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NOMEAÇÃO DE PERITOS
JURAMENTO
DECLARAÇÕES DO ARGUIDO
MOMENTO
VALIDADE
DEFESA
ALTERAÇÃO
COMUNICAÇÃO
PROVA
Sumário
O legislador estabelece uma ordem de preferência na nomeação de peritos, partindo do princípio de que tudo o que é oficial é melhor, pelo seu padrão de qualidade e competência .
Para se determinar se a nomeação abrange ou não todos os engenheiros que realizaram a perícia, há que interpretar o despacho proferido de harmonia com todos os elementos constantes nos autos.
Sendo a Instituição Laboratório Nacional de Engenharia Civil que foi nomeada perita, tendo indicado um determinado engenheiro e respectiva equipa para concretização dos trabalhos tendentes à avaliação que se ordenou, e elaboração do respectivo Relatório, tendo sido esta instituição que definiu os timings necessários, quantos investigadores iriam ficar afectos à realização dos trabalhos tendentes à sua concretização , tendo ainda definido as condições de realização e de pagamento.
Ao ser nomeada uma instituição pública ou laboratório as pessoas que por esta são indicadas ou a quem esta distribui a realização efectiva da perícia não têm que prestar juramento. Acresce que sendo as mesmas funcionárias públicos, mesmo que fossem indicados por si, isto é mesmo que fossem eles os nomeados e não a instituição, nunca o juramento lhes seria exigível atento o disposto no art.º 91.º, n.º 6, al. b) do CPP
O processo enquanto desenvolvimento de actos, obedece a uma estrutura pré determinada e lógica, pretendendo-se que os actos que se vão praticando se solidifiquem para que se possa prosseguir até à decisão final.
Se as declarações prestadas antes do decurso da audiência são exactamente do arguido, que as prestou depois de ter sido advertido que o não uso do direito ao silêncio pode servir de prova contra si, encontrando-se devidamente acompanhado por advogado, nenhum dos princípios consagrados em benefício do arguido sai beliscado, tanto mais que, como se disse, a leitura ou reprodução da audiência não cumpre, nem cumpriria se fossem reproduzidas, com as exigências dos princípios, puros, da imediação, da oralidade e da publicidade.
Preparar a defesa não se esgota na oportunidade de escrever ou dar a conhecer ao tribunal a sua versão sobre a alteração que foi comunicada. Implica mais do que isso, implica o direito a exercer o direito ao contraditório pleno e neste inclui-se o direito a apresentar prova, se assim o entender.
Importam todos os factos com utilidade para averiguar da existência ou inexistência do crime, da punibilidade ou não punibilidade do arguido e determinação da medida da pena a aplicar sendo igualmente importantes, se houver pedido cível, os factos necessários à determinação da responsabilidade civil.
Texto Integral
DECISÃO PROFERIDA NA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA.
Em processo comum com intervenção do tribunal colectivo foram julgados e condenados os arguidos AA..., BB..., CC..., DD..., EE..., FF..., GG..., HH..., II..., JJ... e LL... MM....
Os arguidos e o MP recorreram da decisão final proferida pelo Tribunal Colectivo.
No decurso do julgamento foram interpostos recursos pelo arguido FF... e pelo Ministério Público, que subiram com o recurso da decisão final, tendo ambos manifestado interesse na sua decisão dos mesmos.
Assim, começaremos por analisar e decidir os recursos referidos.
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O Sr. PG Adjunto emitiu parecer, fls. 15089 a 15091 aderindo ao recurso e respostas aos recursos apresentadas pelo MP na primeira instância.
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Foi oportunamente cumprido o art.º 417º, n.º 2 do C.P.P e nenhuma resposta foi apresentada.
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Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foi o processo à Conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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1–RECURSO INTENTADO SOBRE O DESPACHO QUE CONHECEU DA INVOCADA NULIDADE INCIDENTE SOBRE A NOMEAÇÃO DE PERITOS:
FF..., arguido nos autos veio interpor recurso da decisão que conheceu a nulidade por si invocada incidente sobre a intervenção nos autos como peritos dos membros da equipa do AM..., apresentando para tanto as seguintes conclusões:
1º– O presente recurso vem interposto do DESPACHO notificado ao recorrente no dia 18 de novembro de 2016.
O DESPACHO, que está transcrito na motivação, decidiu, basicamente.
2ª– Que pode ser considerado como perito, quem não foi nomeado como tal.
3ª– Que tanto deve ser considerado perito nos presentes autos o ...g.º AM..., nomeado perito, como os três outros autores do relatório, ...g.º AC..., ...g.ª SS... e ...g.ª AV..., sendo que estes nunca foram nomeados peritos.
4ª– Que a falta de prestação de compromisso, relativa aos demais subscritores do relatório da perícia, indicados na conclusão anterior, se justifica pelo facto de serem funcionários públicos, o que os dispensaria dessa obrigação legal.
5ª– Que ainda que se considerasse ser a prestação de compromisso necessária, no que diz respeito aos referidos três autores do relatório, que não foram nomeados como peritos, a omissão desta diligência constituiria uma mera irregularidade, cujo prazo de arguição já se deveria considerar precludido. Ora:
O DESPACHO deverá ser revogado, dado que:
6ª– A nomeação de perito é efetuada nos termos do disposto no artigo 152, n° 1, do CPP e constará do despacho que ordena a perícia, cfr. o artigo 154, n.° 1 do mesmo diploma.
7ª– Só assume a qualidade de perito, quem for nomeado como tal, sob pena de violação do disposto nos mencionados artigos (conclusão anterior).
8ª– No caso vertente o ...g.º AM... foi nomeado como perito, cfr. fls, 2558 e prestou compromisso, nos termos do disposto no artigo 91, n.° 2 e 3 do CPP, cfr. resulta do termo respetivo constante a fls, 2600.
Ou seja e como é evidente:
9ª– O Ministério Público nomeou-o a ele e só a ele como perito e entendeu que, nessa qualidade, era necessário que prestasse compromisso, o que de facto ocorreu, apesar de se tratar de alguém ligado ao LNEC com contrato de trabalho em funções públicas, equivalente ao que o artigo 91, n.° 6, al. b) designa como "funcionário público".
10ª– Os restantes três autores do relatório "pericial", identificados na conclusão terceira, nunca foram nomeados como peritos e foi por isso que não prestaram compromisso. E porque não foram nomeados peritos, não são, porque nunca foram, peritos.
11ª– O DESPACHO coloca a sílaba tónica na falta de compromisso relativa aos identificados três dos autores do relatório "pericial", considerando-a dispensável e, quando não dispensável, sanada. Porém essa não é a questão em debate.
12ª– O pecado original desta "perícia" é ter sido feita, incluindo-se aqui o relatório, também por quem não era perito (recorde-se que dos quatro autores apenas o ...g.º AM... é perito).
13ª– A falta de compromisso dos outros três autores é consequência do que se refere na conclusão anterior. Porque não eram peritos, não prestaram compromisso.
14ª– Não existe na lei portuguesa a figura da nomeação tácita de peritos, como parece ser entendimento do DESPACHO, quando alude ao perito que foi nomeado expressamente
15ª– Em paralelo cabe notar, que o Ministério Público não lançou mão da possibilidade legal, contida no artigo 152, n.° 2, do CPP, de proceder à nomeação de vários peritos.
Pelo que:
Se o Ministério Público, podendo fazê-lo, não o fez, foi porque não quis.
16ª– Seria, aliás, totalmente desconexo e incompreensível que o mesmo Ministério Público, no mesmo momento e no mesmo processo, nomeasse um perito e lhe exigisse a prestação de compromisso e que, relativamente a terceiros, agisse de maneira diferente. Mas esta é a opção abrigada no DESPACHO.
17ª– Acresce que a ...g.ª AV... é bolseira, não tendo sendo parte de qualquer contrato de trabalho em funções públicas. Por isso nunca poderia estar ao abrigo do disposto no artigo 91, n.° 6, al. b) do CPP. Também por aqui o DESPACHO naufraga.
18ª– Nos termos do disposto no Regulamento sobre Bolsas de Investigação Científica do LNEC, publicado na II série do DR n.º ..., de ... de ... de 2...., as bolsas previstas e definidas no presente Regulamento, adiante também designadas por bolsas LNEC de investigação científica, não geram, nem titulam, relações de trabalho subordinado nem contratos de prestação de serviço, cfr. o número 2 do seu artigo 1°.
19ª– Incorrendo aqui o DESPACHO num grosseiro erro de facto.
20ª– Está neutralizada a importância da qualificação da falta de compromisso a qual, concede-se, seria uma irregularidade. O importante, repita-se, é que os três autores sob escrutínio não são, nem nunca foram, peritos.
21ª– Porém, ainda que assim se não entendesse, o recorrente estaria ainda em prazo para arguir essa irregularidade.
Com efeito:
No seu acórdão n. 47/2007, de 23 de janeiro o Tribunal Constitucional já considerou inconstitucional, por violação do artigo 32, n.° 1, da Constituição, a norma do artigo 123 do CPP, interpretada no sentido de consagrar o prazo de três dias para arguir irregularidades contados da notificação da acusação em processos de especial complexidade e grande dimensão sem atender à natureza da irregularidade e à objetiva inexigibilidade da respetiva arguição, em linha, aliás, com a doutrina de Paulo Pinto de Albuquerque, que concorda, expressamente com este acórdão, cfr. a anotação ao artigo 123, na página 328, nota 10 do seu Código do Processo Penal Comentado.
22ª– O que ainda mais releva, quando foi facto que o Ministério Público entendeu não notificar o recorrente nos termos do disposto no artigo 154, n.° 4, do CPP, fazendo, sem fundamentação alguma, prevalecer o disposto no n.° 5, al. a) do mesmo artigo.
23ª– Sendo o relatório "pericial" assinado por três pessoas que não foram nomeadas peritas, foi também violado o disposto no artigo 157, n.° 1, do CPP.
24ª Ao decidir como decidiu o douto DESPACHO violou o disposto nos artigos 91, n.°s 2 e 3 e ainda o n.° 6, al. b), 123, n.° 1, 151, n.°1, 154, n.° 1, 156, n.° 1 e 57, n.° 1, todos do CPP.
25ª– Pelo que deverá ser revogado, nos termos que a seguir se peticionam.
TERMOS EM QUE:
Deve o presente recurso ser considerado procedente e, em consequência, ser revogado o DESPACHO recorrido, determinando-se, ao invés, que tal como requerera o recorrente, seja desconsiderado o depoimento do ...g.º AC..., porquanto, ao não ter sido nomeado como perito, não pode agir nem depor nessa qualidade, dai decorrendo as demais e legais consequências.
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O MP na primeira instância respondeu ao recurso concluindo nos seguintes termos:
1– Conforme resulta de fls.3191, a perícia realizada nos autos foi solicitada pelo DCIAP ao LNEC.
Em resposta a tal solicitação, este laboratório oficial veio indicar que a perícia seria realizada pelo ...g.º AM..., investigador coordenador daquele organismo, com a coadjuvação da sua equipa, que o iria assessorar, constituída pelo próprio e pelos técnicos do NEG do LNEC, ...g.ºs AC..., SS... e AV..., conforme resulta de fls.3304 a 3306 e 2560 a 2563.
No ponto 2. da resposta do LNEC, sob o título "Equipa Pericial", o LNEC vem expressamente informar o DCIAP que a equipa do Perito AM... é constituída pelo próprio, na qualidade de Investigador Coordenador, e pelos ...gºs. AC..., SS... e AV..., com indicação dos seus currículos no ponto 3. (fls.2560 a 2563).
Com a proposta remetida ao DCIAP, o LNEC indicou inclusivamente os termos do contrato, a fls.3305 a 3306, onde consta, para além do mais, que o pagamento da perícia seria efetuado ao LNEC.
2 – A perícia foi realizada pelo LNEC, por técnicos ao seu serviço, pelo que integra a previsão do artigo 152°, n.º1, primeira parte, e n.º2, do CPP.
Tanto é assim que foi da responsabilidade do LNEC a realização da perícia, e que o pagamento da mesma foi efetuado a tal organismo oficial e não ao (s) perito (s) individualmente considerados.
3– No despacho de perícia, proferido pelo Ministério Público, a fls.2548 a 2559, vem referido expressamente "nomeia-se como perito o ...gº AM..., Investigador Coordenador no LNEC na área da Contratação Pública, sendo o mesmo coadjuvado pelos elementos da sua equipa do Núcleo de Economia, Gestão e Tecnologia da Construção (NEG) do LNEC."
O despacho de perícia em causa faz ainda expressa menção da junção da nota curricular, a fls.2560-2563, na qual consta o currículo de todos os membros da equipa do LNEC, com indicação dos seus nomes completos e funções desempenhadas (fls.2560-2563).
4– No despacho de nomeação, o Ministério Público dá mandato como peritos a todos os técnicos indicados pelo LNEC, que eram, à data, coordenados pelo ...gº AM..., uma vez que o despacho faz referência expressa à intervenção de todos os elementos da equipa na feitura da perícia.
Pelo que todos têm processualmente a qualidade de peritos e legitimidade para a realização da perícia.
5– O despacho judicial em causa veio, e bem, indeferir o requerimento apresentado pela defesa de FF... que pedia que fossem completamente desconsiderados os esclarecimentos prestados pelo Senhor ...gº AC..., por entender não se tratar de perito, em virtude de não ter sido nomeado como tal pelo Ministério Público e também não ter prestado o compromisso a que alude o artigo 91°, n.°2, do CPP.
6– O despacho de nomeação do Ministério Público é claro quanto a mandatar o Perito nomeado, ...gº AM..., mas também quanto a mandatar os outros elementos da equipa do primeiro, que, refere expressamente, o coadjuvarão na realização da perícia.
7– O despacho judicial a quo é claro e devidamente fundamentado quanto aos motivos pelos quais entendeu que todos os peritos indicados na acusação se mostram nomeados como peritos nos autos.
Não se tratou de "corrigir" a nomeação do Ministério Público, mas de simplesmente verificar e interpretar o despacho do Ministério Público, com os demais elementos constantes dos autos, e de concluir que todos têm a qualidade de Peritos, sendo técnicos do LNEC, organismo público e oficial a quem incumbe a realização deste tipo de perícias.
8– Acontece ainda que o recorrente esquece que a perícia foi delineada, dirigida e executada sob a direção e responsabilidade do Senhor ...gº AM..., que dirigiu a equipa de técnicos e, a final, procederam todos à elaboração de relatório pericial, também sob tal direção, conforme resulta dos autos, designadamente das próprias declarações deste perito e dos outros já ouvidos em julgamento.
Ora, se mesmo de acordo com a posição do recorrente, o ...gº AM... é perito nos autos, e se foi este que dirigiu a equipa de técnicos sob a sua coordenação, que delineou o método que todos seguiram para a feitura da perícia, que ele próprio também executou, então a conclusão que extrai, de que a perícia é inválida, por ter sido realizada por quem, na sua ótica, não é perito, revela-se no mínimo contraditória.
9– Pelo que, mesmo que se entendesse que apenas o ...gº AM... foi nomeado perito, o que não se concede, ainda assim teria de se considerar que a perícia foi delineada, dirigida, desenvolvida e executada por este, pelo que se manteria inteiramente válida.
10– Em suma, entende-se que os peritos indicados na acusação têm a qualidade de peritos e que a perícia realizada se mostra inteiramente válida.
11– Questão diferente é a da prestação de compromisso, a qual não é exigível aos funcionários públicos, nos termos do art°91°, n.°6, alínea b), do CPP, pelo que, provando-se tal qualidade nos peritos em causa, não se mostra exigível.
De acordo com a prova já produzida nos autos os Senhores ...gºs AM..., AC... e SS... são todos funcionários públicos, pelo que estariam dispensados do compromisso.
12– Nesta sede não se entende a observação feita pelo recorrente quanto ao facto do Perito AM... ter realizado a perícia mesmo depois de já se ter aposentado, parecendo com isso querer colocar alguma invalidade à ação deste, quando é um facto que, se prestou compromisso, se mostra indiferente tal questão.
13– Da prova já produzida resulta que a Senhora ...gº AV... (perita que ainda falta ouvir em julgamento), é Bolseira de Doutoramento e desempenha funções nessa qualidade em exclusivo no Laboratório Nacional de Engenharia Civil, há vários anos, como técnica do Núcleo de Economia, Gestão e Tecnologia da Construção (NEG) daquele laboratório oficial.
Alega o recorrente que tal técnica não terá um contrato de trabalho em funções públicas.
Admitindo que tal facto venha a ser comprovado, apenas relativamente a esta Senhora Perita se colocará a questão da falta da prestação de compromisso como perita.
14– Ainda assim, tal apenas poderia constituir irregularidade, em nosso entendimento já não passível de arguição e até sanável com a prestação de compromisso em julgamento.
15– A jurisprudência contida no Acórdão do Tribunal Constitucional n.°42/2007, de 23 de Janeiro, que o recorrente invoca para fundamentar a tempestividade da alegação da aludida irregularidade pelo recorrente, em 12 de Outubro de 2016, não procede para o mencionado objetivo, conforme passamos a explicar.
16– O TC decidiu "julgar inconstitucional, por violação do art.°32°, n.°1, da Constituição, a norma do artigo 123° do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de consagrar o prazo de três dias para arguir irregularidades contados da notificação da acusação em processos de especial complexidade e grande dimensão, sem atender à natureza da irregularidade e à objetiva inexigibilidade da respetiva arguição".
17– Em primeiro lugar, a declaração de inconstitucionalidade do artigo 123°, n.°1, do CPP, tem como fundamento o considerar-se curto, exíguo e inadmissível, do ponto de vista da defesa do arguido, que em três dias apenas, este possa detetar eventuais irregularidades ocorridas na fase do inquérito e argui-las no mesmo prazo, quando estamos perante processos de especial complexidade, de enorme dimensão, em que tal se possa considerar até fisicamente impossível.
Por isso a declaração de inconstitucionalidade em causa está relacionada com o facto de não se atender nem à natureza da irregularidade nem à objetiva inexigibilidade da respetiva arguição, conforme resulta claramente do texto desta declaração.
18– Por outro lado, da prolação deste juízo de inconstitucionalidade, não resulta o entendimento de que a irregularidade em causa poderia ser arguida sem prazo, a todo o tempo, como parece resultar da motivação do recorrente.
Nem tal é sequer proposto ou defendido por Paulo Pinto de Albuquerque, uma vez que na nota 10 ao art.°123° do CPP, a propósito do referido Acórdão do TC, n.°42/2007, refere, expressamente, que "o termo do prazo para arguir irregularidade depende do momento em que a irregularidade foi cometida: a irregularidade só pode ser conhecida e mandada reparar pela autoridade judiciária competente para o ato irregular enquanto essa autoridade mantiver a direção da respetiva fase"("Comentário do Código de Processo Penal", pág.312, 3aedição, 2009).
19– A regra contida no artigo 123°, n.°1, do CPP, de que as irregularidades processuais devem ser arguidas nos três dias seguintes a contar daquele em que o interessado tiver sido notificado para qualquer termo do processo ou intervindo em qualquer ato nele praticado, tem de ser apreciada no sistema legal em que se insere, tendo em conta o processo concreto em que vai ter aplicação, a natureza da própria irregularidade e a objetiva exigibilidade/inexigibilidade da respetiva arguição em tal prazo.
20– É assim que o referido acórdão interpreta a norma em causa, considerando-a inconstitucional quando e apenas quando, em processos de especial complexidade, não se atende à natureza da irregularidade e à objetiva inexigibilidade da respetiva arguição no prazo de 3 dias.
21– Da referida jurisprudência não decorre, nem podia, que a irregularidade em causa possa ser invocada e arguida a todo o tempo ou apenas em 12 de Outubro de 2106, como faz o recorrente, já no decurso do julgamento, em fase de esclarecimentos pelos peritos.
22– Mais, a irregularidade em causa, que é, segundo o entendimento do recorrente, falta de prestação de compromisso pelos Peritos AC..., SS... e AV..., atenta a sua natureza, era facilmente constatável pelo recorrente, uma vez que na acusação o MP indica na prova pericial o Apenso "Perícia técnica aos procedimentos concursais de ajuste direto de empreitadas de obras públicas e de fornecimentos da DGIE" (do qual consta a identidade dos autores da mesma), bem como indica "esclarecimentos aos peritos AC..., AM..., SS... e AV..., todos a notificar no LNEC". Pelo que nem sequer resulta uma objetiva inexigibilidade de arguição por parte do recorrente, no referido prazo de 3 dias (artigo 123°/1, do CPP).
23– Tendo em conta que o recorrente foi notificado da acusação em Maio de 2015 há muito que se mostrava ultrapassado o prazo exigível ao recorrente para vir arguir tal irregularidade.
Até porque, não podendo fazê-lo em 3 dias poderia ter vindo alegar impedimento, nos termos do artigo 107° do CPP. O que não ocorreu, como se verifica dos autos.
24– Em todo o caso, como bem refere o despacho recorrido, mesmo que se considere que os peritos estavam obrigados a prestar compromisso, a omissão de tal formalidade constitui uma mera irregularidade processual que teria de ser invocada no prazo de três dias seguintes daquele em que o recorrente foi notificado para qualquer termo do processo, como se pronunciou o STJ (acórdão de 15-06-2005, mencionado no despacho recorrido), e inclusivamente o Tribunal Constitucional, acrescentamos nós (acórdão n.°197/2007, de 14 de Março, quanto à prestação de compromisso pelo intérprete de comunicações telefónicas em língua estrangeira, citado em "Comentário do Código de Processo Penal", nota 4. ao artigo 91°, pag.259, edição de 2009, de Paulo Pinto de Albuquerque).
25– Concluindo, o despacho em causa contém todas as razões, de facto e de direito, que fundamentam a decisão de considerar válidas as declarações do Perito AC..., por ter sido nomeado como tal e ter essa qualidade nos autos, pelo que deverá ser mantido.
26– O despacho recorrido não violou quaisquer preceitos legais, designadamente os mencionados pelo recorrente.
26– Pelo que deverá ser integralmente mantida a decisão recorrida e negado provimento ao recurso.
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QUESTÕES A RESOLVER:
Âmbito do despacho de nomeação de perito: (i)– se o despacho de nomeação de perito abrange ou não os membros da equipa do ...gº AM... e por conseguinte os engenheiros que intervieram na realização da perícia o fizeram na qualidade de peritos, ou se ao contrário os mesmos não foram nomeados e consequentemente a sua participação na realização da perícia e respectivo relatório não pode ser considerada; (ii)– Estando os membros da equipa do ...gº AM... abrangidos pela nomeação, a ...gº AV..., bolseira do LNEC, e não funcionária pública, porque não prestou juramento, não podia intervir na realização da perícia; (iii)– A existir alguma violação do art.º 152.º do CPP ela consubstancia uma mera irregularidade já sanada por não ter sido invocada pelos interessados no prazo legal.
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PARA DECISÃO DO PRESENTE RECURSO HÁ QUE TER EM CONTA, para além do despacho recorrido:
- Pedido de indicação de peritos ao LNEC;
- Despacho do MP onde se determina a realização da perícia, delimita o seu âmbito e objecto, fixa quesitos e procede à nomeação;
- Indicação da equipa de peritos por parte do LNEC;
- Resposta do LNEC, assinado por JL..., sobre o prazo de realização da perícia, Descrição dos Encargos, Estimativa dos Encargos, Condições de Realização e Condições de Pagamento;
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FACTOS E DECISÕES PROFERIDAS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO:
1 - O despacho recorrido é do seguinte teor:
“Em requerimento apresentado pelo arguido FF..., na pessoa do seu Ilustre Mandatário, na sessão de julgamento que decorreu no dia 12 de Outubro, e que os demais arguidos subscreveram, foi solicitado que seja desconsiderado o “depoimento” prestado pelo ...gº AC... na sessão que decorreu na parte da manhã e que se consigne que o mesmo, ao não ter sido nomeado como perito, não pode agir nem depor nessa qualidade nos autos. Acrescentou a Ilustre Mandatária do arguido LL..., que as declarações prestadas pelo ...gº AC..., não são materialmente válidas por não lhe estar subjacente a qualidade de perito, nem são formalmente válidas por não estarem reunidos os pressupostos de audição do mesmo em qualquer outra qualidade. A Senhora Procuradora da República pronunciou-se no sentido de ser indeferido o requerido, alegando, em síntese, que, na sequência de um pedido nesse sentido formulado pelo Ministério Público ao LNEC, foi indicado e, posteriormente, nomeado como perito o ...gº AM... em coadjuvação com a sua equipa de técnicos do LNEC, o qual prestou compromisso nos termos do art.º 91º do C. P. Penal; os demais elementos da sua equipa, especificamente ...gº AC..., ...gª SS... e ...gª AV..., todos funcionários públicos, exerceram as funções de peritos nessa qualidade, pelo que, face ao disposto na alínea b) do nº6 da mesma disposição legal estão dispensados de prestar compromisso. Vejamos os factos. - Em 23-05-2014 o Senhor Director do DCIAP solicitou ao LNEC que indicasse um perito que se pronunciasse sobre custos de obras realizadas, nomeadamente, em ajustes directos no âmbito da Administração Pública, na sequência do que veio a ser indicado o ...gº AM... (v.d. fls. 3.197, vol. X). - Por despacho do Ministério Público de 25-07-2014 foi nomeado como perito o ...gº AM..., Investigador Coordenador no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) na área da Contratação Pública, sendo o mesmo coadjuvado pelos elementos da sua equipa do Núcleo de Economia, Gestão e Tecnologia da Construção (NEC) do LNEC (v.d. fls. 2557/2558, vol. VIII). - No mesmo despacho foi designada data para a prestação de compromisso por parte do ...gº AM..., o que veio a ocorrer na mesma data (v.d. fls. 2600, vol. VIII). - Com o despacho foi junta uma nota curricular sobre a experiência profissional do perito ...gº AM... Nessa nota foi consignada a identidade e respectivo currículo da sua equipa “pericial” de técnicos do Núcleo de Economia, Gestão e Tecnologia da Construção (NEC) do LNEC (v.d. fls. 2560 e ss., vol. VIII). ***
Nos termos do art.º 152º, nº1 do C. P. Penal a perícia é realizada em estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado ou, quando tal não for possível ou conveniente, por perito nomeado de entre as pessoas constantes das listas de peritos existentes em cada comarca ou, na sua falta ou impossibilidade de resposta em tempo útil, por pessoa de honorabilidade e reconhecida competência na matéria em causa”; no nº2 da mesma disposição legal permite-se que a perícia pode ser deferida a vários peritos funcionando em termos colegiais ou interdisciplinares quando se revelar de especial complexidade ou exigir conhecimentos de matérias distintas.
O artº 154º, nº1 do C. P. Penal determina que a perícia deve ser ordenada por despacho da autoridade judiciária contendo a indicação do objecto da perícia e os quesitos a que os peritos devem responder, bem como a indicação da instituição, laboratório ou nome dos peritos que realizarão a perícia. Os peritos prestam o seguinte compromisso “Comprometo-me, por minha honra, a desempenhar fielmente as funções que me são confiadas” (art0 910, n02 do C. P. Penal). ***
Impõe-se a apreciação de duas questões suscitadas nos requerimentos apresentados pelos arguidos: por um lado, se o ...gº AC... (e como é óbvio a ...gª SS... e a ...gª AV...,) tem a qualidade de perito nestes autos e, por outro lado, se, sendo considerado perito, a não prestação de compromisso pelo mesmo afecta a validade dos actos que praticou. No que concerne à primeira questão entende o tribunal que a circunstância de não constar do despacho do Ministério Público a menção expressa do nome de cada um dos engenheiros que integra a equipa do ...gº AM... e a sua nomeação como peritos não invalida que se considere que a sua intervenção nos autos, designadamente, na elaboração do relatório pericial seja considerada nessa qualidade. O despacho do Ministério Público é claro quanto à circunstância de que a solicitada perícia será realizada não apenas pelo perito expressamente nomeado, mas também pelos elementos que integram a sua equipa. Inclusivamente da nota curricular que foi junta com o despacho consta especificamente a identidade de cada um dos elementos da equipa técnica do ...gº AM... e as habilitações académicas e profissionais dos mesmos. Todos os elementos da equipa do ...gº AM... possuíam conhecimentos técnicos específicos que os habilitavam a intervir na qualidade de peritos e a sua isenção e imparcialidade não foi posta em causa em momento algum, inclusivamente no requerimento em apreciação. Ou seja, a questão suscitada é meramente formal, surge num momento tardio da tramitação dos autos e nunca foi suscitada por qualquer dos arguidos, não obstante a intervenção activa que têm vindo a desenvolver, que aceitaram que todos os subscritores do relatório pericial detinham as competências técnicas e cientificas que os habilitavam a intervir na qualidade de peritos, bem como as qualidades de isenção e imparcialidade exigidas por lei. No que concerne à não prestação de compromisso por parte do ...gº AC..., da ...gª SS... e da ...gª AV... dir-se-á que a sua falta não inquina o valor da sua intervenção enquanto peritos, uma vez que, sendo funcionários públicos e tendo actuado no exercício das suas funções enquanto tal, não estavam obrigados a prestá-lo, conforme prescreve o artº 91º, nº6, b) do C. P. Penal. Com efeito, no caso dos funcionários públicos em exercício de funções, entendeu o legislador que “a especial obrigação que recai sobre os peritos e intérpretes que intervieram no processo na qualidade de funcionários públicos justifica a dispensa de juramento: o comprometimento solene contido no juramento tem equivalente no dever funcional que decorre da qualidade em que participam no processo (em Código de Processo Penal Comentado, 2016, em anotação ao artº 91º, pag. 285). Em todo o caso, mesmo que se considerasse que estavam obrigados a prestar compromisso, a omissão de tal formalismo constitui uma mera irregularidade processual que teria de ser invocada no prazo de três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado (cfr. artº 123º, nº1 do C. P. Penal). Neste sentido se pronunciou expressamente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-06-2005, Proc. 1556/05, 3ª secção (em Código de Processo Penal Comentado, 2016, em anotação ao artº 91º, pag. 286). Assim, há muito que precludiu o direito de qualquer dos arguidos invocar essa omissão enquanto vício processual. Não podemos terminar este despacho sem assinalar que estas questões seguramente não teriam surgido se o Ministério Público, em inquérito, tivesse actuado de uma forma uniforme e não se limitasse a nomear apenas expressamente um perito, que foi também o único a quem tirou compromisso, abrindo assim caminho para que os arguidos viessem pôr em causa a validade formal da intervenção dos demais elementos que assinaram o relatório pericial. ***
Nestes termos, e sem necessidade de mais considerações, indefere-se, na íntegra, o requerimento apresentado pelo arguido FF... e ao qual os demais arguidos aderiram.”
2– O Despacho de nomeação de peritos foi proferido pelo MP a fls. 2548 a 2559, sendo constituído por 5 partes: I– fundamentos, II.– Factos; III.– Incriminações; IV.– Objecto da perícia e V.– Nomeação da perícia.
É do seguinte teor esta última parte – “Para a realização da perícia, nos termos do disposto nos arts.152°, 153°, 154° e 156° do Cód. Processo Penal, nomeia-se como perito o Sr. ...gº AM..., Investigador Coordenador no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) na área da Contratação Pública, sendo o mesmo coadjuvado pelos elementos da sua equipa do Núcleo de Economia, Gestão e Tecnologia da Construção (NEG) do LNEC. Conforme nota curricular que se junta, considera-se que reúne os conhecimentos científicos e tecnológicos necessários a dar resposta adequada aos quesitos formulados e que dispõe da imparcialidade e idoneidade pessoal indispensáveis a conferir credibilidade técnica e científica às conclusões que formular. Para prestação do termo de compromisso a que alude o art.156° do Cód. Processo Penal, designa-se o dia 25.07.2014 pelas 14h 30, diligência para cuja comparência o mesmo já se encontra convocado e à qual presidirei. Nesse acto será entregue ao Sr. Perito cópia integral do presente despacho, bem como das listagens anexas. Na sequência do acordado, fica a cargo da PJ a organização e entrega ao Sr. Perito de todo o acervo documental necessário à realização da perícia e à elaboração do respectivo relatório pericial. No mesmo acto será o Sr. Perito informado que: a)– Os presentes autos se encontram abrangidos por segredo de justiça e que a informação e documentação referente aos mesmos, apenas poderá ser utilizada na realização da perícia, não podendo ser divulgada a terceiros; b)– Antes de dar início à perícia, deverá ser remetido aos autos documento indicando prazo que se prevê para a sua realização e o custo total da mesma. Em conformidade, por ora, decide-se não efectuar a notificação a que alude o art.º 154.º, n.º 4 do Cód. Processo Penal ao arguido”.
3– Com vista à realização da perícia o MP dirige pedido ao LNEC para que indicasse perito, informando-se que a perícia a realizar incidia sobre “obras realizadas, nomeadamente em ajustes diretos no âmbito da Administração Pública. Pretendíamos, no âmbito de adjudicações realizadas, saber se os valores da adjudicação são correctos, se foram «inflacionados» ou se foram realizadas obras em conformidade com o contrato.
Os aspectos a considerar seriam, nomeadamente, os seguintes: a)-Determinar as situações em que pela dimensão, custos e características da obra a realizar a sua adjudicação deveria ter sido efectuada através de concurso público; b)-Demonstrar se o recurso ao fraccionamento da despesa e ao procedimento de ajusto direto causou uma despesa superior à que resultaria da opção pelo concurso público; c)-Determinar as situações em que os serviços/equipamentos adquiridos foram adjudicados por preço superior ao preço médio praticado no mercado; d-Delimitar as situações em que foram pagos serviços/equipamentos que não foram, efectivamente prestados ou fornecidos;” (fls. 3191, vol. 10).
4– Após determinação da perícia vem o LNEC a fls. 3306, Vol. 10, em ofício assinado por MA..., vogal do Conselho Directivo do LNEC, enviar a proposta de Perícia Técnica aos procedimentos Concursais de Ajuste Directo de Empreitadas de Obras Públicas do Ministério da Administração Interna nos Anos de 2011 a 2014, assinada por JL... – Director do Departamento de Edifícios, sobre o prazo de realização da perícia, Descrição dos Encargos, Estimativa dos Encargos, Condições de Realização e Condições de Pagamento (fls. 3306 vol. 10.º).
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APRECIANDO E DECIDINDO:
Identificada a primeira questão a resolver – se o despacho de nomeação de perito abrange ou não os membros da equipa do ...gº AM... e por conseguinte os engenheiros que intervieram na realização da perícia o fizeram na qualidade de peritos, ou se ao contrário os mesmos não foram nomeados não podendo a sua participação, na realização da perícia e respectivo relatório, ser considerada porque não têm a qualidade de perito – cumpre analisar em primeiro lugar o despacho de nomeação, já que o despacho recorrido sobre ele recaiu.
Desde já se adianta que no entender deste tribunal o despacho em causa apenas peca porque diz demais. Refere-se ao responsável pela equipa que foi indicada pelo LNEC e não apenas a esta entidade (que indicou a equipa) como bastava. Explicitando.
Determina o art.º 152.º do CPP que “Artigo 152.º Quem a realiza 1- A perícia é realizada em estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado ou, quando tal não for possível ou conveniente, por perito nomeado de entre pessoas constantes de listas de peritos existentes em cada comarca, ou, na sua falta ou impossibilidade de resposta em tempo útil, por pessoa de honorabilidade e de reconhecida competência na matéria em causa. 2- Quando a perícia se revelar de especial complexidade ou exigir conhecimentos de matérias distintas, pode ela ser deferida a vários peritos funcionando em moldes colegiais ou interdisciplinares”.
Por sua vez o art.º 154º do mesmo código, “Artigo 154.º, Despacho que ordena a perícia, 1- A perícia é ordenada, oficiosamente ou a requerimento, por despacho da autoridade judiciária, contendo a indicação do objecto da perícia e os quesitos a que os peritos devem responder, bem como a indicação da instituição, laboratório ou o nome dos peritos que realizarão a perícia”[1],na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 20/2013,de 21/02.
Dos normativos transcritos conclui-se que foi opção do legislador que a perícia seja sempre realizada por “estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado”, como se depreende do que consta no citado art.º 152, n.º 1 “ou, quando tal não for possível ou conveniente”, o que saiu reforçado com a alteração operada no citado art.º 154.º, n.º 1 “a indicação da instituição, laboratório ou o nome dos peritos que realizarão a perícia.
2– A autoridade judiciária deve transmitir à instituição, ao laboratório ou aos peritos (…)”, onde a referência a instituição aparece sempre em primeiro lugar.
“Nesta norma o legislador indica quem realiza as perícias, orientando-se por critérios de “reconhecida competência”. Assim, estabelece uma ordem de preferência, partindo do princípio de que tudo o que é oficial é melhor, pelo seu padrão de qualidade e competência (…)” (Maria do Carmo Silva Dias, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Almedina, janeiro de 2019, Anotação ao art.º 152.º, pág. 401).
“§ 3 Segundo o n.º 1 a perícia é realizada “em estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado.” Dependendo do tipo de perícia em causa, assim a autoridade judiciária, que vai ordenar a sua realização, deve saber qual é a entidade oficial adequada para o efeito” (Maria do Carmo Silva Dias, Comentário citado, pág. 401).
Estabelece o art.º 3.º, n.º 2, al. g) do Dec. Lei n.º 157/2012 de 18 de julho, que “são atribuições do LNEC, I. P. a realização de “perícias no âmbito da sua atividade”, a qual se encontra devidamente explanada nos diversos números do citado art.º 3.º.
Tendo em conta os normativos citados, a entidade que determinou a realização da perícia, no caso o MP, poderia ter-se limitado a nomear o LNEC para a realizar, a qual seria distribuída internamente sem que se soubesse, antes da entrega do Relatório, quem, de entre os técnicos integrantes da estrutura do LNEC e com que habilitações, levaria a cabo a tarefa determinada.
O MP decidiu indicar no seu despacho o nome do coordenador da equipa que levaria a cabo a perícia, equipa essa que não foi escolhida por si. Esta equipa foi indicada pelo LNEC, pois a este compete(ia) a realização da mesma.
Ou seja, se o MP tivesse escrito que nomeava, para realizar a perícia, o LNEC sem curar de saber a quem internamente esta instituição a distribuía, ou o currículo da (s) pessoa (s) indicada (s), nada haveria a discutir e sem dúvida que a transparência de uma tal atuação seria menor do que a que resulta do despacho proferido em sede de inquérito – que identificando o coordenador da equipa, com referência para as habilitações juntas aos autos e onde consta a indicação da equipa, é maior!
Na verdade, apesar de no despacho de nomeação não se encontrarem identificados os membros da equipa que aí é referida, estes estão devidamente identificados, no documento onde constam as suas habilitações e que determinaram a sua indicação pelo LNEC para realizar a perícia cujo conteúdo e âmbito lhe foi transmitido, sendo possível indagar relativamente a todos e cada um os impedimentos que eventualmente se verificassem (cfr. Art.º 39.º e ss. Aplicáveis ex vi art.º 47.º e 153.º, n.º 1, todos do CPC).
Para se determinar se a nomeação abrange ou não todos os engenheiros que realizaram a perícia, há que interpretar o despacho proferido de harmonia com todos os elementos constantes nos autos e relevantes para este efeito da nomeação e realização da perícia, nomeada e concretamente o pedido que é dirigido ao LNEC para que indicasse perito e a resposta do LNEC acima referida.
Os autos não permitem outra interpretação: foi a Instituição Laboratório Nacional de Engenharia Civil que foi nomeada perita, tendo indicado um determinado engenheiro e respectiva equipa para concretização dos trabalhos tendentes à avaliação que se ordenou, e elaboração do respectivo Relatório, tendo sido esta instituição que definiu os timings necessários, quantos investigadores iriam ficar afectos à realização dos trabalhos tendentes à sua concretização – “três investigadores do LNEC durante 2 meses” (sic.fls. 3305)“com realização de visitas periciais aos locais onde foram realizadas as obras” (fls. 3305 in fine); e que realizou a estimativa de encargos “Estimativa de encargos aplicando os procedimentos definidos pelo LNEC para a quantificação de encargos de realização de trabalhos, o valor estimado para a realização da perícia…” tendo ainda definido as condições de realização e de pagamento (fls. 3306). Ou seja, quem escolhe a equipa de entre os seus, estabelece prazo, condições e preço da perícia é o LNEC, pois foi esta entidade que foi nomeada. E dito isto, não há dúvida que todos os subscritores do Relatório, porque integradores da Equipa do ...gº AM..., se encontram nomeados.
Pertencendo o técnico que realiza a perícia ou que a vai realizar a um “estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado” (art.º 152.º CPP) é esta entidade que é nomeada e não a pessoa singular em si mesma. E foi assim que tudo se desenrolou, foi processado, contabilizado e pago.
O facto de no despacho determinativo da perícia e de nomeação se encontrar o nome do coordenador da equipa do LNEC que iria realizar a perícia com referência aos membros da sua equipa, sem que os identificasse um a um tal não constitui nulidade ou irregularidade, pois a verdade é que nem tão pouco o nome do ...gº AM... carecia de estar no despacho, não sendo sequer exigível que prestasse juramento.
A indicação do nome do ...gº AM... não seria necessária para que se considerasse realizada a nomeação da perícia e a sua atribuição ao LNEC, não podendo, por isso, o excesso de transparência na nomeação traduzir-se numa nulidade, como pretende o recorrente!
Dito isto, entende este tribunal que a nomeação ao ser realizada como o foi: (i) com prévia consulta do LNEC, que indica uma equipa chefiada por uma determinada pessoa, indicação esta que é aceite pelo MP e a faz constar do despacho de nomeação, (ii) tendo o MP solicitado a definição do prazo para a realização da perícia e indagado dos respectivos custos ao LNEC, (iii) que responde e fixa as condições de realização, encargos e valor da perícia; se inclui na primeira parte do art.º 152.º, n.º 1 e 154.º, n.º 1 do CPP, ou seja, foi o Laboratório que foi nomeado e que realizou a perícia, naturalmente através das pessoas físicas que o compõe!
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Aqui chegados, cumpre decidir ainda: sendo nomeado o LNEC tinham os engenheiros a quem a perícia foi distribuída pela instituição que prestar juramento?
A resposta é negativa. Na verdade, ao ser nomeada uma instituição pública ou laboratório as pessoas que por esta são indicadas ou a quem esta distribui a realização efectiva da perícia não têm que prestar juramento. Acresce que sendo as mesmas funcionárias públicos, mesmo que fossem indicados por si, isto é mesmo que fossem eles os nomeados e não a instituição, nunca o juramento lhes seria exigível atento o disposto no art.º 91.º, n.º 6, al. b) do CPP.
Face a todo o exposto impõe-se concluir que igualmente carece de fundamento esta parte do recurso.
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Mais invoca o arguido, aqui recorrente, que mesmo que se considerasse que o despacho determinativo da perícia nomeava o LNEC, ou os técnicos que fazendo parte da equipa do ...gº AM... nela intervieram, sempre existira uma nulidade pois a ...gº AV..., bolseira, não é funcionária pública, não tinha um contrato de trabalho com o LNEC e por conseguinte não está abrangida pela nomeação nem pela dispensa de juramento.
Analisando:
O argumento invocado pelo recorrente não procede. Na verdade, ainda que a ...gª AV... não fosse, não seja, funcionária pública, ela, enquanto bolseira, presta o seu trabalho de investigação para com o LNEC, trabalho esse que consiste no desenvolvimento efectivo dos trabalhos que forem relevantes para a investigação a que se propõe e de harmonia com o Plano de Trabalhos definidos entre o Bolseiro e a Instituição, como se verifica do disposto nos art.ºs 29.º, n.º 1, al. a), 6º a 12.ºe 31º[2] do Regulamento das Bolsas LNEC de Investigação Científica, Aviso n.º 3089/2004 (2º série), DR II Série de 9-03-2004.
Tendo a perícia sido atribuída, como foi, ao LNEC competia a este, como o fez, indicar as pessoas que levariam a cabo a tarefa determinada.
Assim, e na esteira do exposto não carecia nenhum dos elementos integradores da equipa designada de prestar juramento, quer fossem ou não funcionários públicos, dado que integrando o LNEC – seja porque são seus funcionários seja porque são bolseiros.
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Finalmente, não obstante tudo quanto se disse supra, cumpre ainda dizer que caso existisse alguma irregularidade,que não se verifica, a mesma estaria mais do que sanada, e nunca teria, de todo o modo, qualquer influência no aproveitamento da prova assim obtida.
Em primeiro lugar porque, e como bem nota o MP, ainda que se entendesse, que não é o caso, que apenas o ...gº AM... havia sido nomeado perito, sempre a perícia porque realizada por ele enquanto coordenador de toda a equipa seria perfeitamente válida.
Em segundo lugar, a existir alguma irregularidade a mesma estaria há muito sanada.
A perícia foi notificada ao arguido com a contestação. Ou pelo menos com esta tomou conhecimento da sua existência e dos seus subscritores.
O processo enquanto desenvolvimento de actos, obedece a uma estrutura pré determinada e lógica, pretendendo-se que os actos que se vão praticando se solidifiquem para que se possa prosseguir até à decisão final.
Neste desenrolar de actos, todos os intervenientes processuais têm deveres. Deveres de lealdade processual. Tendo os prazos, os estabelecidos para apresentação da defesa, e alguns outros igualmente preclusivos, como sejam o da arguição de irregularidades em determinado prazo sob pena se considerarem sanadas, subjacente esta ideia de que só se pode ir avançado processualmente, com vista à aplicação do direito substantivo e definição do DIREITO, se o que se deixa realizado estiver conforme ou aceite por todos os intervenientes. Por isso, o processo confere aos sujeitos verdadeiros “direitos processuais para fazerem valer as suas expectativas que têm que ser integradas no próprio procedimento jurisdicional” (Damião da Cunha, O Caso Julgado Parcial, Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção Num processo de Estrutura Acusatória”, Porto, 2002, Publicações Universidade Católica, pág. 154).
Ora, não estando nós “perante uma nulidade insanável (visto que a lei não o prevê como tal) esta invocável a todo o tempo, há muito que precludiu a possibilidade de suscitar no processo a questão em causa” (Ac. Rel. Évora, Rel. Ana Maria Brito, Proc. 60/09.9T3GDL.E1 de 13-09-2016, in www.dgsi.pt).
Seguindo o mesmo Professor, Damião da Cunha, ob cit., “(…) ao deslocarmos o problema da função jurisdicional para os poderes que aos sujeitos processuais cabem no decurso do processo jurisdicional, estamos — pelo menos numa aproximação meramente formal!" — a deixar a dimensão do procedimento» e a entrar na dimensão «processual» (utilizando como base a ideia de que existe já uma «relação jurídico-processual»). Movendo-nos nesta perspectiva, o que aqui se pretende abarcar é, exactamente, o modo e a forma por que o procedimento jurisdicional deve progredir, ou seja, regular, por forma precisa, o modo como os sujeitos processuais devem fazer actuar e fazer progredir o procedimento jurisdicional. Neste âmbito, também as partes estão sujeitas aos mesmos princípios que vimos estarem subjacentes ao exercício da função jurisdicional — cabe-lhes exercerem os seus diversos poderes processuais segundo regras de «método lógico»[3]. Neste sentido — neste sentido processual —, entre o exercício da função jurisdicional e a actuação dos sujeitos processuais deveria verificar-se uma plena «congruência»: cada resultado «adquirido», legítimo e incontestado, não só auto-vincularia o tribunal, como vincularia, outrossim, os restantes sujeitos processuais. Isto conduziria a que a tutela decorrente do venire contra factum proprium, que se desenvolve no âmbito do processo jurisdicional, corresponderia não só a uma tutela «objectiva», como também a uma tutela «subjectiva», pessoalizada em cada uma das «partes».”
O arguido teve conhecimento da perícia realizada, dos seus subscritores, do despacho que a determinou e que fixou o seu âmbito e quesitos, nada tendo dito nem nos três dias que a lei prescreve no art.º 123.º do CPP nem no prazo da contestação.
O arguido só na sessão de 11/10/2016 (33º Sessão de Julgamento, vol. 31) suscita a questão que determina a prolação do despacho do qual vem a recorrer, tendo a notificação da acusação sido notificada pessoalmente ao arguido em 30 de abril de 2015 (v. fls. 5880 Vol. 18).
Invoca o arguido que o prazo de três dias para se arguir a irregularidade é um prazo demasiado curto tendo em conta que os presentes autos já à data da acusação pública tinham natureza de especial complexidade, socorrendo-se do Ac. do TC 47/2007 de 23-01.
Na verdade, os autos àquela data já eram considerados de especial complexidade, sendo igualmente um facto que o prazo de três dias seria curto para que o arguido pudesse verificar da legalidade da nomeação dos peritos. Contudo, o que se verifica dos autos é que o mesmo nunca a invocou em momento anterior à data em que o veio a fazer durante a sessão de audiência, um ano e meio depois de ter sido notificado da acusação. Ora, o arguido aqui recorrente teve prazo para apresentar a sua contestação. E se acaso não o pudesse fazer antes, admite-se que não, sempre o poderia e deveria ter feito quando da sua defesa pelas razões que já se deixou dito. O acórdão do Tribunal Constitucional de que se socorre, como bem nota o MP na sua resposta, não determina que neste tipo de processos as irregularidades podem ser invocadas a todo o tempo. O que daí se retira é que a defesa tem que beneficiar de um prazo razoável para o fazer, e o prazo para apresentar a contestação tem que se considerar como suficiente e deve abranger toda a defesa, aqui se incluindo a invocação das irregularidades. Repristinamos aqui o que já deixamos dito acima, os prazos e o encadeamento dos actos são fixados tendo em conta a necessidade de os autos prosseguirem sem que subsistam questões por resolver. Deste modo, com excepção das nulidades expressamente previstas (que são poucas), caso as irregularidades praticadas não sejam suscitadas, o processo prossegue como se elas não existissem não ficando afectados nem o acto nem em si nem os que futuramente se praticarem.
Termos em que improcede o recurso.
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2–RECURSO SOBRE REPRODUÇÃO DAS DECLARACÕES DO ARGUIDO PRESTADAS EM PRIMEIRO INTERROGATÓRIO, INTENTADO PELO MP:
Após a inquirição da testemunha JA..., na 60ª Sessão de julgamento, que teve lugar no dia 27-04-2017, o MP requereu “ao abrigo no preceituário nos artigos 355/357, n.º 1 al. b) a reprodução das declarações prestadas pelo arguido FF... (J...C...) em sede de 1º interrogatório Judicial, constam de fls. 1346 a 1362, Volume 4º, gravadas e transcritas no Apenso de Transcrição para os efeitos de valorização como prova, conforme Jurisprudência exposta nos acórdãos de 4 de fevereiro de 2015 no processo 212/11.1GACLSB e de 15 de março de 2017 no processo 21/14.6PERLA ambos do Tribunal da Relação de Coimbra” (acta de fls. 11379 a 11382, Vol. 38).
Por despacho proferido na 63ª sessão de julgamento que teve lugar em 25-05-2017, após a prestação de declarações (61ª sessão 04-05-2017 – fls. 11386 e ss., e 62ª sessão de julgamento, 18-05-2017 - fls. 11414 e ss.) por parte do arguido FF..., que manifestou tal vontade no final da 60ª sessão de julgamento (cfr. Fls. 11382), e de o mesmo ter sido confrontado com partes das declarações que prestou em sede de primeiro interrogatório judicial (v. acta da sessão 62, a de fls. 11414, Vol. 38, foi indeferido o pedido formulado pelo MP de reprodução das declarações prestadas pelo arguido FF... em primeiro interrogatório. Este despacho é do seguinte teor:
“O Tribunal Colectivo, após deliberação, apreciando os dois requerimentos que se encontram pendentes, decide nos seguintes termos: I- Requereu a Digna Magistrada do Ministério Público, em sessão de julgamento que decorreu no dia 27-04-2017, que fosse reproduzido em audiência o teor do 1º Interrogatório prestado pelo arguido FF.... A este requerimento seguiu-se um requerimento pelo Ilustre Mandatário do arguido FF... dando conhecimento ao Tribunal de que o seu cliente pretendia, neste momento, prestar declarações em julgamento, o que foi deferido pelo Tribunal. Tais declarações tiveram lugar nas duas últimas sessões de julgamento. Cumpre neste momento apreciar o requerimento apresentado pela Digna Procuradora da República, cujo conhecimento foi relegado para momento posterior à prestação de declarações pelo arguido. Entende o Tribunal, neste momento, e prestadas que foram tais declarações, no âmbito das quais foi até o arguido confrontado com partes do teor do seu 1º interrogatório judicial, que não faz qualquer sentido proceder-se à sua transcrição, leitura ou audição em audiência de julgamento. A circunstância do arguido ter agora prestado declarações teve como resultado que o Tribunal ficasse esclarecido quanto à sua versão dos factos pelo que o requerido pela Senhora Procuradora apenas teria razão de ser caso este se tivesse remetido ao silêncio. Nestes termos e sem necessidade de mais considerações indefere-se uma diligência que, neste momento, não faz qualquer sentido e que viria apenas protelar o andamento dos trabalhos”.
A esse despacho reagiu o MP arguindo a nulidade do mesmo por entender que o indeferimento da reprodução das declarações do arguido prestadas em primeiro interrogatório constituía uma omissão de diligência susceptível de ser reputada essencial para a descoberta da verdade – art.ºs 357.º, n.º 1, al. b) e 120.º al. d) e n.º 3 do CPP.
O Tribunal a quo, após pronúncia do arguido, decidiu da seguinte forma:
“I- Vem a Digna Magistrada arguir a nulidade do despacho ora proferido e que indeferiu a reprodução das declarações nos termos do artigo 357º, al. b), n.º1 e 120º, n.º 2, al. d) e n.º3. Pronunciou-se apenas o Ilustre Mandatário do arguido FF... descordando do entendimento da Sra. Procuradora. Apreciando e decidindo entende o Tribunal Colectivo que, ao proferir o despacho em causa, não foi praticada qualquer nulidade, designadamente a invocada pela Digna Procuradora pois, não foi omitida qualquer “diligência de prova" que se pudesse reputar de essencial para a descoberta da verdade. Com efeito o meio de prova em causa não é a reprodução das declarações mas sim o próprio interrogatório do arguido. Não há assim qualquer omissão uma vez que o meio de prova, veja-se, "declarações do arguido", poderá ser valorado nos termos legais previstos no sistema processual independentemente da sua reprodução em audiência. Acresce que entende o Tribunal que existem outras formas de reagir contra o despacho ora proferido que não passam pela arguição de uma nulidade que, no seu entender, não existe.”
Veio então o M.P recorrer apresentando para tanto as seguintes conclusões:
1– O despacho recorrido foi proferido na sequência de requerimento feito pelo Ministério Público na sessão de julgamento de 27.04.2017, ao abrigo do preceituado nos artigos 355.° e 357.°, n.°1, alínea b), do Código de Processo Penal, para a reprodução ou leitura das declarações prestadas pelo arguido FF... em sede de primeiro interrogatório judicial (fls.1346 a 1362, Vol.4, gravadas e transcritas no Apenso de Transcrição), para efeitos da sua valoração como prova.
2– O despacho recorrido indeferiu a requerida reprodução, por entender que, tendo o arguido prestado declarações em sede de julgamento, em momento posterior à do requerimento do Ministério Público e tendo o mesmo sido confrontado com partes do teor do mesmo, não faz qualquer sentido agora proceder-se à reprodução, leitura em julgamento, que só viria protelar o andamento dos trabalhos.
3– No ato, o Ministério Público veio arguir a nulidade do aludido indeferimento, nos termos dos artigos 357.°, n.°1, al. b) e 120.°, n.°2, al. d) e n.°3, do Código de Processo Penal, por ser considerada omissão de diligência suscetível de ser reputada como essencial para a descoberta da verdade, nulidade que o Tribunal entendeu não se verificar, em virtude das referidas declarações do arguido poderem ser valoradas independentemente da sua reprodução em audiência, conforme despacho exarado a fls.11454.
4– Ao decidir indeferir a reprodução em julgamento das declarações prestadas pelo arguido FF... em sede de primeiro interrogatório judicial, o tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 340.° e 357.°, n.°1, alínea b), do Código de Processo Penal.
5– Dispõe o artigo 357.°, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal: "A reprodução ou leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido no processo só é permitida:
b)- Quando tenham sido feitas perante autoridade judiciária com assistência de defensor e o arguido tenha sido informado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n. °4 do artigo 141°"
6– Estes pressupostos legais encontravam-se satisfeitos e por isso impunha-se ao Tribunal o deferimento do requerido pelo Ministério Público.
7– A lei não faz depender a reprodução de quaisquer outros pressupostos, ou de discrepâncias ou contradições entre as declarações prestadas pelo arguido, o que constitui, por vontade expressa do legislador, uma alteração processual significativa (cf. com redação anterior à Lei n.°20/2013, de 21 de Fevereiro, Dec.Lei n.°78/87, de 17 de Fevereiro, na redação dada pela Retificação n.°105/2007, de 9 de Novembro).
8– De resto, em consonância com o disposto no artigo 141.°, n.°4, alínea b), do mesmo Código:
"O juiz informa o arguido de que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova." (sublinhado nosso).
9– Veja-se que este preceito legal admite que tais declarações possam ser utilizadas (desde que cumprida a condição mencionada), independentemente do arguido estar presente ou não em julgamento e de prestar ou não declarações nesta fase processual.
10– No caso dos autos, o arguido FF... prestou declarações em sede de primeiro interrogatório judicial, assistido de defensor e depois de informado de que não exercendo o direito ao silêncio as declarações por ele prestadas poderão ser utilizadas no processo.
Logo, verificam-se os pressupostos de admissibilidade da reprodução das mencionadas declarações.
11– Não se mostra admissível, por isso, face ao quadro legal vigente, que as declarações prestadas pelo arguido em sede de primeiro interrogatório judicial apenas possam ser reproduzidas parcialmente e na medida em que apresentem contradições com o declarado em sede de julgamento, como defendeu a defesa do arguido FF... (posição que o tribunal recorrido também não acolheu).
12– Sem prejuízo de algumas de tais contradições terem sido por nós suscitadas em sede de instância em julgamento, mantemos interesse na requerida reprodução na íntegra, para efeitos da sua valoração como prova, por ser legalmente admissível e porque entendemos que só a reprodução na íntegra permite uma adequada contextualização das próprias declarações, as quais, desgarradas, poderão não ser devidamente valoradas e entendidas.
13– "Na realidade com a publicação e entrada em vigor da lei n.° 20/2013, de 21 de Fevereiro foi alterado profundamente este artigo. Passou a constituir regra a possibilidade de reprodução e leitura de declarações prestadas pelo arguido perante autoridade judiciária em fases anteriores ao processo, desde que produzidas com a assistência de defensor e o arguido tenha sido informado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.°4 do art.° 141°, ou seja, de que as declarações poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação [Código de Processo Penal, Comentado, 2014, Almedina, António Henriques Gaspar, José António Henriques dos Santos Cabral, Eduardo Maia Costa, António Jorge de Oliveira Mendes, António Pereira Madeira e António Pires Henriques da Graça, página 1123] e [Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo 212/11.1GACLB.C1, de 02-o4-2015, in www.dgsi.pt]" conforme Acórdão do TRC, de 15-03-2017, proferido no processo n.°21/14.6PELRA.C1.
14– Neste sentido, veja-se também acórdão da Relação do Porto, de 02-03-2016, Proc. 422/13.7SJPRT.P1, in www.dgsi.pt, e acórdão da Relação de Coimbra, de 03.06¬2015, Proc.9/12.1PELRA G.C1, in www.dgsi.pt.
15– No sentido de que a valoração das declarações prestadas pelo arguido exige a reprodução das mesmas em audiência, veja-se ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 04¬02-2015, proferido no proc. 212/11.1GACLB.C1, in www.dgsi.pt.
16– A diligência requerida, consentida expressamente pelo art.°357.°, n.°1, al. b), do CPP, mostra-se essencial para a descoberta da verdade (artigo 340.° do CPP), pelo que a sua não realização configura uma omissão de diligência essencial, nulidade que o Ministério Público arguiu em tempo (artigo 120°, n.°2, al. d), do CPP).
17– Pelo que se requer a revogação da douta decisão em crise, por ser nula e a sua substituição por outra que decida pela requerida reprodução.
Porém, Vossas Excelências, apreciando, farão a costumada JUSTIÇA!
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DECIDINDO:
Como bem nota o MP, as alterações introduzidas ao art.º 141.º do CPP permitem que as declarações prestadas pelos arguidos em sede de primeiro interrogatório, desde que os mesmos sejam informados nos termos prescritos no nº 4 desse preceito legal, sejam lidas ou reproduzidas em audiência (art.º 357.º, n.º 1, al. b) do CPP)
De harmonia com a al. b) do n.º 4 do citado art.º 141.º do CPP as declarações prestadas pelo arguido, que opte por não exercer o direito ao silêncio, podem ser utilizadas no processo, mesmo que o mesmo seja julgado na sua ausência ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas á livre apreciação da prova.
Entendeu o tribunal a quo não proceder à reprodução integral das declarações prestadas mas apenas à reprodução na justa medida do que se encontrava em contradição com o que o arguido declarou em audiência. Tendo o tribunal aguardado pelo termo das declarações do arguido, em audiência, para tomar a decisão sob recurso, exarando que estava esclarecido quanto à versão dos factos apresentada pelo arguido.
No entender do MP “só a reprodução na íntegra permite uma adequada contextualização das próprias declarações, as quais, desgarradas, poderão não ser devidamente valoradas e entendidas”.
Por outro lado, entende o MP que as declarações prestadas anteriormente no processo, com observância do formalismo legal acima referido, só podem ser valoradas se forem lidas ou reproduzidas em audiência.
O MP no seu recurso não indica as eventuais desconformidades entre o que o arguido declarou em primeiro interrogatório e o que disse em audiência, quer seja porque constituam uma contradição com o que declarou em primeiro interrogatório quer seja porque disse menos em audiência do que declarou no primeiro interrogatório. Igualmente não concretiza que parte das declarações prestadas foram descontextualizadas e por isso não seriam (foram) devidamente valorados ou entendidos pelo Tribunal.
O tribunal a quo apenas se pronunciou sobre a requerida leitura/reprodução das declarações do arguido prestadas em primeiro interrogatório após o termo das declarações que o arguido decidiu prestar em audiência. E bem.
E entendeu que apenas deveria proceder à leitura/confronto das declarações anteriormente prestadas com as que estava a prestar quando existiam contradições, tendo ainda invocado razões de celeridade processual para indeferir a leitura/reprodução. Ou seja, se o arguido foi confrontado com o que anteriormente declarou e que está em contradição com o que disse em audiência[4], significa que o mais que declarou em primeiro interrogatório está em conformidade com o que disse em julgamento.
Acresce que, como se verifica do despacho que conheceu da nulidade invocada pelo MP o tribunal a quo toma posição no que à valoração das declarações do arguido, prestadas em conformidade com o disposto no art.º 141, n.º 4, al. b) do CPP, diz respeito. Efectivamente, consta no despacho proferido: “Apreciando e decidindo entende o Tribunal Colectivo que, ao proferir o despacho em causa, não foi praticada qualquer nulidade, designadamente a invocada pela Digna Procuradora pois, não foi omitida qualquer “diligência de prova" que se pudesse reputar de essencial para a descoberta da verdade. Com efeito o meio de prova em causa não é a reprodução das declarações mas sim o próprio interrogatório do arguido. Não há assim qualquer omissão uma vez que o meio de prova, veja-se, "declarações do arguido", poderá ser valorado nos termos legais previstos no sistema processual independentemente da sua reprodução em audiência[5].”
Sobre a valoração das declarações do arguido em momento anterior à audiência, máxime no primeiro interrogatório, os tribunais superiores têm assumido dois entendimentos: 1) o defendido pelo MP no seu recurso e que o fundamenta, nos termos do qual as declarações prestadas pelo arguido naqueles termos só podem ser livremente apreciadas pelo tribunal se foram lidas ou reproduzidas em audiência; 2) as declarações prestadas podem ser valoradas desde que prestadas em obediência aos pressupostos legais sem que tenham que ser lidas ou reproduzidas – entendimento que o tribunal a quo subscreveu e que consta de forma clara no despacho transcrito[6].
Significa assim que, o tribunal a quo assumiu que as declarações prestadas pelo arguido em primeiro interrogatório seriam analisadas e valoradas no momento processual próprio, o da valoração da prova, e não apenas as partes dessas declarações que foram lidas ou com as quais o arguido foi confrontado, não se verificando, por isso, necessária a sua reprodução[7].E decidiu bem.
Na verdade, também nós subscrevemos o entendimento de acordo com o qual as declarações prestadas em primeiro interrogatório, com obediência pelo disposto no art.º 141.º, n.º 4 do CPP, podem ser valoradas como prova sem necessidade de as mesmas serem (re)produzidas ou contraditadas em audiência (como defende a outra tese invocando para tanto o n.º 2 do art.º 355.º enquanto excepção à regra geral do n.º 1 do mesmo artigo e portanto todas as provas que não fossem produzidas em audiência ou nela contraditadas teriam que ser lidas. Mas a verdade é que este entendimento foi admitindo excepções a essa necessidade de contradição ou leitura/reprodução, como por exemplo relativamente à prova documental e pericial). As razões que fundamentam a regra geral consagrada no art.º 355.º, n.º 1 mas em especial a excepção prevista no n.º 2 do mesmo artigo prendem-se com as garantias de defesa do arguido, em especial na vertente do contraditório[8] (invocando-se também os princípios da imediação, da oralidade e, indirectamente, da publicidade – contudo, todos estes estariam em causa mesmo que se procedesse à leitura ou reprodução das declarações). Ora, se as declarações em causa são exactamente do arguido, que as prestou depois de ter sido advertido que o não uso do direito ao silêncio pode servir de prova contra si, encontrando-se devidamente acompanhado por advogado, nenhum dos princípios consagrados em benefício do arguido sai beliscado, tanto mais que, como se disse, a leitura ou reprodução da audiência não cumpre, nem cumpriria se fossem reproduzidas, com as exigências dos princípios, puros, da imediação, da oralidade e da publicidade.
Assim, bem andou o tribunal a quo ao entender que não fazia qualquer sentido, depois de o arguido ter prestado declarações, ter apresentado a sua versão dos factos e confrontado com o que anteriormente dissera, se reproduzirem as declarações prestadas em primeiro interrogatório.
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Urge, contudo, responder a uma outra questão, anterior, já que nos termos em que o recurso do MP se encontra apresentado resulta que entende que estando preenchidos os pressupostos previstos no art.º 357.º, n.º 1, al. b) e 141.º, n.º 4 al. b) o tribunal não podia ter indeferido a reprodução das declarações do arguido. Será assim?
Não nos parece. O preenchimento dos pressupostos consagrados na lei é obviamente pressuposto da leitura/reprodução sempre que o tribunal entender que a mesma não é irrelevante. Ou seja, sendo o requerimento de reprodução das declarações prestadas pelo arguido em primeiro interrogatório apresentado no decurso da audiência (pois não consta da acusação), certamente porque só quando o arguido decidiu prestar declarações em audiência o MP verificou a necessidade de o confrontar com o que anteriormente havia dito, este meio de prova, previsto no art.º 357.º, há-de estar conforme com o n.º 4 do art.º 340.º do CPP.
Por outro lado, do recurso do MP, que recorre da decisão final de facto e de direito, não consta que as declarações prestadas pelo arguido FF... no primeiro interrogatório sejam importantes/relevantes mesmo para a sua tese – já que apenas a elas alude na conclusão 99 e 100.
Aqui chegados, em jeito de conclusão, cumpre dizer que o tribunal a quo indeferiu e bem a reprodução das declarações prestadas pelo arguido FF... no primeiro interrogatório, por ter entendido que não havia necessidade e que só iria atrasar o andamento do processo, tendo no decurso da mesma sessão de julgamento, quando se pronunciou sobre a invocada nulidade por parte do MP, transmitido a todos os sujeitos processuais que “o meio de prova, veja-se, «declarações do arguido», poderá ser valorado nos termos legais previstos no sistema processual independentemente da sua reprodução em audiência”. A transmissão deste entendimento por parte dom tribunal a quo mostra-se conforme com os princípios da publicidade da audiência e do contraditório, pois permitiu que as declarações pudessem ser contraditadas pelo próprio e demais interessados, mesmo relativamente àquela parte das declarações que não foram reproduzidas.
Significa assim que, o preenchimento dos pressupostos previstos no art.º 357.º, n.º 2 do CPP e 141.º, n.º 4 do CPP não determina que as declarações anteriormente prestadas sejam necessariamente lidas ou reproduzidas, não implicando a não reprodução a proibição da sua valoração.
Face a todo o exposto, improcede pois o recurso interposto.
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3–RECURSO DA DECISÃO QUE INDEFERIU A PRODUÇÃO DE PROVA REQUERIDA AO ABRIGO DO DISPOSTO NO ART.º 340.º DO CPP, INTENTADO PELO ARGUIDO FF...:
A fls. 11291 veio FF...:
- desistir da realização de nova perícia que havia requerido (art.º 5.º fls. 11292);
- Requerer a inquirição de 5 (cinco) testemunhas que identifica a fls. 11298, “na sequência da decisão tomada pelo tribunal da Relação de Lisboa, tiveram lugar os depoimentos da Srª Drª AS... e do Sr. Dr. FM... (art.º 30.º fls. 11296), porque para si “se revela agora vital, poder demonstrar perante o tribunal a origem dos valores em numerário” (art.º 33.º fls. 11297) “tendo em conta o que lhe é imputado na acusação, nomeadamente, em jeito de síntese, nos artigos 1662 a 1669 (art.º 34.º fls. 11297).
“É certo que nenhuma prova foi produzida, tendo a virtualidade de sustentar estas acusações”, “porém, pretende o arguido agora evidenciar, quais os meios pelos quais foi acedendo a tais valores, recebidos de forma regular, dentro do período que está aqui a ser considerado”.
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O MP pronunciou-se a fls. 11313 defendendo que “não existe fundamento para o tribunal deferir agora a inquirição das testemunhas indicadas pelo requerente, uma vez que é notório que as provas requeridas já podiam ter sido arroladas com a contestação tendo em conta que na acusação, nos pontos 1662 a 1682, e, em particular no ponto 1679, estão descritas as operações financeiras em que tiveram intervenção as testemunhas FM...,
AS... e também LF... (esta última há muito inquirida em sede de julgamento).
Sobre o requerimento apresentado pelo arguido recaiu o despacho proferido em 21-04-2017, fls. 11320, onde se indeferiu a inquirição requerida com base no disposto no art.º 340.º, n.º 4, al. a) do CPP.
É sobre este despacho que vem interposto o presente recurso (fls. 11457 vol. 38), tendo o arguido FF... apresentado as seguintes conclusões:
1)– O tribunal a quo exerceu, o poder conferido pelo artigo 340, n.° 4, do CPP, fora do condicionalismo legal, já que indeferiu prova suplementar que, para além de legal (cfr. o artigo 125 do CPP) e necessária (nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 340, n.° 1 e 124, n.° 1 do CPP) era, concreta e indubitavelmente, indispensável para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.
2)– Por outro lado, tal meio de prova só se tornou necessário, de uma forma plena e totalmente fundamentada, na sequência dos depoimentos prestados pelas testemunhas, Dr. FM..., Drª. AS... e Dr. NP... (sobretudo aquela primeira testemunha) e conjugando esses depoimentos com os elementos de prova documental constantes dos autos.
3)– A testemunha, Dr. FM..., relatou as circunstâncias de tempo, modo e lugar, em que o Recorrente lhe entregava quantias em numerário, mas não pôde responder quanto a matéria de indispensável para a prova de factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime de corrupção ativa — que aqui se julga — como sejam a efetiva origem de tais montantes.
4)– Declarando o seu desconhecimento quanto a essa matéria, não deixou a referida testemunha de dizer que o Recorrente tinha determinadas atividades empresariais, nomeadamente, na área da hotelaria, em R... de M..., atividades essas tipicamente geradoras de "dinheiro vivo".
5)– Foi, então, nesta sequência, que se tornou, para a defesa, imprescindível produzir prova testemunhal suplementar, destinada ao esclarecimento de tal matéria; a saber:
6)– A testemunha IR..., que pagava ao Recorrente (i) uma renda de montante variável, pela exploração do restaurante "Sabores de M..." e (ii) dívidas fiscais da responsabilidade daquele;
7)– A testemunha, TA..., que pagava ao Recorrente, montantes, também variáveis, por conta da exploração da "Estalagem de M...";
8)– Factos estes que, tendo sido parcialmente evidenciados pelo supra referido depoimento prestado por FM..., bem como pelos documentos de fls. 133, 145, 147, 148 151 153, 154, 155, 157, 159, 162, 163, 164, 165. 166, 167, 168, 170, 171, 173, 176, 178, 184, 186, 187, 188, 189, 190 do AR Gra, Anexo IV, 3.° Volume (quanto ao ponto (i), acabado de aludir) e, ainda, pelos documentos de fls. 5, 78 e 194; 7 e 80; 195; 8, 81. e 197; 9, 82 e 196 do Apenso IMO —M...—Soc.M.I.F.R.M. (quanto ao ponto (ii), acabado de aludir) são, indiscutivelmente, relevantes para a prova da inexistência do crime de corrupção ativa, de que vem acusado o Recorrente, isto, considerando a imputação — ínsita na Acusação Pública — de que o Recorrente receberia do arguido DD... os valores que entregava a FM...;
9)– As testemunhas AH... - que, até 2012, foi sócio do Recorrente na empresa D... G... — e FG... — um dos inquilinos dos empreendimentos hoteleiros explorados pelo Recorrente e, geradores de "dinheiro vivo", nas palavras da testemunha,
Dr. FM...;
10)– E, finalmente, GC..., uma das duas tias paternas do Recorrente, as quais, desde sempre, lhe prestaram auxílio financeiro, quando este necessitou;
11)– No caso em apreço, está em causa a verdade quanto à origem dos proventos do Recorrente, parte dos quais foram — durante o período de tempo, escrutinado pela Acusação Pública - entregues por este à testemunha, Dr. FM....
12)– Sendo, para este efeito, absolutamente, essencial ouvir as aludidas testemunhas, cada uma das quais tem conhecimento direto sobre matéria que as testemunhas, Dr. FM..., Drª. AS... e Dr. NP..., não lograram esclarecer.
13)– Refira-se, ainda, que não é, sequer, notório que as provas requeridas pudessem ter sido arroladas com a contestação, já que, quando em 27.11.2015, o Recorrente apresentou a respetiva contestação, estava sujeito à medida de coação de OPHVE, o que, naturalmente, dificultou, bastante a organização de respetiva defesa.
14)– Porque a requerida diligência é, em concreto, essencial à descoberta da verdade material, não está — ao contrário do expendido pelo Tribunal a quo — sujeita ao limite de tempo.
15)– Sendo totalmente incompreensível a posição do Tribunal recorrido, quando, sem o fundamentar, defende que a inquirição das testemunhas, tal como pedida pelo Recorrente, não é indispensável à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
16)– Posição que viola o disposto no artigo 340, n.° 4, al. a) do CPP, porquanto, está em causa uma acusação, desferida contra o Recorrente, pela prática (entre outros) de vários crimes de corrupção passiva.
17)– Crimes que se consubstanciariam na entrega, por parte do também arguido DD..., de quantias monetárias determinadas, da forma assim descrita: "de acordo com o combinado entre ambos, à medida que os procedimentos adjudicados às sociedades pertencentes ou controladas por DD... e o respetivo preço era pago pela DGIE, com o único (sic) de ocultar a sua origem, este último entregava a FF..., em numerário, parte de tais proventos de montante não exatamente apurado; tais valores, no final de cada mês, eram depositados em numerário, com periodicidade mensal no valor de cerca de € 3.000,00, em contas bancárias de terceiros, contratados por FF... para o efeito e utilizados pelos mesmos, a partir de transferências bancárias realizadas a partir de contas suas no pagámento de despesas da sua responsabilidade designadamerite; na liquidação de dívidas fiscais e à segurança social ...". Cfr. os artigos 1663 e 1664 da Pronúncia. Temos então:
18)– A Pronúncia atribui a DD... pagamentos mensais, destinados a que o Recorrente liquidasse despesas suas e de entidades a si ligadas.
19)– O Recorrente arrolou prova, no sentido de explicar ao tribunal qual a verdadeira origem dos fundos, com os quais procedia aos descritos pagamentos.
20)– Na sua contestação o Recorrente não aludiu a esta matéria.
21)– Cuja dilucidação se afigura essencialíssima à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, por se centrar num aspeto crucial da incriminação.
22)– Porém o Tribunal recorrido optou por decidir que o Requerimento foi extemporâneo; mas que, além disso, não se afigurava relevante para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.
23)– Fê-lo sem o fundamentar, porque não haveria, sequer, fundamentos disponíveis na lógica e na economia do processo.
24)– Como se notou, situamo-nos num dos nós-górdios da acusação, pelo que o seu esclarecimento se afigura não só pertinente, como indispensável para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, não descartável por frágeis e inconsistentes argumentos formais, baseados em circunstâncias de tempo. A menos que:
25)– Dada a absoluta ausência de prova do que se alega nos artigos 1663 e 1664 da pronúncia, num deserto que se evidenciou ao longo das sessões de julgamento já decorridas — os alegados pagamentos de DD... não foram, nem de longe e muitos menos de perto, asseverados por qualquer testemunha ou indício avulso consistente -, então, por morte natural da versão acusatória, não seja sequer necessário provar a versão alternativa, que corresponde à verdade.
26)– Atenta a falta de fundamentação o DESPACHO viola o disposto no artigo 97, n.° 5, do CPP.
27)– O teor do DESPACHO viola o disposto no artigo 340, n.° 1 e n.° 4, al. a) do CPP.
28)– Termos em que deve ser revogado o DESPACHO, substituindo-se por decisão diversa, que ordene a produção dos meios de prova testemunhal que o Recorrente requereu, por serem imprescindíveis à prova da verdadeira origem dos montantes entregues a FM... e AS..., factos que se reputam de incontestável relevância para a demonstração da inexistência do crime de corrupção passiva e, assim mesmo, indispensáveis à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa.
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O recurso foi recebido por despacho de 02-06-2017 (fls. 11489 vol. 38).
***
O MP respondeu ao recurso apresentando para tanto as seguintes conclusões:
1– O recorrente vem alegar que, face às declarações prestadas pelas testemunhas AS... e FM..., se revela vital para o arguido poder demonstrar a origem dos valores em numerário que foram entregues pelo arguido FF... às aludidas testemunhas, tendo em conta o que lhe é imputado nos artigos 1662 a 1669 da acusação, o que justifica a inquirição das ora indicadas testemunhas, ao abrigo do disposto no artigo 340.°, n.ºs 1 e 4, al. a), do CPP.
2– A produção de meios de prova, requerida durante a audiência de julgamento, é expressamente permitida nos termos do artigo 340° do Código de Processo Penal, mas é excecional.
Por isso os meios de prova requeridos em audiência de julgamento têm de ser meios de provas supervenientes ou cuja junção no momento próprio não foi possível.
Ora no caso sub judice tal superveniência não foi alegada nem provada.
3– Não existe fundamento para o tribunal deferir nesta fase a inquirição das novas testemunhas indicadas pelo requerente, uma vez que é notório que as provas requeridas já podiam ter sido arroladas com a contestação, tendo em conta que na acusação, nos pontos 1662 a 1682, e, em particular, no ponto 1679, estão descritas as operações financeiras em que tiveram intervenção as testemunhas FM..., AS... e também LF... (esta última há muito inquirida em sede de julgamento).
4–O recorrente foi devidamente notificado da acusação/pronúncia e veio apresentar contestação e indicar prova, que já foi produzida.
Na acusação/pronúncia são imputados ao arguido FF.., para além do mais, vários crimes de corrupção passiva e de participação económica em negócio, bem como um crime de branqueamento, o que o requerente não pode desconhecer.
5– Não é por isso verdade que só em face das declarações prestadas pelas testemunhas FM... e AS... haja a necessidade de fazer prova da origem das entregas em numerário feitas pelo recorrente a estas testemunhas, uma vez que tais factos vêm alegados e descritos na acusação/pronúncia e que tais entregas já foram mencionadas em julgamento pela testemunha LF..., há muito ouvido em julgamento.
6– Não existem quaisquer factos ou circunstâncias novas que cumpra apurar e as provas requeridas não se mostram indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa.
7– O despacho judicial em crise é claro e devidamente fundamentado quanto aos motivos pelos quais entendeu que as provas agora indicadas se mostram extemporâneas, tendo em conta a matéria que vem imputada ao recorrente na pronúncia, entre eles os factos atinentes à entrega de valores em numerário, para pagamento de dívidas da responsabilidade de FF..., provenientes do arguido DD....
8– Logo, não foi alegada nem justificada a superveniência do arrolamento tardio das mencionadas testemunhas.
9– Acresce que do requerimento também não resulta que a inquirição das testemunhas ora arroladas seja indispensável à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa.
10– Concluindo, o despacho em causa contém todas as razões, de facto e de direito, que fundamentam a decisão de indeferir a prova suplementar apresentada pelo arguido FF..., fora dos prazos da contestação.
11– O despacho recorrido não violou quaisquer preceitos legais, designadamente os mencionados pelo recorrente.
12– Pelo que deverá ser integralmente mantida a decisão recorrida e negado provimento ao presente recurso.
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* QUESTÕES A RESOLVER:
Se o tribunal a quo deveria ter deferido produção de prova testemunhal requerida ao abrigo do disposto no art.º 340.º do CPP.
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O DESPACHO RECORRIDO É DO SEGUINTE TEOR:
Após deliberação do Tribunal Colectivo é proferido o seguinte despacho:
“Requerimento de fls. 11.291 i.- Tomou-se conhecimento de que o arguido FF... prescindiu da realização de nova perícia conforme requerido na contestação.
ii.-Vem o arguido FF... requerer, ao abrigo do art.º 340.º, no 1 e n°4, a) do C. P. Penal, a inquirição de cinco testemunhas por tal se mostrar necessário à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa.
Refere, em síntese, que aceitou que a produção da prova indicada pela defesa se iniciasse antes de produzida toda a prova da acusação, sem prejuízo de ser accionado o disposto no art° 3400, n°1 do C. P. Penal. Pelo que, e na sequência dos depoimentos prestados pelas testemunhas Dr. FM... e Drª. AS..., entende revelar-se vital poder demonstrar perante o tribunal a origem dos valores em numerário tendo em conta o que lhe é imputado na acusação, nomeadamente nos artigos 1662 a 1669.
A Senhora Procuradora pronunciou-se no sentido de ser indeferida a pretensão do arguido por ser notório que as provas requeridas já podiam ter sido indicadas na contestação, não existindo quaisquer factos ou circunstâncias novas que cumpra apurar, não se mostrando indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa.
Apreciando e decidindo.
Prescreve o art.º 340°, n°1 do C. P. Penal que "O tribunal ordena oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa".
E, por sua vez, a alínea a) do no 4 da mesma disposição legal que "os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que as provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, excepto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa."
A indicação de prova, designadamente, de testemunhas na fase de julgamento tem um carácter excepcional e deve fundar-se não só na sua estrita necessidade como na ocorrência superveniente (ou seja ocorrência em momento posterior à altura da apresentação da contestação) de circunstâncias que justificam que, mesmo não tendo sido indicadas com a contestação (como será a regra face ao disposto nos artºs 79º, n.º 1, 283º, n.º 3, alínea d), 287º, n.º 2 e 315.º, n.° 1, todos do C. P. Penal), há necessidade de as inquirir no pressuposto de que de tal diligência decorrerá uma mais-valia probatória com incidência directa na boa decisão da causa e na descoberta da verdade material.
"Há um momento processual próprio para requerer a produção de prova, mas a prova pode ser requerida para além desse momento se houver uma circunstância especial (a "superveniência") que o justifique. Sendo assim, o requerimento da produção de meios de prova na audiência é fundado quando o requerente alegar e provar que os meios de prova ou de obtenção de prova só foram por si conhecidos depois do momento próprio para requerer a respectiva produção (...) ou surgiram depois desse momento (...) A alegação da superveniência constitui, afinal, um caso legal de justo impedimento para o requerimento tempestivo do sujeito processual" (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, em Comentário do Código de Processo Penal, 4.a edição, pág. 878).
Ora, a necessidade de inquirição de novas testemunhas, bem como a circunstância superveniente que justifica o seu arrolamento no decurso da audiência de julgamento, devem ser não só alegadas como devidamente justificadas por quem o requer, pois, a não ser assim estaríamos perante um mecanismo processual que, à revelia da necessidade de apresentação de toda a prova com a acusação ou a contestação, permitiria que com o desenrolar da audiência o arguido se viesse a "adaptar" à prova que vinha a ser produzida.
Com interesse para esta questão cita-se, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04-02-2013 (Proc. 827/11.8GAEPS.G1).
No caso presente, o arguido veio agora indicar, e depois de inquiridas as testemunhas Dr. FM... e Drª. AS..., cinco testemunhas que alegadamente iriam explicar a origem dos valores em numerário entregues pelo arguido FF... aos referidos advogados.
Porém, esta alegada conduta é-lhe imputada na acusação e na pronúncia, (nomeadamente nos art°s 1662º a 1669º da acusação, 1665º a 1682º da pronúncia), pelo que o arguido não a podia desconhecer, assim como era do seu conhecimento que, sobre a mesma iriam ser inquiridas as referidas testemunhas.
A circunstância de lhe ter sido reconhecido o direito de, em momento posterior à produção de toda a prova indicada na acusação, vir a requerer a reinquirição de testemunhas, em nada colide com o teor do presente despacho e não deve ser confundida com o arrolamento de testemunhas que não foram indicadas com a contestação. Nem tão pouco colide com o direito de, observando os respectivos pressupostos, vir a fazer do uso do mecanismo previsto no citado artº 340º.
Assim, para além de não ter sido alegada e justificada a superveniência do arrolamento das testemunhas, não se vê do requerimento em apreciação qualquer elemento que permita concluir pela conclusão de que a inquirição destas testemunhas se mostra indispensável à descoberta da verdade material e da boa decisão da causa.
Nestes termos, e sem necessidade de mais considerações, ao abrigo do artº 340º n.º 4, a) do C. P. Penal, indefere-se a requerida inquirição de testemunhas.
Notifique.”
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QUID IURIS?
Estabelece o art.º Artigo 340.º, Princípios gerais, que
“1- O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
2- Se o tribunal considerar necessária a produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação, dá disso conhecimento, com a antecedência possível, aos sujeitos processuais e fá-lo constar da acta.
3- Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 328.º, os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis.
4- Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que: a)- As provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, exceto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa; b)- As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas; c)- O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou d)- O requerimento tem finalidade meramente dilatória.”
O Tribunal a quo indeferiu a inquirição das testemunhas indicadas, que o arguido entendia deverem ser ouvidas ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 340.º, por entender que (i) a matéria sobre a qual o arguido pretende ouvir as testemunhas consta já da acusação nos “art.ºs 1662.º a 1669.º a que corresponde 1665.º a 1682º da pronúncia, pelo que o arguido não a podia desconhecer, assim como era do seu conhecimento que, sobre a mesma iriam ser inquiridas as referidas testemunhas”. (ii) Pelo facto de ter sido reconhecido ao arguido o direito de, em momento posterior à produção de toda a prova da acusação poder vir inquirir as testemunhas, em nada colide com o despacho em causa, nem com “o direito de, preenchidos os pressupostos, vir a fazer do uso do mecanismo previsto no citado artº 340º” (iii) que não foi “alegada nem justificada a superveniência do arrolamento das testemunhas”, não se vendo do requerimento do arguido “qualquer elemento que permita concluir que a inquirição se mostra indispensável à descoberta da verdade material e da boa decisão da causa”.
Com as alterações introduzidas ao art.º 340.º do CPP pela Lei n.º 20/2013, de 21/02, verifica-se que no n.º 4 foi introduzido um fundamento novo de rejeição do requerimento de produção de prova com base neste normativo, o da al. a): “4 - Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que: a) As provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, exceto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa;”
O art.º 340.º consagra três situações: (i) a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se afigure ao julgador como necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa (n.º 1), estabelecendo o n.º 2 o caminho a observar quando tal iniciativa pertencer ao tribunal; (ii) o indeferimento do requerimento, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 328.º, quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis; (iii) O Indeferimento dos requerimentos de prova sempre que for notório que: “a) As provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, exceto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa; b) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas; c) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou d) O requerimento tem finalidade meramente dilatória.”
No caso, o arguido requer a produção de prova testemunhal, como se vê de fls. 11297, dizendo, relativamente aos depoimentos prestados pelas testemunhas FM... e AS... “que se têm por verdadeiros, pese embora a verificação de algumas (naturais) imprecisões” (32º) “para o arguido revela-se agora vital, poder demonstrar perante o tribunal a origem desses valores em numerário” (33º) “tendo em conta o que lhe é imputado na acusação, nomeadamente, em jeito de síntese, nos artigos 1662 a 1669” (34º).
Mais alega que “é certo que nenhuma prova foi produzida, tendo a virtualidade de sustentar estas acusações” (35º), “porém pretende agora evidenciar, quais os meios pelos quais foi acedendo a tais valores, recebidos de forma regular, dentro do período que está aqui a ser considerado” (36º), “o que justifica a inquirição das testemunhas que a seguir se arrolarão”.
São estes os factos que o arguido alega para fundamentar o seu pedido de inquirição de novas testemunhas ao abrigo do disposto no normativo acima transcrito e analisado. E foram estes os factos que o tribunal a quo analisou e enquadrou devidamente no despacho em crise.
Na verdade, o arguido não alega nenhum facto que permita ao tribunal efectuar o julgamento que se impõe realizar nos termos do n.º 1 do citado art.º 340.º para que o pedido procedesse. Ou seja, o arguido tinha que ter alegado factos suficientes que levassem o tribunal a concluir que a produção do meio de prova requerido era “necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”: “O princípio da investigação oficiosa consagrado no art. 340º do Código de Processo Penal está condicionado pelo princípio da necessidade, devendo ser limitado aos meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário para habilitarem o julgador a uma decisão justa e o árbitro dessa necessidade é o tribunal”, como bem se esclarece no Ac. da Relação de Coimbra, de 03-12-2008, Relator Jorge Simões
Raposo (disponível em https://www.trc.pt/index.php/jurisprudencia-do-trc/processo-penal/5159-movimento-judicial-ordinario-julho-2008-sp-21223), desde logo porque o recurso a este mecanismo, consagrado neste artigo 340.º do CPP é excepcional (Ac. Rel. Guimarães, Proc.
827/11.8GAEPS.G1, de 04-02-2013, Relator Paulo Fernandes da Silva, disponível em www.dgsi.pt). Ora, da análise do que alegou tal juízo não se mostra realizado. Desde logo porque o arguido por um lado que os testemunhos prestados se têm por verdadeiros pese embora algumas imprecisões e por outro defende que nenhuma prova foi feita no sentido de suportar essas acusações. Então se assim é, qual a necessidade de ouvir as testemunhas indicadas? Ela não resulta do que alega, mostrando-se o juízo realizado pelo tribunal em conformidade com o alegado.
Por outro lado, e como bem nota o tribunal a quo, o próprio arguido reconhece que a matéria em causa e sobre a qual foram ouvidas as testemunhas que, no seu entender, justifica que queira ouvir outras, consta da acusação pública nos “1662 a 1669” (34º do requerimento do arguido)”, estando aí igualmente indicadas as testemunhas que foram ouvidas - FM... e AS....
Significa, assim, que os factos sobre os quais as testemunhas FM... e AS... prestaram depoimento são do conhecimento do arguido desde a acusação pública, tal como é do seu conhecimento quais as testemunhas que, no entender do MP, suportavam tais factos, pois estão indicadas nos artigos da acusação acima indicados, não constituindo matéria nova que tenha sido trazia aos autos e que implicasse ou justificasse uma reorganização da defesa. Os factos e as testemunhas que os suportavam encontram-se descritos e identificados na acusação e na pronúncia pelo que as provas requeridas poderiam ter sido arroladas com a contestação.
Como se decidiu Ac. da Rel. do Porto, de 13-01-2016, Proc. 411/12.9TALSD.P1, Relator Jorge Langweg, disponível in www.dgsi.pt o art.º 340.º do CPP “exige que os meios concretos de prova, para serem admitidos, sejam "necessários à descoberta da verdade e à boa decisão da causa", segundo o critério do tribunal e o objecto do processo, como bem se explica no Ac. da Rel. de 07-11-2016, Proc. N.º121/15.5T9BRG.G1, Relatora Ausenda Gonçalves “Serão produzidos os meios de provas não proibidos por lei, cujas indispensabilidade e utilidade para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa se confirmem em função do objecto do processo, o qual, como se sabe, delimita os poderes de cognição do tribunal e é definido e fixado pelos factos essenciais descritos na acusação, em articulação com as normas consideradas infringidas pela sua prática (e também obrigatoriamente indicadas)”, disponível in www.dgsi.pt.
Um requerimento de produção de prova apresentado ao abrigo do disposto no artigo 340º, 1, do Código de Processo Penal (seja por arguido, Ministério Público, assistente, demandante ou demandado) tem de esclarecer o motivo concreto pelo qual o(s) meio(s) concreto(s) de prova indicado(s) se revela(m) necessário(s) à luz daquele critério, ou seja, que sejam indispensáveis à descoberta da verdade [artigo 340º, 4, a), do Código de Processo Penal]”.
Face a todo o exposto nenhuma censura merece o despacho recorrido.
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4– RECURSO DA DECISÃO QUE INDEFERIU A PRODUÇÃO DE PROVA SUPLEMENTAR REQUERIDA AO ABRIGO DO DISPOSTO NO ART.º 358.º DO CPP, INTENTADO PELO ARGUIDO FF...:
Por decisão de 21-12-2017 (acta de fls. 12028 e ss.) foi comunicado aos arguidos “alterações às factualidade descrita na pronúncia e do respectivo enquadramento jurídico e que poderão constar do Acórdão” (fls. 12030), seguindo-se a enumeração dos factos e respectivo enquadramento jurídico (fls. 12030 a 12041).
A fls. 12047 a 12114 veio o arguido FF... apresentar defesa relativamente aos factos comunicados e respectiva qualificação jurídica, terminando, a fls. 12106 requerendo que fossem ouvidas 5 testemunhas que arrola.
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Sobre esse requerimento recaiu o despacho de fls. 12122, que indeferiu a inquirição das testemunhas arroladas.
É sobre este despacho que incide o recurso interposto pelo arguido FF... que para o efeito conclui do seguinte modo:
1)– O presente recurso vem interposto do despacho proferido em 1.2.2018 (já supra transcrito e que aqui se dá por reproduzido), o qual indeferiu a inquirição de cinco testemunhas, que foi solicitada pelo Recorrente através do requerimento de 23.1.201811, formulado ao abrigo do disposto no artigo 358, n.º 1 e 3 do CPP.
2)– O tribunal a quo exerceu, o poder conferido pelo artigo 358, do CPP, fora do condicionalismo legal, já que indeferiu prova suplementar que, para além de legal (cfr. o artigo 125 do CPP) e necessária (nos termos do disposto nos artigos 340, n.º 1 e 124, n.º 1 do CPP) era, concreta e indubitavelmente, indispensável à defesa do Recorrente face à nova factualidade comunicada pelo tribunal através do despacho de 21.12.2017 e, assim, essencial à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
3)– No que diz respeito à inquirição dos interlocutores das forças de segurança - o ...q.° HP... (da ANPC), o ...q.° JR... (da PSP), o Cor... G... (do SEF) e o ...q.º Carlos... (do SEF)- diz-se no DESPACHO que:
A inquirição dos interlocutores das forças de segurança é irrelevante para o apuramento do valor do custo real das obras, para o cálculo das margens de lucro da XXXX e das margens de venda (matéria factual alterada);
A matéria já é contrariada pelos artigos 27 a 34 e 124 a 132, do REQUERIMENTO;
A matéria já integrava a acusação/pronúncia, sendo que o arguido não requereu a inquirição dessas testemunhas em audiência de julgamento;
É notório que estas testemunhas nada poderão esclarecer quanto à factualidade objeto das alterações comunicadas.
Ora,
4)– O despacho parte do pressuposto errado de que a inquirição dos denominados interlocutores das forças de segurança visa fazer prova acerca do “valor do custo real das obras, para o cálculo das margens de lucro da XXXX e das margens de venda...”, quando essa diligência é essencial à prova da matéria alegada pela defesa no REQUERIMENTO.
5)– Matéria essa que não se circunscreve ao exposto nos artigos 27 a 34 e 124 a 132 do REQUERIMENTO mas, abrange todos os demais segmentos do REQUERIMENTO, nos quais o Recorrente alude a procedimentos de ajuste direto relativos a obras ou fornecimentos de bens e serviços tendo como destinatários a ANPC, a PSP ou o SEF.
6)– O Recorrente foi claro, na explicação que deu para que fossem ouvidas tais testemunhas: precisamente para asseverarem aquilo que os documentos não demonstram, porque não falam, isto é, que concreto contributo é que tais testemunhas deram para o desenvolvimento das obras realizadas no âmbito dos vários procedimentos de ajuste direto que conformam o objeto do processo.
7)– Tratam-se de pessoas que lidaram diretamente com as obras, tomando decisões designadamente sobre o que devia ou não devia ser feito pelos empreiteiros, que materiais deveriam ser aplicados, que equipamentos eram de encomendar e que timings se impunham na execução dos trabalhos.
Acresce ainda o seguinte:
8)– Verificou-se na audiência de julgamento que a perícia – que teve, essencialmente, por objeto a verificação de múltiplos aspetos respeitantes às obras - não teve em conta quaisquer dos contributos tidos por tais pessoas cuja inquirição se requereu, pelo que essa omissão pode e deve ser suprida, não só ao abrigo do disposto no artigo 358, n.° 1 e n.° 3 do CPP, como também, a coberto do disposto no artigo 340 n.° 1 do CPP.
9)– O teor do DESPACHO viola, ainda, o disposto no artigo 97, n.º 5, do CPP atenta a falta de fundamentação na parte em que aduz como argumento a (alegada) circunstância de a matéria já integrar a acusação/pronúncia e de o arguido não ter requerido a inquirição dessas testemunhas em audiência de julgamento.
10)– Quanto é notório que, no decurso dessa mesma audiência se verificou uma alteração não substancial dos factos descritos na Acusação/Pronúncia, tendo sido, nessa sequência (e portanto, aquando da audiência de julgamento), que o Recorrente apresentou, legal e tempestivamente, a sua defesa.
11)– A circunstância de o Recorrente não ter requerido a inquirição em momento anterior àquele em que formulou o REQUERIMENTO é totalmente irrelevante, isto é, não constitui fundamento legal para indeferir o concreto meio de prova requerido.
12)– Por outro lado, o Tribunal a quo entende que a inquirição do ...-MAI., MS..., “se mostra supérflua e que não iria traduzir-se em mais-valia probatória, tendo em atenção as alterações factuais concretas comunicadas aos arguidos.”
13)– Para melhor contextualizar o pedido de inquirição do
...-MAI., MS..., como testemunha, o Recorrente aludiu, expressamente, aos «factos relativos ao “valor dos procedimentos - Ponto ii) do DESPACHO” os quais vêm descritos nos artigos 59 e seguintes do presente requerimento» [fim de citação].
14)– Ou seja, não está, propriamente, em causa a prova relativamente aos valores dos vários procedimentos de ajuste direto (essa, admitimo-lo, é matéria cuja prova se alcança através da análise documental, como aduz o DESPACHO), mas sim, a prova relativamente à origem e à razão de ser de tais procedimentos e seus valores, matéria expendida nos artigos 59 e seguintes do REQUERIMENTO.
15)– Recorde-se que o que se assaca ao Recorrente é o facto de ter, alegadamente, sido o decisor quanto à escolha do tipo e do valor dos procedimentos lançados com o fito de adquirir serviços e realizar obras.
16)– O Recorrente pretende contrariar esta tese acusatória, na sua vertente reformulada no despacho proferido em 21.12.2017, provando que se limitou a cumprir ordens que provieram da Tutela.
17)– O processo é informado pelo princípio do contraditório, decorrendo dele que o objeto do julgamento são os factos da acusação, da defesa e todos os factos que resultarem da discussão da causa.12
18)– No caso dos autos, o Recorrente pretendeu que fossem inquiridas cinco pessoas com conhecimento direto quanto a factos que foram alegados pela defesa, no exercício do direito ao contraditório relativamente à comunicação efetuada pelo Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 358, n.º 1 e n.º 2 do CPP.
19)– A comunicação prévia ao arguido da nova indiciação e da nova qualificação jurídica visa conceder-lhe a possibilidade de defesa, defesa essa que não tem, necessariamente, que cingir-se ao esgrimir de argumentos plasmados numa exposição escrita, mas pode englobar a produção de novos meios de prova, desde que os mesmos se refiram – como é o caso dos autos – à nova factualidade resultante da discussão da causa (ou seja: factos alegados como reação-contraditório à alteração factual comunicada pelo Tribunal).
20)– Alegação e prova são, assim, faces de uma mesma moeda, não podendo ser, como pretendido no DESPACHO, dissociadas, com o desprezo de uma parte (a prova), e preferência de outra (a alegação).
21)– O pedido formulado pelo Recorrente adequa-se, plenamente, ao objeto do processo, é obtenível e refere-se a matéria que, sendo essencial à prova de factostrazidos à colação pela defesa, na sequência de um novo acervo de factos indiciados através do despacho de 21.12.2017, é, também, de indiscutível relevo para a descoberta da verdade.
22)– E em processo penal, quando a diligência requerida é essencial à descoberta da verdade material, não está ela sujeita ao limite do tempo, mas apenas aos limites decorrentes dos princípios da necessidade, da adequação e da obtenebilidade (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16.08.1996, proc. 0005375).
23)– Por todo o exposto, o DESPACHO violou o disposto nos artigos 358, n.º 1 e n.º 3, 340, n.º 1 e n.º 4, alínea a) e 124, n.º1 do CPP e 32, n.º1 e n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, devendo ser revogado e substituído por decisão diversa, que ordene a produção dos meios de prova testemunhal que o Recorrente requereu no seu REQUERIMENTO.
24)– Caso contrário e, não tendo sido, como devia, concedido ao Recorrente a possibilidade de este se defender adequadamente face à nova indiciação comunicada - será nulo, nos termos do disposto no artigo 379, n.º 1, alínea b) do CPP, o Acórdão que venha, eventualmente, a condenar o Recorrente, pois, entender-se-á, nesse hipotético caso, que tal decisão condená-lo-á por factos diversos dos descritos na Acusação/Pronúncia fora das condições previstas no artigo 358 do CPP.
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Admitido o recurso veio o MP responder (fls. 13100 Vol. 43) concluindo do seguinte modo:
1– A produção de meios de prova, requerida durante a audiência de julgamento é expressamente permitida nos termos do artigo 340º do Código de Processo Penal, mas é excecional.
O recorrente foi devidamente notificado da acusação/pronúncia e veio apresentar contestação e indicar prova, que já foi produzida.
2– As alterações ora indicadas pelo tribunal são de pormenor não traduzindo qualquer alteração substancial dos factos imputados ao requerente.
3– Os meios de prova requeridos em audiência de julgamento têm de ser meios de provas supervenientes ou cuja junção no momento próprio não foi possível.
No caso sub judice tal superveniência não foi alegada nem provada.
4– Não existem quaisquer factos ou circunstâncias novas que cumpra apurar e as provas requeridas não se mostram indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa.
5– A alegação de que que o requerente pretende contrariar a tese da acusação de que foi o arguido o decisor quanto à escolha dos procedimentos e seus valores, provando que se limitou a cumprir ordens que provieram da tutela, para justificar a inquirição da testemunha MS... neste momento, não justifica a superveniência da inquirição, pelo contrário, sendo que então já se justificava a mesma aquando da apresentação da contestação, uma vez que tais factos já se mostram imputados ao arguido na pronúncia.
Logo, não foi alegada nem justificada a superveniência do arrolamento tardio das mencionadas testemunhas.
No sentido de que o pedido de produção de meios de prova, na sequência da comunicação da alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, tem de ser acompanhado da respetiva justificação, Acórdão da Relação de Guimarães, de 26.10.2009, proferido no proc.154/06.2IDBRG.G1, relatado pelo Desembargador Nazaré Saraiva.
6– Acresce que do requerimento também não resulta que a inquirição das testemunhas ora arroladas seja indispensável à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa.
7– O despacho judicial posto em crise é claro e devidamente fundamentado quanto aos motivos pelos quais entendeu que as provas agora indicadas se mostram extemporâneas, tendo em conta a matéria que vem imputada ao recorrente na pronúncia e que as alterações comunicadas pelo tribunal são de pormenor.
8– Concluindo, o despacho em causa contém todas as razões, de facto e de direito, que fundamentam a decisão de indeferir a prova suplementar apresentada pelo arguido FF..., fora dos prazos da contestação.
9– O despacho recorrido não violou quaisquer preceitos legais, designadamente os mencionados pelo recorrente.
10– Pelo que deverá ser integralmente mantida a decisão recorrida e negado provimento ao presente recurso.
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O Despacho recorrido é do seguinte teor:
“Após deliberação do Tribunal Colectivo profere-se o seguinte despacho: Na sequência das comunicações efectuadas pelo Tribunal, ao abrigo do artº 358º, nºs 1 e 3 do C. P. Penal, veio o arguido FF... pronunciar-se e requerer a produção de prova suplementar, traduzida na inquirição de mais cinco testemunhas. No presente despacho não cumpre tecer apreciações relativamente à defesa que o arguido apresenta às alterações comunicadas, quer em termos de matéria de facto, quer em termos de enquadramento jurídico. No entanto, haverá que decidir se a prova suplementar requerida deve ou não ser produzida. O requerimento do arguido surge como forma de reacção às alterações que lhe foram comunicadas, pelo que, a inquirição das cinco testemunhas terá de estar necessariamente relacionada com essas modificações. Ora, as alterações comunicadas relativamente à intervenção do arguido FF... na identificação dos trabalhos a executar em cada local e na indicação dos elementos técnicos que viriam a ser incluídos nas Propostas de Abertura de Procedimento (PAP) foram de pormenor e, na sua essência, tratam de matéria que já constava da acusação/pronúncia. Com efeito, não se vislumbra em que medida a inquirição das testemunhas que, refere o arguido, terem sido os interlocutores das forças de segurança, designadamente, o ...q.º HP... (da ANPC), o ...q.º JR... (da PSP), o Cor...G... (do SEF) e o ...q.º Carlos... (do SEF), se mostra relevante para o apuramento do valor do custo real das obras, para o cálculo das margens de lucro da XXXX e das margens de venda (matéria factual alterada). Porque, na verdade, a matéria contrariada pelos artºs 27º a 34º do requerimento e, ainda, pelos artºs 124º a 132º, já integrava a acusação/pronúncia, sendo que o arguido não requereu a inquirição dessas testemunhas em audiência de julgamento. É, pois, notório que estas testemunhas nada poderão esclarecer quanto à factualidade objecto das alterações comunicadas. No que respeita à testemunha MS... refere o arguido que esta deverá ser ouvida relativamente ao valor dos procedimentos - Ponto ii) do despacho - conforme artºs 59º e ss. do requerimento. O ponto ii) do despacho tem a seguinte redacção: “Em consequência da actuação descrita os contratos relativos às obras e fornecimento de equipamento relativos à adaptação das antigas instalações dos Governos Civis situaram-se perto do limite máximo do procedimento de ajuste directo, respectivamente, no valor de €150.000,00 e €75.000,00.”. Ora, é manifesto que esta comunicação teve apenas em vista dar uma redacção ao artº 101º da pronúncia que melhor se coadunasse com a factualidade indiciada, e não teve qualquer influência na substância do artigo (alterou-se a expressão “no limite máximo” para “perto do limite máximo”). Trata-se, por outro lado, de matéria provada documentalmente através da análise dos vários procedimentos referentes às empreitadas (obras) e fornecimentos objecto dos autos. Entende, pois, o tribunal que a prova requerida se mostra supérflua e que não iria traduzir se em mais-valia probatória tendo em atenção as alterações factuais concretas comunicadas aos arguidos. Indefere-se, pois, a sua realização. Notifique.”
O despacho (alteração não substancial dos factos e respectivo enquadramento jurídico) sobre o qual recaiu o requerimento probatório sujeito ao indeferimento sob recurso é do seguinte teor:
“Alteração não substancial de factos: i)-De modo a conseguir que tais valores fossem desembolsados pela DGIE e facultados aos co-arguidos no mais curto espaço de tempo, o arguido FF... chegou a solicitar ao DSIP o pagamento urgente de facturas. ii)-Em consequência da actuação descrita os contratos relativos às obras e fornecimento de equipamento relativos à adaptação das antigas instalações dos Governos Civis situaram-se perto do limite máximo do procedimento de ajuste directo, respectivamente, no valor de €150.000,00 e €75.000,00. iii)-(Procedimento n.º 10/EMP-AD/2012 – A...) No cumprimento de ordens dadas por DD... e com o acordo e conhecimento de FF..., EP... calculou o valor do custo real da obra a realizar (mão-de-obra e material), que perfazia 111.942,62€ e acrescentou a esse montante as margens de lucro - no valor de 33.582,79€ e de 2.430,02€ - servindo esse valor de referência ao preço base do procedimento que veio a ser lançado pela DGIE, que foi fixado em 149.200 €. iv)-(Procedimento n.º 18/EMP-AD/2012 – V... C...) No cumprimento de ordens dadas por DD... e com o acordo e conhecimento de FF..., EP... calculou o valor do custo real da obra a realizar (mão-de-obra e material) em 59.932,81 €, e acrescentou a esse montante a margem de lucro a pagar à XXXX (no valor de 25.685,49 €); o preço base do procedimento que veio a ser lançado pela DGIE foi fixado em 148.000€. v)- (Procedimento nº 38/EMP-AD/2012 - L...) Apesar da PAP só ter sido elaborada por LL... em 28/12/2012, em 24/08/2012, o arguido HH... já estava a definir, juntamente com o ...qº HP..., técnico superior da DGIE, os trabalhos que seriam realizados na obra do CDOS de L..., trocando ambos vários e-mails sobre esse assunto. vi)- (Procedimento nº 4/EMP-AD/2013 – L...) AXXXX não executou os trabalhos de electricidade e rede de dados previstos nos artigos 4.1.4 a 4.1.7 e 4.2 do mapa de quantidades. Relativamente aos artigos 4.4.3 e 4.4.4 do mesmo mapa, relativos aos detectores ópticos de fumos e às bases de detector, só foram instalados 2 no local e não 14 como referido no mapa de quantidades, situação que provocou um prejuízo directo ao erário público no valor de 17.456,38 €. vii)-(Procedimento nº 14/EMP-AD/2013 – L...) Por determinação do arguido FF..., contrariamente aos procedimentos legalmente impostos e com o objectivo de conseguir a obtenção de benefícios financeiros para DD... e II..., não foi o técnico da DGIE que elaborou a PAP a identificar as necessidades de intervenção e os trabalhos que deveriam ser executados no âmbito da empreitada a contratar, o respectivo valor base, nem as empresas a convidar. viii)-(Procedimento nº 22/EMP-AD/2013 – L...) Entre 15/07/2013 e 31/12/2013 a DGIE pagou à YYYY no âmbito do Procedimento nº 18/EMP-AD/2012 e do Procedimento nº 22/EMP-AD/2013 o montante de 270.103,41 €, acrescido de IVA (faltando apenas pagar 14.768,99 €, retida no âmbito do Procedimento nº 18/EMP-AD/2012). ix)-(Procedimento nº 22/EMP-AD/2013 – L...) Desse valor, a YYYY ficou com 137.187,53 € (acrescido de IVA) por conta dos trabalhos que realizou para a XXXX no SEF de L..., na ANPC de L... e na Secretaria Geral de L..., tendo restituído à XXXX a quantia de 132.915,88 € (acrescido de IVA). x)-(Procedimento nº 30/EMP-AD/2012 – V...) Verificou-se, no entanto, que foram colocadas iluminárias e blocos autónomos de iluminação de emergência que não se encontravam previstos no mapa de quantidades, facturados por conta da UPS não instalada. xi)(Procedimento nº 27/EMP – AD 2013 - F...) Os preços indicados na proposta da WWWW encontravam-se inflacionados, designadamente: a)-os trabalhos previstos nos artigos 3.1 (pintura de portas interiores) e 3.2 (pintura de portas exteriores) registavam um preço por m2 de 411,74 € e 623,54 €, podendo-se encontrar este tipo de trabalhos no mercado por metade daqueles valores; b)-o trabalho previsto no artigo 3.3 (pavimento flutuante) regista um preço de 42,42 € por m2, €, podendo-se encontrar este tipo de trabalhos no mercado por 20 € m2; c)-o trabalho previsto no artigo 3.10 (portão de garagem) regista um preço de 5.514,29 €, superior aos € 3.000,00 existentes no mercado; d)-o trabalho previsto no artigo 3.12 (cobertura em policarbonato alveolar) com um preço de 6.023,30 € correspondendo assim, face à área de 12m2 medida, a um preço por m2 de aproximadamente 500,00 €; no mercado é praticado o preço de40,00 €/m2; e)-o trabalho previsto no artigo 3.13 considerava a instalação de uma porta de vidro de correr automática pelo preço unitário de 5.938,46 €; foi, no entanto, colocada uma porta de vidro de abrir manual, com um preço de mercado na ordem dos 800,00 €. O que causou um prejuízo directo ao erário público não inferior a 21.378,98 €. xii)- (Procedimento nº 34/EMP – AD 2013) Nos trabalhos a realizar estava incluído o fornecimento e colocação de revestimento cerâmico (artigo 5.1.), com o preço unitário de 41.561,63€. Porém, este fornecimento foi substituído pela colocação de pavimento flutuante e polimento e envernizamento do pavimento em mosaico hidráulico existente, cujo preço por m2 ronda os 20 €, o que, considerando que a área de xiii)- pavimento é de cerca de 180 m2, causou um prejuízo directo ao erário público não inferior a 37.961,63€. xiv)-(Procedimento nº 36/FBM – AD 2013) O preço unitário cobrado pela empresa ZZZZ & Filhos, S.A.pelos dois lavatórios foi de 1056,24€, quando no mercado a média do valor se situa nos 150€ a unidade, o causou um prejuízo directo para o erário público não inferior a 756,24€. xv)-(Procedimento nº 31/EMP-AD/2013) A SSSS subcontratou a empresa VVVV,LDApara realizar parte dos trabalhos previstos na empreitada, a qual facturou 16.694,22 €. xvi)-À data da adjudicação do Procedimento nº 2/PRJ-AD/2012 a DGIE tinha recursos internos próprios com capacidade para elaborar o projecto de arquitectura e especialidades para a remodelação de duas casernas do Comando Territorial da GNR de A..., pelo que a sua adjudicação a uma entidade externa causou um prejuízo ao erário público de 27.121,50€. xvii)-À data da adjudicação do Procedimento nº 14/AQS-AD/2012 a DGIE tinha recursos internos próprios com capacidade para elaborar o levantamento do edifício da PSP de R... P..., pelo que a sua adjudicação a uma entidade externa causou um prejuízo ao erário público de 16.000€. xviii)-À data da adjudicação do Procedimento nº 8/PRJ-AD/2012 a DGIE tinha recursos internos próprios com capacidade para elaborar os projectos de arquitectura/especialidades do edifício da PSP de R... P... (com excepção da especialidade de AVAC), pelo que a sua adjudicação a uma entidade externa causou um prejuízo ao erário público não inferior a 64.000 €. xix)-À data da adjudicação do Procedimento nº 6/AQS-AD/2012 a DGIE tinha recursos internos próprios com capacidade para realizar o levantamento do edifico da antiga fábrica da KKKK,pelo que a sua adjudicação a uma entidade externa causou um prejuízo ao erário público de 30.073,50 €. xx)-À data da adjudicação do Procedimento nº 9/PRJ-AD/2012 a DGIE tinha recursos internos próprios com capacidade para elaborar os projectos de execução das várias especialidades para a Divisão da PSP de S... (com excepção da especialidade de AVAC), pelo que a sua adjudicação a uma entidade externa causou um prejuízo ao erário público de 52.170,45 €. xxi)-À data da adjudicação do Procedimento nº 10/AQS-AD/2012 a DGIE tinha recursos internos próprios com capacidade para elaborar o levantamento para a PSP de C...), pelo que a sua adjudicação a uma entidade externa causou um prejuízo ao erário público de 7.380€. xxii)-À data da adjudicação do Procedimento nº 2/PRJ-AD/2013 a DGIE tinha recursos internos próprios com capacidade para elaborar os projectos de execução das várias especialidades para a Divisão da PSP de C... (com excepção da especialidade de AVAC), pelo que a sua adjudicação a uma entidade externa causou um prejuízo ao erário público não inferior a 8.900 €. xxiii)-À data da adjudicação do Procedimento nº 9/PRJ-AD/2012 a DGIE tinha recursos internos próprios com capacidade para elaborar os projectos de execução para o edifício da 2ª Divisão da PSP do Carv..., pelo que a sua adjudicação a uma entidade externa causou um prejuízo ao erário público de 27.655€ xxiv)-Em data anterior ao dia 19.03.2014 mas posterior ao dia 11.02.2014, com o intuito de conseguir o pagamento dessa factura pela DGIE, apesar de já não exercer as funções de Director-Geral da DGIE e de saber que o objecto do contrato não havia sido prestado, de modo não exactamente apurado o arguido FF..., ou terceiro com o seu conhecimento e concordância, manuscreveu a expressão “Já recebido em mão própria”, a data de 11.02.2014, referente ao dia da sua exoneração e assinou. xxv)-No dia 19.03.2014, a arguida GG..., que ainda exercia funções como responsável pelo Departamento Jurídico da DGIE, com conhecimento de que o objecto do contrato não havia sido prestado e que a menção e data manuscrita por FF..., ou terceiro com o seu conhecimento e concordância, não correspondia à verdade e com o intuito de conseguir o pagamento da factura pela DGIE, diligenciou pela entrega desse documento na DSIP da DGIE, para validação. xxvi)-O arguido FF... sabia que ao ser manuscrita na factura emitida pela RRRR,Lda. a menção “Já recebido em mão própria” e a data de 11.02.2014, que criava no espírito de todos e designadamente nos colaboradores dos serviços da DGIE responsáveis pela aprovação e pagamento do montante titulado pela mesma, que o serviço para cujo pagamento havia sido emitida fora prestado e entregue no dia 11.02.2014, data em que ainda exercia o cargo de Director-Geral desse organismo, o que sabia não corresponder à verdade. xxvii)-A arguida GG... sabia que a menção “Já recebido em mão própria” e a data de 11.02.2014, havia sido manuscrita por FF..., ou por terceiro com o seu conhecimento e concordância, em data posterior a essa data e que não correspondia à verdade.
Alterações do enquadramento jurídico
Poderão ser imputados aos arguidos os seguintes crimes:
Arguido FF.... - Um crime de participação económica em negócio, p. e p. pelo art.º 377.º, nº 1 e 28.º, n.º 1, com referência ao art.º 386.º, n.º1, d), todos do C. Penal (sendo co-autor o arguido DD...); - Um crime de participação económica em negócio, p. e p. pelo art.º 377.º, n.º1 e 28.º, n.º1, com referência ao art.º 386.º, n.º1, d), todos do C. Penal (sendo co-autor o arguidoCC...); - Um crime de participação económica em negócio, p. e p. pelo art.º 377.º, n.º1 e 28.º, n.º 1, com referência ao art.º 386.º, n.º 1, d), todos do C. Penal (sendo co-autores os arguidos DD... e II... e JJ... cúmplice); - Um crime de participação económica em negócio, p. e p. pelo art.º 377.º, n.º 1 e 28.º, n.º1, com referência ao ar.º 386.º, n.º1, d), todos do C. Penal (sendo co-autor o arguido AA...); - Um crime de participação económica em negócio, p. e p. pelo art.º 377.º, n.º1 e 28.º, n.º 1, com referência ao art.º 386.º, n.º1, d), todos do C. Penal (sendo co-autor o arguido BB...); - Um crime de participação económica em negócio, p. e p. pelo art.º 377.º, n.º1 e 28.º, n.º1, com referência ao art.º 386.º, n.º1, d), todos do C. Penal (sendo co-autor o arguido MM...); - Um crime de participação económica em negócio, p. e p. pelo art.º 377.º, n.º1 e 28.º, n.º 1, com referência ao art.º 386.º, n.º 1, d), todos do C. Penal (sendo co-autor o arguido EE...), - Em vez dos vários crimes de corrupção passiva, p. e p. pelo art.º 373.º, n.º 1, com referência ao art.º 386.º, n.º 1, d), ambos do C. Penal, que lhe estavam imputados. - Cinco crimes de abuso de poder, p. e p. pelo art.º 382.º, nº 1, com referência ao art.º 386.º, n.º 1, alínea d), ambos do Cód. Penal, como autor material (referentes aos seguintes procedimentos: -Elaboração do projecto de execução de arquitectura e especialidades para a remodelação de duas casernas do Comando Territorial da GNR de A...; -Levantamento do edifício da PSP de R... P... e elaboração dos projectos de arquitectura/especialidades do edifício da PSP de R... P...; - Levantamento integral do edifício da antiga fábrica da KKKK e elaboração dos projectos de execução das várias especialidades para aDivisão da PSP de S... – antiga fábrica da KKKK; - Levantamento do edifício da Divisão da PSP de C... e elaboração dos projectos de execução das várias especialidades para a Divisão da PSP de C...; - Elaboração dos projectos de execução para o edifício da 2ª Divisão da PSP do Carv.... E não três como lhe foram imputados na pronúncia.
Arguido DD.... - Um crime de participação económica em negócio, p. e p. pelo ar.º 377.º, n.º 1 e 28.º, n.º 1, com referência ao art.º 386.º, n.º 1, d), todos do C. Penal (sendo co-autor o arguido FF...); - Um crime de participação económica em negócio, p. e p. pelo art.º 377.º, n.º 1 e 28.º, n.º 1, com referência ao art.º 386.º, n.º 1, d), todos do C. Penal(sendo co-autores os arguidos FF... e CC..; - Um crime de participação económica em negócio, p. e p. pelo art.º 377.º, n.º 1 e 28.º, n.º 1, com referência ao art.º 386.º, n.º 1, d), todos do C. Penal (sendo co-autores os arguidos FF... e HH...); - Em vez dos vários crimes de corrupção activa, p. e p. pelo art.º 374.º, n.º 1, ambos do C. Penal, que lhe estão imputados. - Um crime de participação económica em negócio, p. e p. pelo art.º 377.º, n.º 1 e 28.º, n.º 1, com referência ao art.º 386.º, n.º 1, d), todos do C. Penal (sendo co-autores os arguidos FF... e II... e JJ... cúmplice).
Arguido HH.... - Um crime de participação económica em negócio, p. e p. pelo art.º 377.º, n.º 1 e 28.º, n.º 1, com referência ao art.º 386.º, n.º 1, d), todos do C. Penal (sendo co-autores os arguidos FF... e DD...). -E não quatro crimes de corrupção activa, p. e p. pelo art.º 374.º, n.º 1, ambos do C. Penal, que lhe estão imputados.
Arguido CC... - Um crime de participação económica em negócio, p. e p. pelo art.º 377.º, n.º 1 e 28.º, n.º 1, com referência ao art.º 386.º, n.º1, d), todos do C. Penal (sendo co-autores os arguidos FF... e DD...). Em vez dos dois crimes de corrupção activa, p. e p. pelo art.º 374.º, n.º1, ambos do C. Penal, que lhe estão imputados.
Arguido MM.... - Um crime de participação económica em negócio, p. e p. pelo art.º 377.º, n.º1 e 28.º, n.º1, com referência ao art.º 386.º, n.º 1, d), todos do C. Penal (sendo co-autor o arguido FF...). - Em vez dos dois crimes de corrupção activa, p. e p. pelo art.º 374.º, n.º1, ambos do C. Penal, que lhe estão imputados.
Arguido EE.... - Um crime de participação económica em negócio, p. e p. pelo art.º 377.º, n.º 1 e 28.º, n.º1, com referência ao art.º 386.º, n.º 1, d), todos do C. Penal (sendo co-autor o arguido FF...). Em vez do crime de corrupção activa, p. e p. pelo artº 374º, nº1, do C. Penal, que lhe está imputado. - Por outro lado os crimes de participação imputados aos arguidos II... e JJ..., este último como cúmplice, poderão integrar uma situação de co-autoria com os arguidos FF... e DD...”
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ANALISEMOS UM A UM OS FACTOS QUE FORAM ALTERADOS PELO TRIBUNAL A QUO:
1[9]–“i)[10De modo a conseguir que tais valores fossem desembolsados pela DGIE e facultados aos co-arguidos no mais curto espaço de tempo, o arguido FF... chegou a solicitar ao DSIP o pagamento urgente de facturas”.
O facto base constante da acusação/pronúncia e que foi alterado é o descrito em 87. de fls. 5517, Vol. 17./fls. 6730, VOL. 20, respectivamente.
Comparando um e outro facto, impõe-se concordar com o tribunal a quo no sentido de que a alteração introduzida é de pormenor, estando na sua essencialidade já na acusação e pronúncia não resultando da alteração de introduzida qualquer necessidade probatória que não existisse aquando do conhecimento do libelo acusatório por parte do arguido.
2– “ii)-Em consequência da actuação descrita os contratos relativos às obras e fornecimento de equipamento relativos à adaptação das antigas instalações dos Governos Civis situaram-se perto do limite máximo do procedimento de ajuste directo, respectivamente, no valor de €150.000,00 e €75.000,00”.
Facto originário: art.º 101 acusação/101 da pronúncia – fls. 5520/6732 respectivamente; Da leitura atenta de ambos os factos igualmente se conclui sem qualquer dificuldade que o facto essencial já se encontrava na acusação, sendo a alteração até benéfica para o arguido.
3– iii)-(Procedimento n.º 10/EMP-AD/2012 – A...) No cumprimento de ordens dadas por DD... e com o acordo e conhecimento de FF..., EP... calculou o valor do custo real da obra a realizar (mão-de-obra e material), que perfazia 111.942,62€ e acrescentou a esse montante as margens de lucro - no valor de 33.582,79€ e de 2.430,02€ - servindo esse valor de referência ao preço base do procedimento que veio a ser lançado pela DGIE, que foi fixado em 149.200€. Facto primitivo: art.º 250 da acusação/pronúncia fls. 5544/6754. Como bem notou o tribunal a quo o facto já se encontra na acusação/pronúncia apenas se verificando alterações de pormenores relativas ao valor da mão-de-obra e material e lucro.
4– “iv)(Procedimento n.º 18/EMP-AD/2012 – V... C...) No cumprimento de ordens dadas por DD... e com o acordo e conhecimento de FF..., EP... calculou o valor do custo real da obra a realizar (mão-de-obra e material) em 59.932,81€, e acrescentou a esse montante a margem de lucro a pagar à XXXX (no valor de 25.685,49€); o preço base do procedimento que veio a ser lançado pela DGIE foi fixado em 148.000€.” Facto primitivo: art.º 309º da acusação/pronúncia (fls. 5554/6763). Relativamente a este facto foi alterado o valor que foi lançado pela DGIE, de 138.000,00 para 148.000,00, valor este a provar pelo documento comprovativo do lançamento do procedimento e respectivo preço base.
5– v)-(Procedimento nº 38/EMP-AD/2012 - L...) Apesar da PAP só ter sido elaborada por LL... em 28/12/2012, em 24/08/2012, o arguido HH... já estava a definir, juntamente com o ...qº HP..., técnico superior da DGIE, os trabalhos que seriam realizados na obra do CDOS de L..., trocando ambos vários e-mails sobre esse assunto. Corresponde ao facto primitivo 353 da acusação/pronúncia apenas lhe tendo sido aditado “técnico superior da DGIE”, facto que não se mostra relevante para efeitos de admissão da prova requerida.
6– vi)-(Procedimento nº 4/EMP-AD/2013 – L...) A XXXX não executou os trabalhos de electricidade e rede de dados previstos nos artigos 4.1.4 a 4.1.7 e 4.2 do mapa de quantidades. Relativamente aos artigos 4.4.3 e 4.4.4 do mesmo mapa, relativos aos detectores ópticos de fumos e às bases de detector, só foram instalados 2 no local e não 14 como referido no mapa de quantidades, situação que provocou um prejuízo directo ao erário público no valor de 17.456,38 €. Facto primitivo: 402 da acusação/pronúncia (fls. 5568/6776) verifica-se que as alterações se resumem á indicação dos números dos pontos dos do mapa de quantidades, tendo-se aditado “Relativamente aos artigos 4.4.3 e 4.4.4 do mesmo mapa, relativos aos detetores óticos de fumos e às bases de detetor, só foram instaladas 2 no local e não 14 como referido no mapa de quantidades”. É igualmente alterado o valor do prejuízo provocado ao erário público, que estava indicado no valor de 18.000,00€ para 17.456,38€. Pelas razões já referidas não se vislumbra do requerimento probatório qualquer utilidade na audição das testemunhas indicadas quer porque os factos já se encontravam na acusação na sua essência. Relativamente aos “detetores óticos de fumos e às bases de detetor, só foram instaladas 2 no local e não 14 como referido no mapa de quantidades” uma vez que no cômputo do prejuízo que aparece como resultante desta actuação global não assume qualquer relevância não se verifica efectivamente razão autónoma para produção de prova sobre o mesmo, pois o valor do prejuízo resultou diminuído a favor do arguido
7– vii)-(Procedimento nº 14/EMP-AD/2013 – L...) Por determinação do arguido FF..., contrariamente aos procedimentos legalmente impostos e com o objectivo de conseguir a obtenção de benefícios financeiros para DD... e II..., não foi o técnico da DGIE que elaborou a PAP a identificar as necessidades de intervenção e os trabalhos que deveriam ser executados no âmbito da empreitada a contratar, o respectivo valor base, nem as empresas a convidar. Facto primitivo – art.º 417 da acusação/pronúncia, verificando-se que no facto alterado pelo tribunal a quo foram suprimidas as expressões “ e com o objectivo de inflacionar o custo dos trabalhos a realizar” e “para si” tendo-se adicionado em vez desta o nome do arguido II....
8– O facto comunicado e constante de viii) corresponde ao 474 e não tem qualquer alteração.
9– 8 – O facto comunicado e constante de ix) corresponde ao 475 e não tem qualquer alteração.
10– o facto constante de x) x)(Procedimento nº 30/EMP-AD/2012 – V...) Verificou-se, no entanto, que foram colocadas iluminárias e blocos autónomos de iluminação de emergência que não se encontravam previstos no mapa de quantidades, facturados por conta da UPS não instalada.
Corresponde ao facto 761 da acusação/pronúncia, revelando-se uma alteração favorável aos arguidos, não carecendo tal facto de prova suplementar.
11– xi)-(Procedimento nº 27/EMP – AD 2013 - F...) Os preços indicados na proposta da WWWW encontravam-se inflacionados, designadamente: a)-os trabalhos previstos nos artigos 3.1 (pintura de portas interiores) e 3.2 (pintura de portas exteriores) registavam um preço por m2 de 411,74€ e 623,54€, podendo-se encontrar este tipo de trabalhos no mercado por metade daqueles valores; b)-o trabalho previsto no artigo 3.3 (pavimento flutuante) regista um preço de 42,42€ por m2, €, podendo-se encontrar este tipo de trabalhos no mercado por 20€ m2; c)-o trabalho previsto no artigo 3.10 (portão de garagem) regista um preço de 5.514,29€, superior aos €3.000,00 existentes no mercado; d)-o trabalho previsto no artigo 3.12 (cobertura em policarbonato alveolar) com um preço de 6.023,30€ correspondendo assim, face à área de 12m2 medida, a um preço por m2 de aproximadamente 500,00€; no mercado é praticado o preço de40,00€/m2; e)-o trabalho previsto no artigo 3.13 considerava a instalação de uma porta de vidro de correr automática pelo preço unitário de 5.938,46€; foi, no entanto, colocada uma porta de vidro de abrir manual, com um preço de mercado na ordem dos 800,00€. O que causou um prejuízo directo ao erário público não inferior a 21.378,98€. Este facto corresponde ao art.º 1138 da acusação/pronúncia com a diferença que foi eliminada o adjectivo bastante (“bastante inflacionados”).
12– xii)e xiii) (Procedimento nº 34/EMP – AD 2013) Nos trabalhos a realizar estava incluído o fornecimento e colocação de revestimento cerâmico (artigo 5.1.), com o preço unitário de 41.561,63€. Porém, este fornecimento foi substituído pela colocação de pavimento flutuante e polimento e envernizamento do pavimento em mosaico hidráulico existente, cujo preço por m2 ronda os 20€, o que, considerando que a área de pavimento é de cerca de 180 m2, causou um prejuízo directo ao erário público não inferior a 37.961,63€. Este facto corresponde ao facto 1371 encontrando-se o facto essencial parcialmente na acusação, tendo-se incluído neste artigo o tipo de revestimento que foi colocado e respectivo preço. Constitui uma especificação do que já constava da acusação sem necessidade de exercício autónomo e específico de contraditório. 13– xiv)-(Procedimento nº 36/FBM – AD 2013) O preço unitário cobrado pela empresa ZZZZ &F.,SA pelos dois lavatórios foi de 1056,24€, quando no mercado a média do valor se situa nos 150 € a unidade, o causou um prejuízo directo para o erário público não inferior a 756,24€. Este facto especifica quais os materiais fornecidos com preço inflacionado relativamente ao preço de mercado, não constando no facto originário, descrito sob o art.º 1390.º da acusação/pronúncia a referência aos lavatórios. O artigo anterior era genérico.
14–xv)-(Procedimento nº 31/EMP-AD/2013) A SSSS subcontratou a empresa VVVV,LDA para realizar parte dos trabalhos previstos na empreitada, a qual facturou 16.694,22 €. Neste facto verifica-se a introdução do valor facturado, o qual não constava no facto primitivo correspondente – 1473.º 15–xvi)-À data da adjudicação do Procedimento nº 2/PRJ-AD/2012 a DGIE tinha recursos internos próprios com capacidade para elaborar o projecto de arquitectura e especialidades para a remodelação de duas casernas do Comando Territorial da GNR de A..., pelo que a sua adjudicação a uma entidade externa causou um prejuízo ao erário público de 27.121,50€. Na descrição constante de xvi verifica-se um aumento do valor do prejuízo causado ao erário público relativamente ao que constava da pronúncia e da acusação que era de €24.500,00. 16–xvii)-À data da adjudicação do Procedimento nº 14/AQS-AD/2012 a DGIE tinha recursos internos próprios com capacidade para elaborar o levantamento do edifício da PSP de R... P...,pelo que a sua adjudicação a uma entidade externa causou um prejuízo ao erário público de 16.000€. Este facto é totalmente novo como se verifica da análise da descrição de BH Procedimento n.º 14/AQS-AD/2912 (PAP n.º 70/2012) art.ºs 1562 a 1576. 17–xviii)-À data da adjudicação do Procedimento nº 8/PRJ-AD/2012 a DGIE tinha recursos internos próprios com capacidade para elaborar os projectos de arquitectura/especialidades do edifício da PSP de R... P... (com excepção da especialidade de AVAC), pelo que a sua adjudicação a uma entidade externa causou um prejuízo ao erário público não inferior a 64.000 €. Neste facto altera-se o valor de 34.000,00 para 64.000,00, cfr. art.º 1590 da acusação/pronúncia. 18– xix)-À data da adjudicação do Procedimento nº 6/AQS-AD/2012 a DGIE tinha recursos internos próprios com capacidade para realizar o levantamento do edifico da antiga fábrica da KKKK, pelo que a sua adjudicação a uma entidade externa causou um prejuízo ao erário público de 30.073,50€. Este facto é novo relativamente aos que constava da acusação pública/pronúncia, como se vê da análise do que a propósito do Procedimento n.º 6/AQS-AD/2012 (PAP n.º 15/2012) se escreveu nos art.ºs 1591 a 1605. 19–xx)-À data da adjudicação do Procedimento nº 9/PRJ-AD/2012 a DGIE tinha recursos internos próprios com capacidade para elaborar os projectos de execução das várias especialidades para a Divisão daPSP de S... (com excepção da especialidade de AVAC), pelo que a sua adjudicação a uma entidade externa causou um prejuízo ao erário público de 52.170,45€. A alteração introduzida neste facto corresponde a um aumento do valor do prejuízo. Na primitiva redação (art.º 1606 a 1618) constava a referência a um prejuízo de €30.000,00 tendo na nova redação sido alterado para 52.170,45. 20–xxi)-À data da adjudicação do Procedimento nº 10/AQS-AD/2012 a DGIE tinha recursos internos próprios com capacidade para elaborar o levantamento para aPSP de C...), pelo que a sua adjudicação a uma entidade externa causou um prejuízo ao erário público de 7.380€. Este facto é novo relativamente aos que constava da acusação pública/pronúncia, como se vê da análise do que a propósito do Procedimento n.º 10/AQS-AD/2012 (PAP n.º 47/2012) se escreveu nos art.ºs 1619 a 1630. 21–xxii)-À data da adjudicação do Procedimento nº 2/PRJ-AD/2013 a DGIE tinha recursos internos próprios com capacidade para elaborar os projectos de execução das várias especialidades para a Divisão da PSP de C... (com excepção da especialidade de AVAC), pelo que a sua adjudicação a uma entidade externa causou um prejuízo ao erário público não inferior a 8.900 €. Este artigo é igual ao primitivo 1645.º. 22–xxiii)-À data da adjudicação do Procedimento nº 9/PRJ-AD/2012 a DGIE tinha recursos internos próprios com capacidade para elaborar os projectos de execução para o edifício da 2ª Divisão da PSP do Carv..., pelo que a sua adjudicação a uma entidade externa causou um prejuízo ao erário público de 27.655€ Este facto deve respeitar ao procedimento 1/PRJ-AD/2012 (PAP n.º 37/2013 relativo ao edifício da 2º Divisão da PSP do Carv..., o indicado nº9 PRJ-AD/2012 não respeita a PSP do Carv.... O conteúdo deste facto afigura-se-nos novo relativamente ao que consta da acusação/pronúncia como se vê da leitura dos art.sº 1646 a 1656. 23– xxiv)-Em data anterior ao dia 19.03.2014 mas posterior ao dia 11.02.2014, com o intuito de conseguir o pagamento dessa factura pela DGIE, apesar de já não exercer as funções de Director-Geral da DGIE e de saber que o objecto do contrato não havia sido prestado, de modo não exactamente apurado o arguido FF..., ou terceiro com o seu conhecimento e concordância, manuscreveu a expressão “Já recebido em mão própria”, a data de 11.02.2014, referente ao dia da sua exoneração e assinou. Neste artigo foi aditada “ou terceiro com o seu conhecimento e concordância”, expressão essa que altera a abrangência da actuação e por conseguinte altera o que consta da acusação. 24– xxv)-No dia 19.03.2014, a arguida GG..., que ainda exercia funções como responsável pelo Departamento Jurídico da DGIE, com conhecimento de que o objecto do contrato não havia sido prestado e que a menção e data manuscrita por FF..., ou terceiro com o seu conhecimento e concordância, não correspondia à verdade e com o intuito de conseguir o pagamento da factura pela DGIE, diligenciou pela entrega desse documento na DSIP da DGIE, para validação. Neste artigo igualmente foi aditada “ou terceiro com o seu conhecimento e concordância”, expressão essa que altera a abrangência da actuação e por conseguinte altera o que consta da acusação. 25– xxvi)-O arguido FF... sabia que ao ser manuscrita na factura emitida pela RRRR,Lda. a menção “Já recebido em mão própria” e a data de 11.02.2014, que criava no espírito de todos e designadamente nos colaboradores dos serviços da DGIE responsáveis pela aprovação e pagamento do montante titulado pela mesma, que o serviço para cujo pagamento havia sido emitida fora prestado e entregue no dia 11.02.2014, data em que ainda exercia o cargo de Director-Geral desse organismo, o que sabia não corresponder à verdade. Neste artigo introduziu-se a expressão “ao ser manuscrita”, a qual devendo ser interpretada em conjugação com o que se alterou em xxiv e xxv altera a abrangência da atuação e consequentemente constitui uma alteração do que consta da acusação. 26– xxvii)-A arguida GG... sabia que a menção “Já recebido em mão própria” e a data de 11.02.2014, havia sido manuscrita por FF..., ou por terceiro com o seu conhecimento e concordância, em data posterior a essa data e que não correspondia à verdade. Neste artigo introduziu-se a expressão “ou por terceiro com o seu conhecimento e concordância”, a qual devendo ser interpretada em conjugação com o que se alterou em xxiv e xxv igualmente altera a abrangência da atuação e consequentemente constitui uma alteração do que consta da acusação.
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Estabelece o art.º Artigo 358.º, Alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia:
“1- Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
2- Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.
3- O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.”
Analisando o preceito legal transcrito, podemos concluir que a alteração prevista neste artigo (i) só se verifica se ela for relevante para a decisão, (ii) tem que ser de molde a criar necessidade de alegar e/ou provar algo que não tenha previsto e alegado/organizado defesa.
Verificando-se estes pressupostos, é direito do arguido preparar a sua defesa em conformidade. Preparar a defesa não se esgota na oportunidade de escrever ou dar a conhecer ao tribunal a sua versão sobre a alteração que foi comunicada. Implica mais do que isso, implica o direito a exercer o direito ao contraditório pleno e neste inclui-se o direito a apresentar prova, se assim o entender.
Para efeitos de alteração e da relevância a que se aludiu importam todos os factos com utilidade para averiguar da existência ou inexistência do crime, da punibilidade ou não punibilidade do arguido e determinação da medida da pena a aplicar sendo igualmente importantes, se houver pedido cível, os factos necessários à determinação da responsabilidade civil.
Assim, e porque todos estes factos têm que ser apurados através das provas produzidas e contraditadas em audiência[11], audiência que decorre necessariamente sujeita ao princípio do contraditório, como o determina, com aplicabilidade directa, o art.º 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP), ao arguido tem que ser dada a oportunidade de não só se pronunciar mas também de apresentar os meios de prova que em seu entender são necessários à prova dos factos (neste caso dos factos aditados ou alterados nos termos do art.º 358.º do CPP), assegurando-se desse modo, também, o exercício do direito a um processo justo e equitativo[12] (art.º 20.º, n.º 4 da CRP).
Como escreveu Henriques Gaspar no Ac. do STJ, Proc. 07P3630, de 07-11-2007, disponível in www.dgsi.pt “A densificação do princípio deve, igualmente, relevante contributo à jurisprudência do TEDH, que tem considerado o contraditório um elemento integrante do princípio do processo equitativo, inscrito como direito fundamental no art. 6.º, § 1.º da CEDH. (…) Na construção convencional, o contraditório, colocado como integrante e central nos direitos do acusado (apreciação contraditória de uma acusação dirigida contra um indivíduo), tem sido interpretado como exigência de equidade, no sentido em que ao acusado deve ser proporcionada a possibilidade de expor a sua posição e de apresentar e produzir as provas em condições que lhe não coloquem dificuldades ou desvantagens em relação à acusação.”
E no Ac. da Relação de Coimbra, Relator Jorge Raposo, Proc. 63/07.8SAGRD.C 17-03-2009, disponível in www.dgsi.pt “Nenhuma prova deve ser aceite em audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar”.
No entender do Tribunal a quo, vertido no despacho recorrido, “O requerimento do arguido surge como forma de reacção às alterações que lhe foram comunicadas, pelo que, a inquirição das cinco testemunhas terá de estar necessariamente relacionada com essas modificações. Ora, as alterações comunicadas relativamente à intervenção do arguido FF... na identificação dos trabalhos a executar em cada local e na indicação dos elementos técnicos que viriam a ser incluídos nas Propostas de Abertura de Procedimento (PAP) foram de pormenor e, na sua essência, tratam de matéria que já constava da acusação/pronúncia. Com efeito, não se vislumbra em que medida a inquirição das testemunhas que, refere o arguido, terem sido os interlocutores das forças de segurança, designadamente, o ...q.º HP... (da ANPC), o ...q.º JR... (da PSP), o Cor... G... (do SEF) e o ...q.º Carlos... (do SEF), se mostra relevante para o apuramento do valor do custo real das obras, para o cálculo das margens de lucro da XXXX e das margens de venda (matéria factual alterada). Porque, na verdade, a matéria contrariada pelos artºs 27º a 34º do requerimento e, ainda, pelos artºs 124º a 132º, já integrava a acusação/pronúncia, sendo que o arguido não requereu a inquirição dessas testemunhas em audiência de julgamento. É, pois, notório que estas testemunhas nada poderão esclarecer quanto à factualidade objecto das alterações comunicadas.”
Contudo, como se vê da análise que se realizou dos factos alterados e comunicados pelo Tribunal a quo, as alterações à matéria de facto foram além do que foi considerado no despacho recorrido. Ou seja, não foram apenas introduzidas alterações de pormenor ou concretizações do que já se encontrava na pronúncia. Se é um facto que alterações houve, acima devidamente identificadas uma a uma, que foram de pormenor, outras já assim se não podem considerar, integrando algumas dessas alterações factos inteiramente novos.
Aceita-se a avaliação realizada pelo tribunal a quo incidente sobre a ausência de conhecimento das testemunhas no que respeita aos negócios e margens de lucro das empresas envolvidas, neste caso, a XXXX, até porque esse modus operandi já vem descrito na acusação pública; Mas já poderá não ser irrelevante para a compreensão do valor da obra e do prejuízo ou não provocado ao erário público,o conhecimento que as 4 primeiras testemunhas indicadas poderão ter das necessidades de adaptação dos edifícios às funções a que se destinavam, atentas as funções que tais pessoas exerciam – interlocutores das forças de segurança indicadas a fls. 12105 v, especialmente no que respeita aos factos que se mostram novos relativamente ao que constava da pronúncia.
Apurar do conhecimento e relevância do depoimento implica ouvir a testemunha, apurar o que sabe e qual a sua razão de ciência e após ponderar e avaliar o depoimento em conjugação com a demais prova produzida, como aliás o tribunal a quo realizou no que respeita a toda a prova produzida até então.
Relativamente à audição da testemunha indicada em 5, MS..., tendo em conta o que consta do requerimento sobre o qual incidiu o despacho recorrido e o que se alega nas motivações de recurso e nas conclusões 12 a 16 é de manter a decisão recorrida dado que o que o arguido afinal pretende provar, como alega expressamente, relacionado com o “tipo e valor dos procedimentos lançados” (conclusão 15) respeita à introdução constante de (ii) do despacho recorrido o qual tem a seguinte redação: Em consequência da atuação descrita os contratos relativos às obras e fornecimento de equipamento relativos à adaptação das antigas instalações dos Governos Civis situaram-se perto do limite máximo do procedimento de ajuste direto, respetivamente, no valor de €150.000,00 e €75.000,00.
Sendo a redação anterior a seguinte: “Em consequência da atuação descrita e em oposição ao que é usual nos casos em que a livre concorrência é acautelada através da utilização dos procedimentos de adjudicação legalmente adequados, os contratos relativos às obras e fornecimento de equipamento relativos à adaptação das antigas instalações dos Governos Civis situaram-se, sem exceção, no limite máximo do procedimento de ajuste direto, respetivamente, no valor de €150.000,00 e €75.000,00.
Ou seja: a alteração introduzida é de pequena importância sendo até mais favorável em termos de modus operandi, não se podendo concluir que a necessidade de defesa resultou da alteração introduzida. O facto essencial já constava da acusação e da pronúncia.
Como bem nota o arguido alegação e prova são faces de uma mesma moeda, mas nesta fase processual quer a alegação quer a prova apenas devem incidir sobre os factos alterados ou aditados pelo tribunal a quo e passarem pelo crivo que se enunciou supra: ou seja os mesmos têm que criar necessidade de alegação e prova por parte do arguido, significando que terão que ser diferentes ou agravar qualquer dos factos relevantes para que o tribunal apure da existência do facto ilicitude, culpa e elementos a ponderar em termos de determinação da pena a aplicar. Ora, o facto que se comunicou porque se compreende no pre-existente não é susceptível de criar agora qualquer necessidade de apresentar defesa concretizada em produção de prova. A existir essa necessidade ela nasceu com o facto primitivo.
O mesmo já se não pode dizer no que respeita aos factos que constam da nossa numeração 16, 17, 18, 19, 20, 22, 23, 24, 25 e 26. Na verdade, as alterações constantes destes pontos porque traduzem factos novos ou uma maior possibilidade de abranger o arguido na prática do facto (como sucede com os que constam de 23 a 26) constituem factos relativamente aos quais não era exigível que o arguido pudesse contar com os mesmos e dessa forma pudesse organizar a sua defesa e apresentar prova em conformidade.
A possibilidade de apresentar e poder produzir prova sobre os mesmos afigura-se-nos como essencial ao cabal cumprimento e exercício do direito ao contraditório, princípio estruturante do nosso direito processual penal e integrador do direito a um processo justo e equitativo.
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Face a todo o exposto determina-se:
– Que os autos voltem á primeira instância para que aí seja reaberta a audiência e ouvidas as testemunhas 1 a 4 indicadas a fls. 12105 v. aos pontos 15, 16, 17, 18, 19, 20, 22, 23, 24, 25 e 26 deste despacho e elaborada nova decisão em conformidade com a prova que venha a ser produzida.
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* Termos em que se decide:
1– Julgar não provido o recurso identificado como 1 supra intentado pelo arguido FF... sobre o despacho que conheceu da invocada nulidade da nomeação de peritos.
- Custas pelo arguido fixando-se em 4 UC a taxa de justiça;
2– Julgar não provido o recurso identificado como 2 supra intentado pelo Ministério Público;
- Sem custas
3– Julgar não provido o recurso identificado como 3 supra intentado pelo arguido FF... sobre o despacho que indeferiu a produção de prova ao abrigo do disposto no art.º 340.º do CPP.
- Custas pelo arguido fixando-se em 3 UC a taxa de justiça.
4– Julgar provido o recurso identificado em 4 supra determinando-se que os autos voltem á primeira instância para que aí seja reaberta a audiência e ouvidas as testemunhas 1 a 4 indicadas a fls. 12105 v. aos pontos 15, 16, 17, 18, 19, 20, 22, 23, 24, 25 e 26 deste despacho e elaborada nova decisão em conformidade com a prova que venha a ser produzida.
- Sem custas.
- Notifique-se.
Lisboa, 6 de fevereiro de 2019
(Maria Perquilhas) – Processado e revisto pela relatora, a primeira signatária, que assina a final (artº 94º, nº 2 do CPP).
(Rui Miguel Teixeira)
[1]A redacção deste normativo era a seguinte “Artigo 154.º, Despacho que ordena a perícia
1- A perícia é ordenada, oficiosamente ou a requerimento, por despacho da autoridade judiciária, contendo o nome dos peritos e a indicação sumária do objecto da perícia, bem como, precedendo audição dos peritos, se possível, a indicação do dia, hora e local em que se efectivará.” Apesar do artigo 152.º não ter sofrido alterações, ou seja tem a mesma redacção. [2]Donde se conclui sem qualquer dificuldade que o desenvolvimento do trabalho científico implica a realização de trabalhos. [3]Sublinhado nosso. [4]Confirmado pelo MP no seu recurso, pois afirma que “Sem prejuízo de algumas de tais contradições terem sido por nós suscitadas em sede de instância em julgamento, mantemos interesse na requerida reprodução na íntegra, para efeitos da sua valoração como prova, por ser legalmente admissível e porque entendemos que só a reprodução na íntegra permite uma adequada contextualização das próprias declarações, as quais, desgarradas, poderão não ser devidamente valoradas e entendidas”. [5]Sublinhado nosso. [6]Veja-se a doutrina do Ac. de Fixação de Jurisprudência de 11-10-2017, Proc. 895/14.0PGLRS.L1.S1, in www.dgsi.pt, a propósito da leitura das declarações para memória futura, aplicável analogicamente e por maioria de razão à questão em análise. [7]V. Fernando Gama Lobo, pag. 496, Código de Processo Penal Anotado, Almedina; [8]Sobre o princípio do contraditório V. Ac. Fixação de Fixação de Jurisprudência de 11-10-2017, Proc. 895/14.0PGLRS.L1.S1, in www.dgsi.pt. [9]Numeração desta decisão. [10]Numeração utilizada no despacho recorrido. [11]Com excepção das que sendo produzidas em momentos diferentes do processo podem ser valoradas sem que tenham que ser produzidas ou contraditadas em audiência, declarações do arguido prestadas nos termos do art,º 141.º, n.º 4 al. b), declarações para memória futura, documentos, perícias, etc. [12]O direito de a um processo equitativo (Art.º 20, n.º 4 da CRP) significa, desde logo, que o mesmo deve desenvolver-se de harmonia e ter como fim princípios materiais da justiça. Estes princípios materiais de justiça só serão alcançados e o processo justo e equitativo se for garantido o direito a uma jurisdição que a todos seja acessível, quer em termos de oportunidade de se fazer ouvir, prestando declarações ou apresentando provas, quer em termos de custos. Este direito alcança-se directa e conjugadamente através da garantia do direito à igualdade de armas, direito de defesa, princípio do contraditório (art.º 32.º, n.º 5 da CRP) e indirectamente através do direito a prazos razoáveis de acção ou de recurso, proibindo-se prazos de caducidade insuficientes do direito de acção ou de recurso; o direito à fundamentação das decisões; o direito à decisão em tempo útil; o direito ao conhecimento dos dados processuais; o direito à prova dos factos alegados; o direito a um processo orientado para a justiça material no qual não se permite a preterição do direito materialmente garantido devido a aspectos formais do processo e ainda o direito à publicidade das decisões, aliado que está à transparência que deve imperar na actividade judicial a justeza
das suas decisões.