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CAUSA PREJUDICIAL
DEPENDÊNCIA
REVISÃO DE SENTENÇA
MENOR
Sumário
1 – Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da primeira tira a razão de ser à existência da segunda, assumindo-se como critério aferidor dessa relação ou nexo de dependência, o ser controvertida na causa prejudicial uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica relevante para a decisão de outro pleito. 2 – Ocorre verdadeira prejudicialidade e dependência quando, na primeira causa, se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta última por via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não é reprodução, pura e simples, da primeira. 3 – Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em tratados, convenções e regulamentos da União Europeia ou leis especiais, para que uma sentença proferida por um tribunal estrangeiro tenha eficácia em Portugal é necessário que seja objecto de revisão e confirmação, pelo que não pode ser invocada, perante Tribunal português, como caso julgado, sem que esteja revista e confirmada. 4 – Na ausência de qualquer regulação válida em Portugal do exercício das responsabilidades parentais quanto ao menor, a acção a propor, na jurisdição nacional, é necessariamente uma acção especial de regulação do exercício das responsabilidades parentais, cujo procedimento se encontra previsto nos art.ºs 34º e seguintes e 43º, n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível. 5 - Inexistindo actualmente qualquer revisão e confirmação da sentença proferida pelo Tribunal de Provincial de Luanda que homologou o acordo quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao menor em causa nos autos, a suspensão da presente acção, com fundamento na possível eficácia em Portugal de uma decisão proferida em Angola, sendo as partes portuguesas e competente a lei portuguesa para regular a situação jurídica (cf. art.º 57º do Código Civil), corresponderia, de certo modo, a retirar ao Tribunal português a competência que a sua própria lei lhe atribui para regular a situação. 6 – Tendo a acção de regulação das responsabilidades parentais a natureza de jurisdição voluntária, a resolução nela proferida, ainda que transitada em julgado, não é irrevogável, pelo que a eventual confirmação da sentença estrangeira não constitui causa prejudicial relativamente àquela, já que esta não depende do que ali foi decidido, incumbindo ao Tribunal apreciar a situação como actualmente se mostra configurada nos autos. 7 – Regendo-se as providências tutelares cíveis pelo interesse superior da criança e do jovem, entendido como o direito da criança ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade, ainda que se houvesse de configurar uma situação de prejudicialidade, sempre o interesse do menor, perspectivado sob a vertente do direito ao convívio com ambos os progenitores e ao contributo que de ambos deve receber para o seu bem-estar, obstaria à suspensão da instância com fundamento na pendência de acção de revisão de sentença estrangeira.
Texto Integral
Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
* I – RELATÓRIO PM… intentou contra RF…, acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais, por requerimento de 23 de Fevereiro de 2017, relativamente ao filho de ambos, AM…, referindo que os progenitores nunca contraíram matrimónio entre si, não coabitaram nem coabitam, residindo o menor com a mãe, em Algés, sendo necessário regular o exercício das responsabilidades parentais, pelo que solicitou a citação da requerida para a conferência de pais a que alude o art. 35º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC).
Foi agendada data para a realização da conferência de pais mencionada no art. 35º do RGPTC.
Ainda antes da realização da conferência, a requerida, mãe do menor, por requerimento de 21 de Junho de 2017, veio dar conta que se encontrava pendente um processo de regulação das responsabilidades parentais em Angola, tendo sido proferida sentença, em 8 de Agosto de 2016, que homologou o acordo quanto a tal regulação, o que determinou a sentença proferida na acção n.º …/…, que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide; mais referiu que, por força do Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre a República Portuguesa e a República de Angola, as decisões em matéria de alimentos de menores são automaticamente reconhecidas, pelo que o processo deve ser extinto por existência de caso julgado.
Realizada a conferência de pais, em 22 de Junho de 2017, os progenitores acordaram quanto às questões de particular importância, a residência do menor, visitas em dias festivos, despesas médicas e medicamentosas e com livros e material escolar; mais acordaram num regime provisório quanto aos fins-de-semana que o menor deverá passar com o pai, jantares à quinta-feira e férias de Verão do ano então em curso e férias de Natal, não tendo sido obtido acordo no demais, designadamente, quanto aos alimentos devidos ao menor.
Foi determinada a intervenção dos serviços oficiais de mediação familiar.
Por decisão de 3 de Julho de 2017 foi homologado o acordo parcial, a título definitivo e o acordo provisório vertidos na acta de conferência de pais. Mais foi fixada, a título provisório, a pensão de alimentos a pagar mensalmente pelo progenitor, no montante de € 300,00 (trezentos euros) – cf. folhas 53 dos autos.
Por comunicação de 6 de Dezembro de 2017, a mediadora CN… deu conta da conclusão do processo de mediação, decorrente da informação da progenitora no sentido de que os resultados da mediação em nada abonam o menor, pelo que dá por terminado o processo.
Foi proferido despacho, com data de 26 de Fevereiro de 2018, que determinou a notificação das partes para apresentarem alegações ou arrolarem testemunhas e juntarem documentos, nos termos do art. 39º, n.º 4 do RGPTC.
O requerente apresentou as suas alegações concluindo pela fixação da pensão de alimentos em € 250,00 e pela regulação do exercício das responsabilidades parentais, com prévia realização da audiência de discussão e julgamento.
A requerida/recorrida apresentou também as suas alegações pugnando pela fixação do exercício das responsabilidades parentais tal como o delineou, com uma pensão de alimentos no valor de € 750,00 mensais ou a manutenção da quantia de € 300,00 mensais, acrescida de metade das despesas com a educação, mensalidade do colégio, fardas, material escolar, actividades extracurriculares e equipamentos desportivos, tendo requerido a produção de diversas diligências probatórias.
Com data de 19 de Março de 2018, a requerida dirigiu um requerimento ao processo em que dá conta do seguinte:
ü Em 21 de Junho de 2017, a requerida invocou a existência de uma decisão judicial e em consequência requereu a extinção do processo por força do caso julgado, juntando cópia da sentença de homologação do acordo alcançado no âmbito do processo …/D, que correu termos no Tribunal Provincial de Luanda – Sala de Família – …ª Secção, sobre o que ainda não recaiu despacho;
ü Em 5 de Julho de 2012, o ora requerente propôs acção especial de regulação do exercício das responsabilidades parentais, que correu termos no Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais, …º Juízo de Família e Menores, processo …/…;
ü Em 25 de Julho de 2012, o Exmo. Sr. Procurador Provincial da República Adjunto do Tribunal de Luanda supra referido intentou, em representação do menor dos presentes autos, contra os ora Requerente e Requerida, uma acção de regulação do exercício da autoridade parental, onde os progenitores, em 24 de Março de 2014, lograram acordo quanto à regulação do exercício da autoridade parental;
ü Em face desse acordo, o requerente apresentou, no dia 18 de Novembro de 2014, a desistência da instância no âmbito do processo nº …/… e em 18 de Abril de 2015, foi notificada a sentença ali proferida, nos termos da qual foi julgada extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, pelo facto de o exercício das responsabilidades parentais já se encontrar regulado;
ü Em 8 de Agosto de 2016, o acordo supra referido foi homologado por sentença proferida pelo Tribunal de Luanda, transitada em julgado em 27 de Junho de 2017;
ü Este Tribunal não deverá regular um regime que já está regulado e ainda para mais confirmado por um Tribunal português e a acção movida pelo requerente não é o meio próprio para alterar a regulação do regime já homologado por sentença;
ü Deverá, assim, ser reconhecida a decisão judicial proferida pelo Tribunal Angolano e em consequência, ser determinada a extinção da instância por violação de caso julgado, ou, assim se não entendendo, ser determinado o recurso a acção de revisão de sentença estrangeira, suspendendo-se os presentes autos até decisão final.
Em 2 de Maio de 2018, foi proferido despacho que, considerando que nos termos do disposto no art. 12º do Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre a República Portuguesa e a República de Angola, as decisões proferidas por um dos Estados Contraentes só terão efeito no outro após revisão e confirmação, ordenou que a progenitora informasse se iria solicitar a revisão da sentença junto do Tribunal da Relação.
Por requerimento de 11 de Maio de 2018, a requerida/recorrida informou que iria apresentar petição nesse sentido e em 29 de Junho de 2018 juntou comprovativo da entrada no Tribunal da Relação de Lisboa da acção de revisão e confirmação de sentença estrangeira, requerendo a suspensão da instância, nos termos do art. 272º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), por pendência de causa prejudicial.
O requerente, ora recorrente, pugnou pelo indeferimento da requerida suspensão da instância.
O Ministério Público junto do Tribunal de 1ª instância pronunciou-se no sentido de nada ter a opor à requerida suspensão (cf. folhas 218 dos autos).
Com data de 21 de Setembro de 2018, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
“PM… intentou contra RF… a presente ação com vista a regular as responsabilidades de AM…, nascido em 12.1.2011.
A mãe veio invocar que tais responsabilidades já se mostram reguladas por um tribunal de Angola.
Foi intentado e mostra-se pendente no Tribunal da Relação de Lisboa processo de revisão e confirmação da referida sentença.
Assim e tendo em conta aquele que é o objeto da presente ação, determino a suspensão da instância cfr. art. 272, nº 1 do CPC por força da pendência de causa prejudicial que terá, necessariamente, repercussão no desfecho dos presentes autos (caso a sentença estrangeira em causa venha a ser confirmada, extinguir-se-ão os presentes autos por inutilidade superveniente da lide).
A suspensão durará até que se mostre decidida, de forma definitiva, a causa prejudicial referida.
Notifique.”
Notificado desta decisão, com a Ref. Elect. 115036167, e com ela não se conformando, o requerente dela interpôs o presente recurso de apelação, concluindo a respectiva alegação do seguinte modo:
1. AM… e os seus progenitores têm nacionalidade Portuguesa e residem actualmente em Portugal.
2. Tendo estes residido em Angola, onde foi regulado Exercício da Autoridade Parental relativamente ao filho de ambos.
3. Após o regresso do Recorrido, da Recorrida e do filho de ambos a Portugal foi intentado pelo Recorrido uma acção para Regulação das Responsabilidades Parentais do seu filho.
4. A acção já se encontra a decorrer e inclusive já existe um acordo parcial entre os progenitores, o qual foi aceite livremente por ambos em conferência de pais relativamente ao Exercício das Responsabilidades Parentais.
5. Estando neste momento parcialmente regulado o Exercício das Responsabilidades Parentais do menor AM….
6. Face ao estado avançado do processo não faz qualquer sentido o retrocesso do mesmo.
7. Por conseguinte, não se consideram claros e válidos os argumentos utilizados para determinar a suspensão da instância.
8. Sendo claramente prejudicial a suspensão da instância proferida pelo tribunal atentando ao estado à fase avançado do processo em causa.
9. Realçar que nos termos do Código Civil Português, nomeadamente no seu artigo 57º que as relações entre pais e filhos são reguladas pela lei nacional comum dos pais.
10. Tendo nesse sentido de ser regulado o Exercício das Responsabilidades Parentais do menor à luz direito civil português.
11. Vem nestes termos o Recorrente requerer a revogação do Despacho de Suspensão da Instância.
Nestes termos e nos mais de Direito […] deve ao presente recurso ser concedido provimento, revogando-se o douto Despacho de Suspensão da Instância, de acordo com as conclusões que se deixam formuladas, dando-se seguimento à acção a correr termos.
A recorrida não apresentou contra-alegações.
O Ministério Público não contra-alegou.
* II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação (cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95).
Assim, perante as conclusões da alegação do apelante/requerente, a questão que se coloca consiste em saber se a pendência de acção especial de revisão de sentença estrangeira que regulou o exercício das responsabilidades parentais relativamente ao menor AM… constitui causa prejudicial relativamente à acção intentada pelo requerente para regulação dessas responsabilidades parentais.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
* III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra, sendo ainda de considerar os seguintes factos:
1. Com data de 5 de Julho de 2012, PM… intentou contra RF…, acção especial de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao filho de ambos, AM…, nascido em 12 de Janeiro de 2011, requerendo a designação de data para a realização da conferência de pais, o que deu origem ao processo n.º …/…, que correu termos pelo …º Juízo de Família e Menores do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais.
2. No âmbito do processo referido em 1., com data de 30 de Julho de 2013, foi proferido despacho judicial em que se ordenou que fosse solicitado ao Tribunal Provincial de Luanda – …ª secção da Sala de Família que informasse do estado da acção que corria termos nesse tribunal, registada no Livro competente n.º …, a fls. … verso sob o número …/D referente ao ano de 2012, nomeadamente, se o requerido já fora citado e informação sobre a decisão aí proferida, com nota de trânsito em julgado.
3. Por requerimento de 18 de Novembro de 2014, apresentado na acção referida em 1., PM… declarou desistir da instância, esclarecendo, por requerimento de 15 de Janeiro de 2015, que o motivo da desistência decorre do facto de as partes terem chegado a acordo no âmbito do processo que correu termos em Angola, que já está a ser cumprido por ambos os progenitores.
4. Com data de 18 de Fevereiro de 2015, foi proferida a seguinte decisão no processo referido em 1.: “Os presentes autos tinham por objecto regular o exercício das responsabilidades parentais relativamente ao menor AM…. Verifica-se, no entanto, que o exercício das responsabilidades parentais dos menores já se encontra regulado, conforme consta do requerimento de fls. 79. Assim sendo, por o seu objecto já se encontrar alcançado, nos termos do artigo 277º, al. d) do Código do Processo Civil, ex vi art. 161º da OTM, julga-se extinta a presente instância, por inutilidade superveniente da lide. Custas pela requerente. Valor da acção: o indicado no RI. Registe e notifique.”
5. No dia 1 de Agosto de 2012, foi autuada como petição inicial e documentos, registada no Livro competente n.º …, fls. … verso, sob o número …/D, processo de regulação do exercício da autoridade paternal, junto do Tribunal Provincial de Luanda – Sala de Família – …ª secção, em que é requerente o procurador provincial da República Adjunto, em representação do menor AM…, nascido em 12-01-2011, e são requeridos PM… e RF….
6. Com data de 24 de Março de 2014, PM… e RF… juntaram ao processo referido em 5. acordo sobre a regulação do exercício da autoridade parental relativo a AM…, de acordo com o qual o menor residiria com a mãe, ficando confiado à sua guarda e cuidados, sendo o poder paternal exercido por ambos os progenitores, devendo todas as decisões de particular importância para a vida daquele ser tomadas de comum acordo entre os progenitores, onde se estabeleceu o modo como as visitas ao progenitor com quem o menor não reside se processaria, obrigando-se o pai a contribuir para o sustento do menor com uma pensão de alimentos, no valor equivalente a € 950,00 mensais, valor que, encontrando-se o menor a residir em Portugal, será de € 750,00, estipulando ainda na respectiva cláusula Nona que o regime estabelecido vigorará igualmente em Portugal , enquanto o pai residir em Angola, devendo ser revisto quando tal deixar de acontecer, ou as circunstâncias de facto o justifiquem.
7. Em 8 de Agosto de 2016 foi proferida decisão no processo referido em 5. que homologou o acordo mencionado em 6., transitada em julgado em 27 de Junho de 2017.
8. A presente acção especial para regulação do exercício das responsabilidades parentais, intentada por PM… deu entrada em juízo em 23 de Fevereiro de 2017, tendo a requerida sido citada em 11 de Maio de 2017.
9. Na data referida em 8., ambos os progenitores e o filho AM… residiam em Portugal.
10. Em 29 de Junho de 2019, RF… apresentou junto do Tribunal da Relação de Lisboa, acção especial de revisão de sentença estrangeira, nos termos do disposto nos art.ºs 978º e seguintes do Código de Processo Civil, deduzida contra PM…, pedindo a revisão e confirmação da sentença de homologação do exercício da autoridade parental proferida no processo n.º …/D, do ano de 2012, pelo Tribunal Provincial de Luanda, …ª secção da Sala de Família.
*
Os factos elencados sob os pontos 1. a 9. baseiam-se nos elementos documentais constantes dos presentes autos, relevando, designadamente, quanto aos pontos 1., 2., 3., 4., 8. e 10., o conteúdo dos documentos juntos aos autos a fls. 98 a 109, 191 e 192, 193 a 196 e 197 a 199, 200 a 202, 2 a 13 e 34 e 35 e 206 a 212, respectivamente.
Os factos enunciados nos pontos 5., 6. e 7. são suportados pelo teor da certidão emitida pelo Tribunal Provincial de Luanda – …ª secção da Sala de Família relativamente ao conteúdo do processo n.º …/D, referente ao ano de 2012 e apenas enquanto reprodução de elementos que constam de tal certidão, tendo-se presente que nos termos do art. 978º, n.º 2 do Código de Processo Civil, a revisão é dispensada quando a decisão estrangeira é invocada em processo pendente nos tribunais portugueses como simples meio de prova sujeito à apreciação de quem há-de julgar a causa (cf. José Alberto dos Reis, Processos Especiais, Volume II – Reimpressão, Coimbra 1982, pág. 150).
O ponto 9. emerge da admissão de tal facto tal como decorre do conteúdo dos articulados apresentados nos autos pelas partes.
*
3.2. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
Na decisão recorrida considerou-se que a pendência do processo de revisão e confirmação da sentença proferida pelo Tribunal de Luanda, que homologou o acordo a que os progenitores do menor AM…, os aqui recorrente e recorrida, chegaram quanto ao exercício das responsabilidade parentais constitui causa prejudicial relativamente aos presentes autos, dado que se a sentença vier a ser confirmada este processo deverá extinguir-se por inutilidade superveniente da lide.
O requerente/recorrente insurge-se contra o assim decidido alegando que com a presente acção visa instituir um regime totalmente novo e conforme com a realidade actual vivida em Portugal, dado que o regresso de todos os interessados a este país retirou o efeito àquela decisão, para além do que, sem ter sido objecto de revisão, a sentença do Tribunal de Luanda não tem qualquer valor jurídico em Portugal, pelo que o exercício das responsabilidades parentais não estava aqui regulado; mais refere que as responsabilidades parentais estão já parcialmente reguladas, não fazendo sentido retroceder em todo o processo, sendo fundamental atender ao superior interesse da criança.
De acordo com o disposto no art. 272º, n.º 1 do CPC “O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.”
A prejudicialidade de uma causa em relação a outra afere-se quando a decisão de uma acção pode prejudicar a decisão da outra, isto é, quando a procedência da primeira tira razão de ser à existência da segunda, inutilizando os efeitos pretendidos nesta.
Como refere o professor José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Volume 3º, pág. 206 – “Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da primeira tira a razão de ser à existência da segunda», precisando, depois, que «sempre que numa acção se ataca um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, aquela é prejudicial em relação a esta».
“A lei dá ao juiz a faculdade, mas lhe não impõe a obrigação, de suspender a instância quando haja pendência de causa prejudicial. […] O critério aferidor decisivo dessa relação ou «nexo de dependência» reside em vir controvertida na causa prejudicial uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica relevante para a decisão de outro pleito. Na expressão de Alberto dos Reis, «uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda» […]
“Obtempera, entretanto, o Prof. Manuel de Andrade, que «verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá (existirão) quando, na primeira causa, se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta última por via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não é reprodução, pura e simples, da primeira. «Mas nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade, em ordem a abranger outros casos. Assim, será prejudicial em relação a outra (em que se discute a título incidental uma dada questão) a causa em que a mesma questão é discutida a título principal».” – cf. Francisco Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume I, 2ª edição, pp. 535- 536.
Assim, uma causa dependerá do julgamento de outra quando na causa “prejudicial” se apreciem questões cuja resolução possa modificar a situação jurídica que tem de ser considerada para a boa apreciação do litígio naquela – cf. neste sentido, entre muitos outros, Ac. STJ de 28.05.1997, 20.11.1990 e 4.05.2000; Ac. TRL de 25.01.1999 e de 5.07.2000, todos mencionados na página da Internet com o endereço www.dgsi.pt.
De referir que não será de ordenar a suspensão da instância quando haja razões para crer que a causa prejudicial foi intentada apenas para se obter a suspensão ou quando a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens – cf. art. 272º, n.º 2 do CPC.
Na presente acção, intentada em 23 de Fevereiro de 2017, o requerente visa obter a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao filho menor que tem em comum com a requerida/recorrida, AM…, sendo evidente, face aos factos enunciados nos pontos 5., 6. e 7., que a regulação desse exercício foi objecto de decisão judicial no âmbito do processo n.º …/D, que correu termos pelo Tribunal Provincial de Luanda – …ª secção da Sala de Família.
A requerida, ora recorrida, pugnou pela suspensão da presente instância construindo a seguinte apreciação jurídica: a acção de revisão da sentença proferida pelo Tribunal de Luanda pode vir a declarar que a sentença angolana que regula as responsabilidades parentais relativamente ao menor AM… está em condições de produzir efeitos em Portugal, logo é prejudicial em relação à presente acção, na qual se visa, precisamente, regular o exercício de tais responsabilidades (uma vez que os efeitos da sentença proferida numa acção declarativa se produzem ex tunc, ou seja, transitada em julgado a decisão da acção de revisão, a sentença angolana ficaria a valer desde a respectiva prolação, esgotando o conhecimento do mérito da respectiva questão). Perante este enquadramento restaria ao recorrente aguardar pela confirmação da decisão angolana para então, através de uma acção de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais, vir requerer nova regulação.
Neste sentido parece ter apontado a decisão sob recurso, posto que suspendeu a instância precisamente por entender que a decisão angolana, uma vez revista e produzindo efeitos em Portugal, retiraria qualquer utilidade à presente acção.
Adianta-se, desde já, que não se acompanha tal entendimento.
Como decorre do estatuído no art.º 706º, n.º 1 do CPC, sem prejuízo do estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, as sentenças proferidas por tribunais ou por árbitros em país estrangeiro só podem servir de base à execução depois de revistas e confirmadas pelo tribunal português competente.
De igual modo, o art. 978º, n.º 1 do CPC reitera que nenhuma decisão sobre direitos privados (ou seja, que verse sobre relações jurídicas de natureza civil, ou sobre relações jurídicas de natureza comercial), proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada.
Do disposto em tal normativo resulta que:
a) A revisão e a confirmação são necessárias para que a decisão tenha eficácia em Portugal (salvo o que se ache estabelecido m tratados, convenções e regulamentos da União Europeia);
b) Dispensa-se a revisão quando a decisão for invocada em processo pendente nos tribunais portugueses como simples meio de prova sujeito à apreciação de quem há-de julgar a causa.
Nestas circunstâncias, tal como refere J. Alberto dos Reis, sendo exigida a revisão para que a sentença tenha eficácia em Portugal, é evidente que não pode uma sentença estrangeira ser invocada, perante tribunal português, como caso julgado, sem que esteja revista e confirmada – cf. op. cit., pág. 150; cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22-03-2018, relatora Elisabete Valente, processo n.º 2759/10.8TBSTB.E1 disponível em www.dgsi.pt.
É sabido que o sistema português de revisão de sentenças estrangeiras assenta no sistema de delibação, isto é, de revisão meramente formal, o que significa que o Tribunal, em princípio, se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma, não conhecendo do fundo ou mérito da causa. Desde que o Tribunal nacional se certifique de que tem perante si uma verdadeira sentença estrangeira, deve reconhecer-lhe os efeitos típicos das decisões judiciais – cf. José Alberto dos Reis, Processos Especiais, volume II – Reimpressão, 1982, pág. 141; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2011, relator Paulo Sá, processo n.º 987/10.5YRLSB.S1 disponível em www.dgsi.pt.
Assim, a acção de revisão de sentença estrangeira é uma acção de simples apreciação ou declaração, isto é, o tribunal nada mais faz do que verificar se a sentença estrangeira está em condições de produzir efeitos em Portugal – cf. J. Alberto dos Reis, op. cit., pág. 204; cf. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2018, pág. 79 - nas acções declarativas a pretensão do autor surge tipificada pela perspectiva da situação subjectiva que é objecto do efeito jurídico requerido, de tal modo que se a situação jurídica subjectiva (ou um facto jurídico a ela atinente) é apenas reconhecida, sendo a acção um “simples espelho de direitos” anteriores, trata-se de acção de simples apreciação (efeito enunciativo).
À data em que o aqui recorrente intentou a presente acção (23 de Fevereiro de 2017) não havia na ordem jurídica portuguesa qualquer outra acção relativa ao exercício das responsabilidades parentais quanto ao menor AM….
Diversamente do que se entendeu na decisão proferida em 18-02-2015, no processo n.º …/…, não só ainda não havia uma decisão homologatória do acordo alcançado pelos progenitores no âmbito do processo número …/D de regulação do exercício da autoridade paternal, junto do Tribunal Provincial de Luanda – Sala de Família – …ª secção (homologação apenas prolatada em 8 de Agosto de 2016 – cf. ponto 7. da matéria de facto provada), como não existia, naturalmente, qualquer decisão de revisão e confirmação da sentença estrangeira que veio a incidir sobre tal acordo.
Na ausência de tal revisão era evidente que quer o acordo, quer a decisão que sobre ele incidiu não tinham eficácia na ordem jurídica interna portuguesa.
E a tanto não obsta a circunstância de entre Portugal e Angola vigorar o Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre a República Portuguesa e a República de Angola, aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 11/97, publicada no D.R. n.º 53, Série I-A, de 4 de Março de 1997, porquanto o art. 12º, n.º 1 deste Acordo faz depender a eficácia das decisões proferidas pelos tribunais de cada um dos Estados Contratantes sobre direitos privados, no território do outro, precisamente, da sua revisão e confirmação, com excepção das situações enunciadas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do referido normativo legal (decisão invocada em processo pendente como simples meio de prova e decisões destinadas a rectificar erros de registo civil, desde que não decidam questões relativas ao estado das pessoas).
Por outro lado, diversamente do que parece sustentar a requerida nos requerimentos que apresentou nos autos, as normas dos artigos 14º e seguintes do Acordo acima referido também não permitem concluir pela desnecessidade de revisão da decisão estrangeira aqui em referência.
Na verdade, o que se prevê no Capítulo II do Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre a República Portuguesa e a República de Angola é referente às decisões em matéria de obrigações alimentares provenientes de relações de parentesco, casamento e afinidade proferidas por tribunais de um Estado Contratante e às transacções celebradas sobre esta matéria perante essas entidades e entre essas pessoas e contende com o reconhecimento ou declaração de executoriedade de tais decisões, proferidas em matéria alimentar e com vista à cobrança dos valores devidos a esse título, reconhecimento que sempre deverá observar os trâmites previstos nos art.ºs 15º e 26º e seguintes do Acordo.
Na situação sub judice não se trata de obter o reconhecimento e a execução da obrigação de alimentos (também fixada, é certo, no contexto do acordo homologado) mas, mais do que isso, de se regular em toda a extensão o exercício das responsabilidades parentais relativamente
De notar que, como é evidente, a decisão proferida no processo n. ao menor AM….º …/… que declarou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, considerando que o fim visado – a regulação do exercício das responsabilidades parentais – já se mostrava alcançado por via do acordo obtido no processo n.º …/D do Tribunal Provincial de Luanda – …ª secção da Sala de Família baseia-se em dois pressupostos errados: 1º) à data em que foi proferida a decisão (18-02-2015) ainda não fora proferida qualquer sentença no processo que corria termos junto do Tribunal de Luanda; 2º) o acordo obtido entre os progenitores e a decisão que sobre ele incidiu, não tinham então eficácia na ordem jurídica portuguesa.
Assim, não tem qualquer sentido a afirmação da requerida (constante do requerimento por esta apresentado em 19 de Março de 2018) de que a decisão proferida no processo n.º …/… confirmou a decisão de homologação referida no ponto 7. da matéria de facto, o que, desde logo, pela precedência da primeira em relação à segunda, sempre seria cronologicamente insustentável.
E se ao momento da decisão proferida no processo n.º …/… não existia qualquer regulação válida em Portugal do exercício das responsabilidades parentais quanto ao menor AM…, tal situação mantinha-se inalterada à data da interposição da presente acção, como se mantém actualmente, posto que não há notícia de que já tenha sido proferida decisão, com trânsito em julgado, no âmbito da acção de revisão de sentença estrangeira referida no ponto 10. da matéria de facto.
Neste contexto, qualquer acção a propor a respeito do exercício das responsabilidades parentais quanto ao menor AM…, na jurisdição nacional, teria de ser necessariamente uma acção especial de regulação do exercício das responsabilidades parentais, cujo procedimento se encontra previsto nos art.ºs 34º e seguintes e 43º, n.º 1 do RGPTC, tal como a presente, dado que ao momento da sua interposição não se achava regulado tal exercício, nem em vias de o ser, em Portugal.[1]
Deste modo, o pedido de regulação em Portugal, a título definitivo, do exercício das responsabilidades parentais quanto ao menor MA… é o que consta da presente acção - cf. no mesmo sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10-10-1995, relator Pires da Rosa, processo n.º 608, CJ Ano XX, 1995, Tomo IV, pág. 33; acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 8-05-2012, relator Carlos Marinho, Processo n.º 23/11.4T2OBR.C1 disponível em www.dgsi.pt.
A acção de revisão da sentença proferida pelo Tribunal Provincial de Luanda foi intentada já depois da instauração desta acção.
De todo o modo, ainda que venha a ser proferida decisão de revisão que confira eficácia na ordem jurídica portuguesa ao ali decidido, retroagindo os seus efeitos à data do trânsito em julgado de tal decisão estrangeira (27-06-2017), sempre se deverá entender que a pendência dessa acção de simples apreciação não constitui causa prejudicial relativamente à presente.
Por um lado, ainda que a relação de prejudicialidade deva ser aferida por referência à pendência junto do Tribunal da Relação de Lisboa de uma acção para revisão de sentença estrangeira (e não relativamente à pendência de um processo perante tribunal estrangeiro), é de toda a utilidade convocar aqui a circunstância de, inexistindo actualmente qualquer regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao menor em causa, suspender a presente acção onde tal pretensão foi formulada, quando as partes são portuguesas e em que a lei portuguesa é a competente para regular a situação jurídica (cf. art. 57º do Código Civil), com fundamento na possível eficácia em Portugal de uma decisão proferida em Angola, seria, de certo modo, retirar ao Tribunal português a competência que a sua própria lei lhe atribui para regular a presente situação – cf. neste sentido, ainda que em situação não inteiramente coincidente e por referência à pendência de acção perante tribunal estrangeiro, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-05-1994, relator Martins da Fonseca, processo n.º 85.370, CJ (STJ) Ano II, 1994, Tomo II, pág. 119.
Por outro, há que ter presente que a possível confirmação da decisão de homologação do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais proferida pelo Tribunal Provincial de Luanda não terá a virtualidade de prejudicar a decisão que venha a ser proferida nesta acção.
Com efeito, inexistindo qualquer regulação eficaz em Portugal, o regime que aqui venha a ser estipulado, porque fixado num momento actual, com apreciação das circunstâncias que hoje se verificam, não poderá ser afectado pelo regime anteriormente fixado que se louvou numa realidade pretérita e, desde logo, no facto de o menor residir então em Angola, assim como os progenitores, o que hoje já não se verifica.
De notar, em abono do referido, que a decisão proferida em acção de regulação de responsabilidades parentais pode sempre ser objecto de alteração, em função de circunstâncias supervenientes (cf. art. 42º, n.º 1 do RGPTC e art. 988º, n.º 1 do CPC).
Na verdade, a acção de regulação das responsabilidades parentais tem a natureza de jurisdição voluntária – cf. art.º 12º do RGPTC –, a que são aplicáveis as normas dos art.ºs 986º a 988º do CPC.
Os processos de jurisdição voluntária regem-se pelos princípios fundamentais do inquisitório, no domínio da instrução do processo (cf. art. 986º do CP), pelo predomínio dos critérios da equidade sobre os critérios de legalidade estrita (art. 987º), pela livre modificabilidade das decisões (resoluções) ou providências de jurisdição voluntária (art. 988º, n.º 1), pela inadmissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade, que não sejam, pois, de mera legalidade (art. 988º, n.º 2) – cf. F. Ferreira de Almeida, op. cit., pág. 148.
A revogabilidade das resoluções proferidas nos processos de jurisdição voluntária não significa que em tais processos não se forma o caso julgado (que ocorre nos exactos termos previstos nos art.ºs 620º e 621º do CPC), mas apenas que o caso julgado não reveste a característica da irrevogabilidade. Ou seja, qualquer resolução pode ser livremente alterada, embora haja transitado em julgado – cf. J. Alberto dos Reis, op. cit., pág. 403.
Como tal, nem o caso julgado decorrente do eventual reconhecimento da decisão estrangeira referida em 7., nem os pressupostos considerados em tal decisão, terão a virtualidade de afectar a decisão que venha a ser proferida nestes autos, em face daquelas que são as circunstâncias que hoje se verificam relativamente ao menor e seus progenitores, de modo que se torna inviável afirmar que a decisão que venha a ser proferida na acção de revisão de sentença estrangeira pode prejudicar a decisão a proferir neste processo e menos ainda que lhe tire razão de ser. O circunstancialismo que o requerente hoje invoca e que é determinante para o modelo da regulação que propõe não depende daquele outro que foi considerado no processo que correu termos junto do Tribunal Provincial de Luanda, nem este constitui seu pressuposto, pelo que se mostra arredada a invocada prejudicialidade.
De novo, convém relembrar que num processo de jurisdição voluntária, ou seja, num processo em que não há, por regra, um conflito de interesses a compor, mas um só interesse a regular, embora podendo haver um conflito de opiniões ou representações acerca dele, o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, com vista a satisfazer o interesse preponderante que, no caso, é o do menor – cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25-11-2014, relator João Diogo Rodrigues, processo n.º 2370/07.0TBVNG-A.P1 disponível na base de dados do ITIJ em www.dgsi.pt.
Em conformidade com o estatuído no art. 4º do RGPTC, os processos tutelares cíveis aí regulados regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de protecção de crianças e jovens em perigo e ainda pelos enunciados nesse normativo legal.
Entre esses princípios figura, desde logo, o interesse superior da criança e do jovem, isto é, “a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto. O interesse superior da criança deve ser entendido como “o direito da criança ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.” – cf. art. 4º, a) da LPCJP; Tomé d`Almeida Ramião, Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado e Comentado, 3ª edição, pág. 23.
A Convenção sobre os Direitos da Criança assinada em Nova Iorque em 26-01-1990 e aprovada pela Resolução da AR n.º 20/90, publicada no DR nº 211/90, Série I, 1º Suplemento, de 12-09-1990, impõe também que se atenda ao “superior interesse da criança” dispondo no seu art.º 3º, n.º 1: “Todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas, ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.”
Enquanto conceito vago e genérico, o interesse da criança deverá ser um conceito a respeitar com discricionariedade e bom senso, de modo a salvaguardar o exercício efectivo dos direitos da criança.
Como bens e interesses prioritários da criança identificam-se a vida, a sobrevivência, a integridade física e psíquica e a liberdade; como bens ou interesses protegidos, a integridade moral, a identidade pessoal, a autonomia e o desenvolvimento da personalidade, a liberdade pessoal, e bem assim o interesse em serem educados pelos pais e a viver com eles (cf. art.ºs 25º, 26º, n.º 1, 27º, n.º 1 e 2 e 36º, n.ºs 5 e 6 da Constituição da República Portuguesa).
Em respeito ao fim visado com a presente acção e tendo por referência que importa salvaguardar o bem-estar do menor, a sua integridade física e psíquica, a sua identidade pessoal, que depende, naturalmente, do convívio com ambos os progenitores e cujo desenvolvimento carece da colaboração de ambos e da respectiva contribuição para o seu sustento, ainda que se houvesse de considerar uma prejudicialidade decorrente da acção de revisão de sentença estrangeira – que, reitera-se, não se constata -, sempre os interesses que aqui devem ser atendidos em primeira linha, tendo em conta que o exercício das responsabilidades parentais não encontram ainda regulação eficaz na jurisdição nacional e, bem assim, o estado em que os autos se encontram (em condições de realização da audiência de julgamento), aconselharia ao prosseguimento da presente acção, atentos os prejuízos que poderiam advir da sua suspensão – cf. art. 272º, n.º 2, in fine do CPC; o tribunal não pode ordenar a suspensão se o adiantamento da causa for tal que, considerado o tempo previsível de duração da acção prejudicial, os prejuízos da suspensão superem as vantagens – cf. J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 3ª edição, pág. 536.[2]
Em conformidade com o acima expendido, sabendo-se que, até à concessão do exequatur, a sentença estrangeira é desprovida de efeitos no ordenamento jurídico nacional, nada obsta quer à instauração da presente acção perante Tribunal nacional, quer ao respectivo prosseguimento, apesar da pendência de acção de revisão de sentença proferida por tribunal estrangeiro que regulou as responsabilidades parentais quanto ao menor aqui em causa, que, pelas razões atrás explanadas, não constitui causa prejudicial quanto a esta, nos termos do art. 272º, n.º 1 do CPC.
Assim, impõe-se revogar a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que determine a observância dos trâmites processuais subsequentes que se impuserem.
* Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do RCP, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
O recorrente logrou obter o reconhecimento da pretensão recursória que trouxe a juízo, pelo que as custas (na vertente de custas de parte) ficam a cargo da requerida/recorrida, ainda que não tenha contra-alegado (cf. neste sentido, Salvador da Costa, As Custas Processuais - Análise e Comentário, 7ª edição, pág. 8).
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em:
a) julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que dê prosseguimento aos trâmites processuais subsequentes.
As custas ficam a cargo da requerida/apelada.
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Lisboa, 8 de Janeiro de 2019
Micaela Sousa Maria Amélia Ribeiro Dina Maria Monteiro
[1] A competência dos tribunais portugueses sempre seria afirmada positivamente à luz do art. 5º da Convenção relativa à Competência, à Lei Aplicável, o Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e de Medidas de Protecção das Crianças, concluída em 19-10-1996, aprovada pelo Decreto n.º 52/2008, de 13-11, publicado no D.R., 1ª Série, n.º 221, de 13-11-2008, embora Angola não seja Parte Contratante ou a haja ratificado; e ainda em face do disposto no art.º 62º, a) do CPC e no art. 9º, n.º 1 do RGPTC. [2]cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 6-10-2016, relator Canelas Brás, processo n.º 181/14.6TMSTB-B.E1 disponível em www.dgsi.pt - “[…] tudo deve ser feito para que os processos prossigam os seus normais termos e atinjam os fins a que normalmente tendem: resolução de problemas a quem precisa de se dirigir ao sistema de justiça português. De outro modo, constrói-se o processo como um fim em si mesmo, formalmente, apenas servindo para arranjar entraves ao conhecimento do mérito das acções ou seus incidentes (note-se que vigoram, entre nós, como é sabido, os princípios pro actione e in dubio pro favoritatae instantiae, em ordem precisamente a que se consiga nos processos uma tutela jurisdicional efectiva).”; cf. A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, pág. 315 - “[…] o juiz deve negar a suspensão fundada na prejudicialidade quando se demonstrar que a acção foi intentada precisamente para se obter a suspensão de outra ou, independentemente disso, quando o estado da causa tornar gravemente inconveniente a suspensão. É que não pode ignorar-se que a suspensão obsta a que a instância prossiga naturalmente, o que pode revelar-se gravoso para os interesses que o autor procurou acautelar. Daí que, nessas situações, cumpra apreciar na acção todas as questões que tenham sido suscitadas.”