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BURLA QUALIFICADA
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS
EXAME PERICIAL
PROVA TESTEMUNHAL
APRECIAÇÃO DA PROVA
Sumário
No caso de inexistência de exame pericial à letra da assinatura aposta num determinado documento particular, a prova em audiência de julgamento da falsidade da mesma, não resulta automaticamente excluída.
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, e decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos.
A prova da falsidade da assinatura de um cidadão titular de uma conta bancária, que tenha sido aposta num determinado documento particular interno da instituição bancária onde está sedeada essa sua conta, no caso da inviabilidade da realização da prova pericial, pode ainda ser feita através do recurso à análise crítica e conjugada da prova testemunhal e documental e aos princípios ditados pelas regras da experiência de vida e pelos juízos de presunção.
Texto Integral
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.
I–RELATÓRIO:
1– Os arguidos AA..., solteiro, empregado comercial, natural da freguesia de São S... P..., concelho de L..., nascido a ... ... ..., filho de António... e de Alexandrina..., residente na Rua P...L...P... nº..., ...Dto,-O... e AD..., solteiro, consultor financeiro, natural da freguesia de São D...B..., concelho de L..., nascido a ... ... ..., filho de Gualberto... e de Ester..., residente na Rua V...S..., nº... ... Dtº, -O..., foram acusados pelo M.P da prática em co-autoria material e em concurso real e efectivo, de: – um crime de falsificação de documento, p.p. pelo artigo 256º/1/a) do Código Penal; e – um crime de burla qualificada p.p pelos artigos 217º e 218º/2/a) do Código Penal; Foi requerida a abertura de instrução, vindo os dois arguidos a ser pronunciados no termo desta, pelos exactos crimes que lhes haviam sido imputados pelo M.P nos termos constantes da decisão instrutória de fls 370/371 cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido.
O Demandante e ofendido Nuno... apresentou pedido de indemnização cível nos termos constantes de fls 261/269, pedindo a condenação solidária dos demandados AA..., AD... e B.BanK.P... a pagarem-lhe a quantia de 90.000$00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa legal, desde 24.2.2008. O arguido AA... apresentou contestação nos termos constantes de fls 539/544 dos autos (aceite por despacho de fls 547), pugnando pela sua absolvição da acção crime e da acção cível invocando para o efeito a seguinte argumentação de facto: – foi gestor de conta B.Bank.P... no balcão da Alta e Lisboa; – não autorizou movimentos a descoberto no valor de € 88.049,27 na conta nº 2..........8 de que era titular naquele banco a sociedade denominada “Circuito H... A...”; – Importação e exportação Lda, de que era sócio gerente AD...; – os mesmos foram autorizados por superiores hierárquicos do arguido; – não forjou assinaturas; O arguido AD... apresentou contestação nos termos constantes de fls 431/432 (aceite por despacho de fls 450) negando a prática dos factos constantes da acusação e oferecendo o merecimento dos autos.
A demandada “B.Bank.P...” apresentou contestação cível nos termos constantes de fls 482/485 concluindo pela sua absolvição do pedido.
Por despacho datado de 5.4.2016 de fls 824/825 o Tribunal “a quo” decidiu julgar “o pedido de indemnização cível deduzido pelo demandante Nuno... parcialmente improcedente, por manifesta falta de causa de pedir e consequentemente, absolvo a demandada “B.Bank.P...”
Foram então sujeitos a julgamento os dois arguidos e demandados pessoas singulares, na 1ª secção da Instância Central Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, e aí condenados por Acórdão lido em 24.5.2016 (fls 871 a 915), pela prática em 29.9.2011 de factos que integram: – em relação ao arguido AA... em co-autoria material e na forma consumada, um crime de falsificação de documento, p.p. pelo artigo 256º/1/a) do Código Penal e um crime de burla qualificada p.p pelos artigos 217º e 218º/2/a) do Código Penal, nas penas parcelares respectivamente de 12 (doze) meses e de 3 (três) anos de prisão, por cada um dos referidos crimes e em cúmulo jurídico ao abrigo do artº 77°, nº 1, do C. Penal, foi condenado na pena única de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova a homologar e com a condição de pagar € 30.000,00 (trinta mil euros) durante o período da suspensão da execução a pena e por conta da indemnização cível fixada. – em relação ao arguido AD... em co-autoria material e na forma consumada, um crime de falsificação de documento, p.p. pelo artigo 256º/1/a) do Código Penal e um crime de burla qualificada p.p pelos artigos 217º e 218º/2/a) do Código Penal, nas penas parcelares respectivamente de 12 (doze) meses e de 3 (três) anos de prisão, por cada um dos referidos crimes e em cúmulo jurídico ao abrigo do artº 77°, nº 1, do C. Penal, foi condenado na pena única de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova a homologar e com a condição de pagar € 30.000,00 (trinta mil euros) durante o período da suspensão da execução a pena e por conta da indemnização cível fixada.
No Acórdão acabado de mencionar foram ainda os dois arguidos e demandados acima identificados, condenados a pagar ao ofendido e demandante Nuno..., solidariamente, uma indemnização pelos danos patrimoniais no valor de € 90.000,00 (noventa mil euros), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa anual de 4% até integral pagamento.
2– Os dois arguidos não se conformaram com a decisão condenatória do Tribunal de 1ª instância e dela interpuseram recurso (fls 1105 a 1149 e fls 1063 a 1091) os quais foram recebidos e analisados pelo Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu por Acórdão proferido em 20.9.2017 (fls 1191 a 1231) determinar a baixa do processo à 1ª instância para aí serem sanados vícios de que padecia o Acórdão do Tribunal a quo datado de 24.5.2016, fundamentando o mesmo de acordo com o exigido pelo artº 374º/2 do C.P.P, nos exactos termos assinalados pela Relação.
3– Por despacho proferido nos autos em 6.12.2017, foi declarado extinto por óbito, o procedimento criminal instaurado contra o arguido AA....
4– Em obediência ao decidido pela Relação de Lisboa em 20.9.2017, veio então a ser então proferido na 1ª instância um novo Acórdão datado de 18.12.2017 (fls 1272 a 1316) onde o Tribunal a quo decidiu nos seguintes transcritos termos: Nos termos e pelos fundamentos expostos, os Juízes que compõem o Tribunal Colectivo deliberaram: A– condenar o arguido AD... pela prática, em co-autoria material e em concurso real de infracções, de:
- um crime de falsificação de documento, p. e p., no artigo 256.º n.º 1 alínea a) do Código Penal, na pena parcelar de 12 (doze) meses de prisão;
- um crime de burla qualificada, p. e p., nos artigos 217.º n.º 1 e 218.º n.º 2 alínea a) com referência ao 202.º alínea b) do Código Penal, na pena parcelar de 3 (três) anos de prisão;
- em cúmulo jurídico de penas nos termos do artigo 77.º do Código Penal na pena única de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova a homologar e com a condição de pagar € 30.000,00 (trinta mil euros) a Nuno..., durante o prazo de suspensão da execução da pena de prisão e por conta da indemnização cível fixada. Mais vai o arguido AD... condenado em 3 UC de taxa de justiça e nas custas. B– condenar os demandados AA... e AD... a pagar solidariamente ao demandante Nuno... a quantia de € 90.000,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa anual de 4% e devidos desde 30/04/2015 até integral pagamento. Custas da parte cível a cargo dos Demandados AA... e AD...”
5– O arguido AD... não se conformou com este novo Acórdão e dele veio interpor recurso (fls 1329 a 1343).
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes (transcritas) conclusões:
I– O dever de fundamentação das sentenças tem consagração constitucional no artº 205º da Constituição da República Portuguesa ao prescrever que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei, o que remete para a lei ordinária, ou seja, o disposto no artº 374º nº 2 do C. Processo Penal. II– A norma deste Código exige que da fundamentação conste uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. III– Cremos que o dever de fundamentação não é compatível com a mera enumeração dos meios de prova utilizados sem a explicitação do processo de convicção do tribunal de forma a que se perceba qual foi o fio condutor entre a decisão da matéria de facto (resultado) e os meios de prova que foram usados na aquisição da convicção (fundamentos) citando Abrantes Geraldes. IV– Não obstante a sentença proferida em 1ª instância tenha sido julgada nula pelo Tribunal da Relação de Lisboa o douto Acórdão proferido em 20/9/2017 e nele ter sido determinado a baixa do processo à 1ª instância para suprimento dos vícios detectados, verificamos que à excepção de um (explicação do funcionamento quanto ao resgate de produtos financeiros e das transferências bancárias) mais nenhum vício foi suprido, pelo que mantemos neste recurso a questão da falta de fundamentação da sentença. V– Lendo atentamente a motivação da decisão de facto verificamos a indicação dos meios de prova, mas não a apreciação crítica da forma a que se perceba porque foram julgados provados os factos supra referidos. VI– É certo que a dado passo consta da sentença que em face do descoberto existente na conta da Circuito H... A... no B.Bank.P... os arguidos depararam-se com um problema, mas se é certo que se compreende a existência de um problema para o arguido AA... porque não tinha competência para proceder a essa autorização, não se vê qual seria o problema do arguido AD.... VII– Refere-se na sentença que teria ocorrido uma situação semelhante anteriormente com a movimentação de 25.000 euros na conta do ofendido, mas da prova produzida, nomeadamente do depoimento da testemunha Paula... não resulta que tal movimentação tenha alguma semelhança com a dos autos (cfr. depoimento desta testemunha entre as 15h16m48s e 15h54m50s do dia 5/4/2016, conforme consta da respectiva Acta). VIII– Refere-se ainda na sentença que o arguido AD... conhecia bem a rotinas dos cunhados, mas esta convicção não resulta de nenhum meio de prova nem testemunhal, nem documental. IX– Da prova produzida, concretamente do depoimento da testemunha Paula... resulta que mensalmente recebia extractos do B.Bank.P..., pelo que só por negligência é que demorou mais de quatro meses a detectar o movimento de 90.000 euros e nada permite concluir que o arguido AD... sequer pudesse suspeitar dessa "rotina" tanto mais que a cunhada apesar de licenciada em arquitectura não exerce a profissão e é ela quem confessadamente gere as contas bancárias do casal. X– Equivale a falta de fundamentação da sentença nos termos do artigo 374º nº 2 do C.P.Penal a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, sem que se perceba à luz das regras da experiência ou dos meios de prova indicados qual foi o fio condutor entre a decisão da matéria de facto e os meios de prova que foram usados na aquisição da convicção, sendo inconstitucional a interpretação daquela norma que possibilite ao Tribunal não convencer do bem fundado da sua decisão e antes lhe permita especular ou extrair presunções sem qualquer suporte probatório. XI– Ouvindo atentamente toda a prova testemunhal constante da gravação não encontramos nenhum depoimento que permita comprovar que os arguidos engendraram um plano para se apropriarem dos fundos existentes na conta de Fundo O... nº 1..........1 (Facto 5) e que dessa forma lograram operar a transferência descrita e apropriar-se dos montantes referidos (Facto 6) e que agiram livre, voluntária e conscientemente, querendo forjar o documento em causa, como se verdadeiro se tratasse, fazendo crer que Nuno... ordenava a transferência e o havia emitido e assinado, colocando em causa a fidedignidade deste tipo de documento e prejudicando-o e a Paula... (Facto 7) e que pela forma descrita, tinham propósito que concretizaram de alcançar para si um benefício ilegítimo, traduzido em fazer seus os montantes titulados pela transferência, bem sabendo que não tinham direito ao valor dos mesmos e prejudicando Nuno... e Paula... nesses mesmos montantes (Facto 8) e que sabiam que tais condutas não lhes eram permitidas (Facto 9).
XII– Ouça-se com efeito o depoimento das testemunhas:
Nuno... entre as 12h 15m e 51s e as 12h52m 49s do dia 5/4/2016 conforme consta da respectiva Acta. Gonçalo... entre as 15h16m 48s e 15h54m50s do dia 5/4 Paula... entre as 15h54me 52s e as 16h28m56s do dia 5/4/2016, conforme consta da respectiva Acta. Sónia... entre as 14h29m49s e as 14h53m25s do dia 26/4/2016, conforme consta da respectiva Acta. Pedro... entre as 14h53m27s e 15h12m10s do dia 26/4/2016, conforme consta da respectiva Acta. E concluir-se-á sem margem para dúvidas que nenhuma destas testemunhas faz nenhuma referência (ainda que vaga) ou sugira sequer que os arguidos engendraram um plano para abusar da assinatura do queixoso, o que significa que os factos provados e supra referidos não se baseiam em nenhum facto verificável e decorrem de meras presunções e especulações, salvo o devido respeito.
XIII– Até porque a prova documental referida supra e que também baseia a decisão sobre a matéria de facto apenas referem o seguinte: Fls 14-25 são reclamações da Paula..., respostas do B.Bank.P... e correspondência entre este e o queixoso relacionado com a movimentação de 90.000 euros. Fls 60-64 é correspondência entre o B.Bank.P... e o queixoso. Fls 129-134 é a certidão permanente do registo comercial da Circuito H... A... - Imp. Exp. U..., Lda .. Fls 138-139 é correspondência entre o B.Bank.P... e o cliente. Fls 145-150 são documentos internos do B.Bank.P... sobre a transferência bancária. Fls 167-175 e fls 179-187 é correspondência entre o B.Bank.P..., O DIAP e a Circuito H... A... - Imp. Exp. U..., Lda. e fichas de assinatura deste. Fls 580-736 constitui o procedimento do B.Bank.P... quanto ao Descoberto em contas D. O. de Clientes Empresas. Basta um exame atento e a leitura destes documentos para se concluir que em nenhum deles se surpreende a mínima referência ou menção aos factos dados como provados e objecto de impugnação. Nestes termos propugna pela eliminação desses factos da matéria de facto dada como provada. XIV– Dir-se-á antes de mais que mais nenhum meio de prova foi produzido para além da testemunhal e documental. Constando da acusação factos que o Ministério Público subsumiu ao tipo legal de crime de falsificação de documentos dir-se-á que seria absolutamente essencial que fosse produzida prova pericial. Sucede que o exame grafológico requerido a fls. 145 foi pela Polícia Judiciária considerado inviável conforme se verifica a fls. 152. XV– Sem prova pericial que sugira a existência de falsificação e considerando o B.Bank.P... que o resgate e transferência constante do facto provado 5, foi efectuado "tendo por base a instrução do Exmo Sr. Eng. Nuno..." (cfr. fls 16) e que "as assinaturas são conferidas por semelhança com a ficha de assinaturas em poder do Banco, pelo que não tendo sido encontrado qualquer indício de situação ilícita, o Banco procedeu adequadamente, de acordo com a referida instrução" (cfr. fls. 21), ficamos apenas com a prova testemunhal para comprovar esse facto, ou seja, ficamos com a prova produzida pela queixoso e pela sua mulher. Parece-nos exígua esta prova tanto mais que entre a alegada falsificação que de acordo com a documentação supra referida teria ocorrido em 29/9/2011 e a denúncia desse facto ao B.Bank.P... pelo ofendido (9/2/2012) decorreram quatro meses e dez dias. XVI– É o próprio queixoso e a sua mulher que mais de quatro meses após os factos denunciaram ao B.Bank.P... que lhe fora retirada da conta noventa mil euros. É extraordinário que um montante tão significativo de dinheiro tenha saído da conta bancária do ofendido sem que este se tenha apercebido pelo menos aquando da remessa pelo B.Bank.P... dos extractos bancários que são remetidos mensalmente. Não é minimamente credível que o ofendido (e a sua mulher) não se tivesse apercebido antes, desse movimento de um montante tão elevado, pelo que a alegada falsificação não pode ficar à mercê desta tão frágil prova testemunhal, sem pelo menos um princípio de prova documental ou pericial. XVII– Podemos dizer sem sombra de dúvida que o arguido não actuou de nenhuma forma no acto de falsificação de documento. É certo que o arguido é condenado em co-autoria material, mas para isso é necessário que exista um acordo entre o que falsifica o documento e o que o vai usar. Neste caso não vem dado como provado que o arguido tenha usado de qualquer forma o documento. Trata-se conforme se disse de um documento interno do B.Bank.P... que apenas circulou pelos vários departamentos dessa instituição de crédito, pelo que nunca o arguido poderia usá-lo de qualquer forma. Nesta conformidade a coautoria neste caso é uma impossibilidade jurídica, sendo este também fundamento do presente recurso. XVIII– Não vem dado como provado que a vítima tenha de algum modo contribuído ou participado na prática dos actos que envolveram a diminuição do seu património. Aliás deve dizer-se em abono da verdade que não se vê em que medida é que o arguido contribuiu para a prática do crime de que vem acusado. Não há no caso nenhum meio enganoso que possa ter induzido o ofendido em erro. Não vem dado como provado sequer nenhum contacto pessoal ou de outro modo entre o arguido e o ofendido antes ou à época da transferência que vem relatada. XIX– Tudo se circunscreveu a um resgate de uma aplicação financeira do ofendido e à transferência do valor correspondente para uma conta da Circuito H... A.... Estas duas operações foram efectuadas pelo B.Bank.P... que validou a assinatura do ofendido constante do documento e mediante autorizações assinadas pelos funcionários do balcão que estão identificados de acordo com os depoimentos das testemunhas Sónia... e Pedro... (cfr. seus depoimentos mencionados supra). Nenhuma intervenção teve o arguido na execução dessas operações, nem por outro lado o ofendido interveio nelas, até pela singela razão de que só delas teve conhecimento mais de quatro meses depois. XX– Não se vê portanto a ocorrência do meio enganoso nesta situação. Também não ocorreu erro porque a vítima nenhum acto praticou que fosse hábil a produzir-lhe prejuízo patrimonial. Nesta conformidade não resulta da prova produzida a prática pelo arguido do crime de burla, sendo este também um fundamento de recurso. XXI– Não havendo crime soçobra o pedido de indemnização cível. XXII– A pena aplicada é muito gravosa, mas fundamentalmente o quer se põe em causa é a condição a que a pena ficou subordinada - Pagamento de trinta mil euros a Nuno... no prazo de três anos e quatro meses. Não é razoável exigir do arguido o pagamento de uma quantia tão elevada em tão curto espaço de tempo, tanto mais que se sabe que este apenas aufere presentemente EUR 700,00, mensais. Equivale a dizer que ao afectando a titularidade do seu rendimento é que poderá proceder ao pagamento da quantia pela qual foi condenado. XXIII– Significa que não podendo ninguém ser condenado em pena de prisão por falta de pagamento das suas dívidas a sentença proferida é como que uma sentença de prisão a prazo, o que é inconstitucional por violação do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa. XXIV– Acresce que na sentença não consta nenhum juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação pelo arguido dessa condição, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura. XXV– Recentemente o STJ no Acórdão Uniformizador nº 8/2012 de 12/9/2012 a propósito do crime de abuso de confiança fiscal considerou que essa falta implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia, o que expressamente também se invoca. XXVI– Sob pena de a condição ser absolutamente desprovida de sentido ao alcance, a respectiva aplicação tem de observar os princípios da adequação e proporcionalidade, sob pena de violação do disposto no artigo 51º nº 2 do C.P.Penal. Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. suprirão, vem requerer se digne julgar procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto com as consequências legais e a revogação da douta sentença proferida, com absolvição do arguido do crime de que vem acusado e do pedido de indemnização civil, ou a remessa do processo à 1ª Instância por via da invocada nulidade por omissão de pronúncia. Assim se fará inteira e sã Justiça. 6– O M.P respondeu à motivação apresentada pelo arguido AD... (fls 860 a 869) defendendo a improcedência deste recurso com base nas seguintes apreciações e argumentos (parcialmente transcritos):
“Ora, o que se constata na motivação do recurso é que os fundamentos invocados pelo recorrente para proceder à impugnação ampla da matéria de facto pecam pelo defeito de se limitarem a querer substituir de forma simplista a convicção e a livre apreciação da prova pelo Tribunal pela sua própria convicção, de acordo com os interesses que defende. Limita-se a invocar partes de depoimento que, no seu entendimento, lhe são favoráveis sem a preocupação de explicar de forma plausível porque é que a valoração da prova fundamentada pelo Tribunal não se deve manter.
Com efeito, o recorrente não questiona a coincidência das declarações prestadas na audiência com a súmula que delas consta na motivação da decisão de facto constante da decisão ora posta em crise, não divergindo sobre o exacto conteúdo dessas declarações. O recorrente não invoca qualquer ilegalidade ou violação de regras legais de prova, vício no processo de formação da convicção, nem põe seriamente em causa a objectividade do tribunal na apreciação da matéria de facto.
O que vem mesmo é questionar a convicção que, através daqueles meios de prova, o tribunal formou.
Contudo, é ao tribunal que incumbe apreciar a prova, com plena observância das regras legais e, sendo estas observadas, como é o caso, não tem que ser confrontada a sua convicção, porque diversa daquela a que chegaram os demais intervenientes processuais, no caso o arguido/recorrente.
É, assim, em nosso entender, manifesta a falta de razão do recorrente quando pretende atacar a convicção do tribunal apenas porque difere daquela que ele próprio formou.
E outra não pode ser a conclusão se não a de que o tribunal apreciou correctamente a prova produzida em audiência e fundamentou com clareza e objectividade a sua convicção, esclarecendo porque conferiu credibilidade a determinados meios de prova em detrimento de outros, em observância das regras que norteiam a apreciação da prova, sendo por isso insusceptível de qualquer crítica. Diante tudo quanto ficou provado, a ponderação levada a efeito pelo Tribunal quanto à escolha da natureza e medida da pena não merece reparo. Ao arguido foi aplicada uma pena que se mostra justa e adequada, sendo que contrariamente ao alegado o não pagamento de uma condição de cariz financeiro não determina automaticamente a revogação da suspensão, já que apenas o incumprimento culposo pode ter tal consequência. (…) Por tudo o exposto, o douto Acórdão recorrido não merece qualquer censura porque fez correcta aplicação do direito à matéria de facto provada, nem violou qualquer disposição legal, designadamente as indicadas pelo recorrente, optou pela aplicação ao arguido/recorrente de pena que se mostra adequada, atentas as circunstâncias que se verificam no caso concreto, seguindo os critérios legais, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.” 7– O recurso foi admitido nos autos por despacho de fls. 1345.
8– Neste Tribunal, a Srª Procuradora-Geral-Adjunta, quando o processo lhe foi com vista nos termos e para os efeitos do artº 416º do C.P.P, emitiu o parecer de fls 13603 a 13607, onde defende que no novo Acórdão de 18.12.2017, ora recorrido, o Tribunal a quo sanou os vícios que haviam sido apontados pela Relação de Lisboa, mediante Acórdão datado de 20.9.2017.
Referiu ainda acompanhar os fundamentos sustentados pelo M.P na sua resposta em 1ª Instância e pugnou pela improcedência total do recurso do arguido AD..., argumentando nos seguintes termos:
“O recorrente impugna a matéria de facto dada como provada, concretamente os pontos 5 a 10 do acórdão, essencialmente referentes ao elemento subjetivo dos crimes imputados, invocando para tal o depoimento prestado em audiência pelas testemunhas em audiência (conclusão XI do recurso). Alega não se encontrarem verificados os elementos subjetivos dos crimes de falsificação e de burla imputados ao recorrente, devendo ser absolvido da prática dos mesmos, assim como do pedido civil em que foi condenado. Alega ainda ser a medida da pena muito gravosa, colocando fundamentalmente em causa a condição a que a suspensão da pena ficou subordinada: "condição de pagar 30.000 euros a Nuno... durante o prazo de suspensão da pena de prisão e por conta da indemnização cível fixada ( 90.000 euros acrescidos de juros)".
Invoca o recorrente a nulidade do acórdão por "omissão de pronúncia quanto ao juízo de prognose acerca da satisfação pelo arguido dessa condição, tendo em conta a concreta situação económica, presente e futura, pugnando pela remessa dos autos ao tribunal de la instância para sanação da alegada nulidade".
No que tange à impugnação alargada da matéria de facto, por referência a depoimentos prestados em audiência , alega o recorrente que "nenhuma das testemunhas fez qualquer referência ainda que vaga ou sugira sequer que os arguidos engendraram um plano para abusar da assinatura do queixoso. E que tal significa que os factos provados não se baseiam em nenhum facto verificáveis e decorrem de meras presunções".
Ora, salvo o devido respeito, seria absurdo que os arguidos publicitassem perante os lesados ou /e perante os funcionários bancários a respetiva intenção de falsificarem documentos de forma a ludibriarem a instituição bancária onde os lesados tinham as suas poupanças e de provocarem aos mesmos elevado prejuízo patrimonial (...)
Não se descortina que os depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas no recurso tenham sido incorretamente valorados pelo tribunal Coletivo, muito menos que tais depoimentos imponham decisão diversa da proferida, como determina a alínea b) do n°3 do artº 412° do CPP.
(...) E cumpre realçar que as presunções judiciais são admissíveis em processo penal, traduzindo-se em o Tribunal, partindo de um facto certo, inferir, por dedução lógica, um facto desconhecido.
As presunções de facto - judiciais, naturais ou hominis - fundam-se nas regras da experiência comum (vd a título meramente exemplificativo o acórdão do TI2C de 09.05.2012, proc. 347/10.8PATNV).
Encontrando-se fundamentado o percurso lógico efetuado pelo tribunal , estribado no conjunto da prova produzida e em regras de experiência comum para imputar ao arguido/ recorrente os factos que foram dados como provados, e a respetiva subsunção aos tipos legais de crime pelos quais foi condenado, verifica-se não ter ocorrido qualquer erro de julgamento, podendo concluir-se pela fundamentação objectiva do acórdão.
Relativamente à invocada omissão de pronúncia "pela ausência de juízo de prognose acerca da satisfação pelo arguido da condição fixada, tendo em conta a concreta situação económica, presente e futura", afigura-se não se estar perante uma omissão de pronúncia ,cumprindo apenas aferir se a condição imposta é compatível com os requisitos constantes do artº 51° n°1-a) e n°2 do CP.
Nos termos do artº 51° al-a) e n°2 do CP, "os deveres impostos [como condição de suspensão da execução da pena] "não podem representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir, sendo que compete ao tribunal determinar o pagamento, "no todo ou na parte que o tribunal considerar passível, a indemnização devida ao lesado".
E foi esse o critério seguido pelo Tribunal, o qual considerou possível o pagamento de 30.000 euros por parte do arguido ao lesado, durante o prazo de suspensão da execução da pena de 3 anos e 4 meses, e por conta cia indemnização cível fixada de 90.000 euros, como exigência de reparação do mal do crime (...)” 9– Foi cumprido o artº 417º/2 do C.P.P. não tendo sido apresentada qualquer resposta.
10– Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir. II– Questões a Decidir:
8– Do artº 412º/1 do C.P.P resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso (cf. Germano Marques da Silva em “Curso de Processo Penal” III edição 2º edição, 2000 pág. 335 e Ac. do S.T.J de 13.5.1998 em B.M.J 477º 263), exceptuando aquelas que sejam do conhecimento oficioso (cf. artº 402º, 403º/1, 410º e 412º todos do C.P.P e Ac. do Plenário das Secções do S.T.J de 19.10.1995 in D.R I – A série, de 28.12.1995).
As questões que deverão ser apreciadas por este Tribunal da Relação, de acordo, com as conclusões da motivação apresentada pelo arguido AD... são as seguintes:
A)– A nulidade do Acórdão por falta do exame crítico da prova (artº 379º/1/a) e artº 374º/2 do C.P.P; B)– Impugnação da matéria de facto e violação pelo Tribunal a quo do princípio da livre apreciação da prova previsto no artº 127º do Código de Processo Penal. C)– Medida e natureza da pena aplicada
III– Fundamentação de Facto.
No Acórdão recorrido o Tribunal a quo considerou provado o seguinte:
De relevante para a discussão da causa, resultou provada a seguinte matéria de facto:
1.- AA... era gestor de conta no BBP..., na Alta de Lisboa. 2.- Por seu turno, Nuno... e Paula... eram titulares da conta à ordem n.º 1..........3 e da conta de Fundo O... n.º 1..........1, do BBP.... 3.- Sucede que, AA..., no âmbito dos seus poderes de gerente do B.Bank.P..., veio a autorizar movimentos a descoberto de € 88.049,27 (oitenta e oito mil e quarenta e nove euros e vinte cêntimos), na conta n.º 2..........8, igualmente do B.Bank.P..., titulada pela sociedade "CIRCUITO H... A... – Imp. Exp. U..., Lda." cujo único sócio e gerente era o arguido AD.... 4.- AA... não tinha competência para, isoladamente, autorizar tais descobertos no valor de € 88.049,27. 5.- Por forma a colmatar esse descoberto, vieram AA... e o arguido AD... a engendrar um plano, por forma a apropriarem-se dos fundos existentes na conta de Fundo O... nº 1..........1. 6.- Assim, no dia 29/09/2011, veio AA... a forjar a assinatura de Nuno... apondo a sua rubrica como se do próprio se tratasse, em impresso próprio do B.Bank.P..., no qual solicitava que se procedesse a uma transferência de € 90.000,00 (noventa mil euros) da sua conta nº 1..........3 através do resgate de fundos da conta de o... nº 1..........1, para a conta nº 2..........8, titulada pela sociedade "CIRCUITO H... A... – Imp. Exp. U..., Lda." 7.- Por esta forma, AA... e o arguido AD... lograram operar a transferência descrita e apropriar-se dos montantes referidos. 8.- AA... e o arguido AD... agiram livre voluntária e conscientemente, querendo forjar o documento em causa, como se de verdadeiro se tratasse, fazendo crer que Nuno... ordenava a transferência e o havia emitido e assinado, colocando em causa a fidedignidade deste tipo de documentos e prejudicando-o e a Paula .... 9.- Pela forma descrita, tinham o propósito que concretizaram de alcançar para si um benefício ilegítimo, traduzido em fazer seus os montantes titulados pela transferência, bem sabendo que não tinham direito ao valor dos mesmos e prejudicando Nuno... e Paula ... nesses mesmos montantes. 10.- Sabiam que tais condutas não lhes eram permitidas. 11.- O arguido AD..., segundo filho de uma fratria de dois elementos germanos e filho de casal com vida económica e afectiva, durante o seu processo de crescimento vivenciou situações de ruptura extrema, abandono pelo pai aos 11 anos de idade e falecimento da mãe aos 14 anos, vítima de neoplasia. 12.- O pai do arguido saiu de casa em viagem de negócios para Angola, sem que tivesse comunicado à família que não iria regressar, tendo desde essa data deixado de manter contacto presencial com o arguido, ainda que nos primeiros anos de ausência ainda o contactasse. 13.- Após o falecimento da progenitora, o arguido AD... e a sua irmã ficaram à guarda de uma tia materna e do cônjuge desta tendo passado a integrar esta família. 14.- Ao nível das condições materiais, o arguido AD... sempre disfrutou de uma situação desafogada, quer no agregado familiar de origem, quer no agregado familiar que o veio a substituir. 15.- O arguido AD... entrou para a escola em idade própria tendo concluído o 12º ano de escolaridade, tendo ainda se candidato ao programa de ingresso na universidade maiores de 23 tendo frequentado o 1º ano do curso de arquitectura, o qual veio a desistir por incompatibilidades com a vida familiar e profissional. 16.- Teve a primeira experiência profissional aos 12 anos, a título parcial e nos períodos de férias, tendo desde então mantido sempre actividade laboral nestes moldes até aos 18 anos de idade, altura em que teve o primeiro trabalho a tempo integral como perito de seguros, trabalho que manteve durante cerca de 2 anos e meio. 17.- A partir dos 25 anos, iniciou actividade por conta própria, tendo criado diversas empresas, a primeira ligada ao comércio de automóveis, tendo ao longo do tempo vindo a diversificar o ramo de negócios (hotelaria, construção civil e comercialização de combustíveis). 18.- O arguido AD... conheceu a sua ex-companheira aos 19 anos de idade, tendo passado a viver em união de facto aos 20 anos, tem 3 filhos desta relação. 19.- À data dos factos, o arguido AD... residia com a sua companheira e mãe dos seus três filhos, na casa morada de família, imóvel de tipologia T4, adquirido através de empréstimo bancário, pelo qual pagam € 650,00/mês à entidade bancária credora. 20.- O imóvel encontra-se registado em nome da companheira do arguido AD.... 21.- Presentemente, e apesar da referida ruptura afectiva entre o arguido AD... e companheira, continuam a coabitar, passando o arguido AD... alguns períodos em Espanha para onde se desloca por motivos laborais. 22.- O arguido AD... e a sua companheira mantinham bom relacionamento tendo a ruptura decorrido dos factos constantes no presente processo, sendo os lesados irmã e cunhado da companheira do arguido AD.... 23.- Para além da ruptura com a companheira, que se define como ruptura amorosa, continuando a coabitar e a manter bom relacionamento entre si, houve uma ruptura extensível à família alargada, nomeadamente pais da companheira. 24.- À data o arguido AD... tentou amenizar os conflitos, tendo proposto reunião familiar onde pretendia esclarecer o seu ponto de vista sobre os factos, não lhe tendo sido dada oportunidade, tendo o arguido AD... vindo a resignar-se com a ruptura familiar e agora sendo o próprio a desejar mantê-la. 25.- O arguido AD... era empresário, possuindo diversas empresas que abrangiam diferentes ramos de actividade, comércio de automóveis, construção civil, hotelaria, venda de combustíveis, sendo o seu rendimento mensal estimado, à data, entre € 5000,00 e € 10000,00/mês. 26.- Após a emergência do presente processo, quer por dificuldades de liquidez, atendendo a que lhe foram colocados diversos entraves a nível bancário, o arguido AD... veio a vender as suas empresas, não sendo ao tempo proprietário de nenhuma. 27.- Presentemente, o arguido AD... tem como actividade profissional a mediação de seguros, trabalho que sempre manteve com pouca expressão ao longo do tempo, sendo o seu rendimento mensal variável mas rondando os € 700,00/mês. 28.- O arguido AD... possui dívidas relativas à sua empresarial no valor aproximado de € 218.000,00. 29.- Assim, o arguido AD... possui uma situação económica precária, muito embora possua as suas necessidades de manutenção e subsistência asseguradas, contando nisso com o apoio da ex-companheira. 30.- O arguido AD... a conheceu o co-arguido AA... no âmbito da sua actividade empresarial, sendo este gestor das suas contas no B.Bank.P....
31.- O arguido AD... tem os seguintes antecedentes criminais:
- por sentença de 01/02/2011, transitada em julgado a 10/03/2011, proferida no âmbito do processo n.º 4/09.8SPLSB da 2.ª Secção do 1º Juízo Criminal de Lisboa, foi condenado na pena de 80 dias de multa, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p., no artigo 292º nº 1 do Código Penal, por factos ocorridos a 11/01/2009;
- por sentença de 09/01/2014, transitada em julgado a 15/04/2014, proferida no âmbito do processo nº 1565/12.0IDLSB do 1º Juízo de Pequena Instância Criminal de Loures, foi condenado na pena de 120 dias de multa, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p., no artigo 105 do RG das Infracções Tributárias, por factos ocorridos em 2010;
- por sentença de 21/05/2014, transitada em julgado a 19/06/2015, proferida no âmbito do processo nº 3483/12.2TALRS da Secção de Pequena Criminalidade da Instância Local do Tribunal Judicial da comarca de Lisboa Norte, foi condenado na pena de 200 dias de multa, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p., no artigo 11º nº 1 alínea a) do Decreto-Lei nº 454/91, de 28/12, por factos ocorridos a 28/02/2012;
- por sentença de 14/07/2014, transitada em julgado a 01/06/2015, proferida no âmbito do processo nº 658/14.3SILSB da Secção de Pequena Criminalidade da Instância Local do Tribunal Judicial da comarca de Lisboa, foi condenado na pena de 80 dias de multa, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p., no artigo 292º nº 1 do Código Penal, por factos ocorridos a 28/06/2014.
No Acórdão recorrido o Tribunal a quo considerou não provado:
De relevante para a discussão da causa relativamente não ficaram provados os seguintes factos: 1.- Os movimentos a descoberto no valor de € 88.049,27 foram autorizados por superiores hierárquicos de AA.... 2.- AA... não teve qualquer intervenção na transferência da conta nº 1...........3 o montante de € 90.000,00 através do resgate de fundos da conta de obrigações nº 1...........1 para a conta nº 2...........8 da "CIRCUITO H... A... – Imp.Exp. U..., Lda.". 3.- AA... não obteve qualquer benefício ou vantagem com a transferência, sendo completamente alheio aos destinos das verbas resultantes da transferência. 4.- O documento de suporte da transferência terá sido entregue no balcão do Banco e tido o tratamento habitual para este tipo de operações. 5.- Aliás, como era habitual. 6.- A referida operação teve o tratamento normal no Banco, tendo sido adoptados todos os procedimentos adequados e impostos pelo Banco. 7.- O demandado AA... nunca autorizou movimentos a descoberto no valor de € 88.049,27 na conta n.º 2..........8 de que era titular naquele Banco a "CIRCUITO H... A... – Imp.Exp. U..., Lda.". 8.- O demandado AA... não teve qualquer intervenção na decisão que ordenou a referida transferência, sendo completamente alheio à forma como foi subscrita a documentação destinada ao processamento de tal transferência.
O Tribunal a quo fundamentou a decisão de facto nos seguintes termos: A decisão de facto teve por base – quer quanto à questão da culpabilidade, quer quanto à questão da determinação da sanção, quer quanto à questão do pedido de indemnização cível – os meios de prova produzidos no processo, designadamente, a prova testemunhal e a prova documental.
Testemunhal: A testemunha Nuno..., o ofendido, prestou depoimento com conhecimento directo dos autos.
Relatou a forma como tomou conhecimento da transferência dos valores da sua conta bancária para a conta de uma sociedade gerida pelo seu cunhado, o arguido AD....
Descreveu as diligências que encetou com vista a compreender o sucedido, tendo chegado a falar telefonicamente com o arguido AA..., o qual na altura lhe prometeu ir averiguar o que se passou. Desde esse contacto, não mais contactou com ele, salvo uma mensagem electrónica que recebeu pedindo-lhe desculpa pelo sucedido.
Viu os documentos em fundamentaram a transferência dos valores e reconheceu que a assinatura não é de sua autoria.
A testemunha Paula..., igualmente ofendida, prestou depoimento com conhecimento directo dos autos.
Relatou a forma como teve conhecimento da transferência efectuada da sua conta bancária, ao se aperceber do sucedido informou imediatamente o marido.
O qual lhe afirmou não ter dado qualquer autorização para o banco proceder a tal movimento. Informou, ainda, do resultado das diligências que efectuou junto da instituição bancária.
A testemunha Gonçalo..., à data dos factos empregado da "B.Bank.P..., formalmente gestor da conta bancária do ofendido e da sociedade do arguido AD..., as quais eram efectivamente geridas pelo arguido AA..., seu colega de trabalho, como subordinado.
Confrontado com os documentos afirmou que uma das assinaturas no documento de resgate é sua, mas não existe nenhuma assinatura sua no documento de transferência.
A testemunha Sónia..., à data dos factos, empregada da "B.Bank.P..., trabalhou na agência em que estava domiciliada a conta bancária do lesado, tendo sido colega de trabalho do arguido AA...,como sua subordinada.
Afirmou que uma das rubricas do documento de resgate é sua e que verificou a assinatura do cliente por semelhança – por não se recordar do lesado. Afirmou que a rubrica do documento de transferência é de AA....
A testemunha Pedro..., assistente de operação da "B.Bank.P...", instituição que adquiriu a operação em Portugal da "B.Bank.P..., trabalha nos serviços centrais do banco.
Afirmou que não reconhece como sua nenhuma das assinaturas constantes do documento de transferência.
Esclareceu o Tribunal Colectivo sobre o funcionamento interno da instituição bancária na parte referente a transferências bancárias.
As transferências são preenchidas na agência pelo titular da consta e rubricadas por duas pessoas da agência. Posteriormente, o documento é digitalizado e, através de uma plataforma específica, é remetida para os serviços centrais para validação e execução ou devolvido para agência com indicação do motivo da não execução.
Esclareceu que o resgate de fundos é pedido ao nível da agência. Finalmente, referiu que nem os membros da Comissão Executiva têm competência para autorizar descobertos no montante de € 80.000,00.
Documental: Os documentos de fls. 14-25, 60-64, 129-134, 138-139, 148-150, 167-175, 179-187,194-198 e 580-736.
Perante os meios de prova enunciados, o Tribunal Colectivo não teve dúvidas em afirmar que AA... e o arguido AD... actuaram em conjugação de esforços e de intenções e de comum acordo foram praticados os factos dados como provados.
AA... e o arguido AD... remeteram-se ao silêncio o que dificulta o apuramento dos elementos volitivos.
No entanto, face aos depoimentos dos ofendidos Nuno... e Paula ..., por um lado, e dos empregados do banco, por outro lado, é líquido que AA... geria as contas bancárias dos ofendidos e da sociedade "CIRCUITO H... A... – Imp. Exp. U..., Lda.", contas que o acompanharam de outra agência da "B.Bank.P....". Assim como, era amigo do arguido AD....
Em consonância com esta actividade e as relações pessoais estabelecidas entre os arguidos, não existe dúvida que AA... permitiu que a conta bancária da "CIRCUITO H... A... – Imp. Exp. U..., Lda." apresentasse um descoberto superior a € 80.000,00.
Ora, AA... não disponha de competência para autorizar tal situação; e, é certo, que a mesma não foi autorizada por nenhum superior a este. E, só esta hipótese justifica a adopção dos comportamentos subsequentes.
Com efeito, se, por hipótese, o descoberto tivesse autorização dos superiores hierárquicos de AA... não haveria necessidade de proceder ao resgate e transferência de fundos para cobrir o descoberto.
Tanto mais, que ao contrário do alegado na contestação, a testemunha Sónia... afirmou que a rubrica do documento de transferência é de AA....
Assim sendo, AA... e o arguido AD... depararam-se com um problema com raiz comum: o descoberto.
O arguido AD... estava com uma elevada dívida para com a instituição financeira, com o risco de perder crédito bancário e, sobretudo, de colapsar a actividade da sociedade "CIRCUITO H... A... – Imp. Exp. U..., Lda.".
AA... deixou criar e avolumar uma situação que lhe poderia acabar com a carreira na instituição bancária.
Deste modo, numa solução de curto prazo e na perspectiva de AA... e do arguido AD..., este problema poderia ser resolvido com recurso à conta bancária dos ofendidos Nuno... e Paula....
Aliás, já teria ocorrido uma situação semelhante, sem que os ofendidos tenham dado conta – a movimentação de € 25.000,00 relatada pela ofendida Paula....
Tanto mais que o arguido AD... conhecia bem as rotinas dos cunhados, com vidas profissionais muito ocupadas, ela arquitecta e ele comandante de aviação, sem problemas financeiros; e, por outro lado, AA..., como gestor de conta dos ofendidos, conhecia os hábitos de poupança dos mesmos e a frequência dos contactos que mantinham com a instituição financeira.
Conjugando os respectivos conhecimentos, é com naturalidade que AA... e o arguido AD... tenham recorrido à solução de movimentarem as poupanças dos ofendidos para cobrirem o descoberto na conta da "CIRCUITO H... A... – Imp. Exp. U..., Lda.".
No entanto, esta solução para funcionar e resolver o problema de AA... e do arguido AD... passava obrigatoriamente pela reposição em breve da situação da conta bancária dos ofendidos.
O que não aconteceu por o arguido AD... não ter conseguido reunir os meios financeiros necessários.
E, não o conseguiu por incapacidade financeira e não por falta de tempo, pois a situação só foi detectada pelos ofendidos passados meses sobre a efectivação das operações bancárias – esta situação demonstra o conhecimento de AA... e do arguido AD... sobre os hábitos dos ofendidos.
Em suma, os factos objectivos verificados só fazem sentido conjugados com a intervenção coordenada de AA... e do arguido AD..., a intervenção de apenas um destes, designadamente, AA..., não conseguiria explicar o sucedido – não faz sentido que AA... tenha tentado esconder um erro, com a prática de um crime que mais tarde ou mais cedo seria descoberto. Só uma promessa do arguido AD... em repor a situação da conta bancária do cunhado, poderia despoletar, do lado, de AA... a vontade de realização das operações bancárias. IV–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
ANALISANDO A)– Incorreu o Tribunal a quo em nulidade por falta de fundamentação do Acórdão, ao omitir uma apreciação crítica da prova, estando esse vício previsto no artº 379º al a) e artº 374º/2 do C.P.P? Veio o arguido AD... alegar no seu recurso, o seguinte: “(…) Da prova produzida, concretamente do depoimento da testemunha Paula... resulta que mensalmente recebia extractos do B.Bank.P..., pelo que só por negligência é que demorou mais de quatro meses a detectar o movimento de 90.000 euros e nada permite concluir que o arguido AD... sequer pudesse suspeitar dessa "rotina" tanto mais que a cunhada apesar de licenciada em arquitectura não exerce a profissão e é ela quem confessadamente gere as contas bancárias do casal.
Equivale a falta de fundamentação da sentença nos termos do artigo 374º nº 2 do C.P.Penal a indicação e exame das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, sem que se perceba à luz das regras da experiência ou dos meios de prova indicados qual foi o fio condutor entre a decisão da matéria de facto e os meios de prova que foram usados na aquisição da convicção, sendo inconstitucional a interpretação daquela norma que possibilite ao Tribunal não convencer do bem fundado da sua decisão e antes lhe permita especular ou extrair presunções sem qualquer suporte probatório.(…).”
A invocada questão da nulidade do Acórdão recorrido, nos termos do artigo 379º nº1, aliena a) do C.P.P., tem precedência sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e sobre outras questões levantadas pelo recorrente AD..., pelo que terá de ser a questão analisada em primeiro lugar.
Dispõe o artigo 205º, nº1, da Constituição da República, que as decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Assim, também preceitua o artigo 97º, nº5, do C.P.P., em relação aos actos decisórios em geral, que «são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão».
O acto da sentença/Acórdão, nos termos do disposto no artigo 374º, do C.P.P., exige uma fundamentação especial.
A exigência de fundamentação das sentenças constitui um elemento essencial do Estado de Direito Democrático. Como refere Germano Marques da Silva, a fundamentação é imposta pelos sistemas democráticos tendo em vista diversas finalidades.
Permite a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decisora a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autodisciplina (Curso de Processo Penal, III, 2.ª edição, Verbo, p. 294).
A fundamentação constitui, por conseguinte, um factor de transparência da justiça, explicitando, de forma que se pretende clara, os processos intelectuais que conduziram à decisão e permitindo, consequentemente, uma maior fiscalização das decisões judiciais por parte da colectividade, constituindo entendimento dominante do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) que o direito a um processo equitativo pressupõe a exigência de motivação das decisões judiciais (cfr. Irineu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direito do Homem, 3.ª edição, Coimbra Editora, p. 137).
De harmonia com o disposto no artigo 374º nº2, do C.P.P., ao relatório da sentença segue-se a fundamentação que consta da «enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
Por sua vez, estabelece o artigo 379º nº1, alínea a), do C.P.P., que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.º2 e na alínea b) do n.º3 do referido artigo 374.º.
É que o dever de fundamentação da sentença basta-se com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão, sendo que tal exame exige não só a indicação dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, mas, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência – Ac. do STJ de 14-06-2007, Proc. n.º 1387/07 - 5.ª
O exame crítico das provas tem como finalidade impor que o julgador esclareça quais foram os elementos probatórios que, em maior ou menor grau, o elucidaram e porque o elucidaram, para que se possibilite a compreensão de ter sido proferida uma dada decisão e não outra.
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, e decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos.
O julgador deve explicitar o processo lógico e psicológico da sua decisão, excluindo da motivação o que não é passível de justificação racional, movendo-se unicamente no âmbito do racionalmente justificável.
Tudo visto, entendemos pelas considerações e razões acima expostas que não assiste razão ao recorrente.
Este seu argumento afinal de contas, apenas traduz a diferente leitura que ele próprio faz, da prova produzida em audiência de julgamento.
Com esta alegação o que no fundo o arguido está a fazer é na realidade colocar em causa a valoração que foi feita pelo Tribunal a quo da prova produzida, esquecendo-se que no nosso sistema penal vigora um sistema de prova livre, em que ao julgador cabe a faculdade de poder apreciar e valorar a prova e fundar a sua convicção livremente, de acordo com o artº 127º do C.P.P e não um regime de prova vinculada.
Com efeito, em nosso entender o Tribunal a quo procedeu à sanação dos vícios que lhe foram apontados por esta Relação no nosso Acórdão de 20.9.2017, e a decisão ora recorrida já contém de forma clara e explícita as razões de facto e de direito que levaram à convicção do Tribunal a quo no sentido da condenação do arguido AD... pelos ilícitos que lhes foram imputados, bem como o processo lógico que sustentou/estruturou aquela convicção, não se verificando assim a alegada violação expressa do preceituado no artº 374º/2 do C.P.P. Tal como acima já se disse, uma decisão é nula quando se verifique qualquer das situações referidas nas alíneas a) a c) do nº 1 do artº 379º do C.P.P.
Ora, analisado Acórdão recorrido constata-se que nele estão indicados os factos provados e os não provados, as provas em que o Tribunal a quo se baseou para dar como assentes os factos, a análise critica dessas mesmas provas e, de seguida, os motivos de direito que fundamentam a condenação.
Tudo em conformidade com o disposto nos nºs 2 e 3 al. a) e b) do artº 374º do C.P.Penal, nada havendo pois a criticar no caso concreto, quanto à realização de exame crítico da prova que se mostra efectuado, nem quanto à fundamentação do Acórdão, de facto ou de direito. Na verdade os factos pelos quais o arguido AD... foi condenado, foram aqueles que constam da acusação, não tendo sido alterada a respectiva qualificação jurídica em relação aos crimes que lhe havia sido imputados pelo M.P uma vez que veio a ser condenado pela prática em co-autoria material e na forma consumada de um crime de falsificação de documento p.p no artº 256º/1/a) e nº 3 do C.P e de um crime de burla qualificada p.p no artº 217º e artº 218º/2/a) do C.P, ilícitos estes que cometeu no circunstancialismo de tempo e de lugar descritos na acusação pública deduzida neste processo.
Não padece pois o Acórdão recorrido de qualquer vício, nomeadamente da nulidade por ausência de uma apreciação crítica da prova, tal como foi apontado pelo recorrente.
Improcede pois o recurso neste segmento. B)– Da impugnação da matéria de facto.
Defende o arguido AD... que o Tribunal a quo incorreu em erro quanto à apreciação da prova e que não ficaram demonstrados os elementos dos dois tipos de crimes pelos quais foi condenado em co-autoria material e na forma consumada.
Para sustentar esta sua pretensão, veio invocar na sua motivação: “Não há no caso nenhum meio enganoso que possa ter induzido o ofendido em erro.
Não vem dado como provado sequer nenhum contacto pessoal ou de outro modo entre o arguido e o ofendido antes ou à época da transferência que vem relatada.
Tudo se circunscreveu a um resgate de uma aplicação financeira do ofendido e à transferência do valor correspondente para uma conta da Circuito H... A....
Estas duas operações foram efectuadas pelo B.Bank.P... que validou a assinatura do ofendido constante do documento e mediante autorizações assinadas pelos funcionários do balcão que estão identificados de acordo com os depoimentos das testemunhas Sónia... e Pedro... (cfr. seus depoimentos mencionados supra).
Nenhuma intervenção teve o arguido na execução dessas operações, nem por outro lado o ofendido interveio nelas, até pela singela razão de que só delas teve conhecimento mais de quatro meses depois.
Não se vê portanto a ocorrência do meio enganoso nesta situação. Também não ocorreu erro porque a vítima nenhum acto praticou que fosse hábil a produzir-lhe prejuízo patrimonial.
Nesta conformidade não resulta da prova produzida a prática pelo arguido do crime de burla, sendo este também um fundamento de recurso.”
Sustenta que por referência aos depoimentos prestados em audiência, nomeadamente “Nuno... entre as 12h15m e 51s e as 12h52m 49s do dia 5/4/2016 conforme consta da respectiva Acta; Gonçalo... entre as 15h16m 48s e 15h54m50s do dia 5/4/2016, conforme conta da respectiva Acta; Paula... entre as 15h54m e 52s e as 16h28m56s do dia 5/4/2016, conforme consta da respectiva Acta; Sónia... entre as 14h29m49s e as 14h53m25s do dia 26/4/2016, conforme consta da respectiva Acta e Pedro... entre as 14h53m27s e 15h12m10s do dia 26/4/2016, conforme consta da respectiva Acta” "nenhuma destas testemunhas fez qualquer referência ainda que vaga ou sugiriu sequer que os arguidos engendraram um plano para abusar da assinatura do queixoso. E que tal significa que os factos provados não se baseiam em nenhum facto verificável e decorrem de meras presunções".
Quanto ao crime de falsificação argumentou também o recorrente: “(...) Podemos dizer sem sombra de dúvida que o arguido não actuou de nenhuma forma no acto de falsificação de documento. É certo que o arguido é condenado em co-autoria material, mas para isso é necessário que exista um acordo entre o que falsifica o documento e o que o vai usar.
Neste caso não vem dado como provado que o arguido tenha usado de qualquer forma o documento.Trata-se conforme se disse de um documento interno do B.Bank.P... que apenas circulou pelos vários departamentos dessa instituição de crédito, pelo que nunca o arguido poderia usá-lo de qualquer forma.
Nesta conformidade a co-autoria neste caso é uma impossibilidade jurídica, sendo este também fundamento do presente recurso.” Quid Juris?
Como se sabe, o erro de julgamento pode suscitar dois tipos de recurso: um com fundamento no próprio texto da decisão, por ocorrência dos vícios a que alude o artº 410º/2 do C.P.P (impugnação de facto mais restrita) e outro que visa a reapreciação da prova produzida em audiência quanto à matéria de facto, ao abrigo do artº 412º/3 do C.P.P – impugnação de facto mais lata.
Ora o arguido não impugnou a matéria de facto nos termos do artº 412º/3 do C.P.P (sendo evidente do corpo da motivação, que não se mostram cumpridos os ónus formais de que depende a reapreciação da prova em termos alargados, isto é, não foram integralmente respeitadas as exigências deste preceito legal, sendo embora verdade que o arguido nem fez alusão expressa a este artigo e tenha pedido apenas com base na impugnação da matéria de facto, a revogação da decisão recorrida e em consequência a absolvição do arguido dos crimes de burla e falsificação e do pedido de indemnização cível) pelo que não se pode falar em rigor da invocação de erro de julgamento em termos mais amplos, tendo em conta a falta de pressupostos exigidos pela referida norma no nº 3 e 4 deste preceito legal - não valendo para o efeito, requerer como o arguido fez expressamente, a reapreciação da prova toda (testemunhal e documental).
Com efeito, dispõe o nº 3 do artigo 412º, do Código de Processo Penal: “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b)- as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c)- as provas que devem ser renovadas”. Da análise do supra mencionado normativo resulta que o recorrente, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos do artº 412º do C.P.P, tem que especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, bem como indicar as provas que, no seu entendimento, impunham decisão diversa da recorrida, e aquelas que devem ser renovadas.
No caso presente, ao longo da motivação, o recorrente embora se manifeste no sentido de pretender formular um pedido de impugnação da matéria de facto (com vista à reapreciação da prova gravada) não indica de forma especificada quais os factos que considera mal julgados e não indica de forma descriminada e especificada, quais as provas que em seu entender justificam decisão diversa, embora defenda que as declarações do lesado Nuno... e os depoimentos das testemunhas Gonçalo..., Paula..., Sónia... e Pedro..., deveriam ter sido valoradas de outra forma, conforme ficou expresso nas suas conclusões XI e XII - limitando-se contudo a fazer referência ao momento em que esses depoimentos ficaram registados na respectiva acta da decisão recorrida sem reproduzir essas passagens na motivação do seu recurso e fazendo considerações genéricas sobre os mesmos e sobre as regras de apreciação e valoração da prova.
Em síntese, o arguido AD... embora tendo feito referência à matéria de facto provada descrita no Acórdão recorrido que considerou incorrectamente julgada, não indicou especificamente, quais as provas que no seu entender impunham decisão diversa para os factos provados que impugnou de forma genérica e também não indicou expressamente e de forma especificada quais as provas que pretende ver renovadas.
Limitou-se a requerer de forma abrangente e generalizada a renovação de toda a prova produzida no que respeita à situação analisada pelo Tribunal a quo que directamente lhe diz respeito, o que no fundo equivale a requerer um segundo julgamento.
Ora tal indicação/pretensão não só não cai fora da previsão do citado preceito, como o pedido de realização de um segundo julgamento, não é como se sabe, permitido no nosso sistema de recursos.
Embora o recorrente possa com base na sua própria visão/convicção probatória, discutir a convicção que o Tribunal formou quanto à prova, há que evidenciar desde logo que por ausência de imediação e de oralidade, o Tribunal de 2ª instância não tem, quanto ao recurso da matéria de facto, os mesmos poderes que tinha a 1ª instância.
Só pode alterar o aí decidido se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (alínea b) do nº 3 do artigo 412º do C.P.P).
E no caso, ainda que a prova produzida e examinada na audiência da 1ª instância, nos pontos indicados pelo recorrente pudesse permitir - pelo menos na opinião daquela - uma decisão em sentido diferente, ela não impunha decisão diversa da proferida.
Assim sendo, improcede a impugnação de facto nos termos do artº 412º do C.P.P e consequentemente a alteração da matéria de facto só seria possível, caso ocorresse algum dos vícios do artº 410º do C.P.P, o que também se constata não se verificar.
Na verdade, nesta parte da impugnação da matéria de facto o recurso do arguido acaba por se revelar de difícil compreensão, sendo algo confusas a motivação e as respectivas conclusões.
Alega o arguido que houve factos que foram incorrectamente julgados, havendo provas que justificariam decisão contrária àquela que foi proferida, mas não indica quais.
Tal como decorre da letra da lei, qualquer dos vícios a que alude o nº 2 do artº 410º do C. P. Penal tem de dimanar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos externos à decisão, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo, durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento, sendo que, por regras da experiência comum deverá entender-se as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece.
Ora analisada a decisão recorrida não se vislumbra sinal de qualquer dos vícios enunciados no artº 410º/2 do C.P.P em especial do vício do erro notório na apreciação da prova.
O erro notório na apreciação da prova tem também que resultar impreterivelmente do próprio teor da sentença, existe este erro, quando considerado o texto da decisão recorrida por si só ou conjugado com as regras de experiência comum se evidencia um erro de tal modo patente que não escapa à observação do cidadão comum ou do jurista com preparação normal.
Ocorre este vício quando se dão por provados factos que face às regras de experiência comum e à lógica normal, traduzem uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável e por isso incorrecta, quando se violam as regras sobre prova vinculada ou de “leges artis” ou quando resulta do próprio texto da motivação da aquisição probatória que foram violadas as regras do “in dúbio”.
Como é do conhecimento geral, a prova é apreciada de acordo com o princípio da livre apreciação da prova consignado no artº 127º do C.P.P onde claramente se pode ler “…a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Com efeito, citando a jurisprudência constante do Ac. da Relação de Coimbra de 6.3.2002 in C.J II, 44: “Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.
Estamos pois em sede de um certo poder discricionário do Juiz que “só pode ser atacado em função de vícios típicos endógenos da sentença ou erros de direito, ou claros erros de julgamento”, os quais desde já se adianta não vislumbramos existir no caso presente.
Veja-se por todos na Jurisprudência do S.T.J os seguintes Acórdãos: “Certo que a livre apreciação da prova não é livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, mas apreciação que, liberta do jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objectivos, que determina dessa forma uma convicção racional e, portanto, objectivável e motivável (cfr. Acórdão do STJ de 04/11/1998, publicado na CJ -Ac STJ -1998 - Tomo III, pág. 201).
Mas quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum (cfr. a este propósito o Acórdão do STJ de 06/03/2002, "in" CJ - ACST J 2002, Tomo II, pág. 44).
Assim, não se observa na matéria de facto dada como provada pelo Tribunal ora recorrido e da respectiva fundamentação acima reproduzida, qualquer apreciação da prova que resulte ser manifestamente ilógica, arbitrária ou de todo insustentável, denunciando a existência de um erro notório evidente para um cidadão comum ou um jurista com preparação normal, no que respeita à apreciação crítica da prova.
Dir-se-á pois a este respeito - subscrevendo o entendimento dos senhores Juízes na 1ª instância - que examinada a fundamentação da decisão de facto proferida, se não alcança de todo, qualquer dúvida minimamente razoável que seja susceptível de infirmar a livre convicção do Tribunal "a quo", formulada em conformidade com o disposto no artº 127° do CPP.
Este ao valorar, como valorou, a prova produzida em audiência, e mais concretamente as declarações do lesado Nuno... e os depoimentos das testemunhas Gonçalo..., Paula..., Sónia... e Pedro ... - que no essencial vieram depor com rigor e coerência como ficou expresso na fundamentação de facto - e as inferências retiradas da conjugação desses depoimentos com a restante prova produzida e examinada em audiência (nomeadamente a prova documental produzida), não violou qualquer preceito legal ou princípio geral, tanto mais que estão bem expressas as razões que conduziram a essa valoração e que o valor da prova não depende da sua natureza, mas sobretudo da sua credibilidade.
Por outro lado, nada se provou em audiência que pudesse colocar em causa a credibilidade das declarações do lesado Nuno... e os depoimentos das testemunhas Gonçalo..., Paula..., Sónia... e Pedro....
Na realidade, há que reconhecer que durante todo o julgamento a arguido AD... que se remeteu ao silêncio no uso de um direito que legalmente lhe assiste e nada fez ou disse no Tribunal de 1ª instância, nem agora em sede de recurso, que pudesse suscitar uma dúvida séria quanto à autoria dos factos descritos na acusação que lhe foram imputados.
Se é certo que assiste ao arguido o direito de não prestar declarações em julgamento – direito que o arguido AD... exerceu no caso presente, não podendo nos termos legais ser prejudicado por causa dessa opção – também não é menos verdade que teve oportunidade de se defender da acusação contra ele formulada pelo M.P e de explicar ao Tribunal, na audiência realizada na 1ª instância, a sua versão quanto aos indícios de prova recolhidos em sede de inquérito, mas o arguido não o fez, deixando ao Tribunal de 1ª instância a apreciação e valoração dos mesmos.
Não pode assim querer agora alegar a sua inocência (nem quanto a nós faria sentido apelar nesta fase do recurso, para o princípio da presunção da inocência), argumentando para o efeito que não foi efectivamente feita prova de ter o mesmo participado de alguma forma nas operações bancárias objecto destes autos e que se circunscreveram segundo ele, a um resgate de uma aplicação financeira do lesado Nuno... e à transferência do valor correspondente para uma conta bancária no B.Bank.P... titulada pela firma Circuito H... A..., sendo que as mesmas apenas foram possíveis por ter o B.Bank.P... validado a assinatura do Nuno... aposta no documento que autorizava a dita transferência.
Do nosso ponto de vista, a leitura que os Senhores Juízes do Tribunal a quo fizeram de todos os elementos de prova de que dispunham, é uma leitura legítima e correcta, de acordo com as regras da experiência e do normal desenvolvimento dos acontecimentos da vida conforme passagem da motivação a seguir transcrita: “Perante os meios de prova enunciados (prova testemunhal e análise dos documentos de fls 14-25, 60-64, 129-134, 138-139, 148-150, 167-175, 179-187,194-198 e 580-736), o Tribunal Colectivo não teve dúvidas em afirmar que AA... e o arguido AD... actuaram em conjugação de esforços e de intenções e de comum acordo foram praticados os factos dados como provados.
AA... e o arguido AD... remeteram-se ao silêncio o que dificulta o apuramento dos elementos volitivos.
No entanto, face aos depoimentos dos ofendidos Nuno... e Paula..., por um lado, e dos empregados do banco, por outro lado, é líquido que AA... geria as contas bancárias dos ofendidos e da sociedade "CIRCUITO H...A... – Imp. Exp. U..., Lda.", contas que o acompanharam de outra agência da "B.Bank.P.". Assim como, era amigo do arguido AD....
Em consonância com esta actividade e as relações pessoais estabelecidas entre os arguidos, não existe dúvida que AA... permitiu que a conta bancária da "CIRCUITO H... A... – Imp. Exp. U..., Lda." apresentasse um descoberto superior a € 80.000,00.
Ora, AA... não disponha de competência para autorizar tal situação; e, é certo, que a mesma não foi autorizada por nenhum superior a este. E, só esta hipótese justifica a adopção dos comportamentos subsequentes (...)
Assim sendo, AA... e o arguido AD... depararam-se com um problema com raiz comum: o descoberto.
O arguido AD... estava com uma elevada dívida para com a instituição financeira, com o risco de perder crédito bancário e, sobretudo, de colapsar a actividade da sociedade "CIRCUITO H. A. – Imp. Exp. U..., Lda.".
AA... deixou criar e avolumar uma situação que lhe poderia acabar com a carreira na instituição bancária.
Deste modo, numa solução de curto prazo e na perspectiva de AA... e do arguido AD..., este problema poderia ser resolvido com recurso à conta bancária dos ofendidos Nuno... e Paula.... (...).
Tanto mais que o arguido AD... conhecia bem as rotinas dos cunhados, com vidas profissionais muito ocupadas, ela arquitecta e ele comandante de aviação, sem problemas financeiros; e, por outro lado, AA..., como gestor de conta dos ofendidos, conhecia os hábitos de poupança dos mesmos e a frequência dos contactos que mantinham com a instituição financeira.
Conjugando os respectivos conhecimentos, é com naturalidade que AA... e o arguido AD... tenham recorrido à solução de movimentarem as poupanças dos ofendidos para cobrirem o descoberto na conta da "CIRCUITO H... A... – Imp. Exp. U..., Lda.".
No entanto, esta solução para funcionar e resolver o problema de AA... e do arguido AD... passava obrigatoriamente pela reposição em breve da situação da conta bancária dos ofendidos.
O que não aconteceu por o arguido AD... não ter conseguido reunir os meios financeiros necessários.
E, não o conseguiu por incapacidade financeira e não por falta de tempo, pois a situação só foi detectada pelos ofendidos passados meses sobre a efectivação das operações bancárias – esta situação demonstra o conhecimento de AA... e do arguido AD... sobre os hábitos dos ofendidos.
Em suma, os factos objectivos verificados só fazem sentido conjugados com a intervenção coordenada de AA... e do arguido AD..., a intervenção de apenas um destes, designadamente, AA.., não conseguiria explicar o sucedido – não faz sentido que AA... tenha tentado esconder um erro, com a prática de um crime que mais tarde ou mais cedo seria descoberto. Só uma promessa do arguido AD... em repor a situação da conta bancária do cunhado, poderia despoletar, do lado, de AA... a vontade de realização das operações bancárias.” O núcleo essencial dos factos objecto deste processo circunscreveu-se pois a um resgate de uma aplicação financeira e à transferência do valor correspondente a esse resgate, para uma conta bancária da firma “Circuito H... A...” pertencente ao co-arguido AD..., sem o conhecimento e consentimento do titular daquela aplicação financeira, o ofendido Nuno....
Estas duas operações foram efectuadas pelo B.Bank.P... que validou a assinatura do ofendido Nuno..., constante do documento e mediante autorizações assinadas pelos funcionários do balcão que estão identificados nestes autos, de acordo com os depoimentos das testemunhas Sónia..., Gonçalo... e Pedro....
É verdade que no caso dos autos se verificou a ausência de prova pericial à assinatura do documento que autorizou a polémica transferência (perícia não realizada porque inviável segundo parecer técnico da Polícia judiciária junto a fls 152 dos autos).
Contudo o Tribunal a quo chegou (e bem!) à conclusão de que tal documento que autorizou aquela transferência bancária, foi forjado mediante a aposição no mesmo de uma assinatura falsificada do lesado Nuno... e faz referência ao depoimento da testemunha Pedro..., como tendo sido relevante para explicar o funcionamento da instituição bancária em causa (B.Bank.P...) na parte referente ao resgate de produtos financeiros e das transferências bancárias e quanto ao mais explicou com recurso à análise da restante prova testemunhal e documental e também com recurso à prova por presunção de que modo fundou a sua convicção quanto à falsificação da assinatura do ofendido Nuno....
Essa aposição da assinatura falsa do Nuno... no documento que autorizou a transferência, foi assim executada pelo AA... (por ter sido por este aposta num documento de circulação interna do banco) mas em conjugação de vontades e de acordo com um plano comum, delineado pelos dois arguidos AA... e AD..., aproveitando o uso daquele documento assim falsificado, a ambos.
E nem se diga, como fez o arguido em sede recurso, ser estranho que a falsificação da assinatura do Nuno... tenha ocorrido em 29/9/2011 e a denúncia desse facto ao B.Bank.P... por este lesado, só se tenha verificado em 9/2/2012 isto é decorridos que estavam quatro meses e dez dias.
Tal facto não pode quanto a nós ser entendido como sendo absolutamente estranho e inexplicável como pretende fazer crer o recorrente, pois que tudo dependerá dos hábitos de vida dos titulares da conta bancária em questão, que foi indevidamente (por carecer de autorização do legítimo titular) movimentada.
Nenhuma estranheza causaria esse lapso de tempo, numa situação em que os titulares dessa conta, isto é o Nuno... e a sua mulher Paula... (cunhada do arguido AD...), ali depositassem avultadas quantias monetárias e/ou confiassem na instituição bancária onde a mesma foi aberta e/ou não consultassem habitualmente com regularidade os movimentos nem os saldos bancários da sua conta, por não carecerem dessa fiscalização na gestão da sua vida rotineira normal.
Entendemos assim que o Tribunal de 1ª instância procedeu a uma análise crítica e cuidadosa da prova testemunhal produzida, nomeadamente do depoimento da testemunha Sónia... (à data dos factos subordinada do arguido AA... e que trabalhava na agência do B.Bank.P... onde estava domiciliada a conta bancária do lesado) quando esclareceu (conforme se pode ler na fundamentação do Acórdão), que o resgate e transferência foram efectuados tendo por base instruções do ofendido Nuno... e que as assinaturas foram conferidas por semelhança com a ficha de assinaturas em poder do Banco – e que não tendo sido encontrado qualquer indício de situação ilícita o Banco procedeu adequadamente, de acordo com a referida instrução, acrescentando ainda que uma das rubricas do documento do resgate é sua e a rubrica do documento da transferência é do AA....
Deste modo, através da simples leitura da decisão recorrida e não obstante a inviabilidade da prova pericial ao documento que autorizou a transferência bancária (cfr resulta dos autos, o exame grafológico requerido a fls 145 pela Polícia Judiciária foi considerado inviável conforme se verifica a fls 152 dos autos), percebe-se qual o percurso lógico que o Tribunal tomou para concluir da forma como o fez, com recurso também à análise da restante prova documental e com recurso às regras da experiência de vida e também à presunção.
Isto é, torna-se evidente da leitura da fundamentação de facto na decisão recorrida, que a conclusão a que o Tribunal a quo chegou, acerca do cometimento pelo arguido AD... dos dois crimes pelos quais foi condenado a título de co-autoria, é uma conclusão que se impõe com recurso também à presunção, mas a prova por presunção, constitui como sabemos um meio de prova perfeitamente legítimo.
Importa pois lembrar aquilo que o S.T.J vem defendendo, no que respeita à aceitação da prova indirecta assente na presunção, como uma prova igualmente válida.
Veja-se por todos o Acórdão do S.T.J de 17.3.2004 in www.dgsi.pt onde ficou escrito “os meios de prova directos não são os únicos a poderem ser utilizados pelo julgador. Existem meios de prova indirecta que são procedimentos lógicos, para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um (ou vários) factos conhecidos ou seja as presunções.
As presunções cuja definição se encontra no artº 349º do C.Civil são também válidas em processo penal, importando, neste domínio as presunções naturais que são, não mais do que o produto das regras da experiência: o juiz valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. O Juiz utiliza a experiência de vida, da qual resulta que um facto é consequência de outro, ou seja, procede mediante presunção natural. Na passagem do facto conhecido para a aquisição do facto desconhecido, têm de intervir procedimentos lógicos e intelectuais que permitam, com fundamento, segundo as regras da experiência que determinado facto anteriormente desconhecido, é a natural consequência, ou resulta com probabilidade próxima da certeza de outro facto conhecido”.
Assim sendo, no caso presente, foi possível dar como provada a imputação a título de co-autoria, dos crimes de burla e de falsificação de documento, ao arguido ora recorrido, no circunstancialismo de tempo e de lugar concretamente referidos na acusação do M.P, com recurso também às referidas presunções e com base nas regras da experiência comum.
“A prova do facto criminoso nem sempre é directa, de percepção imediata; muitas vezes é necessário fazer uso de indícios. Exigir a todo o custo a existência de provas directas implicaria o fracasso do processo penal …- cfr Ac. do S.T.J de 12.9.2007. P. 07P 4588 em www.dgsi.pt”
Tal como bem veio defender o M.P nesta Relação de Lisboa, no seu parecer lavrado nos autos “Ora, salvo o devido respeito, seria absurdo que os arguidos publicitassem perante os lesados ou /e perante os funcionários bancários a respetiva intenção de falsificarem documentos de forma a ludibriarem a instituição bancária onde os lesados tinham as suas poupanças e de provocarem aos mesmos elevado prejuízo patrimonial.
E que tal acarretaria inevitavelmente também responsabilidade criminal para os destinatários de tais confissões.... Não se descortina que os depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas no recurso tenham sido incorretamente valorados pelo tribunal coletivo, muito menos que tais depoimentos imponham decisão diversa da proferida, como determina a alínea b) do n°3 do art. 412° do CPP. (...) E cumpre realçar que as presunções judiciais são admissíveis em processo penal , traduzindo-se em o tribunal, partindo de um facto certo, inferir, por dedução lógica, um facto desconhecido. As presunções de facto - judiciais, naturais ou hominis - fundam-se nas regras da experiência comum (vd a título meramente exemplificativo o acórdão do TI2C de 09.05.2012, proc. 347/10.8PATNV).
Encontrando-se fundamentado o percurso lógico efetuado pelo tribunal, estribado no conjunto da prova produzida e em regras de experiência comum para imputar ao arguido/ recorrente os factos que foram dados como provados, e a respetiva subsunção aos tipos legais de crime pelos quais foi condenado, verifica-se não ter ocorrido qualquer erro de julgamento, podendo concluir-se pela fundamentação objectiva do acórdão.” São assim perfeitamente perceptíveis no Acórdão, os elementos que em razão das regras da experiência comum ou critérios lógicos do homem médio suposto pela ordem jurídica, levaram à condenação do arguido AD..., por este agindo em conjugação de esforços e vontades com o arguido AA..., de forma livre, voluntária e consciente terem engendrado um plano para se apropriarem dos fundos existentes na conta de Fundo O... n° 1..........1 (Facto 5) e que dessa forma lograram operar a transferência descrita e apropriar-se dos montantes referidos (Facto 6) e que agiram livre, voluntária e conscientemente, querendo forjar o documento em causa, como se verdadeiro se tratasse, fazendo crer que Nuno... ordenava a transferência e o havia emitido e assinado, colocando em causa a fidedignidade deste tipo de documento e prejudicando-o e a Paula... (Facto 7) e que pela forma descrita, tinham o propósito que concretizaram de alcançar para si um benefício ilegítimo, traduzido em fazer seus os montantes titulados pela transferência, bem sabendo que não tinham direito ao valor dos mesmos e prejudicando Nuno... e Paula... nesses mesmos montantes (Facto 8) e que sabiam que tais condutas não lhes eram permitidas (Facto 9).
Ficou também demonstrado, ter o arguido AD... actuado desta forma, com o objectivo de por essa via conseguir concretizar a referida transferência bancária de elevada quantia monetária (90.000,00 euros) para uma conta titulada pela sua empresa e assim sanar um problema de descoberto não autorizado, que tinha sido criado por razões a ele imputáveis, na sua conta.
Com esta sua actuação conjunta, sem dúvida que o arguido AD... participou de forma directa na execução de uma transferência bancária que foi “fabricada” com recurso ao uso de um documento falsificado, pela aposição no mesmo de uma assinatura que não era genuína porque não foi feita pelo próprio punho do titular da conta movimentada, o Nuno..., assim se enganando de forma insidiosa (com astúcia) a instituição bancária B.Bank.P... onde os lesados Nuno ... tinham depositado as suas poupanças, através da abertura de uma conta à ordem nº 1..........3 e de uma conta de Fundo O... n° 1..........1.
Com efeito, acreditando ser verdadeiro aquele documento, o B.Bank.P... validou a referida transferência bancária no valor de 90.000,00 euros da conta titulada por aqueles dois cidadãos para a conta nº 2..........8 titulada pela sociedade “Circuito H... A... – Imp. Exp. U... Lda”, assim causando ao Nuno... e Paula... um elevado prejuízo patrimonial, equivalente ao montante que foi (sem autorização dos legítimos titulares) retirado da sua conta no termos acabados de referir.
E nem se diga contra, como fez o recorrente na sua motivação de recurso, que não havia móbil para a actuação do arguido AD...: “É certo que a dado passo consta da sentença que em face do descoberto existente na conta da Circuito H... A... no B.Bank.P... os arguidos depararam-se com um problema, mas se é certo que se compreende a existência de um problema para o arguido AA... porque não tinha competência para proceder a essa autorização, não se vê qual seria o problema do arguido AD...”
Na verdade aqui chegados, não se entende como pode o arguido AD... vir alegar que na época apenas o arguido AA... tinha um problema para resolver junto da instituição bancária B.Bank.P... por ter autorizado um descoberto de montante elevado (no valor de 88.049,27 euros) na conta nº 2..........8 titulada pela sociedade “Circuito H... A... – Imp. Exp. U... Lda”, sem que internamente no B.Bank.P... onde trabalhava lhe tivessem dado poderes para o efeito.
Resulta ser óbvio para nós, tal como o foi para o Tribunal a quo e ficou expresso na decisão recorrida, que o problema criado com esse elevado descoberto, era um problema dos dois arguidos: – do arguido AD... porque isso significava que a sociedade “Circuito H... A... – Imp. Exp. U... Lda” cujo único sócio e gerente era ele próprio, havia gastado mais do que aquilo que podia efectivamente dispor, isto é gastara mais do que o dinheiro que tinha efectivamente depositado na conta nº 2..........8 titulada por aquela sociedade, realidade essa que em última instância tornava essa firma a única e principal devedora ao B.Bank.P... do montante que se encontrava a descoberto, valor esse que o arguido AD... enquanto único sócio e gerente da firma Circuito H... A... – Imp. Exp. U... Lda” não conseguira repor - pois caso contrário, como resulta evidente, não se justificaria o recurso à transferência da conta de Fundo O... n° 1..........1 não autorizada pelo respectivo titular; – do arguido AA... porque sendo embora verdade que para determinados clientes os gerentes bancários podem autorizar descobertos até determinado montante nas contas bancárias dos seus “bons” clientes (sabedores que os mesmos por possuírem capacidade para tal rapidamente providenciarão para repor os fundos em falta), no caso presente o AA... deixara avolumar o descoberto até um ponto muito elevado (88.049,27 euros) na conta nº 2..........8 titulada pela sociedade “Circuito H... A... – Imp. e Exp. U... Lda”, com conhecimento de que não detinha poderes funcionais para tal, o que o colocava numa situação difícil perante a própria instituição bancária (B.Bank.P...) para a qual trabalhava e perante quem teria de responder internamente se a irregularidade fosse descoberta.
E nos termos acabados de expor, era este descoberto de montante elevado, um problema que notoriamente interessava aos dois arguidos resolver.
E a resolução para o mesmo foi encontrada pelos dois, mediante a referida transferência bancária no valor de 90.000,00 euros, da conta de Fundo O... n° 1..........1 titulada pelo Nuno... e sua mulher Paula..., para a conta nº 2..........8 titulada pela sociedade “Circuito H... A... L.A”, não sendo de todo a referida transferência bancária portanto do exclusivo interesse do arguido AA..., como veio defender sem qualquer razoabilidade o arguido AD... neste seu recurso.
Da leitura atenta do Acórdão sob recurso, resulta de forma evidente que o Tribunal analisou de forma crítica e conjugada a prova produzida em audiência pelo que em resumo, repete-se não ocorreram quanto a nós, nenhum dos vícios do nº 2 do artº 410º e na apreciação da matéria de facto não houve assim qualquer preterição de procedimentos obrigatórios (inexistindo nomeadamente qualquer violação do artº 32º/1 e 2 e artº 205º/1/2 da C.R.P) Ou seja o arguido acaba no fundo por confundir o erro de julgamento com a valoração da prova.
Melhor dizendo, com as alegações constantes do seu recurso, o recorrente no fundo pretendeu foi colocar em causa a valoração da prova efectuada pelo Tribunal a quo, pretendendo que a mesma prova seja valorada de acordo com a sua própria apreciação, esquecendo-se contudo, tal como já ficou dito acima, que a prova é apreciada, salvo quando a lei dispuser diferentemente, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador – artº 127º do C.P.P – e não de acordo com a apreciação que dela fazem os destinatários da decisão.
Livre apreciação essa que não significa livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, realizando-se de acordo com critérios lógicos e objectivos, expressos através da motivação.
Estão assim agora perfeita e suficientemente explicadas quais as razões em que o Tribunal a quo assentou a sua convicção, no sentido de dar como comprovada a actuação ilícita e concertada do arguido AD... subjacente à sua condenação, por ter preenchido objectiva e subjectivamente todos os elementos típicos dos dois crimes a ele imputados (Burla e falsificação), nos exactos termos constantes do Acórdão recorrido e que aqui se mantêm por nada haver a censurar.
Não se vislumbra assim, da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal ora recorrido e da respectiva fundamentação acima reproduzidas, qualquer apreciação da prova que resulte ser manifestamente ilógica, arbitrária ou de todo insustentável, denunciando a existência de um erro notório evidente para um cidadão comum ou um jurista com preparação normal.
Em conclusão, entendemos que a fundamentação da matéria de facto está estruturada de forma respeitadora dos diversos critérios legais e designadamente do artº 127º do C.P.P, mostra-se coerente, lógica e feita de acordo com as normas legais e as regras da experiência comum, não se vislumbrando assim que sofra de vício algum, nomeadamente de erro notório na apreciação da prova.
A discordância do arguido é meramente intelectual e não se prende com qualquer vício da decisão que não existe.
E como é sabido, tal discordância em relação ao decidido não releva em termos de recurso.
É unânime a jurisprudência dos nossos Tribunais no sentido de que se o recorrente se limita a dar a conhecer a sua versão dos factos que deveriam ser dados como provados ou não provados, sem que a deficiência resulte do texto da decisão e seja susceptível de configurar um vício, então essa alegação não pode conduzir à procedência do recurso.
Mostra-se pois bem fundamentada a matéria de facto, não padecendo a decisão recorrida de qualquer dos vícios previstos no artº 410º/2 do C.P.P.
Face a tudo o acima exposto, improcede na íntegra a impugnação da matéria de facto. C)– Medida e natureza da pena aplicada. O arguido veio ainda insurgir-se contra a pena concreta que lhe foi aplicada na medida em que a considera gravosa, bem como veio discordar da subordinação da suspensão da execução dessa pena à condição de pagamento ao ofendido de uma quantia monetária em montante fixado pelo Tribunal.
E quanto a essa condição subordinativa da suspensão da execução, veio invocar que o Acórdão recorrido padece do vício de nulidade (apontado no Ac. do S.T.J Uniformizador de Jurisprudência nº 8/2012 de 12.9.2012) decorrente da inexistência de uma apreciação crítica da sua situação económica presente e futura – em ordem a permitir formular um juízo de prognose favorável quanto à sua possibilidade de satisfazer a condição de pagamento de uma quantia monetária ao ofendido de que ficou dependente a suspensão da execução da sua pena de prisão.
Quid Juris?
A moldura penal abstracta prevista para o crime de burla qualificada é a de pena de prisão de 2 a 8 anos – artº 217º/1 e artº 218º/2/a) com referência ao artº 202º b) do C.P.
A moldura penal abstracta prevista para o crime de falsificação de documento de acordo com o artº 256º/1/a) do C.P é a de pena de prisão de 1 mês até 3 anos ou com pena de multa de 10 até 360 dias – artº 47º/1 do C.P.
No que respeita à escolha da natureza da pena e determinação da sua medida decidiu o Tribunal a quo nos seguintes transcritos termos: “Exposto o raciocínio e o modelo imanente à determinação da medida da pena, considerando o enquadramento jurídico-penal efectuado, impõe-se a determinação concreta da pena.
Relevam por via da culpa, para efeitos de medida da pena: – no sentido da agravação da ilicitude contribui o grau de conhecimento e a intensidade da vontade no dolo: dolo directo, a sua participação na conduta global e os danos causados com a conduta. Ponderados todos estes factores, deve estabelecer-se o grau de culpa no limite médio da moldura abstracta. Revelam por via da prevenção especial para efeito de medida da pena: – o comportamento processual; – a inserção familiar e social; – o passado criminal.
Pelo que, a conjugação destes factores suavizam as necessidades de prevenção especial, devendo o seu grau deve situar-se no mesmo plano do da prevenção geral positiva.
No que se refere à prevenção geral positiva ou de integração, a tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade do ordenamento jurídico, fica assegurada com a imposição ao arguido das seguintes penas:
- 12 meses de prisão pela prática do crime de falsificação;
- 3 anos de prisão pela prática do crime de burla qualificada. Este é o ponto mínimo ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos colocado em perigo de lesão (...) A moldura penal do concurso do arguido AD... tem como limite máximo 4 anos de prisão e como limite mínimo 3 anos de prisão. Ponderada a gravidade do ilícito global praticado, fornecida pela conexão (espacial e temporal) verificada entre os factos concorrentes, é de atribuir à pluralidade de crimes algum efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. Pelo que, se afigura adequada a aplicação ao arguido AD... da pena única de 3 anos e 4 meses de prisão. (...) De acordo com o disposto no artigo 50º nº 1 do Código Penal que o Tribunal pode suspender a execução da pena de prisão não superior a 5 anos, suspensão que representa a aplicação de uma nova pena de carácter psicológico que além de preencher o fim de reprovação do crime, se mostra atinente a evitar a repetição de crimes.
No entanto, o sistema sancionatório consagrado pelo legislador penal assenta na concepção básica de que a pena privativa de liberdade – sendo embora um instrumento de que os ordenamentos jurídico-penais actuais não conseguem ainda prescindir – constitui a última "ratio" da política criminal (cfr., Dias, Figueiredo, "O Sistema Sancionatório do Direito Penal Português no Contexto dos Modelos de Política Criminal", in Estudos em Homenagem do Prof. Eduardo Correia, vol. I, p. 786).
(...) No caso concreto, o arguido AD... encontra-se inserido profissional e familiarmente, o arguido AD... tem passado criminal – mas pela prática de crimes distintos aos dos autos.
Assim sendo, em relação a ele é, ainda, possível elaborar o prognóstico de que a simples censura pública e solene dos crimes e a ameaça da execução das penas de prisão bastará para o afastar da criminalidade e satisfazer ao mesmo tempo as necessidades concretas de reprovação dos seus crime e de prevenção de outros. E, ainda, é de entender que, no caso do arguido AD....
os fins das penas serão melhor realizados se se declarar tal suspensão, sujeito a regime de prova a homologar e com condição de pagar ao lesado € 30.000,00, durante o período de duração da suspensão de execução da pena de prisão.”
Vejamos.
Culpa e prevenção são as referências norteadoras da determinação da medida da pena - artº 71º nº 1 do Cód. Penal - a qual visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade - artº 40º nº 1 do mesmo diploma legal.
A este propósito, refere o Prof. Figueiredo Dias (“in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, 2º a 4º, Abril-Dezembro de 1993, pág. 186 e 187”) que, o modelo de determinação da medida da pena consagrado no CP vigente «compete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma «moldura de prevenção», cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de pena, dentro da referida «moldura de prevenção», que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente».
Há, ainda, que considerar as circunstâncias referidas no nº 2 do artº 71º do Cód. Penal para a fixação concreta da medida da pena. Assim resulta que a medida da pena não é pura matemática, antes uma operação complexa desenrolada em três fases:
1)-escolhem-se os fins das penas: pois só a partir deles se podem ajuizar os factos do caso concreto relevantes para a determinação da pena e para a valoração que lhe deve ser dada (o artº 71º/1 do C.P indica a culpa do agente em primeiro lugar, mas no mesmo nível situa as exigências de prevenção), lembrando o que dispõe o artº 40º/1 sobre as finalidades da punição – protecção dos bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade; 2)- fixam-se os factores que influem no doseamento da pena: as circunstâncias concorrentes no caso concreto, que em relação com os fins das penas, têm importância para a determinação do tipo e gravidade da pena (factores esses indicados a título de exemplo no artº 71º/2 do C.P); 3)- tecem-se considerandos que fundamentam essa determinação efectuada (de acordo com o artº 71º/3 do C.P.)
Ora sendo as finalidades das penas, como já acima referimos, a protecção de bens e valores jurídicos e a reintegração do agente delituoso na sociedade (prevenção geral e prevenção especial respectivamente), há que buscar um ajustado equilíbrio entre elas, equilíbrio esse que não inibe que perante o caso concreto, uma dessas finalidades possa e deva prevalecer sobre a outra.
E assim em complemento do que acaba de ser dito, face às finalidades das penas, em caso algum pode a pena ultrapassar a medida da culpa (artº 40º/2 do C.P).
Só desta forma, se atingirá uma das finalidades da penas – a criação de um sentimento de segurança, de utilidade, de punidade e de justiça. Face à natureza e circunstâncias dos factos praticados pelo arguido AD..., entendeu-se na 1ªinstância (e bem!) que a pena de multa não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição no que respeita ao crime de falsificação de documento, pelo que no caso, a opção pela pena privativa da liberdade, tal como foi decidido pelo Tribunal a quo se revela uma decisão justa e adequada, recordando de seguida o que ficou escrito nesta parte: “De acordo com o critério legal, a escolha deve ser fundamentada e, em regra, favorável às penas não privativas da liberdade. Assim sendo, deve dar-se prevalência à medida não detentiva, desde que a sua aplicação seja suficiente para promover a reintegração social do agente e dar satisfação às finalidades de prevenção geral.
Desta forma, tendo o arguido AD... antecedentes criminais verificam-se, in casu, exigências de prevenção especial. Pelo que, a opção, no caso concreto, por uma pena de prisão é a única solução justificável, quer do ponto de vista da ressocialização, quer do ponto de vista da consciência jurídica da comunidade.”
No caso presente, ponderando em especial o tipo de crime de burla aqui em análise, importa ter em conta o grau de lesividade da conduta do agente no preenchimento deste tipo legal de crime que é um crime de resultado - e por outro lado os antecedentes criminais do arguido – pelo que tudo visto se entende que no Acórdão recorrido, essa análise foi correctamente elaborada, como se pode ler na fundamentação supra transcrita.
Ponderando as supra referidas circunstâncias determinantes da medida da pena, assim como as necessidades de prevenção geral, nomeadamente aquelas, que são muito elevadas nos crimes de burla e de falsificação de documentos relativos a operações bancárias (pondo em causa no caso sub judice, o tráfico jurídico e nomeadamente a segurança das relações comerciais com recurso às instituições bancárias), também se afigurando algo elevadas as necessidades de prevenção especial (face às várias condenações que o arguido regista, sendo duas delas por crimes que lesam bens de natureza patrimonial, crime de abuso de confiança fiscal e crime de emissão de cheque sem provisão), tendo por referência que a pena não pode ultrapassar a medida da culpa e ainda que a mesma visa a reintegração social do agente, tendo em conta as molduras legais abstractas dos dois ilícitos ora em análise, entende-se que tanto no crime de burla como no crime de falsificação de documento, nenhuma censura temos a fazer às medidas concretas das penas que foram fixadas pelo Tribunal a quo. Por outras palavras, quanto à escolha da natureza das penas concretas e graduação da sua medida, o Tribunal recorrido teve em atenção todos os factores que nos termos da lei devem ser valorados nesta sede e ponderada a diferente moldura legal abstracta de cada um dos dois tipos de ilícito em causa, as referidas penas concretas de 12 meses de prisão (para o crime de falsificação de documento) e de 3 anos de prisão (para o crime de burla qualificada) que ficaram determinadas, não se mostram exageradas, mas antes inteiramente justas, proporcionais e adequadas ao grau da sua culpa que ficou demonstrado no presente caso.
Na verdade tendo em conta os assinalados factores e a valoração que deles se fez na 1ª instância, em sede de culpa e prevenção bem como os limites mínimo e máximo da moldura legal abstracta da pena de prisão prevista no C.P para os dois crimes praticados pelo arguido, entende este Tribunal da Relação que a graduação que o Tribunal a quo fez das penas concretas a aplicar, fixando-a em 12 meses de prisão e em 3 anos de prisão, respectivamente para os crimes de falsificação de documentos e de burla simples, são justas e adequadas.
Como já acima foi sublinhado, da conjugação do disposto nos arts 40º e 70º do Código Penal, resulta que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e o reforço da consciência jurídica comunitária na validade da norma infringida (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).
Concordamos assim inteiramente com as considerações feitas no Acórdão recorrido, por traduzirem uma acertada e fiel leitura da realidade e entendemos assim que o quantum das penas concretas fixadas ao arguido, não vai além do grau da sua culpa e é adequada a satisfazer as razões de prevenção geral que são elevadíssimas, bem como as razões de prevenção especial, também elas algo elevadas se bem que em menor grau, uma vez que o arguido se encontra inserido social e familiarmente.
Ou seja, no caso presente foi devidamente ponderado o conjunto dos factos praticados pelo agente, o dolo directo e as consequências da sua conduta ilícita, bem como o seu percurso de vida e a sua personalidade evidenciada ao longo tempo, como claramente ficou expresso no Acórdão recorrido.
O conjunto de todos estes factos – dados por assentes pelo Tribunal a quo – bem como as circunstâncias anteriores e posteriores ao cometimento dos crimes, o dolo - directo e intenso - fazem-nos concordar quer com as penas parcelares, quer também com a pena única – 3 anos e 4 meses de prisão - que foram aplicadas ao recorrente na 1ª instância, como melhor explicaremos adiante.
Como se sabe, medir e graduar a pena concreta, constitui uma tarefa assaz complexa para o julgador e releva aqui a sua própria intuição assessorada pelas regras da experiência comum, face ao caso concreto em análise e o critério de uniformidade seguido pelo próprio tribunal em situações idênticas, ponderadas as circunstâncias agravantes e atenuantes provadas; todavia, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Além do mais, os critérios de determinação da medida concreta das penas e de sujeitar ou não a suspensão da execução de uma pena de prisão a uma ou mais condições, são sempre subjectivos e discutíveis, não obstante as regras definidas pelas normas do Cód. Penal.
Subscrevemos pois o entendimento daqueles que defendem na Jurisprudência das Relações, que os Tribunais de recurso, não devem simplesmente alterar a medida das penas, só porque os julgadores no Tribunal “ad quem” possam ter um critério diferente do julgador recorrido.
Devem modificá-las sim, mas quando existam razões objectivas para tal, máxime, a violação dos princípios orientadores da determinação da medida das penas concretas e da sua natureza.
Ora, no caso presente como resulta da leitura atenta do texto do Acórdão, foram inteiramente respeitadas as normas aplicáveis nesta matéria.
Em face da factualidade provada - nomeadamente nos pontos indicados em 1) a 10) e quanto à situação pessoal do arguido em 11) a 31) - matéria que aqui se dá por reproduzida - e ainda da fundamentação do Acórdão, não se verifica terem sido violados quaisquer dos preceitos legais aplicáveis na matéria, nomeadamente aqueles invocados pelo recorrente.
De igual forma, em sede de cúmulo jurídico, na determinação da pena única, não obstante o alegado pelo arguido na sua motivação de recurso, o Tribunal recorrido teve em atenção todos os factores que nos termos da lei devem ser valorados nesta sede, de acordo com o preceituado no artº 30º/1 e artº 77º/1 do C.P.
Com efeito, no que respeita à pena única de prisão a aplicar ao arguido em sede de cúmulo jurídico, importa dizer ainda, que a medida concreta da pena do concurso de crimes, dentro da moldura abstracta aplicável, se constrói a partir das penas aplicadas aos diversos crimes e é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente. À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detectar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente.
Do que se trata agora, tal como bem ficou dito na sentença recorrida, é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detectar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da actuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e “a culpa pelos factos em relação” - a qual se refere Cristina Líbano Monteiro em anotação ao acórdão do S.T.J de 12.7.2005 e Figueiredo Dias in “A Pena Unitária do Concurso de Crimes” in RPCC ano 16º, nº 1, pág. 162 e ss.
Ou como diz Figueiredo Dias “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique (ob cit. Pág 291).
Na avaliação desta personalidade unitária do agente, releva sobretudo “a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira criminosa”) ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.
Por último, segundo este autor, de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
No caso sub Júdice, a análise do circunstancialismo concreto em que foram praticados os dois ilícitos pelos quais foi condenado este arguido (donde se sobressai a análise da gravidade dos factos praticados e o tipo do modus operandi bem como as consequências daí resultantes e o período de tempo em que desenvolveu a sua actuação) permite considerá-lo um delinquente com uma personalidade reveladora de alguma tendência para o crime, e podemos acreditar ou prever que de futuro poderá reincidir em tais condutas (probabilidade elevada).
Por outro lado, atentas as penas concretas de prisão parcelares acima fixadas, resulta que a moldura legal abstracta a considerar para o cúmulo jurídico, terá como limite mínimo, a pena parcelar mais elevada que é a pena de 3 anos de prisão e como limite máximo a pena de 4 anos de prisão, por ser essa a pena correspondente à soma das duas penas parcelares de prisão a considerar – sendo portanto estes os parâmetros da moldura legal abstracta do cúmulo a efectuar no caso presente.
A pena única resultante do cúmulo deverá assim ser encontrada dentro dessa moldura abstracta, a qual define um mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e um máximo consentido pela culpa do agente.
Assim, entende-se que em sede do cúmulo jurídico das duas penas parcelares acima fixadas e dentro da moldura legal e abstracta a considerar para esse cúmulo, a pena única de 3 anos e 4 meses de prisão, mostra-se justa e adequada à culpa revelada pelo arguido e às finalidades da punição no caso concreto, assegurando de forma equilibrada, a satisfação das necessidades de prevenção geral e especial, ponderando todos os vectores supra referidos.
Tudo visto, nada temos pois a censurar à medida da pena única que foi fixada na 1ª instância, medida essa que se mantém por isso inalterada. E quanto à obrigação de pagamento aos lesados de um montante indemnizatório no montante de 30.000,00 euros, imposta pelo Tribunal a quo ao arguido e condicionante da aplicação do regime da suspensão da execução da pena de prisão? Tendo em atenção a matéria de facto que ficou provada quanto à situação de vida pessoal do arguido AD... nos pontos 11) a 31) do Acórdão, sem dúvida que a ponderação desses mesmos factos esteve na base da decisão da suspensão da execução da pena nos moldes constantes do texto do Acórdão (embora de forma demasiado sintética e pouco desenvolvida o Tribunal a quo não deixou de se referir expressamente à situação de inserção familiar e profissional do arguido nesta parte).
Foram igualmente ponderados pelo Tribunal de 1ª instância os preceitos legais aqui aplicáveis (artº 51° n°1 a) e n°2 do CP) e desta forma se entende que face às circunstâncias pessoais e actuais de vida do arguido apuradas em juízo e à sua capacidade de em liberdade poder trabalhar e gerar rendimentos, essa condição nos termos em que foi fixada no Acórdão, não se revela descabida ou inexequível e foram respeitados todas as exigências legais, não padecendo nesta parte a decisão recorrida de qualquer vício ou ilegalidade, nomeadamente omissão de pronúncia, nos termos invocados pelo arguido.
Acompanhamos e subscrevemos assim nesta parte o parecer do M.P nesta Relação de Lisboa quando veio defender: “(...)Relativamente a invocada omissão de pronúncia "pela ausência de juízo de prognose acerca da satisfação pelo arguido da condição fixada, tendo em conta a concreta situação económica, presente e futura", afigura-se não se estar perante uma omissão de pronúncia, cumprindo apenas aferir se a condição imposta é compatível com os requisitos constantes do artº 51° n°1 a) e n°2 do CP.
Nos termos do artº 51° nº 1 a) e n°2 do CP, "os deveres impostos [como condição de suspensão da execução da pena] "não podem representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir, sendo que compete ao tribunal determinar o pagamento, "no todo ou na parte que o tribunal considerar passível, a indemnização devida ao lesado".
E foi esse o critério seguido pelo tribunal, o qual considerou possível o pagamento de 30.000 euros por parte do arguido ao lesado, durante o prazo de suspensão da execução da pena de 3 anos e 4 meses, e por conta da indemnização cível fixada de 90.000 euros, como exigência de reparação do mal do crime.
Aliás tal como bem ficou sublinhado neste parecer, em caso de incumprimento dessa obrigação por falta de condições económicas do arguido condenado, nunca a revogação da suspensão da execução seria decidida de forma automática, bastando ao arguido vir invocar que as razões do não cumprimento não lhe eram imputáveis “sempre se dirá que o tribunal apenas poderá revogar a suspensão da execução da pena de prisão caso venha a considerar que o incumprimento por parte do arguido teve natureza culposa, caso não opte por qualquer das alternativas previstas no artº 55° do CP.”
Por tudo o acima exposto improcede na íntegra o recurso do arguido. V–DISPOSITIVO Face ao exposto, acordam os juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação em: A)- Julgar não provido o recurso do arguido AD... mantendo a decisão recorrida da 1ª instância nos seus precisos termos. B)- Custas a cargo do arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs Lisboa, 9 de Janeiro de 2019