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DEFENSOR OFICIOSO
HONORÁRIOS
DESPESAS
Sumário
O valor pago ao defensor oficioso a título de honorários não cobre o valor das despesas por ele efectuadas em deslocações ao tribunal para consulta do processo, em fotocópias de peças do processo, no registo de carta enviada ao arguido e na abertura de dossier.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.
I
1. B………., na qualidade de defensora oficiosa nomeada nos autos de processo comum singular que correm termos no .º Juízo Criminal do Porto com o nº …/04.9SLPRT, recorreu para esta Relação do despacho do Sr. Juiz certificado a fls. 25, de 11-01-2007, que lhe indeferiu o pagamento das despesas relacionadas na nota certificada a fls. 21, somando € 14.95, que a ora recorrente apresentou naqueles autos como tendo sido realizadas no exercício daquela função de defensora oficiosa.
Nas conclusões que a recorrente extraiu da extensa motivação que desenvolveu, defende que:
a) todas as despesas relacionadas resultaram de diligências necessárias ao desempenho do patrocínio oficioso para que fora nomeada e estão devidamente justificadas e comprovadas;
b) tais despesas não estão abrangidas pelos honorários que também lhe eram devidos e lhe foram efectivamente fixados, e, por isso, devem ser pagas à parte, acrescendo à quantia que lhe foi atribuída a título de honorários;
c) ao indeferir o pagamento dessas despesas, o despacho recorrido violou o disposto nos arts. 39.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, 8.º, n.ºs 1 e 2, da Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro, e 32.º, n.º 1, al. e), e 89.º, n.º 1, als. a) e b), do Código das Custas Judiciais.
E pretende que se revogue o despacho recorrido e se ordene a sua substituição por outro que, acolhendo as razões de facto e de direito invocadas pela recorrente, determine o pagamento das despesas que apresentou, na quantia global de € 14,95.
2. A Ex.ma magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu à motivação do recurso, pronunciando-se no sentido de que “as despesas ora reclamadas já estão englobadas nos honorários atribuídos de acordo com a tabela e não se mostram adequadas atento o trabalho desenvolvido e intervenção processual da recorrente no âmbito dos presentes autos, sob pena de duplicação de remuneração da recorrente”, e concluindo que o recurso deve ser julgado improcedente.
3. O Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação apôs o visto.
Os autos foram a visto dos Ex.mos Juízes adjuntos e, após, foram presentes à conferência para decisão.
II
4. A única questão suscitada e contida nas conclusões do recurso consiste em apreciar se a recorrente, pelo desempenho temporário das funções de defensora oficiosa do arguido, tem direito a receber, para além da quantia que já lhe foi paga a título de honorários, a soma das despesas constantes da nota que apresentou e que diz ter realizado no desempenho de tais funções, no total de € 14,95.
Com interesse para a apreciação da enunciada questão, os autos revelam a seguinte factualidade:
1) A ora recorrente foi nomeada defensora oficiosa do arguido em 08-03-2006, no despacho de acusação proferido pelo Ministério Público (tal como a própria refere na motivação do recurso).
2) Foi declarada a cessação dessas funções no despacho judicial que recebeu a acusação e designou data para o julgamento, certificado a fls. 20, com o fundamento de que “o arguido constitui mandatário”.
3) Na sequência desse despacho, a ora recorrente dirigiu ao Ex.mo Sr. Juiz do processo o requerimento certificado a fls. 21, em que requer “a fixação de honorários devidos bem como o reembolso das despesas que se apresentam”, com a seguinte descrição: Abertura de dossier ― € 2,00; Deslocações ao DIAP do Porto em 21 e 23/03/2006, para consulta do processo ― € 4,00; Fotocópias ― € 7,40; Correio registado ― € 1,55; Total ― € 14,95.
4) Para prova das despesas relativas às fotocópias e ao correio registado juntou 3 documentos, que estão certificados a fls. 22, 23, e 24.
5) Sobre esse requerimento, o Sr. Juiz proferiu o seguinte despacho, certificado a fls. 25:
«O (A) ilustre defensor (a) do arguido (a) veio a folhas 121 requerer o pagamento dos seus honorários e das suas despesas.
Quanto aos honorários, atenta a actividade desenvolvida pela requerente, fixo os mesmos em 5 UR, a pagar nos termos da respectiva tabela.
Quanto às despesas.
O tribunal perfilha integralmente o entendimento vertido no Acórdão do tribunal da Relação de Guimarães de 24 de Março de 2003, (publicado na CJ, ano XXVIII, tomo 11) segundo o qual, não se incluem nas despesas de que os defensores têm direito a ser reembolsados, «... as que forem feitas com deslocações aos tribunais, entidades policiais ou estabelecimentos prisionais, nem com a obtenção de cópias do processo ou com gastos de material de escritório e telefonemas, pois, destinando-se todas elas à organização da defesa, incluem-se nos honorários».
No mesmo sentido o Acórdão do STJ de 26/06/1996, (BMJ 459/421) e o Acórdão do tribunal da Relação de Coimbra de 17 de Março de 2004, (publicado na CJ, ano XXVIX, tomo 11).
Assim sendo e atentas as despesas alegadas pelo (a) requerente, decido indeferir o seu pagamento por as mesmas se incluírem nos honorários agora atribuídos.
Diligências necessárias.»
6) Em cumprimento deste despacho, foram liquidados os honorários a pagar à Ex.ma defensora no montante de € 80,00, conforme consta da nota de honorários a fls. 26
7) Entre o momento em que foi nomeada e o momento em que cessou as funções de defensora do arguido, o único acto que consta dos autos como tendo sido realizado no exercício das referidas funções é constituído pelo requerimento certificado a fls. 39, em que requereu a entrega de cópias de peças do processo “a fim de melhor preparar a defesa do arguido”, cópias que lhe foram entregues em 23-03-2006, pelas quais pagou a quantia de € 7,40, supra referida em 3) e a que alude o documento certificado a fls. 22.
5. Cremos não se exigir grandes desenvolvimentos teóricos, de cariz doutrinário ou jurisprudencial, para se constatar que, pese embora, formalmente, assistir alguma razão legal à posição da recorrente, basta um pouco de razoabilidade e bom senso para se concluir que, substancialmente, não lhe assiste a menor razão, tendo em conta a nula actividade processual desenvolvida e a elevada quantia que, em nossa opinião, indevidamente lhe foi paga a título de honorários (€ 80,00). De modo que a interposição deste recurso, pelo insignificante valor em causa e, pior do que isso, pela quantia em excesso já recebida pela recorrente a título de honorários, ultrapassando de longe a soma das despesas realizadas, é de uma ousadia lamentável e confirma dois dos aspectos mais negativos sobre a utilização deturpada e inadequada do direito de acesso aos tribunais: como fonte de negócio e como manipulação ou subversão dos mecanismos legais e processuais, como são os casos do apoio judiciário e do recurso.
Do ponto de vista formal, a lei confere ao defensor oficioso o direito “a uma adequada remuneração” pela assistência que preste ao arguido no âmbito do apoio judiciário e ao “reembolso das despesas realizadas” com o exercício dessa função.
É neste sentido que dispõe o n.º 2 do art. 3.º da Lei n.º 34/2004, de 29/07: “O Estado garante uma adequada remuneração bem como o reembolso das despesas realizadas aos profissionais forenses que intervierem no sistema de acesso ao direito e aos tribunais, em termos a regular por portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça”.
A portaria para que remete este preceito legal é a publicada com o n.º 1386/2004, de 10/11, em cujo art. 8.º se dispõe: “1− Para efeito de reembolso de despesas pelos serviços prestados, nos termos do artigo 41.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, ― que se refere ao serviço de escalas ― o advogado, advogado estagiário ou solicitador apresenta nota de despesas realizadas seguidamente ao acto ou diligência para que foi nomeado. 2− Nos restantes casos, o advogado, advogado estagiário ou solicitador deve apresentar a nota de despesas no prazo de cinco dias contados da decisão que seja proferida no processo”.
Por sua vez, o n.º 2 do art. 39.º da Lei n.º 34/2004 prescreve a possibilidade “de responsabilizar o arguido pelo pagamento dos honorários do defensor, bem como das despesas em que este incorrer com a sua defesa”. Realçando, portanto, a distinção entre o pagamento devido ao defensor a título de honorários e de despesas.
Já assim estava previsto nas anteriores leis do apoio judiciário, designadamente na Lei n.º 30-E/2000, de 20/12, dispondo no n.º 1 do art. 48.º que “os advogados, os advogados estagiários e os solicitadores têm direito, em qualquer caso de apoio judiciário, a receber honorários pelos serviços prestados, assim como a ser reembolsados das despesas realizadas que devidamente comprovem”.
Aliás, o despacho recorrido não nega ou recusa esta dupla vertente do direito do defensor oficioso, reconhecendo-o implicitamente. Considera é que as despesas relacionadas pela ora recorrente já se contêm na remuneração fixada a título de honorários e não devem ser pagas em separado. O que nos reconduz à questão mais concreta de precisar e preencher aqueles dois conceitos − honorários e despesas − de modo a esclarecer o que se deve considerar abrangido num e noutro.
Neste âmbito, há que recorrer às normas relativas ao regime financeira do apoio judiciário, constantes do capítulo II do Decreto-Lei n.º 391/88, de 26/10, que se mantêm em vigor (o art. 56.º da Lei n.º 30-E/2000, de 20/12, apenas revogou algumas disposições do capítulo I ― os arts. 2.º, 4.º, 5.º e 6.º ― deixando intocáveis as normas do capítulo II, que são as que aqui importa referir; e a Lei n.º 34/2004 não contém qualquer norma revogatória de qualquer disposição legal do referido diploma, que, assim, foi mantido em vigor quanto àquelas normas legais).
Ora, no que respeita aos quantitativos a pagar a título de honorários, o n.º 2 do art. 12.º daquele decreto-lei dispõe que: “Os valores previstos na tabela anexa incluem incidentes e procedimentos cautelares, meios processuais acessórios, pedidos de suspensão da eficácia do acto, consulta de documentos, passagem de certidões e quaisquer outras diligências ou actos que hajam de ter lugar no âmbito ou por causa dos processos correspondentes”. Abrangendo, pois, toda a actividade intelectual e material desenvolvida e todo o tempo gasto com a assistência prestada no âmbito do apoio judiciário.
No que respeita ao conceito de despesas, o art. 11.º do mesmo decreto-lei, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 231/99, de 24/06, refere-se ao reembolso das despesas “que se revelem justificadas por eles realizadas, devidamente discriminadas e comprovadas, ou ainda outras despesas adequadas embora não documentadas”. O que quer dizer que se hão-de tratar de quantias pagas pelo defensor com a actividade desenvolvida no âmbito do apoio judiciário, que a realização dessas despesas se revelem “justificadas”, e, portanto, sejam necessárias ao correcto desempenho da função, e que estejam “comprovadas” ou se mostrem “adequadas” em termos de razoabilidade.
É este, no essencial, o conceito que vem sendo seguido na jurisprudência, de que são exemplo os acórdãos citados pela recorrente e, particularmente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-09-1996, publicado na C.J./acs. do STJ/ano IV/tomo III/p. 141, e também disponível em www.dgsi.pt/jstj.nsf/, proc. n.º 96P424) e os acórdãos desta Relação de 28-10-2004 e de 19-07-2006, ambos disponíveis em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/, procs. n.º 0435299 e 0513963, respectivamente.
O primeiro considerou que quando a lei fala em despesas quer referir-se a “dinheiro gasto em actos materiais directamente relacionados com o dito patrocínio” e, por isso, o defensor oficioso “não pode arrolar como despesas actos de puro patrocínio judiciário (v.g. requerimentos, contestação, estudo do processo para julgamento), os quais são remunerados, mediante honorários”.
O segundo considerou que “os honorários devidos a patrono nomeado não incluem as despesas que ele reclama a título de deslocações ao tribunal, fax, registos e fotocópias, pelo que as mesmas devem ser pagas à parte, desde que adequadas e normais”.
E o terceiro considerou que os defensores oficiosos são remunerados com uma quantia a título de honorários, que compreende o montante fixado na lei, e são ainda reembolsados das despesas realizadas, desde que devidamente comprovadas, aceitando como constituindo despesas reembolsáveis as realizadas com “papel e comunicações ... por se mostrarem normais e adequadas ao trabalho desenvolvido”.
Transpondo estes conceitos para o caso concreto da recorrente, não custa aceitar como normais e adequados ao desempenho da função os gastos que relacionou com uma deslocação ao DIAP do Porto para consultar o processo (€ 2,00), com as fotocópias que pediu de peças do processo (€ 7,40), com o registo da carta que enviou ao arguido (€ 1,55) e com a abertura de dossier (€ 2,00). Já custa aceitar como justificável, e também não se mostra justificada, uma segunda deslocação ao DIAP, logo dois dias depois da primeira, para consultar o mesmo processo.
O que quer dizer que pelo menos aquelas primeiras despesas que a recorrente relacionou, no total € 12,95, são reembolsáveis à parte a remuneração que lhe fosse devida a título de honorários.
Sucede que, em nossa opinião, nenhuma remuneração era devida à recorrente a título de honorários. Pela simples razão de que não consta dos autos que tenha praticado ou tenha intervindo em algum acto ou diligência processual. E a lei só atribui a fixação de honorários mediante a “intervenção ocasional em acto ou diligência isolada do processo, designadamente em diligências deprecadas”. Como refere o n.º 6 da tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10/11, e a nota n.º 2 à mesma tabela.
Aliás, o arguido constituiu mandatário judicial logo que foi notificado da acusação, pelo que nenhum acto processual existiu que devesse ou pudesse ser praticado pela defensora oficiosa. O que quer dizer que qualquer diligência que tenha realizado no âmbito desta nomeação foi inútil para o desenvolvimento do processo e a defesa do arguido.
Havia, pois, que ser apenas remunerada dos encargos que teve com essa actividade, ou seja, das despesas que relacionou. Sem mais.
Tendo-lhe sido fixada e paga uma remuneração que absorve e excede largamente aquelas despesas, não pode ser-lhe reconhecido o direito a novo reembolso dessas despesas.
III
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso.
Pelo decaimento, condena-se a recorrente nas custas do recurso, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (arts. 513.º, nº 1, e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e 87.º, n.º 1, al. b), e n.º 3, do Código das Custas Judiciais), sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.
*
Relação do Porto, 03 de Outubro de 2007
António Guerra Banha
Jaime Paulo Tavares Valério
Luís Augusto Teixeira