intervenção provocada de F. – Unipessoal, Lda., o qual veio a ser admitido por despacho de fls. 751.
Pese embora regular e pessoalmente citada, a F. – Unipessoal, Lda. não apresentou qualquer contestação.
Procedeu-se à realização de audiência de julgamento, com observância do legal formalismo, conforme melhor resulta da competente ata. No contexto da audiência as partes presentes/representadas acordaram considerar assente parte significativa da factualidade, tendo em conta designadamente a prova já produzida no contexto daquela outra ação e que conheciam, sendo certo, por outro lado, que a parte faltosa (FF.) não apresentou contestação apesar de regularmente citada.
Após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Com os fundamentos fácticos e legais supra expostos, julga-se a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, decide-se:
a) Condenar a ré F., Unipessoal, Lda., a pagar ao autor A.:
i. A quantia de 2.871,86 EUR (dois mil oitocentos e setenta e um euros e oitenta e seis cêntimos), a título de indemnização por dano patrimonial emergente, acrescida do montante correspondente aos juros de mora vencidos desde a citação e vincendos, computados em cada momento à taxa legal em vigor para as obrigações civis e até efetivo e integral pagamento;
ii. A quantia de 120 EUR (cento e vinte euros) a título de indemnização por dano patrimonial a título de lucros cessantes, acrescida do montante correspondente aos juros de mora vencidos desde a citação e vincendos, computados em cada momento à taxa legal em vigor para as obrigações civis e até efetivo e integral pagamento;
b) Absolver a ré F., Unipessoal, Lda. do demais peticionado contra si;
c) Absolver o Fundo de Garantia Automóvel do pedido;
d) Absolver a Companhia de Seguros B., do pedido;
e) Absolver a Companhia de Seguros C., S.A., do pedido;
f) Absolver H. do pedido.»
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou o requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
«1°. Dos factos dados como provados, resulta que o veículo ...HR, marca Toyota pertencente a H. era conduzido por este aquando do acidente e desempenhava a função de percorrer o troço da prova desportiva de veículos automóveis para verificar se o mesmo estava em condições de ocorrer com segurança tal prova desportiva.
2°. Tal veículo encontrava-se segurado na Ré, Companhia de Seguros B.
3°. O evento desportivo Rally denominado “Super Especial Cidade da Praia da Vitória”, organizado pelo F., Unipessoal, Ld.ª. cuja responsabilidade civil titulada pela apólice n° 860000644, era beneficiário este R., e tomador do seguro a Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting.
4°. Considerando o facto de H. conduzir o veículo ...HR, sem a prudência devida, e por ser notória a existência de bancos de areia no troço que percorreu aquando do acidente, teve uma atitude negligente que poderia ter evitado o embate no veículo do A., o que não sucedeu, daí a sua culpa exclusiva em tal acidente.
5°. Mantendo-se os contratos de seguros validos e eficazes realizados por H. e por F., Unipessoal Ld.ª. e acima mencionados, devem as RR., Companhia de Seguros B. e a Companhia de Seguros C., ser condenadas a ressarcir o A. nos danos sofridos e provados na douta sentença, com todas as legais consequências.
6°. Assim sendo, ambas as RR., as seguradoras devem ser condenadas nos termos em que o Tribunal "a quo" condenou a R. F., Unipessoal, Ld.ª. - a organizadora do Rally.
7°. O Tribunal "a quo" violou o artigo 6 n°. 5 do Código de Estrada.
Termos em que, deve ser revogada a decisão, substituindo-se por outra que determine única e exclusivamente a condenação solidária das Seguradoras - B. de Seguros, SA e C., SA nos termos em que o Tribunal "a quo" condenou o R. F., Unipessoal, Ld.ª.
Pois assim se fará Justiça.»
*
Contra-alegaram C. Companhia Seguros, SA e Seguradores E., SA propugnando pela improcedência da apelação (fls. 990-995 e 997-998).
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i. Apurar se o condutor do veículo HR é o responsável  pelo acidente a título de negligência;
ii. Determinar se as Rés C. Companhia de Seguros, SA e Seguradora E. SA, é que devem ressarcir, solidariamente, o autor.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. No dia 13/04/2013, pelas 15 horas na freguesia de Santa Cruz, concelho de Praia da Vitória, ocorreu um acidente de viação na Circular Interna da cidade da Praia da Vitória.
2. Foram intervenientes em tal acidente, o veículo ligeiro de passageiros, com matricula ...HR e o veículo do autor.
3. O veículo ...HR pertence ao réu H. e na altura do acidente estava a ser conduzido pelo próprio.
4. O veículo ...HR circulava na Circular Interna da freguesia de Santa Cruz, no sentido Rotunda da Doca/Rotunda do Clube Naval (carro de segurança 00, no âmbito de uma prova de rally) e, próximo do portão que dá acesso à Zona Verde da Praia da Vitória, foi embater com a parte da frente no veículo do autor, que estava estacionado no passeio adjacente.
5. O veículo Toyota em causa desempenhava a função de carro de segurança, tendo o número 00, cabendo-lhe percorrer cada troço antes da passagem dos veículos em competição para verificar se o mesmo estava desimpedido e se era seguro continuar com a prova.
6. Foi no exercício dessa função que se verificou o acidente supra descrito.
7. H. celebrou com a Companhia de Seguros B., contrato de seguro do ramo automóvel, mediante Apólice n.º 9…, com data de início 25/05/2012, abrangendo o automóvel com a matrícula ...HR, em cujas condições particulares ficou a constar: "O veículo circula ocasionalmente, nomeadamente por força da necessária conservação ou para participar em manifestações desportivas, exposições ou cotejos, não podendo nunca ser utilizado como meio de transporte habitual."
8. Consta das Condições Gerais do contrato em apreço, no seu artigo 5°, n.º 4, que: "Excluem-se igualmente da garantia obrigatória do seguro: (...) e) Quaisquer danos ocorridos durante provas e respetivos treinos oficiais, salvo tratando-se de seguro de provas desportivas, caso em que se aplicam as presentes condições gerais com as devidas adaptações previstas para o efeito pelas partes."
9. O seguro contratualizado entre a Companhia de Seguros B. e o proprietário e condutor do veículo Toyota, nas suas condições especiais, identifica o veículo como "antigo".
10. A C.- Companhia de Seguros celebrou com a Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting, um seguro do ramo automóvel que veio a ser titulado pela apólice-mãe nº 750371193.
11. Apólice a que recorreu o segurado "FF. MotorClube" para garantir a responsabilidade civil decorrente da realização da Prova "Super Especial Cidade Praia da Vitória", a que foi atribuído o n. 8600006499.
12. Para tanto foi-lhe enviada uma lista dos veículos e respetivos condutores que se encontravam escritos para a realização dessa prova, no total de 13, não se encontrando nessa lista qualquer referência ao veículo ...HR.
13. Sendo certo que o prémio emitido por esta apólice foi calculado, tendo apenas como referência o risco decorrente da participação em prova dos referidos 13 veículos, conforme o acordado com a referida "Associação".
14. A viatura do réu H. é um clássico.
15. À data do acidente todas as viaturas do mesmo tipo da do réu H. não possuíam IPO, pelo que consta do Documento Único Automóvel "Só pode circular quando integrado em provas desportivas."
16. O acidente referido em 1., ocorreu após o veículo HR efetuar uma curva de 180° (rotunda da doca).
17. Com efeito, o veículo HR circulava como carro de segurança no âmbito de uma Prova de rally denominada "Super Especial Cidade da Praia da Vitória",
18. A uma velocidade não superior a 50 km.
19. O embate ocorre próximo do portão que dá acesso à zona verde da Praia da Vitória, a cerca de 25 m da curva.
20. A viatura automóvel HR dispõe de um diferencial traseiro com mecanismo autoblocante.
21. O mecanismo autoblocante do diferencial leva a que a potência disponível seja retirada da roda que patinou e sendo fornecida à roda com boa aderência.
22. Este mecanismo autoblocante atuou na curva acima mencionada e aumentou a motricidade da roda traseira do lado direito.
23. Desta forma, a roda direita do veículo HR ganhou motricidade, sendo que o condutor ao acelerar novamente após a curva, como ainda não tinha desfeito a direção da viatura totalmente e sendo que esta dispõe de tração total (4X4), não conseguiu seguir uma trajetória em linha reta, seguindo para a sua direita.
24. Esta situação levou a que a viatura HR subisse o passeio, embatendo com parte da sua frente e lateral direita na lateral esquerda da viatura ...TR, ferindo ainda quatro pessoas.
25. A viatura HR tem averbamento legal no Documento Único Automóvel que só pode circular quando integrado em provas desportivas, isto é sem IPO.
26. A viatura HR, antes do acidente, encontrava-se em ótimo estado de conservação e de funcionamento.
27. No local onde se encontrava a viatura ambulante acima identificada, deveriam existir barreiras e fitas sinalizadoras, tal como existiam do outro lado do passeio, em frente ao local onde aquela se encontrava.
28. A viatura do autor encontrava-se no passeio junto à estrada do troço da prova e ai estacionada encontrava-se a servir bebidas e sandes a pessoas que se encontravam nesse passeio.
29. Aquele local estava destinado à venda ambulante nas situações normais do dia-a-dia.
30. No local onde se encontrava a viatura do autor não existiam barreira ou fitas sinalizadoras.
31. O trânsito encontrava-se fechado para uma prova desportiva na qual era obrigatório cumprir um plano de segurança e evitar zonas de perigo para terceiros e para os participantes na prova.
32. A localização do público e vendedores ambulantes é definida pela organização da prova - F., Unipessoal Lda.
33. Na sequência do embate o veículo do autor sofreu danos, sobretudo na parte lateral esquerda (cava da roda, porta esquerda, embaladeira, etc.) cuja reparação importava um custo de 2.871,86 EUR (com IVA incluído).
34. O veículo do autor era utilizado para fins de exploração ambulante de bar, ou seja, venda de hambúrgueres, bifanas, bebidas alcoólicas e sumos, etc.
35. Devido ao acidente, a carrinha do autor esteve impossibilitada de desenvolver a sua atividade comercial durante 6 dias.
36. O autor auferia um lucro médio de 15 a 20 EUR diários, sendo que ao fim de semana habitualmente conseguia valores superiores.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Apurar se o condutor do veículo hr  é  responsável pelo acidente a título de negligência
Sustenta o autor que o condutor do veículo ...HR é o responsável exclusivo pelo acidente porquanto conduziu sem a prudência devida, por ser notória a existência de bancos de areia no troço que percorreu aquando do acidente, tendo uma atitude negligente que poderia ter evitado o embate no veículo do autor.
A descrição do acidente encontra-se nos factos provados sob 4, 5, 16 a 24. Resulta dos mesmos que o condutor do HR (Réu) seguia a uma velocidade não superior a 50 km/h. O veículo em causa dispõe de um mecanismo autoblocante do diferencial que leva a que a potência disponível seja retirada da roda que patinou, sendo fornecida à roda com boa aderência (21), sendo que esse mecanismo atuou na curva e aumentou a motricidade da roda traseira do lado direito (22). Desta forma, a roda direita o HR ganhou motricidade, sendo que o condutor ao acelerar novamente após a curva, como ainda não tinha desfeito a direção da viatura totalmente e sendo que esta dispõe de tração total (4x4), não conseguiu seguir uma trajetória em linha reta, seguindo para a sua direita (23), subindo o passeio e embatendo na viatura do autor (24).
A matéria de facto assim provada não foi objeto de qualquer impugnação por parte do autor/apelante. O facto 21 dá por provado que a roda esquerda do veículo patinou na curva em causa, aumentando a motricidade da roda direita. Todavia, a sentença não especificou a causa desse patinar da roda esquerda, nomeadamente se deriva da existência de um banco de areia na curva em causa e, muito menos, se o condutor do veículo HR estava ciente da existência desse banco de areia.
A existência de bancos de areia no troço da prova não constituía nem constitui facto notório, ao contrário do que insinua o apelante.
Conforme se refere em Luís Filipe Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 3ª ed., p. 83,
«Nos termos do Artigo 412º, nº1, do Código de Processo Civil, não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral.
A exigência do conhecimento geral atua em vários âmbitos:
- Na esfera pessoal, o facto notório tem de constar como certo ou falso para a generalidade de pessoas de cultura média entre as quais se encontra o juiz;
- Na esfera cognoscitiva, no sentido de que tal conhecimento deve integrar a cultura média, de acesso geral, e não ser constitutivo de um saber especializado próprio de um reduzido número de pessoas que se dedica a uma atividade comum;
- Na esfera espacial, no sentido de que tal facto deve ser conhecido no território que integra as instâncias de recurso. Não pode o facto ser notório para o juiz da primeira instância e desconhecido para o juiz conselheiro. Assim, um desastre nacional divulgado pela imprensa constitui um facto notório mas já não será facto notório os prejuízos causados pelo granizo numa comarca mesmo que tenham afetado pessoalmente o juiz.»
Assim, a eventual existência de bancos de areia no trajeto de uma prova desportiva de rally não integra um facto notório porquanto não observa o requisito do conhecimento geral na esfera pessoal e na esfera espacial, acima mencionados.
Termos em que improcede neste segmento a apelação, sem prejuízo do que dirá de seguida.
Determinar se as Rés C.Companhia de Seguros, SA e Seguradoras E.s, SA, é que devem ressarcir, solidariamente, o autor
Argumenta o autor que o condutor H. havia transmitido a responsabilidade civil decorrente do acidente, incluindo provas desportivas, para a Ré Seguradoras E., SA, sendo que a organizada F., Unipessoal, Lda., tinha feito seguro que garantia a responsabilidade civil dos veículos intervenientes na prova para a C, Companhia de Seguros, SA. Sendo tais seguros válidos e eficazes, devem tais seguradoras responder solidariamente pelos danos.
O tribunal a quo afastou a responsabilidade das referidas seguradoras nestes termos:
«Sucede porém que, tal como referenciámos supra, a generalidade da jurisprudência12 tem entendido que não será assim quando, além de um acidente de viação, estamos em simultâneo perante um «acidente desportivo», com a carga acrescida do perigo específico que a velocidade dos desportos motorizados faz acrescer a qualquer condução automóvel (já por si perigosa), dentro dos condicionalismos das regras de conduta normais do direito estradal, das regras que permitem uma socialmente aceitável circulação terrestre.
Tão perigosa que só em circunstâncias específicas as provas desportivas de veículos terrestres a motor podem ser autorizadas - mediante a celebração prévia de um seguro, feito caso a caso, que garanta a responsabilidade civil dos organizadores, dos proprietários dos veículos e dos seus detentores e condutores em virtude de acidentes causados por esses veículos.
Os organizadores deste género de provas, porque potenciam um risco (gerador de responsabilidade civil), porque criando um desporto a partir de uma actividade geradora de risco (desresponsabilizando os desportistas/condutores/participantes do cumprimento das adequadas regras do direito estradal que se impõem a um bonus paterfamilias conductor em nome da velocidade como uma actividade lúdica), devem assegurar os danos causados por essa mesma actividade para além da normal responsabilidade dos proprietários, detentores ou condutores dos veículos participantes.
Mais do que a culpa ou o risco da circulação terrestre dos veículos participantes na prova desportiva, os organizadores garantem a responsabilidade pelo perigo acrescido da circulação terrestre como desporto de velocidade.
Vimos já que a lei estabelece uma obrigação de seguro de provas desportivas, fazendo depender a sua autorização da efectivação pelo organizador de um seguro que cubra a responsabilidade civil, bem como a dos proprietários ou detentores dos veículos e dos participantes, decorrente dos danos resultantes de acidentes provocados por esses veículos.
Ora, é esta responsabilidade que a ré seguradora C.é agora chamada a assumir, porque foi esta a responsabilidade que ela se comprometeu a cobrir quando celebrou com a Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting, o contrato de seguro titulado na apólice 750371193, visando a prova em apreço.
Conforme resultou provado, daquela apólice consta que a mesma garante “a responsabilidade civil automóvel do segurado, dos proprietários dos veículos, seus detentores e condutores, emergente de eventuais acidentes que venham a ocorrer durante a realização da prova acima identificada”. Anexa a esta apólice foi junta uma lista de veículos fornecida pelo Director de prova.
Da referida lista constam apenas 13 veículos, identificados como sendo concorrentes. Da referida lista não consta o veículo HR.
Do cotejo entre a apólice e lista anexa, integrante do contrato de seguro desportivo (condições particulares), resulta, em nossa opinião, que o veículo HR não está coberto pelo seguro em causa.
De facto, face às regras da experiência comum, um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário teria assim compreendido o contrato em causa, pois, de outro modo, não seria junta qualquer lista de veículos concorrentes ou participantes (em sentido amplo). Para estar incluído, como facilmente se compreende, o Toyota Celica deveria ter sido incluído na listagem inicial ou, pelo menos, mediante adenda escrita posterior, o que não sucedeu.
Face ao exposto, não abrangendo o contrato de seguro desportivo a viatura HR, não pode a Ré C. responder pelo pagamento da referida indemnização, por força da transmissão da responsabilidade do organizador da prova para si, mediante a celebração de contrato de seguro desportivo.
E, aqui chegados, podemos avançar que embora o seguro em causa seja obrigatório, é-o na perspectiva do organizador da prova.
No que tange à Companhia de Seguros, ela celebra ou não o contrato, ao abrigo da sua liberdade contratual. Assim, fixando ambas as partes quais os veículos abrangidos pelo seguro de prova em causa, a sua responsabilidade limita-se à actividade destes veículos, pois relativamente a todos os mais, a mesma não lhe foi transmitida.
Os contratos vinculam as partes nos precisos termos em que foram firmados.
Desta feita, será a mesma, à semelhança do FGA, absolvida do pedido.
Porém, e conforme se disse, sendo a actividade em causa uma actividade particularmente perigosa, na ausência do seguro de prova, pela perigosidade da actividade em causa responderá, nos termos do disposto no artigo 493º, n.º 2, do Código Civil, a entidade organizadora da aprova, nos precisos termos em que responderia a companhia de seguros, caso aquele contrato de prova desportiva tivesse sido celebrado de modo a abranger o veículo HR.
Como vimos, o contrato firmado com a C. assenta numa relação trilateral: o contrato foi celebrado entre a Companhia de Seguros e a FPAK, enquanto tomadora do seguro.
F., Unipessoal, Lda., aparece aqui, não só como como beneficiário do seguro, mas também como organizador da prova em causa. O contrato de seguro em causa foi celebrado pela FPAK, por força de um protocolo que existia entre esta e a Companhia de Seguros.
Assim, não está excluída a responsabilidade da F., Unipessoal, Lda.
Note-se que o acidente não se deveu a uma conduta dolosa do condutor do veículo HR. De igual modo, a chamada, até porque não deduziu contestação, não alegou e, por isso, não logrou demonstrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos dela decorrentes.
Não tendo a mesma celebrado contrato de seguro de prova desportiva válido e eficaz que abrangesse, de igual modo, o veículo HR – quer pessoalmente, quer por intermédio da FPAK -, certo sendo que sobre si existia a obrigação de comunicação dos participantes da prova à companhia de seguros (em ordem a permitir que o âmbito de protecção do contrato abrangesse também esse veículo), responderá pela reparação dos danos em causa.
Quanto à Companhia de Seguros B., verificamos que o contrato de seguro desportivo não foi celebrado consigo.
De facto, o contrato de seguro titulado pela Apólice n.º 90.01519264, foi celebrado entre aquela e H., proprietário e condutor do veículo HR, enquanto veículo “antigo”, conforme consta apólice de seguro.
Pretende, assim, a Ré B. que estamos perante um contrato de seguro do ramo automóvel obrigatório que exclui do seu âmbito de aplicação os danos emergentes de acidente ocorrido em provas desportivas e respectivos treinos.
Pelo contrário, entende H. que o contrato em causa foi celebrado tendo em consideração as condições específicas do veículo em causa e, bem assim, a sua permissão para circular apenas quando integrado em provas desportivas, conforme consta do Documento Único de Circulação. Isto mesmo ficou a constar das condições particulares daquela apólice, conforme resultou provado.
H. quando celebrou este contrato com a Ré B., e a Ré do mesmo modo quando celebrou o contrato com H., quis (eram) celebrar um contrato de seguro de acidentes de viação que fosse além do contrato de seguro de responsabilidade automóvel obrigatório.
Como refere Pedro Romano Martinez13, para aferição do conteúdo do contrato torna-se necessário, em primeiro lugar, atender ao objecto do seguro e aos riscos cobertos na apólice. Com efeito, há uma tipificação aberta das modalidades de seguros da qual se depreende uma prévia determinação do risco que se quis garantir, do risco coberto.
De facto, há que distinguir as cláusulas de exclusão da responsabilidade daquelas outras que delimitam o objecto do contrato, definindo o âmbito do risco coberto pelo contrato de seguro.
Lido o teor do contrato e tendo por base as características do veículo em causa, que pela Companhia de Seguros não eram ignoradas, entendemos que qualquer pessoa de mediana inteligência e diligência, colocada na posição em que se encontrava H. (artigo 236º, do Código Civil) entenderia estar a celebrar um contrato de seguro automóvel que cobriria os eventuais danos decorrentes de acidente ocorrido no decurso de uma prova desportiva pois só integrado numa prova desportiva era admissível a sua circulação na via pública.
Com a ressalva da obrigatoriedade do seguro automóvel e seu núcleo duro, em tudo o que vá para além dele, a Lei deixa às partes a liberdade de fixarem as cláusulas que bem entenderem ao abrigo de uma ampla liberdade de estipulação que caracteriza a nossa ordem jurídica.
Assim, não sendo permitido às partes restringir o âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, é-lhes lícito irem além dele, estabelecendo um regime mais “garantístico” do que aquele.
É justamente ao abrigo da ampla liberdade de conformação ou de estipulação que as partes podem acordar (indo além do âmbito do seguro obrigatório), por ex., a possibilidade de indemnização de todos os danos próprios e alheios (seguro contra todos os riscos).
Celebrado entre as partes um contrato de seguro automóvel contra todos os riscos, não passa pela cabeça de ninguém que a seguradora possa declinar a sua responsabilidade com base no facto de as cláusulas gerais excluírem do âmbito do seguro obrigatório os danos no próprio veículo seguro, para, desse modo, se eximirem ao seu pagamento.
E não passa pela cabeça de ninguém porque as partes de modo voluntário e consciente acordaram em algo mais do que resulta daquelas cláusulas ou condições gerais, incluindo no âmbito do seguro também a reparação daqueles danos. E, ao fazê-lo, estabeleceram condições particulares que, não bulindo com o núcleo central do seguro obrigatório, antes o alargam.
No caso em análise, verifica-se uma situação idêntica. Um exemplo de manifestação desportiva é, por excelência, a prova desportiva. Aliás, dificilmente se concebe uma manifestação desportiva que não seja uma prova desportiva. Assim, entender que os danos ocorridos durante provas desportivas e respectivos treinos oficiais estão excluídos do âmbito de garantia do seguro em análise, é retirar ao mesmo qualquer âmbito útil de aplicação, por força da limitação de circulação que onera o veículo HR.
Desta feita, temos que, entre H. e a Ré Companhia de Seguros B., foi celebrado um contrato de seguro que importa a transmissão da eventual responsabilidade daquele para a seguradora também pelos danos de que aquele seja responsável e que decorram de acidentes ocorridos em provas desportivas. Assim, nada pode ser exigido, a este título, a H., importando a sua absolvição do pedido.
Mas poderá o pagamento da indemnização ser exigido à Companhia de Seguros B.?
Julgamos que não.
A responsabilidade da companhia de seguros não é uma responsabilidade originária, própria. É uma responsabilidade do segurado que, por força do contrato de seguro, se transmite para seguradora, assumindo ela, perante terceiros, a obrigação de pagar o que, por aquele, é devido.
No caso em análise, assentando a responsabilidade na eclosão do evento lesivo num acidente desportivo, ou seja, ocorrido no âmbito de uma actividade que agrava o perigo da circulação terrestre como desporto de velocidade, os organizadores deste género de provas, porque potenciam um perigo acrescido (gerador de responsabilidade civil), devem assegurar os danos causados por essa mesma actividade.
Não sendo H. responsável pelos danos causados ao Autor, mesmo que a título de responsabilidade pelo risco (consumida pela responsabilidade com culpa presumida decorrente da actividade perigosa), nenhuma obrigação se constituiu na sua esfera jurídica que se possa considerar transmitida, por força daquele contrato, para a Companhia de Seguros B., legitimando a sua condenação no pagamento de uma indemnização ao autor.
Tudo visto, surpreendemos, a final, como única responsável pelo pagamento daquela indemnização, e juros de mora a ela associados, ao Autor a F., Unipessoal, Lda.»
Vejamos.
A participação de um veículo numa prova desportiva pode dar azo à existência de uma situação de pluralidade de seguros.
 Assim, o organizador da prova deve celebrar seguro de responsabilidade civil legalmente estabelecido para a prova desportiva de automóveis, consoante decorre, inequivocamente, do artigo 3º da Portaria nº 1100/95, de 7.9. No caso em apreço, esse seguro foi celebrado mas na lista dos veículos abrangidos não constava o HR, o que se terá devido ao facto de o mesmo circular na prova como carro de segurança (factos 10 a 1 e 17). Atentos estes pressupostos fácticos, acompanhamos o raciocínio do tribunal a quo quando afirma que “não abrangendo o contrato de seguro desportivo a viatura HR, não pode a Ré C. responder pelo pagamento da referida indemnização, por força da transmissão da responsabilidade do organizador da prova para si, mediante a celebração de contrato de seguro desportivo”.
Todavia, o proprietário do HR havia, anteriormente, celebrado contrato de seguro com a B. Seguros, nestes termos:
7. H. celebrou com a Companhia de Seguros B., contrato de seguro do ramo automóvel, mediante Apólice n.º 9.0519264, com data de início 25/05/2012, abrangendo o automóvel com a matrícula ...HR, em cujas condições particulares ficou a constar: "O veículo circula ocasionalmente, nomeadamente por força da necessária conservação ou para participar em manifestações desportivas, exposições ou cotejos, não podendo nunca ser utilizado como meio de transporte habitual."
8. Consta das Condições Gerais do contrato em apreço, no seu artigo 5°, n.º 4, que: "Excluem-se igualmente da garantia obrigatória do seguro: (...) e) Quaisquer danos ocorridos durante provas e respetivos treinos oficiais, salvo tratando-se de seguro de provas desportivas, caso em que se aplicam as presentes condições gerais com as devidas adaptações previstas para o efeito pelas partes."
9. O seguro contratualizado entre a Companhia de Seguros B. e o proprietário e condutor do veículo Toyota, nas suas condições especiais, identifica o veículo como "antigo".
Está ainda provado que : «À data do acidente, todas as viaturas do mesmo tipo da do Réu H. não possuíam IPO, pelo que consta do Documento único Automóvel “Só pode circular quando integrado em provas desportivas”».
Na interpretação do contrato de seguro, enquanto contrato de adesão, importa considerar os seguintes parâmetros:
§ O disposto no nº1 do art. 236º do Código Civil (doutrina da impressão do destinatário) e, sendo um contrato formal, a declaração não poderá “valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso” (art. 238º, nº1, do Código Civil);
§ As cláusulas gerais inseridas têm que ser interpretadas “sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam”, devendo o conteúdo das cláusulas particulares prevalecer sobre o conteúdo das cláusulas especiais e gerais, conforme estatuem os artigos 7.º e 10.º, n.º 1, da LCCG;
§ O sentido das cláusulas gerais apura-se em função de um aderente, isto é, tomador do seguro normal colocado na posição do aderente real, e sem a ressalva prevista na última parte do n.º 1 do artigo 236.º do CC (art. 11º, nº1, da LCCG);
§ O declaratório é, no seguro, o tomador médio, sem especiais conhecimentos jurídicos, e que na interpretação do contrato deve tomar-se em consideração o sentido que melhor corresponda à sua natureza e objeto (fim prosseguido pelas partes).
Assim, atento o teor do facto provado sob 7 (apólice também junta a fls. 40), segundo a doutrina da impressão do destinatário, é de interpretar o objeto do contrato como abrangendo a circulação do veículo, ocasionalmente, em provas desportivas, sendo esta interpretação suscitada naturalmente pela menção a “participar em manifestações desportivas”. Ademais, trata-se de uma cláusula particular que prevalece sobre a cláusula geral das Condições Gerais, artigo 5º, nº4 (cf. facto 8), sendo certo que o caso em apreço sempre caberia na ressalva deste artigo 5º, n4 (“salvo tratando-se de seguro de provas desportivas, caso em que se aplicam as presentes condições gerais com as devidos adaptações previstas para o efeito pelas partes”). Havendo que tomar-se em consideração o sentido que melhor corresponda à sua natureza e objeto (fim prosseguido pelas partes), e face ao provado sob 7, é incontornável que a participação do HR na prova de rally dos autos, mesmo que nas vestes de carro de segurança, está coberta pela seguro em causa, sendo que o risco de provocar danos é inerente à circulação do veículo, seja em que função for. Situação diversa seria, eventualmente, a do sinistro ocorrer fora do circuito do rally.
Ora, nos termos do art. 23º do Decreto-lei nº 291/2007, de 21.8, sob a epígrafe Pluralidade de seguros, dispõe-se o seguinte: «No caso de, relativamente ao mesmo veículo, existirem vários seguros, efetuados ao abrigo do artigo 6.º, responde, para todos os efeitos legais, o seguro referido no n.º 5, ou, em caso de inexistência deste, o referido no n.º 3, ou, em caso de inexistência destes dois, o referido no n.º 4, ou, em caso de inexistência destes três, o referido no n.º 2 do mesmo artigo, ou, em caso de inexistência destes quatro, o referido no n.º 1 do mesmo artigo
O Artigo 6º referido tem o seguinte teor:
«Artigo 6.º
Sujeitos da obrigação de segurar
1 - A obrigação de segurar impende sobre o proprietário do veículo, excetuando-se os casos de usufruto, venda com reserva de propriedade e regime de locação financeira, em que a obrigação recai, respetivamente, sobre o usufrutuário, adquirente ou locatário.
2 - Se qualquer outra pessoa celebrar, relativamente ao veículo, contrato de seguro que satisfaça o disposto no presente decreto-lei, fica suprida, enquanto o contrato produzir efeitos, a obrigação das pessoas referidas no número anterior.
3 - Estão ainda obrigados os garagistas, bem como quaisquer pessoas ou entidades que habitualmente exercem a atividade de fabrico, montagem ou transformação, de compra e ou venda, de reparação, de desempanagem ou de controlo do bom funcionamento de veículos, a segurar a responsabilidade civil em que incorrem quando utilizem, por virtude das suas funções, os referidos veículos no âmbito da sua atividade profissional.
4 - Podem ainda, nos termos que vierem ser aprovados por norma do Instituto de Seguros de Portugal, ser celebrados seguros de automobilista com os efeitos previstos no presente decreto-lei.
5 - Quaisquer provas desportivas de veículos terrestres a motor e respetivos treinos oficiais só podem ser autorizados mediante a celebração prévia de um seguro, feito caso a caso, que garanta a responsabilidade civil dos organizadores, dos proprietários dos veículos e dos seus detentores e condutores em virtude de acidentes causados por esses veículos.»
Por sua vez, a Cláusula 25ª da Parte Uniforme das Condições Gerais da Apólice de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel (Norma Regulamentar nº 14/2008-R, de 27 de novembro de 2008) dispõe que:
«Cláusula 25.ª
Pluralidade de seguros
No caso de, relativamente ao mesmo veículo, existirem vários seguros, responde, em primeiro lugar e, para todos os efeitos legais, o seguro de provas desportivas, ou, em caso de inexistência deste, o seguro de garagista ou, em caso de inexistência destes dois, o seguro de automobilista ou, em caso de inexistência destes três, o contrato residual, celebrado nos termos do n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, ou, em caso de inexistência destes quatro, o seguro do proprietário do veículo, ou dos outros sujeitos da obrigação de segurar
A propósito deste regime, afirma pertinentemente Maria Manuela Sousa Chichorro, O Contrato de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, Coimbra Editora, 2010, pp. 147-148: «A lei determina a ordem pela qual devem ser acionadas as garantias das respetivas apólices, excluindo a antiga regra geral da inexistência. Assim, nos termos estabelecidos, opera em primeiro lugar o seguro de provas desportivas, depois o de garagista, seguro do de automobilista e só depois, residualmente o seguro feito no regime geral, pelo legítimo condutor ou detentor, pelo proprietário, usufrutuário, adquirente ou locatário. A relação entre ele é simultaneamente de especialidade e de subsidiariedade porquanto parte dos contratos de seguros especiais do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel para o contrato geral do seguro obrigatório automóvel e cada um só poderá funcional mediante inexistência ou ineficácia do que o precede na ordem estabelecida.»
Assim, considerando que o seguro da prova desportiva não abarcou o HR e atenta a hierarquia imposta pelos dispositivos mencionados, a Ré Companhia de Seguros B., SA, atual Seguradoras E., SA, responde pelo sinistro nos termos da apólice (supletivamente) vigente à data do sinistro.
Termos em que procede parcialmente o recurso.

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:
a. Revoga-se a decisão a quo nos segmentos em que condenou F., Unipessoal, Lda. e em que absolveu a Ré Seguradoras E., SA;
b. Condena-se a Ré Seguradoras E., SA, a pagar ao autor os mesmos valores a que se reporta o dispositivo originário sob a), i. e ii..
Custas pela apelada Seguradoras E., SA, na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).

[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.