ALIMENTOS A FILHO MAIOR
RECLAMAÇÃO
LEGITIMIDADE ACTIVA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
LEI INTERPRETATIVA
APLICAÇÃO RETROACTIVA DA LEI
Sumário

1– Para efeitos do disposto no artº 1880º do CC, relativo a alimentos a filhos maiores ou emancipados, face às alterações introduzidas pela Lei 122/2015 passou a entender-se que a pensão de alimentos fixada na menoridade se mantém até à idade de 25 anos.

2– Essas mesmas alterações produzidas pela Lei 122/2015 vieram ainda conferir legitimidade ao progenitor convivente com filho maior para exigir do outro, progenitor inadimplente, as quantias que se vencerem de alimentos fixadas durante a menoridade do filho de ambos, até ele atingir 25 anos de idade.

3– Tendo em consideração as interpretações divergentes que a jurisprudência fazia da norma do artº 1880º do CC, atendendo à intenção expressa pelo legislador, conclui-se que a Lei 122/2015 de 1 de Setembro, que aditou o nº 2 ao artº 1905º do CC é uma lei interpretativa e, como tal, integra-se na lei interpretada e aplica-se retroactivamente.

Texto Integral

Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–Relatório:


1– MCV, divorciada, instaurou Incidente de Incumprimento, nos termos dos artºs 48º e segs do RGPTC, contra JLM, pedindo:
- A condenação do requerido no pagamento do valor de 10 400€ a título de alimentos vencidos e não pagos à filha de ambos, MCLM, acrescidos de juros vencidos e vincendos;
- Seja ordenada a notificação do CNP e da empresa X, para procederem ao desconto mensal nas remunerações auferidas pelo requerido das prestações vencidas acrescidas de juros;
- Seja ordenada a adjudicação mensal através de transferência directa para a conta bancária da requerente do montante de 325€ correspondentes às prestações que se vierem a vencer.

Alegou, em síntese, que por sentença homologatória transitada em julgado, em 02/12/2008 foi fixado o regime das responsabilidades parentais relativo aos menores, filhos da requerente e requerido, M, T, S e MCLM, nos termos do qual, em resumo, o pai suportará integralmente todas as despesas dos menores e pagará ainda mensalmente, a cada um deles, a quantia de 325€, a entregar à mãe até ao dia 8 de cada mês. A filha MCLM atingiu a maioridade em Agosto de 2015; e requerido deixou de pagar pensão de alimentos desde Setembro de 2015, o que totaliza 10 400€. Com a entrada em vigor da Lei 122/2015, de 01/09, o requerido está obrigado a continuar a suportar os alimentos à filha maior até ela atingir a idade de 25 anos.

2– Notificado, o requerido apresentou alegações, nas quais, em síntese, invoca a excepção de caso julgado, excepção de ilegitimidade activa e, impugna parcialmente a factualidade invocada; peticionou ainda a condenação da requerente como litigante de má fé.
Quanto à excepção de caso, invocou que no acórdão proferido no Tribunal da Relação de Lisboa, transitado em julgado, proferido no processo 8063/2007.1TBCSC.1 - apenso aos autos principais de que este incidente é igualmente apenso - e no qual a ora requerente veio requerer a execução da sentença homologatória do Acordo de Regulação das Responsabilidades Parentais, com vista a obter coercivamente o pagamento da quantia de 1 950€ correspondentes à pensão de alimentos não pagos à filha MCLM nos meses de Setembro de 2015 a Fevereiro de 2016, que decidiu manter a sentença da 1ª instância que julgou procedentes os embargos à execução, por entender que com a maioridade da filha cessou a obrigação legal de pagamento da pensão de alimentos a favor dos filhos e que a Lei 122/2015 não é de aplicação retroactiva e distinguiu entre o direito do filho maior e o direito do progenitor convivente. Neste processo repete-se a causa quanto às partes, ao pedido e quanto à causa de pedir.
Invoca a excepção de ilegitimidade da requerente para a acção, porque se limitou a substituir-se à filha e o direito de acção pertence a esta e não à requerente.
Por impugnação, diz que tem continuado a pagar todas as despesas da filha e a entregar-lhe mensalmente 220€; mais impugna que a filha reside apenas com a requerente.

3– Foi proferida decisão que julgou o incidente improcedente.

4– Inconformada a requerente interpôs o presente recurso, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
1– A ora Recorrente, frustrada a execução por alimentos (não recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça dado o valor em causa) intentou Incidente de Incumprimento, consubstanciado no procedimento previsto no artº 48º do RGPTC.
2– A sentença a quo, julgou o incidente de incumprimento improcedente, cujo teor se reproduz:
No Acórdão do TRL proferido a 08.02.2018 (proferido em sede de embargos de executado) e tendo por base a situação concreta dos presentes autos, faz-se distinção entre:
- os direitos do filho maior;
- os direitos do progenitor convivente com o filho maior como titular do direito à contribuição prevista no art. 989, nº 3 do CPC.

O filho maior tem o direito de, havendo alimentos fixados na menoridade, instaurar contra o pai uma ação executiva; não havendo alimentos fixados na menoridade, lançar mão do procedimento previsto nos arts. 5º a 10º do DL nº272/2001.

O progenitor convivente com o filho maior (no caso, a mãe) tem o direito de intentar contra o pai, ora Requerido, ação para a contribuição, por este, nas despesas da filha maior, nos termos previstos no art. 989, nº 3 do CPC (a seguir o regime previsto nos arts. 45 a 47 do RGPTC), nela pedindo a comparticipação nas despesas com o sustento e educação da filha maior apenas desde o momento da instauração dessa ação (cfr. art. 2006 do Código Civil) e, uma vez obtida sentença declarativa de condenação nessa ação, instaurar execução especial por alimentos.

Tendo em consideração o que acima se expôs no que à jurisprudência e doutrina ínsita no referido acórdão do TRL, é manifesta a improcedência do presente incidente de incumprimento instaurado pela mãe da filha maior contra o pai, peticionando que seja verificado o incumprimento, por este, do pagamento da pensão de alimentos fixada na menoridade da filha, maior antes da entrada em vigor da Lei nº 112/2015, pensões de alimentos essas vencidas depois da maioridade da filha.

Não só não é este o meio próprio para a mãe fazer valer o seu direito, como os montantes peticionados são, nesta sede, inexigíveis.

Cumpre, assim, julgar improcedente o presente incidente de incumprimento”.
3– A sentença violou o disposto nos artigos 1880º e 1905º, nº 2 do Código Civil, pelo que é nula, nos termos do art.º 615º nº 1, alínea c) do CPC.
4– Antes da entrada em vigor da Lei nº 122/2015 de 1/09, apesar de já estar prevista (de acordo com o disposto no art. 1880º do C.C.), a extensão da obrigação de alimentos dos pais para além da menoridade dos filhos, com a finalidade de permitir que estes completassem a sua formação profissional e preparassem o seu futuro após a maioridade ou emancipação, esta ação tinha que ser exercida autonomamente pelo filho maior ou emancipado, tendo este o ónus de propor a respetiva ação contra o progenitor obrigado aos alimentos e de alegar e provar os respetivos pressupostos. Ou seja, negava-se legitimidade ativa ao progenitor convivente com o filho maior quanto a eventuais prestações vencidas, a título de alimentos, após a maioridade.
5– Com a entrada em vigor da Lei nº 122/2015 de 1/09, e com a alteração introduzida no nº 2 do artigo 1905º do Código Civil, passou a ser entendimento unânime da jurisprudência “a regra actualmente estabelecida por lei é a de que a pensão fixada em benefício do filho menor mantém-se até que este complete os 25 anos, cabendo deste modo ao progenitor obrigado aos alimentos fixados durante a menoridade o ónus de cessar essa obrigação demonstrando que ocorre uma das três situações elencadas pelo legislador no segundo segmento do preceito em questão: que o filho completou o respectivo processo de educação ou formação profissional; que o interrompeu livremente; que a exigência de alimentos seja irrazoável”(Acórdão da Relação de Évora de 09.03.2017 – Albertina Pedroso) (Ac. TRG, 458/18.1T8BCL.G1 de 21/06/2018).
6– No entanto, já não é pacífico o entendimento em que termos é que o progenitor convivente pode exigir o pagamento dos alimentos ao obrigado à prestação alimentícia.
7– Entende a Recorrente, à semelhança do que também é defendido por Gonçalo Oliveira Magalhães (Juiz de Direito), que o nº 1 do artº 989º do CPC, dispõe que, em caso de incumprimento do obrigado a alimentos, a progenitora convivente pode usar de todos os meios legais ao seu dispor que usaria, caso a sua filha fosse ainda menor, remetendo-se “tanto para os procedimentos tutelares cíveis destinados à fixação da obrigação de alimentos, como para os destinados à execução do correspondente direito” (cfr. artigo “A tutela (jurisdicional) do direito a alimentos dos filhos maiores que ainda não concluíram a sua formação profissional”, publicado na Julgar Online, em março de 2018).
8– E, também tem que se entender que o artº 989º nº 3 do CPC, reconhece uma legitimidade indireta do progenitor convivente.
9– Pelo que, necessariamente se tem que concluir que, em caso de incumprimento pelo progenitor de uma obrigação alimentar fixada durante a menoridade do filho, os termos da mesma mantêm-se até que este complete os 25 anos de idade, tendo o progenitor/credor ao seu dispor três meios de ação: - o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais (artº 41º do RGPTC); - o mecanismo do artº 48º do RGPTC - e a execução especial por alimentos (conforme doutamente entendido em Ac TRG, Relator Margarida Sousa, publicado em ITIJ, de 21.06.2018).
10– A providência prevista nos arts. 45º a 47º do RGPTC, que o juiz a quo entende que deve ser intentada pela Recorrente (nos termos previstos no art. 989, nº 3 do CPC), destina-se à fixação ou à alteração dos alimentos anteriormente fixados, matéria distinta à peticionada pela Recorrente nos autos de que se recorre e, não podendo ser o meio próprio para garantir a manutenção da pensão de alimentos fixada na menoridade até porque, caso assim fosse, só poderia ser exigido ao Recorrido, a contribuição para o sustento e educação da filha, desde a data da propositura de tal providência.
11– O que a Lei 122/2015 de 1 de setembro pretendeu inovar foi ultrapassar a inércia do jovem estudante, que pode continuar dependente até aos 25 anos de idade de modo a completar os estudos, salvaguardando que o progenitor que continuou a suportar as despesas para o sustento do filho depois da maioridade, possa interpor um incumprimento ou execução por alimentos, sob pena de ficar violado o princípio da igualdade das partes, que implica a paridade simétrica e igualdade das posições de ambos os progenitores perante o tribunal (art. 4º do C.P.C. e artº 13º da CRP).
12– Tal como já decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, “a lei nova deve ser aplicada às situações jurídicas anteriormente constituídas e que ainda produzam efeitos no momento da sua entrada em vigor (envolvendo um fenómeno que tem sido denominado «retrospectividade da lei», e que não se confunde com a sua retroactividade)” (Ac. STJ, de 17/04/2018, Relator Fátima Gomes), devendo o “novo” art. 1905.º/2 do C. Civil aplicar-se às relações jurídicas constituídas e subsistentes à data da sua entrada em vigor, significando isto que só poderá estar em causa a sua aplicação a partir de 01/10/2015 (às relações jurídicas então ainda subsistentes). Vide, a propósito, Ac. TRC, Processo nº 6782/16.0T8CBR-A.C1, de 07/03/2017.
13– É inegável que a Recorrente, decorrente do incumprimento do Recorrido, pode exigir-lhe as prestações de alimentos vencidas após a maioridade da filha maior, desde a data da entrada em vigor da nova lei (01/10/2015), através do procedimento do artº 48º do RGPTC, aliás, tal como o fez.
14– Estando o direito e dever de manutenção dos alimentos devidos aos filhos, consagrado constitucionalmente no art. 36º, nº 5 da C.R.P, que consiste no dever de prover ao sustento dos filhos, até que estes estejam em condições de o fazer, quando o progenitor obrigado a pagar alimentos na menoridade, por decisão ou acordo homologado em tribunal, deixa de cumprir com essa obrigação após a maioridade do filho, apesar de este ainda ser estudante e é vedado ao progenitor convivente poder recorrer ao tribunal para ser ressarcido dos mesmos alimentos desde que são devidos e, em contrapartida, é facultado ao progenitor pagante recorrer, quando assim o entender, à alteração ou cessão do pagamento dos alimentos, há uma clara distinção de tratamento, que viola o disposto no artº 13º da CRP.
15– Pelo que, face ao exposto, deverá ser revogada a sentença proferida e substituída por outra que reconheça que o procedimento intentado pela Recorrente é o meio próprio para a Recorrente fazer valer o seu direito, devendo o mesmo prosseguir os seus termos.

5– O requerido apresentou contra-alegações nas quais pugna pela improcedência do recurso.
***

II–Fundamentação.

1–Objecto do Recurso.
É sabido que o objecto do recurso é balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC/13.
Assim, face às conclusões apresentadas pela apelante – note-se que o requerido/apelado não interpôs recurso da decisão, nem sequer subordinado, com a consequência que se referirá quanto à questão da excepção de caso julgado e da ilegitimidade activa da apelante/requerente - é a seguinte a questão que importa analisar e decidir:
-Da manifesta improcedência do incidente.
Previamente, porém, impõe-se apreciar a invocada nulidade da sentença.
Segundo a apelante a sentença será nula, nos termos do artº 615º nº 1, al. c) do CPC, porque violou o disposto nos artºs 1880º e 1905º nº 2 do CC. Não invoca qualquer outro argumento.

Pois bem, segundo o artº 615º nº 1, al. c) do CPC/13, a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

O preceito reporta-se a situações de oposição real entre os fundamentos e a decisão, isto é, situações em que os fundamentos invocados pelo julgador devam conduzir, em termos lógicos, a um resultado oposto ao que foi expresso na sentença. São casos de sentença viciosa por os fundamentos expendidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto, ou, pelo menos, de sentido diferente.

No caso dos autos esse vício não se verifica pela simples razão de os argumentos alinhados pela juíza a quo seguem um caminho que, em termos lógicos, só poderiam levar à decisão que tomou.

Não se verifica a pretendida nulidade.

O que sucede é uma divergência ou discordância com a decisão tomada, mas essa discordância não é fundamento para a nulidade da sentença. Para isso existem o recurso que foi o meio processual de que a recorrente laçou mão. Se tem ou não razão é o que veremos.

Assim e sem necessidade de outros considerandos, decide-se indeferir a pretendida nulidade da sentença.

Indeferida a nulidade da sentença, vejamos então questão enunciada como objecto do recurso.

2–Factualidade Relevante.

Com relevância para a decisão do objecto do recurso, importa considerar a seguinte factualidade:
-MCLM nasceu a 06/08/1997 e é filha da requerente/apelante e do requerido/apelado.
- Por sentença transitada em julgado, em 02/12/2008, foi fixado o regime das responsabilidades parentais relativo à MCLM e seus irmãos …em que:
"7–O pai suportará integralmente:
a)- todas as despesas relacionadas com a saúde dos menores, nomeadamente consultas, - nas quais se incluem consultas também com dentistas - medicamentos, ações médicas, exames e internamentos;
b)- Todas as despesas associadas à educação dos menores, nas quais se incluem os respetivos colégios, explicações, material escolar, transporte dos colégios para casa, alimentação no colégio;
c)- Todas as despesas relacionadas com o vestuário e calçado dos menores, para além, das despesas de alimentação que os menores têm quando estão com o Pai,
d)- As despesas referentes à quota para usufruir da piscina e respectiva alimentação quando os menores estão na piscina.

8– O Pai pagará diretamente as despesas referidas no número anterior. Porém, sempre que a Mãe venha, a pagar quaisquer despesas respeitantes às matérias suprarreferidas, as quais compete ao Pai suportar, deverá, sempre que sejam previsíveis, comunicá-las com antecedência ao Pai, para obter o acordo deste e remeter-lhe oportunamente os respectivos recibos emitidos em nome do Pai, a fim deste proceder ao seu pagamento no prazo de dez dias.
9.– O progenitor pagará, ainda, a título de alimentos a favor de cada um dos menores a quantia mensal de 325,00€ (trezentos e vinte e cinco euros), a entregar à mãe até ao dia 8 de cada mês, mediante cheque a enviar para o domicílio da requerida".
- A ora apelante instaurou acção executiva contra o ora apelado, dando como título executivo a sentença homologatória que fixou o regime da responsabilidades parentais, com vista a obter coercivamente o pagamento da quantia de 1 950€ correspondentes à pensão de alimentos não pagos à filha MCLM, nos meses de Setembro de 2015 a Fevereiro de 2016, tendo sido decido por acórdão da Relação de Lisboa, de 08/02/2018, transitado em julgado, manter a sentença da 1ª instância, que julgou procedentes os embargos à execução, por entender que com a maioridade da filha cessou a obrigação legal de pagamento da pensão de alimentos a favor dos filhos e que a Lei 122/2015 não é de aplicação retroactiva e, distinguiu entre o direito do filho maior e o direito do progenitor convivente.
- É do seguinte teor a decisão sob recurso:
Nos presentes autos, vem a Requerente MCV, deduzir incidente de incumprimento contra JLM, por falta de pagamento da pensão de alimentos à filha MCLM, maior desde 06.08.2015, referentes aos meses de outubro a dezembro de 2015, janeiro a dezembro de 2016, janeiro a dezembro de 2017 e janeiro a maio de 2018, ou seja, vencidas depois da maioridade da filha.

O Requerido contestou cfr. fls. 25 e ss:
- excecionando o caso julgado relativamente ao que foi decidido, em sede de recurso, no apenso A, onde o TRL confirmou a decisão proferida em sede de embargos de executado no sentido de inexistir título executivo para a execução que a Requerente havia movido contra o Requerido;
- excecionando a ilegitimidade da Requerente para o presente Incumprimento;
- invocando que tem contribuído, de forma contínua e ininterrupta, para o  da filha MCLM.
Conclui pedindo a condenação da Requerente como litigante de má fé, em multa e indemnização.
A este pedido, a Requerente respondeu cfr. fls. 107 e seguintes, pugnando pela sua improcedência.
Cumpre apreciar e decidir, por entende o Tribunal que o processo tem todos os elementos necessários à decisão.
Antes de mais, importa referir que entende o Tribunal inexistir a invocada exceção de caso julgado. Com efeito, muito embora haja identidade de sujeitos nas duas ações, o pedido e a causa de pedir do presente incidente de incumprimento e os dos embargos de executado são manifestamente diferentes, pelo que não se mostra verificada a invocada exceção de caso julgado (art. 580 e 581 do CPC).
Contudo, na decisão a proferir, não pode o Tribunal ignorar o acórdão do TRL proferido em sede de embargos de executado (apenso) deduzidos em execução por alimentos (apensa) deduzida pela Requerente contra o Requerido, já transitado em julgado, nem a doutrina que dele consta.

Naquela execução por alimentos, a Requerente pretendia executar alimentos vencidos depois da maioridade da filha. Apresentada oposição pelo executado, foi a mesma julgada procedente por inexistir título executivo para o efeito, uma vez que radicava, a execução, em sentença homologatória de acordo celebrado entre os pais sobre os alimentos a prestar, pelo pai, à filha menor, sendo certo que a filha atingira a maioridade antes da entrada em vigor da Lei nº 112/2015, de 01.09.

No Acórdão do TRL proferido a 08.02.2018 (proferido em sede de embargos de executado) e tendo por base a situação concreta dos presentes autos, faz-se distinção entre:
- os direitos do filho maior;
- os direitos do progenitor convivente com o filho maior como titular do direito à contribuição prevista no art. 989, nº 3 do CPC.
O filho maior tem o direito de, havendo alimentos fixados na menoridade, instaurar contra o pai uma ação executiva; não havendo alimentos fixados na menoridade, lançar mão do procedimento previsto nos arts. 5º a 10º do DL nº 272/2001.

O progenitor convivente com o filho maior (no caso, a mãe) tem o direito de intentar contra o pai, ora Requerido, ação para a contribuição, por este, nas despesas da filha maior, nos termos previstos no art. 989, nº 3 do CPC (a seguir o regime previsto nos arts. 45 a 47 do RGPTC), nela pedindo a comparticipação nas despesas com o sustento e educação da filha maior apenas desde o momento da instauração dessa ação (cfr. art. 2006 do Código Civil) e, uma vez obtida sentença declarativa de condenação nessa ação, instaurar execução especial por alimentos.

Tendo em consideração o que acima se expôs no que à jurisprudência e doutrina ínsita no referido acórdão do TRL, é manifesta a improcedência do presente incidente de incumprimento instaurado pela mãe da filha maior contra o pai, peticionando que seja verificado o incumprimento, por este, do pagamento da pensão de alimentos fixada na menoridade da filha, maior antes da entrada em vigor da Lei nº 112/2015, pensões de alimentos essas vencidas depois da maioridade da filha.

Não só não é este o meio próprio para a mãe fazer valer o seu direito, como os montantes peticionados são, nesta sede, inexigíveis.

Cumpre, assim, julgar improcedente o presente incidente de incumprimento.

Relativamente ao pedido de condenação da Requerente como litigante de má fé, apenas poderá, eventualmente, estar em causa o fundamento previsto na alínea a) do nº 2 do art. 542 do CPC, uma vez ser manifestamente inaplicável, ao caso, qualquer uma das demais alíneas.

Tendo em conta a data da entrada em juízo do presente incidente (16.05.2018) e a data em que o acórdão do TRL transitou em julgado (apenas depois de 21.05.2018 foram as partes notificadas da rejeição do recurso interposto para o STJ), entende o Tribunal não poder concluir-se ter havido dolo ou negligência grave por parte da Requerente, que muito embora já conhecesse o teor do acórdão do TRL, ainda o não sabia transitado em julgado.

Assim e por não verificados os requisitos previstos na citada disposição legal, cumpre julgar improcedente o pedido deduzido pelo Requerido de condenação da Requerente como litigante de má fé.

Assim sendo e em face do exposto:
1.-   julgo improcedente o presente incidente de incumprimento;
2.- julgo improcedente o pedido deduzido pelo Requerido de condenação da Requerente como litigante de má fé e absolvo-a do pedido.”
***

3–A Questão Jurídica.
Pretende saber-se se a pretensão deduzida pela apelante/requerente é manifestamente improcedente. A primeira instância decidiu pela afirmativa, aderindo à tese do apelado requerido e, de resto, sufragada num outro apenso, de execução por alimentos, instaurada pela ora apelante contra o aqui apelado.
O fundamento esgrimido na 1ª instância para chegar à manifesta improcedência da pretensão de condenação do requerido no pagamento da quantia correspondente aos alimentos vencidos (e nos vincendos) foi “…a filha atingi(u) a maioridade antes da entrada em vigor da Lei nº 112/2015, de 01.09.(…) é manifesta a improcedência do presente incidente de incumprimento instaurado pela mãe da filha maior contra o pai, peticionando que seja verificado o incumprimento, por este, do pagamento da pensão de alimentos fixada na menoridade da filha, maior antes da entrada em vigor da Lei nº 112/2015, pensões de alimentos essas vencidas depois da maioridade da filha.

Não só não é este o meio próprio para a mãe fazer valer o seu direito, como os montantes peticionados são, nesta sede, inexigíveis.”

Será assim?

O problema radica na problemática resultante da Lei 122/2015, de 01/09.

Vejamos as questões que resultam da alteração legislativa decorrente da Lei 122/2015.

3.1– A letra dos artºs 1905º do CC e 989º do CPC/13, dada pela Lei 122/2015.

Estabelece o artº 1905º do CC, com a epígrafe “Alimentos devidos ao filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento”:
1— Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento, os alimentos devidos ao filho e a forma de os prestar são regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação; a homologação é recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor.
2— Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respectivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.”

O artº 989º do CPC/13, com epígrafe “Alimentos a filhos maiores e emancipados”:
“1— Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos artigos 1880º e 1905º do Código Civil, segue-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores.
2— Tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respectivo processo, a maioridade ou a emancipação não impede que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso.
3— O progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas os filhos maiores que não podem sustentar -se a si mesmos pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, nos termos dos números anteriores.
4— O juiz pode decidir, ou os pais acordarem, que essa contribuição é entregue, no todo ou em parte, aos filhos maiores ou emancipados.”

Anteriormente, o artº 1905º do CC dizia:
Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, os alimentos devidos ao filho e forma de os prestar serão regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação; a homologação será recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor”.

E, do artº 989º do CPC/13, constava:
“1-Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos do artº 1880º do código Civil, seque-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores.
2-Tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respectivo processo, a maioridade ou a emancipação não impede que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso.”

3.2– As alterações legislativas introduzidas pela Lei 122/2015.
3.2.1- A Exposição de Motivos do Projecto de Lei.
Na exposição de motivos do projecto de lei que esteve na base da alteração legislativa – Projecto de Lei nº 975/XII (4ª) – constava:
Como bem assinala a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, numa sugestão de alteração legislativa que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista acolhe, urge dar resposta a uma questão particular relativa ao atual regime de exercício das responsabilidades parentais. Essa questão particular respeita ao regime que penaliza de forma desproporcionada as mulheres que são mães de filhos ou filhas maiores e que estão divorciadas ou separadas dos respetivos pais. É hoje comum que, mesmo depois de perfazerem 18 anos, os filhos continuem a residir em casa do progenitor com quem viveram toda a sua infância e adolescência e que, na esmagadora maioria dos casos, é a mãe. Tem vindo a verificar-se, com especial incidência, que a obrigação de alimentos aos filhos menores cessa, na prática, com a sua maioridade e que cabe a estes, para obviar a tal, intentar contra o pai uma ação especial. Esse procedimento especial deve provar que não foi ainda completada a educação e formação profissional e que é razoável exigir o cumprimento daquela obrigação pelo tempo normalmente requerido para que essa formação se complete. Como os filhos residem com as mães, de facto são elas que assumem os encargos do sustento e da formação requerida. A experiência demonstra uma realidade à qual não podemos virar as costas: o temor fundado dos filhos maiores, sobretudo quando ocorreu ou ocorre violência doméstica, leva a que estes não intentem a ação de alimentos. Mesmo quando o fazem, a decretação dos processos implica, por força da demora da justiça, a privação do direito à educação e à formação profissional. (…) A alteração legislativa proposta vai ao encontro da solução acolhida em França, confrontada, exatamente, com a mesma situação, salvaguardando no âmbito do regime do acordo dos pais relativo a alimentos em caso de divórcio, separação ou anulação do casamento, a situação dos filhos maiores ou emancipados que continuam a prosseguir os seus estudos e formação profissional e, por outro lado, conferindo legitimidade processual ativa ao progenitor a quem cabe o encargo de pagar as principais despesas de filho maior para promover judicialmente a partilha dessas mesmas despesas com o outro progenitor. (sublinhado nosso).

3.2.2–O ambiente na Jurisprudência.
Para se compreender esta alteração legislativa e a razão que esteve na sua base, importa lembrar que a jurisprudência maioritária entendia que a obrigação de alimentos fixada por sentença se extinguia automaticamente com a maioridade e, por isso, teria de ser o filho, já maior, a pedir a manutenção da pensão ou uma pensão de alimentos nova, carecendo de alegar e provar os requisitos mencionados pelo artº 1880º do CC – Cf., entre outros, Ac. TRL 7/12/2011; Ac. STJ 2/10/2008; Ac. STJ 31/5/2007; Ac. STJ 22/4/2008; Ac. TRL 10/9/2009; Ac. TRL 6/5/2008; Ac. TRP 26/2/2009; Ac. TRP 21/2/2008; Ac. TRP 26/1/2004 (www.dgsi.pt) (referidos por Maria Inês Pereira da Costa, Obrigação de Alimentos Devida a Filhos/as Maiores que Ainda Não Completaram a Sua Formação – Uma Visão Comparada de Crítica ao Critério da Razoabilidade, dissertação de mestrado, 2013, Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Direito, Escola do Porto, pág. 29, nota 143, edição on-line).
No entanto, alguma jurisprudência já defendia que a mãe que sempre exerceu as responsabilidades parentais, tinha legitimidade processual, em nome próprio, para exigir do outro progenitor em incumprimento, o pagamento das prestações alimentares vencidas e não pagas durante a menoridade, após a maioridade do filho, não se verificando uma situação de inutilidade superveniente da lide; entendia ainda esta jurisprudência, na sequência da doutrina preconizada por Remédio Marques (“Algumas Notas Sobre Alimentos, F.D.U.C. – Centro de D.to de Família, 2, pg. 297/8), que este progenitor age em substituição processual, parcial e representativa do filho (Cf. Ac. do STJ, de 25/03/2010, relatado por Alves Velho, com um voto de vencido; vejam-se ainda TRP, de 05/03/2012, TRL de 04/03/2010, TRL de 09/12/2008, TRL de 20/04/2010 e TRL de 10/09/2009, todas em www.dgsi.pt).

3.2.3–A doutrina.
A doutrina, por sua vez, já defendia, mesmo antes das alterações introduzidas pela Lei 122/2015, que o artº 1880º do CC consagrava uma extensão da obrigação alimentar dos pais para com os filhos e que a pensão de alimentos fixada durante a menoridade do filho devia continuar a ser devida após a maioridade, cabendo ao progenitor obrigado a iniciativa de fazer cessar tal obrigação (Rita Lobo Xavier, apud Maria Inês Pereira da Costa, Obrigação de Alimentos Devida a Filhos/as Maiores que Ainda Não Completaram a Sua Formação – Uma Visão Comparada de Crítica ao Critério da Razoabilidade, dissertação de mestrado, 2013, Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Direito, Escola do Porto, pág. 29, nota 143, edição online, pág. 33).
Igualmente, Clara Sottomayor preconizava que a letra e o espírito do artº 1880º do CC permitem estabelecer uma presunção de manutenção da obrigação de alimentos fixados ao menor para depois da maioridade (Regulação do Exercício das Responsabilidades parentais nos Casos de Divórcio, 5ª edição, Almedina, pág. 341).
É justamente nestas circunstâncias, de diferentes entendimentos jurisprudenciais e perante a posição já preconizada pela doutrina, que surge a Lei 122/2015, invocando as razões enunciadas na justificação de motivos atrás referida.

3.2.4–A jurisprudência e a doutrina após a Lei 122/2015.
Pois bem, em face das alterações introduzidas ao artº 1905º do CC, é pacífico que nos casos em que já haja sido fixado regime de alimentos na menoridade, mantêm-se os respectivos termos até que o filho complete os 25 anos de idade (artº 1905º nº 2, primeira parte) cabendo ao progenitor obrigado a suportá-los lançar mão de procedimento processual em que invoque e prove os pressupostos da cessão da obrigação, referidos no artº 1905º nº 2, 2ª parte, do CC. (na doutrina, veja-se Gonçalo Oliveira Magalhães, A tutela (jurisdicional) do direito a alimentos dos filhos maiores que ainda não concluíram a sua formação profissional, Julgar online, 2018, pág. 12; Diana Gomes Rodrigues Mano, A Obrigação de Alimentos a Filhos Maiores e o Princípio da Razoabilidade, tese de mestrado, Escola de Direito da Universidade do Minho, 2016, pág. 62, edição online; Delgado de Carvalho, Acção Executiva para Pagamento de Quantia Certa, 2ª edição, 2016, pág. 250 e seg.; Tomé D’Almeida Ramião, Regime Geral do Processo Tutelar Cível, Anotado e Comentado, 3ª edição, 2018, pág. 37; na jurisprudência, entre outros, Ac. Rel. Évora, de 09/03/2017, Albertina Pedroso, pontos II e III do sumário respectivo; Ac. Rel. Guimarães, de 21/06/2018, Margarida Sousa, ponto I do sumário).
Com efeito, a letra da lei é clara no artº 1905º nº 2 do CC (redacção da Lei 122/2015): nos casos do artº 1880º do CC, relativo a despesas com filhos maiores ou emancipados, “…entende-se que se mantém para depois da maioridade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade…”.
Com esta alteração, pretendeu-se evitar que o filho maior, necessitado de alimentos por razões de formação profissional, tenha de instaurar novo procedimento para obtenção de alimentos assim que complete 18 anos (Cf. Parecer do Conselho Superior da Magistratura sobre o Projecto de Lei nº 975/XII/4ª (PS), relatado por Carlos Castelo Branco, fls. 11, disponível online; Parecer da Procuradoria Geral da República sobre o Projecto de Lei nº 975/XII/4ª (PS), relatado por Helena Gonçalves, fls. 5, disponível online).
Do que se expôs, pode extrair-se uma primeira conclusão:
Para efeitos do disposto no artº 1880º do CC, relativo a alimentos a filhos maiores ou emancipados, entende-se que a pensão de alimentos fixada na menoridade se mantém até à idade de 25 anos.
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3–O problema da legitimidade do progenitor de filho maior.
A par da alteração substantiva, preconizada pela nova redacção do artº 1905º do CC, a Lei 122/2015 levou a efeito, igualmente, uma alteração processual no que toca à legitimidade do progenitor convivente, para providenciar judicialmente sobre alimentos aos filho maiores que ainda não concluíram a sua formação.
Na verdade, no artº 989º nº 3 do CPC/13, passou a constar expressamente “O progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas os filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, nos termos dos números anteriores.”.

Recorde-se que na exposição de motivos, foi referido expressamente “…conferindo legitimidade processual ativa ao progenitor a quem cabe o encargo de pagar as principais despesas de filho maior para promover judicialmente a partilha dessas mesmas despesas com o outro progenitor”.

Perante esta nova redacção a doutrina vem defendendo que o progenitor convivente tem legitimidade processual quando se torne necessário providenciar sobre alimentos aos filhos maiores que ainda não concluíram a sua formação, designadamente se já estava fixado, desde a menoridade, um regime de alimentos, enquadrando essa legitimidade do progenitor como legitimidade indirecta. (Cf. Gonçalo Oliveira Magalhães, A tutela (jurisdicional) do direito a alimentos dos filhos maiores… cit., pág. 13).

Na jurisprudência, o Ac. da Rel. de Guimarães, de 21/06/2018, relatado por Margarida Sousa, reconheceu “III – O art. 989.º, n.º 3, do CPC, introduzido pela referida lei, remetendo para os termos dos nºs 1 e 2 do mesmo artigo, reconhece legitimidade ao progenitor com quem o filho maior coabita, quando se torne necessário providenciar judicialmente (seja para prosseguir, no confronto com o outro progenitor, a ação destinada à fixação da pensão iniciada durante a menoridade, seja para, depois desta, intentar ação com a mesma finalidade ou recorrer aos procedimentos necessários à efetivação do direito anteriormente acertado) sobre alimentos aos filhos maiores que ainda não concluíram a sua formação profissional”.

Relembre-se que com as alterações introduzidas ao regime relativo à necessidade de providenciar por alimentos a filhos maiores, pretendeu-se evitar a obrigatoriedade de o filho maior, que continue a carecer de alimentos já definidos, ter de instaurar novo procedimento para o efeito e obter novo título executivo com vista a efectivar o suprimento das suas necessidades. 

Ora, como é sabido, o título executivo é o documento do qual resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a possibilidade da realização coactiva da correspondente prestação através da acção executiva. Esse título incorpora o direito de execução, ou seja, o direito a executar o património do devedor (Cf. Teixeira de Sousa, A Acção Executiva Singular, pág. 63).

Já anteriormente às alterações do regime de alimentos a filhos maiores pela lei 122/2015, o Ac. da Rel. de Guimarães, Ana Cristina Duarte (www.dgsi.pt) decidiu que “A sentença que fixou alimentos devidos a menores, vale como título executivo após a sua maioridade, considerando que aquela prestação alimentar se mantém nos casos previstos no artigo 1880.º do Código Civil, sem que tal assuma a natureza de uma nova obrigação”.

Portanto, não havendo alteração da situação de carência de alimentos de filho maior, continua a constituir título executivo a decisão de alimentos fixados na menoridade.

E, continuando a valer como título executivo a decisão que fixou alimentos na menoridade, nada obsta a que o progenitor convivente possa executar essa decisão por prestações de alimentos não pagos mesmo após a maioridade.

Na verdade, o incumprimento da prestação de alimentos já fixada desde a menoridade, autoriza o progenitor convivente a recorrer aos meios de cobrança coerciva, podendo optar pela execução especial por alimentos (Cf. Gonçalo Oliveira Magalhães, A tutela (jurisdicional) do direito a alimentos dos filhos maiores… cit., pág. 14).

Efectivamente, as alterações introduzidas pela Lei 122/2005, ao artº 989º do CPC/13, vieram permitir que o progenitor convivente que tem assumido o encargo de pagar as despesas de filhos maiores que não podem sustentar-se, pode exigir ao outro progenitor a contribuição que lhe competia realizar para o sustento e educação dos filhos maiores (nº 3 do artº 989º) lançando mão, com as necessárias adaptações, dos meios processuais previstos para os filhos menores (nº 1 do artº 989º CPC), portanto, incluindo a execução por alimentos.

Assim, em jeito de segunda conclusão:
Tendo em consideração a letra da lei que vigorava anteriormente às alterações introduzidas pela Lei 122/2015 e as interpretações divergentes que dela faziam as diferentes correntes jurisprudenciais, atendendo ainda à intenção expressa pelo legislador com as alterações que levou a cabo no regime relativo à necessidade de providenciar por alimentos devidos a filhos maiores, somos a concluir que o progenitor convivente com filho maior tem legitimidade para exigir do outro, progenitor inadimplente, as quantias que se vencerem de alimentos, fixadas durante a menoridade do filho de ambos, até ele atingir 25 anos de idade.
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3.4–A natureza interpretativa do artº 1905º nº 2 do CC na redacção da Lei 122/2015.
Aqui chegados, coloca-se a questão de saber como lidar com a circunstância de, quando entraram em vigor as alterações levadas a cabo pelo Lei 122/2015, a filha MCLM já ter atingido a maioridade.
O recorrido defende que as alterações introduzidas não têm natureza retroactiva. Louva-se do Ac. da Relação de Lisboa, proferido nos embargos à execução por alimentos que, por sua vez convoca o Ac. do TRL, de 30/06/2016 (Ezagüy Martins) que decidiu: “I– O n.º 2 do artigo 1905º, do Código Civil, aditado pela Lei n.º 122/2015, de 01/09, não é aplicável aos casos em que, fixada pensão de alimentos para o então menor, este haja atingido a maioridade antes da entrada em vigor daquela Lei”, que se baseou na opinião de J. H. Delgado de Carvalho, no artigo “O novo regime de alimentos devidos a filho maior ou emancipado; contributo para a interpretação da Lei n.º 122/2015, de 1/9”, (edição online).
Será assim?
Desde já se refira que existe jurisprudência em sentido contrário, que defende a natureza de norma interpretativa à nova redacção do artº 1905º nº 2 do CC. Na verdade, veja-se o acórdão da Relação de Évora, de 09/03/2017 (Albertina Pedroso) sustenta que “II - Atenta a redacção introduzida pela Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro, que acrescentou o n.º 2 no artigo 1905.º do CC, considerando a referida divergência de entendimentos, e o teor do segmento inicial da alteração introduzida, sublinhando o legislador que, para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, deve concluir-se que estamos perante lei que é interpretativa do artigo 1880.º do CC, quanto à extensão da obrigação de alimentos a cargo dos progenitores durante a menoridade, e até que o filho complete 25 anos.”.

Também o acórdão da Rel. de Coimbra, de 15/11/2016 (Jorge Arcanjo) que decidiu: “II - A Lei nº 122/2015, de 1/9, que alterou o Código Civil (art.1905º) e o Código de Processo Civil quanto ao regime dos alimentos aos filhos maiores ou emancipados (com entrada em vigor em 1 de Outubro de 2015), é lei interpretativa do art.1880º, como parece resultar do próprio texto (“para efeitos do disposto no art.1880 entende-se (…)”, procurando superar-se a controvérsia jurisprudencial sobre a tese de cessação automática.”
E ainda o acórdão da Rel. do Porto, 06/03/2017 (Miguel Baldaia de Morais) que determinou: “VI - A Lei nº 122/2015, de 1 de setembro, que aditou o nº 2 ao artigo 1905º do Código Civil, é uma lei interpretativa, integrando-se como tal na lei interpretada, sendo, por isso, aplicável retroativamente às relações jurídicas anteriormente constituídas e que subsistam à data da sua entrada em vigor”.

Mencione-se ainda que na doutrina, foi defendido no Parecer do Conselho Consultivo do Instituto dos Registo e Notariado, homologado em 29/10/2016, (edição online) que “A Lei 122/2015 de 1 de Setembro, que aditou o nº 2 ao artº 1905º do CC é uma lei interpretativa e como tal integra-se na lei interpretada e aplica-se retroactivamente (artº 13º do CC)”.

Vejamos então.

Em termos de facto, é pacífico que a recorrente instaurou, primeiro a acção executiva e, depois o este procedimento - que está na base do presente recurso - já após a filha MCLM ter atingido a maioridade.

A lei 122/2015, entrou em vigor no dia 01 de Outubro de 2015, por força do artº 4º desse diploma legal.

Poderá a nova solução legislativa, levada a efeito pela Lei 122/2015, ser aplicada à situação de incumprimento do regime de alimentos fixado pela sentença homologatória do Regime das Responsabilidades Parentais quanto à filha MCLM?

Isso implicaria uma aplicação retroactiva dessa Lei.

É conhecido o princípio geral da aplicação das leis no tempo: a lei dispõe para futuro (artº 12º do CC).

No entanto, outra norma consagra regra diversa sobre direito transitório e aplicação da lei no tempo.

Na verdade, o artº 13º nº 1 do CC, relativo às leis interpretativas, estabelece, na parte que interessa:
1-A lei interpretativa integra-se na lei interpretada…”

Como é sabido, este artigo consagra a doutrina tradicional de que as leis interpretativas têm eficácia retroactiva, reportada ao momento do início da vigência da lei interpretada (C. Freitas do Amaral, CC Anotado, coordenação de Ana Prata, AAVV, Vol. I, pág. 35).

Quando o legislador elabora uma lei para resolver dificuldades de interpretação que tenham sido suscitadas, nos tribunais, pelo primitivo texto, esta lei interpretativa, integra-se na lei interpretada e tem a mesma esfera de aplicação do que esta; ela aplicar-se-á, portanto, normalmente, aos factos anteriores à sua entrada em vigor.

A razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da lei anterior com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. (Batista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 25ª reimpressão, Almedina, 2018, pág. 246).

Mas para que uma lei seja verdadeiramente interpretativa é preciso que haja matéria a interpretar, que tenha havido uma controvérsia a resolver (Cf. Rodrigues Bastos, Notas ao CC, vol. I, 1987, pág. 50).

Deve considerar-se lei interpretativa, aquela que intervém para decidir uma questão de direito cuja solução é controvertida ou incerta, consagrando um entendimento a que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado (Batista Machado, Introdução ao Direito…, pág. 246) São, pois, requisitos para se poder considerar uma lei como interpretativa de outra: (i) o tempo: a lei interpretativa deve ser posterior à lei interpretada; (ii) a finalidade: a lei interpretativa deve interpretar a lei anterior, cuja solução, que oferece, se apresenta controvertida ou incerta; (iii) fonte: a lei interpretativa não deve ser hierarquicamente inferior à lei interpretada. (Cf. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, 9ª edição, 2018, pág. 392; veja-se ainda Miguel Nogueira de Brito, Introdução ao Estudo do Direito, 2ª edição, 2018, pág. 389; Baptista Machado, Introdução ao Direito… cit., pág. 247, refere dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o legislador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei,).

Pois bem, no caso dos autos, verificámos que existia divergência na jurisprudência quanto à interpretação do artº 1880º do CC: a maioria da jurisprudência entendia que a obrigação de alimentos fixada por sentença se extinguia automaticamente com a maioridade e, por isso, teria de ser o filho, já maior, a pedir a manutenção da pensão ou uma pensão de alimentos nova, carecendo de alegar e provar os requisitos mencionados pelo artº 1880º do CC.

Outra corrente jurisprudencial, então minoritária, defendia que o progenitor que sempre exerceu as responsabilidades parentais, tinha legitimidade processual, em nome próprio, para exigir do outro progenitor em incumprimento, o pagamento das prestações alimentares vencidas e não pagas durante a menoridade, após a maioridade do filho.

Vimos igualmente que com a solução dada pela Lei 122/2015, o legislador pretendeu por cobro a esse entendimento de cessação automática da pensão de alimentos aos 18 anos, consagrando expressamente a solução de, nos casos em que havia sido fixado regime de alimentos na menoridade, manterem-se os respectivos termos até que o filho complete os 25 anos de idade (artº 1905º nº 2, primeira parte) cabendo ao progenitor obrigado a suportá-los lançar mão de procedimento processual em que invoque e prove os pressupostos da cessão da obrigação (artº 1905º nº 2, 2ª parte, do CC).

Portanto, nestas circunstâncias, à luz dos pressupostos enunciados, relativos ao momento de surgimento da lei 122/2005, à finalidade da lei e à hierarquia das normas, entendemos que a lei em causa tem natureza interpretativa.

Note-se que ao caso dos autos não há fundamento para aplicar a regra da 2ª parte do artº 13º nº 1 do CC: a aplicação retroactiva da lei interpretativa detém-se perante a res iuducata vel transacta vel praescrita.

E assim, chegamos à terceira conclusão:
A Lei 122/2015 de 1 de Setembro, que aditou o nº 2 ao artº 1905º do CC é uma lei interpretativa e, como tal, integra-se na lei interpretada e aplica-se retroactivamente.
***

3.5–Uma breve nota sobre a questão do caso julgado invocada pelo requerido nas suas alegações do incidente e nas contra-alegações de recurso.
Na decisão ora em análise, a juíza a quo decidiu que não se verificava a excepção de caso julgado. Não houve recurso dessa parte da decisão, pelo que, salvo devido respeito, não pode este tribunal de recurso apreciar a questão. Sempre se diria, porém, que a questão tem actualmente solução na lei, concretamente no artº 732º nº 5 do CPC/13. E na doutrina é esclarecedora a posição de Rui Pinto (Acção Executiva, 2018, AAFDL, págs. 427 a 436).
***

Assim, face as três conclusões enunciadas entendemos que a apelação procede, não podendo subsistir a decisão recorrida devendo ser substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos.
                                                        ***                                            III–Decisão.
Em face do exposto, decidem na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida ordenando seja substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos.
Custas: pelo apelado.



Lisboa, 7 de Fevereiro de 2019



Adeodato Brotas (relator)
Gilberto Jorge (1º Adjunto)
Maria de Deus Correia (2ª Adjunta)