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REFORMA DA SENTENÇA
OBJECTO DO RECURSO
NULIDADE
Sumário
Não tendo a Recorrente, no recurso, impugnado o conteúdo e o mérito da decisão reformada, do que resulta ter transitado em julgado, não oferece qualquer utilidade a questão de saber se o tribunal a quo podia, ou não, ter reformado a sentença por alegadamente o pedido de reforma e as alegações de recurso terem sido apresentados fora do prazo.
(Sumário Elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.
Relatório:
AAA, residente na Rua (…), Cascais veio, em 5.12.2017, ao abrigo do disposto no artigo 145º nº 8 do CPT, requerer Incidente de Revisão de Incapacidade contra BBB, S.A., com sede no (…) Lisboa invocando, em síntese, que: – Nasceu no dia (…) e, em Abril de 2006, foi admitido ao serviço da (…) com a categoria de comissário de bordo; –No dia 15 de Dezembro de 2013, quando se encontrava ao serviço, em pleno voo, ao puxar um contentor/Trolley sofreu um esforço brusco no braço direito com dor súbita, pelo que foi elaborada participação de acidente de trabalho à Ré para quem a (…) transferira a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho; –Em consequência directa e necessária do mencionado acidente, sofreu uma rotura completa do tendão distal do bicípite braquial direito e esteve com ITA desde a data do acidente até 21 e Abril de 2014 e em situação de ITP e ITA até 4.2.1015, altura em que lhe foi dada alta; –Em consequência do acidente, ficou com rotura distal do bicípite, com deformação e alteração da força muscular, sendo que os serviços clínicos da Ré consideraram que ficou curado sem desvalorização; –Contudo, a sequela mantém-se assim como as dores que ultimamente se têm vindo a agravar, limitando cada vez mais o requerente no exercício da sua profissão, sendo certo que, após consulta por médico com competência para avaliação de dano corporal, foi-lhe atribuída uma IPP de, pelo menos, 15%; e – À data do acidente auferia a remuneração mensal de €3.683,22. Citada a Ré para, querendo, se pronunciar sobre o pedido de revisão, veio aos autos juntar a documentação a que alude o disposto o nº 2 do artigo 99º do CPT.
Foi proferido despacho que admitiu o pedido de revisão.
O Sinistrado foi submetido a exame médico concluindo o perito médico do INML que a data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 11.8.2014 e que a incapacidade permanente parcial é fixável em 8,5000%.
Inconformada com o resultado do exame médico de revisão, a Ré veio, ao abrigo do disposto no nº 5 do artigo 145º do CPT, requerer que o Sinistrado fosse submetido a Junta Médica requerendo, posteriormente, que a Junta Médica fosse da especialidade de ortopedia.
Foi admitido o pedido de exame de revisão por Junta Médica e indeferido o pedido de Junta Médica da especialidade de ortopedia, sem prejuízo daquela determinar a realização de Junta Médica dessa especialidade.
Teve lugar a Junta Médica, concluindo os Srs. Peritos médicos que o Sinistrado apresenta uma IPP de 5,5%.
Após foi proferida sentença que finalizou com o seguinte dispositivo: IV– Pelos fundamentos expostos, altero a I.P.P. de que padece o sinistrado em consequência do acidente de trabalho de 0% para 5,50% desde 05.12.2017, e, em consequência, condeno a BBB, S.A. a pagar ao sinistrado o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de €938,83 (novecentos e trinta e oito euros e oitenta e três cêntimos), com efeitos desde 05 de Dezembro de 2017, acrescido de juros de mora sobre o capital de remição, à taxa legal, desde aquela data até efectivo pagamento. Custas do incidente a cargo da seguradora (art.º 527º do C. P. Civil) Fixo o valor do incidente em 14.441,97 € (art.º 120º do CPT). Notifique e registe.”
Inconformado com esta decisão, o Sinistrado dela interpôs recurso, mas por também entender que o âmbito do recurso e a questão que nele suscita pode ser susceptível de reforma, porquanto o valor respeitante às retribuições variáveis deve ser contabilizado 12 vezes e foi contabilizado apenas uma vez, o que não corresponde à realidade da retribuição auferida pelo Sinistrado, ao abrigo do disposto no artigo 616º nº 2 al.a) do CPC, requereu a reforma da sentença.
A Ré contra-alegou nos termos de fls.98 a 104 dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido e concluiu que as alegações de recurso são extemporâneas, posto que o prazo para a impugnação das decisões dos incidentes é de 10 dias, prazo que não foi observado pelo Recorrente, pelo que o recurso não deve ser admitido e, por outro lado, invocando que a sentença não merece a censura que lhe é feita relativamente à retribuição e ajudas de custo, pois a retribuição indicada está correctamente calculada e que o que releva no apuramento da responsabilidade da seguradora não é o constante em supostos acordos de empresa mas, sim, o valor da remuneração declarada pela tomadora do seguro, sendo a seguradora responsável por tal valor (que conhece) e não por outros (que não conhece nem tem obrigação de conhecer), como é o caso das supostas ajudas de custo.
Termina pedindo que o recurso seja julgado extemporâneo ou que a apelação seja julgada improcedente.
O Sinistrado, invocando o disposto no artigo 3º do CPC pronunciou-se sobre a alegada extemporaneidade do recurso concluindo que esta não se verifica posto que o incidente foi requerido ao abrigo do disposto no artigo 145º nº 8 do CPT, sendo a sentença a primeira decisão judicial proferida sobre o acidente de que foi vítima, não se inserindo em nenhuma das previsões do artigo 79º-A nºs 2 e 4, pelo que ao recurso não é de aplicar o prazo de 10 dias, mas o de 20 dias e, mesmo que assim não se entenda, as alegações foram apresentadas em prazo posto que o dia 13.6.2018 foi feriado, sendo o dia 15.6. o 3º dia de multa para apresentar a peça processual conforme disposto no artigo 139º nº 6 do CPC.
A Ré respondeu que não é admissível a resposta do Recorrente às contra-alegações e requereu o seu desentranhamento.
Na sequência do pedido de reforma da sentença, o tribunal a quo proferiu a seguinte decisão: “Notificado da sentença de fls. 77/79, veio o sinistrado, ao abrigo do disposto no artigo 616º, nº 2, al. b) do C. P. Civil, requerer a reforma da sentença, dizendo que o valor respeitante às retribuições variáveis deve ser contabilizado 12 vezes e não apenas uma. A seguradora não se pronunciou sobre a reforma requerida, mas apenas sobre o recurso de apelação. Verifica-se que a decisão proferida incorreu em lapso manifesto ao contabilizar o valor das retribuições variáveis transferidas da entidade patronal para a seguradora apenas uma vez e não 12 vezes por ano. Na verdade, incorreu-se em lapso ao interpretar o documento de fls. 28 junto pela seguradora como referindo o montante indicado das retribuições variáveis transferidas como quantia anual, quando tal montante respeita à média mensal das retribuições variáveis da sinistrada transferidas da entidade patronal para a seguradora, conforme verifico agora que sucedeu em vários processos de acidente de trabalho de comissários/assistentes de bordo que correram termos neste tribunal, nos quais o montante de retribuição variável sempre foi contabilizado em 12 meses com aceitação expressa da seguradora, designadamente no processo nº 1697/14.0TTLSB deste J4.
Nesta conformidade, ao abrigo do disposto no artigo 616º, nº 2, al. b) do C. P. Civil, procedo à reforma da sentença 77/79, substituindo-a pela seguinte decisão:
“I– Por requerimento de fls. 2/4, de 05.12.2017, veio o sinistrado AAA requerer a reavaliação da incapacidade relativamente ao acidente de trabalho que sofrera em 15.12.2013, por se terem agravado as suas lesões, juntando ao requerimento, entre outros, o documento pelo qual lhe foi comunicada a situação de “clinicamente curado sem incapacidade” a partir de 04.02.2015.
Foi proferido despacho em 07.12.2017 (fls. 20), que determinou a citação da seguradora para juntar aos autos os elementos referidos no art.º 99º, nº 2 do C. P. Trabalho, o que a mesma fez por requerimento de fls. 26/38.
Foi proferido despacho em 22.01.2018 (fls. 40), que admitiu o pedido de revisão e determinou a submissão do sinistrado a exame médico.
Realizado o exame médico de revisão, o perito médico do INML elaborou o Relatório de fls. 46/48, o qual se dá por reproduzido, atribuindo ao sinistrado uma IPP de 8,50%, considerando a data da consolidação médico-legal das lesões fixável em 11.08.2014.
Inconformada com este parecer, a seguradora, a fls. 59, requereu a realização de exame por junta médica, o qual foi admitido por despacho de fls. 65.
Realizada Junta Médica, a mesma decidiu atribuir ao sinistrado, por unanimidade, uma IPP de 5,50%. ***
II–O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e mostra-se válido.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há nulidades, nem excepções ou questões prévias que obstem à apreciação do mérito da causa. ***
III.1– Com base nos documentos dos autos, resultam provados os seguintes factos: 1–No dia 15 de Dezembro de 2013, AAA, nascido a 30 de Setembro de 1976, sofreu um acidente de trabalho quando, na qualidade de comissário de bordo, no tempo e local de trabalho, a bordo de um avião, sentiu dor súbita no braço direito ao fazer um esforço a puxar um contentor/trolley, trabalhando na altura por conta e sob a direcção de (…),S.A. 2– À data do acidente, o sinistrado auferia a retribuição de € 1.630,72 x 14 meses (remuneração base) + 1.555,63 x 12 meses (retribuições variáveis), o que perfaz o montante anual de € 41.497,64. (cfr. fls. 28 dos autos, não podendo considerar-se a retribuição indicada pelo sinistrado, porque não expressa a média da retribuição dos 12 meses anteriores ao acidente) 3– À data do evento a entidade patronal tinha a responsabilidade emergente do acidente de trabalho em causa transferida para a BBB, S.A pela remuneração auferida. 4– A entidade patronal participou o sinistro à BBB, S.A., tendo os serviços médicos da seguradora atribuído ao sinistrado alta a partir do dia 12.08.2014, na situação de curado sem desvalorização. (cfr. fls. 37 dos autos). 5– Por requerimento de 05.12.2017, o sinistrado AAA requereu a reavaliação da incapacidade relativamente ao acidente de trabalho que sofrera em 15.12.2013. 6– Realizado o exame médico de revisão em 01.02.2018, o perito médico do INML elaborou o seu Relatório de fls. 46/48, o qual se dá por reproduzido, atribuindo ao sinistrado uma IPP de 8,50%, considerando a data da consolidação médico-legal das lesões fixável em 11.08.2014. 7– Do acidente sofrido em 15.12.2013 resultaram para o sinistrado as lesões e sequelas descritas no auto de exame por Junta Médica de fls. 71/72, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. ***
III.2– A questão a decidir nestes autos prende-se com o grau de incapacidade de que o sinistrado ficou afectado após a recidiva, e, consequentemente, o montante da pensão a que tem direito. Uma vez que o sinistrado, em consequência do acidente objecto destes autos e conforme exame objectivo da Junta Médica realizada no tribunal apresenta como sequelas as descritas no Auto de fls. 71/72 acima referido, mostra-se correcto o enquadramento feito na Tabela Nacional de Incapacidades (TNI) pelos senhores peritos, por unanimidade. Assim, por concordar inteiramente com o parecer unânime da Junta Médica, considero o sinistrado curado com uma I.P.P. de 5,50%. Verifica-se que, estando em causa um pedido de revisão de incapacidade, só é devida a respectiva indemnização ao sinistrado desde o dia da apresentação do pedido em tribunal, ou seja desde o dia 05.12.2017. Atento o referido grau de incapacidade do sinistrado, este, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1, al. d) da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, tem direito ao capital de remição de uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho, a qual por força do seu nº 4, começa a vencer-se no dia do pedido de revisão, sendo que tal pensão, calculada com base na retribuição anual ilíquida normalmente recebida pelo sinistrado, nos termos do disposto no art.º 26º, nº 2, 3 e 4 do referido diploma, é de € 1.597,66 (41.497,64 x 5,50% x 70%). ***
IV– Pelos fundamentos expostos, altero a I.P.P. de que padece o sinistrado em consequência do acidente de trabalho de 0% para 5,50% desde 05.12.2017, e, em consequência, condeno a BBB, S.A. a pagar ao sinistrado o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 1.597,64 (mil quinhentos e noventa e sete euros e sessenta e quatro cêntimos), com efeitos desde 05 de Dezembro de 2017, acrescido de juros de mora sobre o capital de remição, à taxa legal, desde aquela data até efectivo pagamento. Custas do incidente a cargo da seguradora (art.º 527º do C. P. Civil) Fixo o valor do incidente em 24.576,79 € (art.º 120º do CPT). Sem custas. Notifique.”
Inconformada com a reforma da sentença, a Ré recorreu sintetizando as suas alegações nas seguintes conclusões: “A)– Ao Meritíssimo Juiz a quo não era permitido reformar a sentença. B)– Na verdade, as alegações de recurso e o pedido de reforma da sentença apresentados pelo Sinistrado foram apresentados fora do prazo. C)– Como resulta do ensinamento que se colhe dos acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, de 21-04-2016, Proc. n.º 373/14.TTBCL.G1, e de 03-05-2018, Proc. n.º 202/11.4TTVCT.2.G1, ambos em www.dgsi.pt, a impugnação das decisões dos incidentes, como o dos presentes autos, está sujeita ao prazo de 10 dias. D)– O prazo para interpor recurso da decisão relativa ao Incidente de revisão da incapacidade do Sinistrado e para requerer a reforma da sentença é de 10 dias – art.ºs 79º-A, nº 2, al. g), 80º,nº 2, do C.P.T., 616º e 149º, nº 1, do C.P.C. E)– Como a notificação do Ilustre Mandatário do Sinistrado foi efetuada em 29/05/2018, presumindo-se feita em 01/06/2018 – terceiro dia posterior, ao abrigo do disposto no art.º 248º do C.P.C. -, o prazo para reagir terminou em 11-06-2018 (art.ºs 80º, nº 2, do CPT e 616º do C.P.C.), pelo que o recurso e o pedido de reforma apresentados em 15-06-2018 eram intempestivos. F)– Sendo intempestivos, não podiam ser admitidos. G)– Atenta a conjugação do nº 1 com o nº 2 do artigo 616º do C.P.C ç , conclui-se que, in casu, o requerimento de reforma devia ser formulado na alegação de recurso do sinistrado, o que, efetivamente, aconteceu. H)– Por conseguinte, o que determinava o prazo para recorrer e pedir a reforma da sentença era a notificação desta às partes. I)– No sentido exposto, vai o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 30/04/2012, Processo nº 131/11.1TTPNF.P1, em www.dgsi.pt. J)– Assim, a reforma da sentença efetuada pelo Meritíssimo Juiz a quo viola o disposto nos artigos 79º-A, nº 2, al. g) e 80º, nº 2, do Código do Processo do Trabalho e 616º e 149º, nº 1, do Código do Processo Civil. Termos em que, revogando a douta decisão recorrida, mantendo a anterior sem qualquer reforma, V. Exas. farão JUSTIÇA !”
O Sinistrado contra-alegou e concluiu que o pedido de reforma e o recurso interposto devem ser considerados atempadamente deduzidos, sempre se mantendo em toda a linha a sentença ora reformada, como é de inteira Justiça.
Foi proferido despacho que admitiu o recurso da Ré seguradora.
Neste Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta apôs “Visto” nos autos sem emitir parecer.
Em 22.11.2018 foi proferido despacho pela relatora determinando a notificação do Autor para que informasse nos autos qual o destino que pretende dar ao seu recurso, atenta a reforma da sentença efectuada pelo Tribunal a quo.
Por requerimento de 6 de Dezembro de 2018, notificado à Ré, o Recorrente informou que “Tendo em conta que o douto Tribunal recorrido procedeu à reforma da sentença, tal como tinha sido requerido pelo ora autor e com os fundamentos por este invocados, o recurso então interposto perde a sua eficácia, razão pela qual, o autor vem desistir desse mesmo recurso.”
Notificada do citado requerimento, a Ré nada disse.
Objecto do recurso.
Sendo o âmbito do recurso limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608º nº 2 do CPC), no presente recurso há que apreciar se ao Tribunal a quo não era permitido reformar a sentença por alegadamente o pedido de reforma e as alegações serem extemporâneos.
Fundamentação de facto.
Os factos com interesse para a decisão são os que resultam do relatório que antecede e ainda: – A elaboração da notificação da sentença foi certificada pelo Citius em 28.5.2018, constando como data do envio da notificação 29.5.2018. – O recurso foi interposto em 15.6.2018.
Fundamentação de direito.
Apreciemos, então, se ao Tribunal a quo não era permitido reformar a sentença por alegadamente o pedido de reforma e as alegações serem extemporâneos.
A este propósito invoca a Recorrente, em síntese, que, não obstante a manifesta extemporaneidade do pedido de reforma da sentença e das alegações de recurso do sinistrado, o Meritíssimo Juiz a quo procedeu à reforma da sentença, que a reforma de que trata o artigo 616º, nº2 do C. P. C. é diferente da reforma a que alude nº 1 do mesmo preceito legal, posto que este refere-se a “reforma quanto a custas e multa” e no nº 2 fala no “erro de julgamento”, quer seja de facto quer seja de direito, que o “erro de julgamento” ataca-se recorrendo da decisão/sentença e que só no caso de a sentença não admitir recurso, é que o C.P.C. permite que as partes apresentem o pedido de reforma da sentença, nos termos do nº 2 do art.º 616º, que, admitindo recurso, então, o caminho a seguir é a interposição do mesmo, que conjugando o nº 1 com o nº 2 do artigo 616º do C.P.C., conclui-se que, in casu, o requerimento de reforma da sentença devia ser formulado na alegação de recurso, o que, de facto, aconteceu, que, no caso, a sentença presume-se notificada às partes em 01/06/2018, pelo que o prazo para interposição do recurso terminou em 11/06/2018, que tendo a alegação de recurso (com o pedido de reforma da sentença) dado entrada em Tribunal em 15/06/2018, a mesma não podia ser admitida por manifesta intempestividade e que mesmo admitindo-se, por hipótese, que o sinistrado tivesse apenas pedido a reforma da sentença ao abrigo do disposto no art.º 616º, nº 1, do C.P.C., a conclusão a tirar seria a mesma, atento o prazo geral de 10 dias (art.º 149º, nº 1, do C.P.C.).
Conclui que a alegação de recurso e o pedido de reforma da sentença nele formulado são extemporâneos, razão pela qual o Tribunal a quo não os podia admitir.
Contrapõe o Recorrido que o recurso e a reforma da sentença são tempestivos e que deverá manter-se a decisão reformada.
Vejamos:
Dispõe o artigo 616º do CPC sob a epígrafe “Reforma da sentença”:
“ 1– A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do disposto no nº 3.
2– Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz: a)- Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; b)- Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida. 3)- Cabendo recurso da decisão que condene em custas ou multa, o requerimento previsto no nº 1 é feito na alegação.”
A propósito desta norma escreve José Lebre de Freitas na obra “A Ação Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3ª Edição, Coimbra Editora, pag.337: “ O erro de julgamento, quer respeite ao apuramento dos factos da causa, quer respeite à aplicação do direito aos factos apurados, faz-se normalmente valer em recurso de apelação da sentença (art.644-1-a). Tem assim, lugar a reapreciação da causa pelo tribunal da relação, sob indicação, pelo recorrente, em alegação, dos fundamentos por que pede a alteração da decisão proferida (art.639-1). Mas quando a decisão não admita recurso, pode ainda o juiz da causa alterar ele próprio, a decisão sob reclamação da parte, quando tenha ocorrido lapso manifesto na determinação da norma aplicável, na qualificação jurídica dos factos ou na omissão de considerar documento ou outro meio de prova plena, constante do processo, que, só por si, implicasse necessariamente decisão diversa da proferida (art.616-2). O despacho que profira é considerado como complemento ou parte integrante da sentença (art.617-2).”
E na pág. 338 da mesma obra, em nota de rodapé, ainda lemos: “ Desde a revisão do CPC de 1961 até ao DL 303/2007, de 24 de agosto (reforma dos recursos cíveis), a reforma da sentença por lapso manifesto do juiz constituiu objecto do recurso, quando esse fosse admissível, só dando lugar a reclamação quando não fosse, podendo, porém, o juiz reformar a sentença proferida, em regime idêntico ao da aclaração da sentença. A partir da reforma dos recursos cíveis, a reforma da sentença só pôde ser pedida quando não houvesse direito a recurso, o que passou para o CPC de 2013 (art.612-2).”
Assim, do disposto no artigo 616º nº 2 do CPC resulta que, apenas nos casos em que não seja admissível recurso da decisão, é lícito às partes requerer a reforma da sentença ao juiz que proferiu a decisão, quando, por manifesto lapso deste tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos ou quando constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.
No caso dos autos, estando em causa um incidente de revisão da incapacidade (art.145º nº 8 do CPT), face ao disposto na al.b) do artigo 79º do CPC é sempre admissível recurso para a Relação. Donde, não era lícito à parte requerer a reforma da sentença ao juiz que proferiu a decisão, devendo fazê-lo por via de recurso.
Sucede que o Autor também suscitou a questão da reforma da sentença no recurso que interpôs.
Ora, de acordo com o nº 1 do artigo 617º do CPC, sendo a questão da reforma da sentença suscitada no âmbito de recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso.
E no mesmo sentido estipula o nº 1 do artigo 641º do CPC quando refere que “Findos os prazos concedidos às partes, o juiz aprecia os requerimentos apresentados, pronuncia-se sobre as nulidades arguidas e os pedidos de reforma, ordenando a subida do recurso, se a tal nada obstar.”
Assim, no caso, tendo o Autor também suscitado a questão da reforma da sentença no âmbito do recurso, o que também é reconhecido pela Ré, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 617º do CPC, competia ao Tribunal a quo apreciar tal questão no próprio despacho em que se pronunciasse sobre a admissibilidade do recurso.
O que sucedeu foi que o Tribunal a quo nada disse sobre a admissibilidade do recurso que havia sido posta em crise pela Ré nas contra-alegações e reformou a sentença no sentido pretendido pelo Autor, então Recorrente, omitindo assim, acto que o artigo 617º nº 1 do CPC prescreve.
Contudo, a omissão de tal acto apenas produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa, o que cremos não ser o caso, tanto mais, que o Autor, face à reforma da sentença, desistiu do recurso. Por outro lado, sendo tal omissão susceptível de integrar uma nulidade, sempre estaríamos perante uma nulidade secundária que, por não ter sido arguida, estaria sanada (cfr.arts.195º, 196º e 199º do CPC).
Mas entende a Ré/Recorrente que ao Tribunal a quo não era permitido reformar a sentença posto que o pedido de reforma e as alegações de recurso do Autor foram apresentados fora de prazo, ou seja, são extemporâneos.
E a Recorrente centra e delimita o objecto do recurso nesses mesmos termos.
Sucede, porém, que, analisadas as conclusões e as alegações constata-se que, em lado algum, a Recorrente questiona ou põe em causa o conteúdo da sentença reformada, nada referindo sobre a alteração da decisão e sobre a segunda leitura que o Tribunal a quo fez da questão relativa às retribuições variáveis auferidas pelo Sinistrado.
Ou seja, a Recorrente, no recurso, não impugnou o mérito da decisão reformada, limitando-se a alegar não ser permitido ao Tribunal a quo alterar a sentença por as alegações e o pedido de reforma serem extemporâneos, do que resulta que a decisão constante da sentença reformada relativa as retribuições do Sinistrado transitou em julgado.
E como referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2º, 3ª edição, págs.745 e 746: “ Deferido, pelo juiz, de 1ª instância, o pedido de declaração de nulidade, ou reforma, a nova decisão integra-se na sentença que completa ou altera (nº 2), ficando em função dela definido o objecto do recurso, sem prejuízo da desistência do recorrente ou do alargamento ou restrição daquele objecto (nºs 3 e 4).
O recorrido pode responder, em 10 dias, à alteração do objecto do recurso pelo recorrente (n.º 3); e, se o recorrente tiver desistido do recurso, pode requerer no mesmo prazo de 10 dias, a subida dos autos para decidir da “admissibilidade” da alteração introduzida na sentença pelo despacho do juiz, assumindo a posição de recorrente (n.º 4). O termo admissibilidade é incorrecto: o tribunal superior pronunciar-se-á, sim, sobre o conteúdo da alteração, isto é, sobre o novo conteúdo da sentença (que a alteração integra) e não sobre se era admissível alterar a sentença.”
Assim, tendo a sentença reformada transitado em julgado quanto ao mérito da questão que foi objecto de reforma, não se vislumbra que ofereça qualquer utilidade a questão de saber se o Tribunal a quo podia, ou não, ter reformado a sentença por o pedido de reforma e as alegações de recurso terem sido apresentados fora do prazo.
Aliás, mesmo que se viesse a concluir que o pedido de reforma e as alegações são extemporâneos, tal constatação não teria a virtualidade de determinar a revogação da sentença na medida em que, reafirmamos, a Recorrente, no recurso, não pôs em causa o mérito da sentença reformada, questão que não integra o objecto do recurso e que, por isso, não poderia ser conhecida por este Tribunal.
Em consequência, a apelação deverá ser julgada improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Considerando o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 527º do CPC, as custas do recurso são da responsabilidade da Recorrente.
Decisão. Exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida. Custas pela Recorrente.
Lisboa, 16 de Janeiro de 2019
Maria Celina de Jesus de Nóbrega Paula de Jesus Jorge dos Santos Maria Paula Moreira Sá Fernandes