INCUMPRIMENTO DE ALIMENTOS
ACORDO
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
INTERPRETAÇÃO
Sumário

– A decisão proferida em processo judicial que resolve concreta questão suscitada por uma das partes consubstancia um verdadeiro acto jurídico, sendo portanto susceptível de interpretação nos termos das normas do CC que disciplinam a interpretação da declaração judicial ( cf. art. 295.º do CC).

– Porém, em sede de interpretação do exacto alcance da decisão judicial, deve ainda analisar-se todos os seus antecedentes lógicos que a tornam possível e a pressupõem, dada a sua íntima interdependência, maxime os actos no processo praticados pelas próprias partes.

– Sendo o referido em 4.1. e 4.2. válido quando em causa está uma sentença judicial proferida nos termos do artº 607º, do CPC , porém, tratando-se de uma sentença meramente homologatória de acordo das partes e proferida nos termos do nº4, do artº 290º, do CPC, e porque então a verdadeira fonte da resolução do litígio é o acto de vontade das partes , deve então a tarefa interpretativa incidir sobremaneira sobre o conteúdo do acordo a que as partes chegaram quanto à relação substantiva objecto do litígio.

– Constando de acordo alcançado na execução por exequente e executado e judicialmente homologado por sentença , que todos os valores pedidos no âmbito dos presentes autos mostram-se completamente cumpridos, não pode o mesmo ser interpretado no sentido de que as prestações de alimentos vencidas no decurso da execução mas não reclamadas na acção coerciva estão também pagas pelo obrigado/executado.

Sumariando –  ( cfr. nº 7, do artº 663º, do CPC).

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6ª Secção CÍVEL do Tribunal da Relação de Lisboa.

                                             
***

1.– Relatório:

    
A, veio em 18/5/2018 deduzir incidente de incumprimento – no tocante a prestação de alimentos - de decisão de regulação das responsabilidades parentais, contra B, e no interesse dos menores C ( nascida em 10/09/2003 ) e D ( nascido em 23/07/2006 ), nele peticionando que :
– Seja declarado o incumprimento da regulação das responsabilidades parentais por parte do Requerido e, consequentemente, se determine a notificação da entidade patronal do Requerido para:
a)- Deduzir o montante em dívida, de €4.049,89, referente às pensões de alimentos e despesas em dívida dos menores, a que acrescem as prestações vincendas e os juros de mora devidos a taxa legal até integral pagamento, acrescidos da devida sanção pecuniária compulsória prevista no n. 4 do art.º 829º-A do CC., até integral pagamento do montante vencido, os quais deverão ser directamente enviados a ora Requerente, sendo a entidade patronal do Requerido notificada para o efeito ;
b)- Seja ordenado que as prestações de alimentos vincendas dos menores no montante de €250,00 mensais, e face ao alegado incumprimento reiterado do Pai, passem doravante a ser descontadas directamente no vencimento do Requerido, devendo o desconto referido ser depois remetido para a Requerente através de transferência bancária.

1.1.– No âmbito do referido incidente, alegou a requerente, em síntese, que :
- Por decisão judicial homologatória de acordo de Regulação das Responsabilidades Parentais e de 22/9/2015, ficou assente/fixado que, a  título de pensão de alimentos para os menores C e D , o requerido/pai contribuiria mensalmente com a importância de €150,00 para cada menor, devendo as prestações serem enviadas por transferência bancária até o último dia de cada mês ;
- Ocorre que, desde Junho de 2017 que o Requerido não procede ao pagamento das despesas e pensões de Alimentos devidas aos filhos, as quais se encontram em dívida no valor de € 3.690,60, montante ao qual acresce a quantia de € 359,90 referente a despesas escolares ;
- Sendo certo que em sede de incidente coercivo que a requerente desencadeou com vista à cobrança de montantes em dívida, e no decurso de uma conferência de Pais realizada a 17/5/2018, acordada ficou – entre os progenitores dos menores - a redução do valor da pensão de alimentos para o montante mensal de €250,00,  a vigorar a partir de Junho de 2018, tal não inviabiliza a pertinência do presente incidente, sendo indispensável e premente para a requerente que o Pai/requerido proceda pontualmente ao pagamento da pensão de alimentos devida aos filhos.

1.2.– Conclusos os autos - em 23/5/2018 - para prolação de despacho liminar, proferiu de pronto o Exmª Juiz titular dos autos a seguinte decisão :
“ (…)
Vem interposto incidente de incumprimento.
O qual tem a natureza de procedimento pré-executivo.
Todavia constata-se que pende já execução - o mencionado P.1704/16.1T8SXL.
A qual satisfaz as finalidades pretendidas.
Ademais, constata-se que na execução, em 17, foi celebrado acordo.
E, em 18, também do corrente mês, foram intentados os presentes autos.
Vista a acta de 17/5/2018 de tais autos, constata-se que todo o objecto do presente incidente mostra-se já aí comtemplado.
Pelo que se ordena se junte a este incumprimento certidão de tal acta.
O aí acordado e homologado ainda nem sequer transitou em julgado.
Pelo que inexiste qualquer incumprimento.
Pretensão cuja falta de fundamento a requerente e sua II. Advogada não podiam ignorar.
Ainda assim, atenta a simplicidade do incidente, não se condenará neste momento qualquer das mesmas por litigância de má-fé.
Pelo que se indefere liminarmente o incidente, com custas no mínimo a cargo da requerente, sem prejuízo de eventual apoio judiciário.
Registe e notifique.
Imprima e junte esta decisão ao pp.
S., d.s.”

1.3.– Tendo a requerente A, em 23/5/2018, solicitado a aclaração da decisão identificada em 1.2., porque alegadamente contrariada pelo teor da acta de 17/5/2018 (da execução), proferiu o Exmº Juiz a quo o seguinte despacho :
“(…)
Vem requerida aclaração, com alegação de violação do disposto nos art°s. 616°,  547°,  e  987°, todos do CPC.

Cumpre decidir.

Dispõe o artigo 616°., do CPC, relativo à reforma da sentença:
"1– A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do disposto no n.° 3.
2– Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:
a)- Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;
b)- Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.
3– Cabendo recurso da decisão que condene em custas ou multa, o requerimento previsto no n.° 1 é feito na alegação."
É manifesto da decisão antecedente que não está preenchido qualquer dos requisitos do artigo 616°., do CPC
Por outro lado, é ainda manifesto que inexiste qualquer violação da adequação formal ou vinculação a legalidade estrita.
Por outro lado ainda, a decisão não padece de qualquer lapso, ambiguidade ou obscuridade.
Pelo que não carece de reparação.
Note-se que a ora requerente apenas menciona o acordado quanto a alteração do montante da prestação de alimentos, vertido no ponto 1 do mencionado acordo, mas olvida o n°2 ( bem como os n°s 3 e 4 ) do mesmo.

Na véspera da PI destes autos, foi na mencionada execução acordado nomeadamente:
"1.– Os progenitores acordam na presente data que o pai pagará doravante, designadamente à partir do dia 8 de Junho de 2018, a título de pensão de alimentos devida aos menores, a quantia de €125,00 (cento e vinte e cinco euros) por cada um dos menores, perfazendo um total de €250,00 (duzentos e cinquenta euros) o qual será transferido para a conta bancaria da mãe com o NIB 0..................62, montante este que será actualizado anualmente no mês de Janeiro, segundo o índice de inflação publicado pelo INE para o ano anterior, sendo que a primeira actualização ocorrerá em Janeiro de 2019;
2.– Estes valores de pensão de alimentos que agora ambos os progenitores aqui acordam, respeitam as pensões de alimentos devidas do mês de Junho de 2018 em diante. Porquanto, todos os valores pedidos no âmbito dos presentes autos já foram penhorados e mostram-se completamente cumpridos; (...)"
O sublinhado foi ora aposto.
Do mesmo, infere-se com liminar clareza que o acordo efectuado abrangeu toda a situação passada e futura quanto a alimentos.
Para futuro, vale o montante acordado em 17, ponto 1.
Quanto a todas as prestações passadas, vale a execução.
A peticionar-se neste incumprimento o já abrangido na execução, haveria litispendência, e oportunamente, caso julgado, sendo ademais esta instância inútil.
Tudo isto não olvidando a natureza pré-executiva do incidente de incumprimento.
Pelo que nada há a acrescentar, a reformar ou aclarar na decisão antecedente.
E improcede a aventada nulidade.
Notifique.
Imprima e junte ao pp. esta decisão e requerimento antecedente. Seixal, d.s. “

1.4.– Discordando da decisão referida em 1.2., veio de imediato e em tempo, a requerente A da mesma apelar, aduzindo, em sede de conclusões da instância recursória as seguintes considerações :
I.– Advém o presente Recurso da Sentença de 23/05/2018 que indeferiu liminarmente o presente Incidente de Incumprimento da Prestação de Alimentos intentado pela Recorrente, com o fundamento de inexistir qualquer incumprimento, face aos Autos de Execução 1704/16.1T8SXL intentados pela Requerente em 2016, pois que "Vista a acta de 17/5/2018 de tais autos, constata-se que todo o objecto do presente incidente mostra-se já aí comtemplado", o que não corresponde à verdade,
II.– Face ao que efectivamente resulta daqueles Autos de Execução, do teor do Acordo celebrado pelas partes vertido na Acta da Diligência de 17/05/2018, conforme transcrição da gravação da diligência que se junta sob o documento n.º 1 e do douto esclarecimento prestado pela M. Juiz relativamente ao teor da Cláusula nº 2 do Acordo conforme Despacho proferido em 01/06/2018 e que se junta sob documento n.º 2, cujo teor se dá por reproduzido e se transcreve para os devidos efeitos:,
" Relativamente, as quantias em dívida, nomeadamente, pensões de alimentos e despesas dos filhos vencidas desde Junho de 2017, pois também como a Ilustre Sra Advogada bem escreve "... cujo pagamento a Exequente não chegou a peticionar no decurso destes Autos.".
Ora, se a Sra. Advogada não o chegou a peticionar, como a própria salienta, parece-nos óbvio, que tal matéria, não chegou nunca a integrar o objecto dos presentes autos, de modo a poder pretender a Sra. Advogada, qualquer eventual julgamento sobre tal matéria, no âmbito da presente acção! "
III.– Pelo que a Decisão proferida não merece acolhimento, até porque não é consentido ao Ilustre Magistrado concluir que "Do mesmo, infere-se com liminar clareza que o acordo efectuado abrangeu toda a situação passada e futura quanto a alimentos. Para futuro, vale o montante acordado em 17, ponto 1. Quanto a todas as prestações passadas, vale a execução."
IV.– Quando tal não resulta sequer do que efectivamente as partes acordaram na Conferência dos Autos de Execução 1704/16.1T85XL, no qual as partes apenas chegaram a acordo quanto ao valor da pensão de alimentos a pagar pelo Executado para o futuro e quanto aos valores efectivamente pedidos nos Autos e já pagos.
V.– Decidindo assim o Ilustre Magistrado com a prolação da Decisão de mérito, sem atender ao art.º 3, nº 3 do CPC, sem a necessidade de produção de qualquer prova, entendendo dispensável até a realização da Conferencia de Pais " - art.ºs 41º e 48\1 do RGPTC -  e  sem considerar até a necessidade de fixar qualquer factualidade provada, em violação dos arts.º 295º, 607º n.º 4  e  615.º n.º 1 al b) do CPC.

Ora,
Contém-se no requerimento inicial que, mercê de sucessivos e reiterados incumprimentos do pai no pagamento da penão de alimentos devidos aos filhos menores, desde 2016, e assim desde há mais de dois anos, a Requerente Mãe viu-se forçada a intentar a Execução para cobrança de Alimentos que correu termos no Juiz 2 deste Tribunal, sob o nº 1704/16.1 T8SXL, Autos nos quais as partes celebraram Acordo no dia 17/05/2018 para redução do valor da pensão de alimentos para €250,00, para os dois filhos , a produzir efeitos a partir de Junho de 2018" - Vide art.º 16 do Requerimento Inicial .

VII.– Acordo este celebrado unicamente a pretexto da alegada situação de Insolvência invocada pelo Requerido que informou, através da sua I. Mandatária, ter para tanto se apresentado à Insolvência, Processo que correrá termos no Tribunal do Comércio de Vila Franca de Xira. - vide art.º 17 do Requerimento Inicial-
O que a Requerente ignora mas de boa fé aceitou, apesar de nada ter sido junto aos Autos pelo Requerido que comprovasse tal situação e, da consulta das pautas públicas de distribuição do Tribunal de Comércio da área de residência do Requerido, também não foi possível localizar tais Autos de Insolvência, razão pela qual se Impôs à Requerente avançar com o presente Incidente.
VIII.– O Acordo celebrado na diligência de 17/05/2018 nos Autos de Execução não abrange as prestações que entretanto se venceram no âmbito daqueles Autos e cujo pagamento a aqui Requerente não reclamou. - cfr. douto Despacho de 01/06/2018 .
IX.– Pelo que tais valores, objecto do presente Incidente de Incumprimento, contrariamente ao que se lê na Decisão de 23/05/2018, não foram objecto do Acordo dos Autos de Execução, pois que não faziam parte do pedido daqueles Autos nem foram pagos no âmbito da Execução, mantendo-se em dívida pelo Requerido.
X.– Pois que segundo o entendimento da M. Juiz titular dos Autos de Execução, não seria possível à Requerente cumular naqueles Autos o pedido de pagamento das prestações que se venceram desde Junho de 2017 e que não foram pagas, tendo de ser previamente declarado pelo Tribunal o respectivo Incumprimento. Razão pela qual a Requerente intentou o presente Incidente.
XI.– Daí que se não possa manter a Decisão apelada que, erradamente, pressupõe que: "A peticionar-se neste incumprimento o já abrangido na execução, haveria litispendência e oportunamente, caso julgado, sendo ademais esta instância inútil."
XII.– Lamentando-se que o M. Juiz dos Autos, acusando a Requerente e a signatária de litigância má fé, tivesse proferido a Decisão sub judice, sem que lhe fosse dada a oportunidade de esclarecer o seu pedido, exercendo o contraditório que a Lei lhe consente contra Decisões surpresa, nulas e injustas - cfr. art.º 3.ºn.º 3 do CPC - o que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos.
XIII.– O Tribunal violou assim as normas dos art.º 3º, 547º e 987.º do CPC e art º 48 do RGPT e que se invocam.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao Recurso e revogada a Sentença recorrida prosseguindo os Autos os seus precisos termos, com as legais consequências e só assim se fazendo Justiça!

1.5.– Contra-alegando, veio o requerido B impetrar que a apelação de A seja julgada improcedente, devendo manter-se na íntegra a decisão recorrida.
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Thema decidendum

1.6.– Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso] das alegações dos recorrentes (cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, a questão a apreciar e a decidir  resume-se à seguinte  :
I–  aferir se o despacho recorrido [de 23/5/2018] se impõe ser revogado, impondo-se o prosseguimento do incidente de incumprimento, maxime porque:
a)- Consubstancia em rigor uma Decisão Surpresa, nula e injusta, por força do disposto no art.º 3.º , n.º 3 do CPC;
b)- Não integra/fixa qualquer factualidade provada, em violação do art.º s  607º n.º 4 e 615.º , n.º 1 , al b) , do CPC.
c)- Ao invés do que consta do despacho recorrido, certo é que os montantes em dívida e mencionados no requerimento inicial não foram objecto do Acordo alcançado pelas partes nos Autos de Execução, nem foram pagos no âmbito da Execução, mantendo-se em dívida pelo Requerido.
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2.–Motivação de Facto.
A factualidade a atender em sede de julgamento do mérito da  apelação pelo Ministério Público interposta é a que se mostra indicada no Relatório do presente Acórdão, e para o qual se remete, acrescentando-se à mesma ainda a seguinte e decorrente do expediente documental junto aos autos:
2.1.– Do requerimento inicial executivo apresentado em 8/8/2016 pela ora apelante e requerente A, e contra B, constam, designadamente, os seguintes dizeres:
“ (…)
Forma : Acção Executiva
Espécie: Execução Especial de Alimentos (Of. Justiça)
Valor da Execução 1.199,61 €
Título Executivo Sentença condenatória Judicial
Factos:
1.– Exequente e Executado são Os Pais dos menores C nascida a 10/9/2003 e D, nascido em 23/07/2006, conforme cópia dos assentes de nascimento que ora se juntam sob os Documentos nºs (…)
2.– Por Decisão proferida em 22/09/2015 nos Autos de Divórcio por mútuo consentimento nº 2406/2015, que correram termos na Conservatória do Registo Civil do Seixal, foi homologado Acordo de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais a favor dos menores (…)
3.– Consta no ponto 31 do Acordo de Regulação da: Responsabilidades Parentais homologado que: "Os menores continuarão a ter a sua residência em casa da mãe, situada na Pta. G... P... M..., concelho de S..., da qual não poderá ser deslocalizada sem prévio conhecimento do Pai. "
E que,
4.– "A título de pensão de alimentos para os menores o pai contribuirá mensalmente com a importância de € 150,00 (cento e cinquenta Euros) relativamente ao filho C e € 150,00 (cento e cinquenta Euros) relativamente à filha Bruna D  a qual será enviada até ao último dia de cada mês através de transferência bancária do banco CGD com o NIB: 0.................. 62.
"O montante de actualização é de acordo com o índice de inflação publicado pelo Instituto Nacional de Estatística para o ano anterior já a vigorar a partir de Janeiro do ano seguinte." (…)
Sucede que,
5.– Desde Dezembro de 2015 que o Executado não procede ao pagamento na totalidade da despesas e Pensões de Alimentos devidas aos filhos, as quais se encontram em dívida.
Com efeito,
6.– Nos termos da referida Cláusula 100 do Regime  de Regulação das Responsabilidades Parentais em vigor, o Executado deveria proceder mensalmente, ao pagamento do montante actual de € 300,00, a título de pensão de alimentos.
7.– Sucede que o Executado não procedeu ao pagamento da pensão de alimentos, referente aos meses de Maio e de Julho, encontrando-se assim em dívida o valor de € 600,00;
Mais,

8.– O ora Executado não procedeu ao pagamento dos seguintes valores referentes aos Alimentos:
a)- Despesas de saúde, desde nelas se incluindo as consultas de psicologia, de Fevereiro, Março e Abril de 2016, no valor de € 105,00;
b)- Despesas escolares (material, visitas de estudo, matriculas, etc.) no valor de € 16,00 ;
c)- Despesas relacionadas com as actividades extracurriculares, no caso o escutismo, no valor de € 4,00;
d)-  Despesas com a frequência do ATL, desde Dezembro de 2015, mensalidades, e explicações no valor de € 424,61.
e)-  O Abono de família recebido pelo Executado referente ao mês de Julho: €50,00;

9.–   O que perfaz total em dívida pelo Executado de € 1.199,61,
10.– Quantias que já se encontram vencidas.
11.– Devidamente interpelado para o pagamento, o executado não respondeu, nem procedeu ao pagamento dos valores em dívida.
12.– A Exequente suporta todas as despesas de habitação, bem como de alimentação, saúde e vestuário dos filhos, para além das suas próprias despesas.
13.– Estão assim preenchidos os pressupostos para que o processo de Execução possa ser aplicado, a saber, está fixado por Decisão transitada em julgado a prestação de alimentes mensal a pagar e não se verifica a satisfação da quantia em dívida.
Pelo que,
14.– Considerando a persistente situação de incumprimento por parte do Executado e em defesa do superior interesse dos filhos,
15.– A Exequente vê-se forçada a instaurar a presente Execução Especial de Alimentos ao abrigo do disposto no artº 933.° do CPC.

Termos em que,
Requer a V. Exa. que, nos termos dos artsº  933° e segs , do CPC, ordene, de imediato, a penhora do vencimento do Executado, notificando-se para o efeito a sua entidade patronal (…) para pagamento das despesas e prestações de alimentos em dívida no montante de € 1.199,61, a que acrescem as prestações vincendas e os juros de mora devidos à taxa legal até integral pagamento, acrescidos da devida sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 4 do artº 829.º-A do C.C., a remeter mensalmente à Exequente, através do depósito da sua conta bancária (…)

2.2.– Foi realizada uma  CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS que teve lugar - a 17/5/2018 - no decurso da acção de Execução Especial de Alimentos identificada em 2.1., constando da respectiva ACTA o seguinte :
Exequente                  :  A
Mandatário da Exequente  :  Helena …
Executado                            :  B
Mandatária                          :  Teresa ….
Mandatária                          :  Maria ….
Magistrado Judicial            :  Drª Ana ……..
À hora designada, foi por mim efectuada a chamada, verificando estarem presentes os seguintes Intervenientes:
Presentes: Exequente e sua il. mandatária. o executado e sua il. mandátaria.
(…)

Ouvidas as partes e as ilustres advogadas presentes, após, proposta avançada pela ilustre advogada do executado, e contraproposta retribuída pela ilustre advogada da exequente, foi alcançado o seguinte:

Acordo
1.– Os progenitores acordam na presente data que o pai pagará doravante, designadamente a partir do dia 8 de Junho de 2018, a título de pensão de alimentos devida aos menores, a quantia de 125,00 (cento e vinte e cinco euros) por cada um dos menores, perfazendo um total de €250,00 ( duzentos e cinquenta euros ) o qual será transferido para a conta bancaria da mãe com o NIB 0.................62, montante este que será actualizado anualmente no mês de Janeiro, segundo o índice de inflação publicado pelo INE para o ano anterior, sendo que a primeira actualização ocorrerá em Janeiro de 2019;
2.– Estes valores de pensão de alimentos que agora ambos os progenitores aqui acordam, respeitam as pensões de alimentos devidas do mês de Junho de 2018 em diante. Porquanto, todos os valores pedidos no âmbito dos presentes autos já foram penhorados e mostram-se completamente cumpridos ;
3.– Os progenitores acordam ainda em que fica sem efeito a comparticipação do progenitor em todas as despesas que venham a ocorrer com os menores, de agora em diante, todas, com a única excepção de ficar a mesma obrigado a comparticipar em 50% nas despesas anuais que ocorrem em Setembro de cada ano Lectivo, nomeadamente, livros escolares e lista de material solicitado pelos professores.
4.– A mãe deverá remeter a factura/comprovativo das despesas e dos livros dos materiais dos menores, via-e-mail, aguardando que o mesmo no mês seguinte a apresentação de tais facturas/comprovativos, transfira o montante (50%) que lhe cumpre assegurar de tais despesas
***

Concedido o uso da palavra aos ilustres advogadas presentes, pelas mesmas foi dito nada ter a acrescentar, requerendo a homologação do acordo alcançado.
***

De seguida, pela Mm.ª Juiz foi proferida a seguinte:

Sentença:
Ouvidas as il.s Advogadas presentes, nada tiveram a opor ou a requerer e em consonância com a vontade das partes e com a posição das il.s Advogadas aqui manifestadas, homologo pela presente sentença o acordo alcançado nos exactos termos firmados, condenando ambos os progenitores a cumpri-lo nos seus precisos termos.
Registe e notifique.
Dê de imediato a competente baixa no Citius;
Custas pela exequente (tem apoio judiciário);
D.N,
Valor do Processo: 30.000,01€
***

Da presente sentença foi dado conhecimento a todos os presentes, os quais disseram ficar da mesma cientes.

Logo, todos os presentes foram devidamente notificados.

Pelas 11:44 horas, a Mmª Juiz declarou encerrada a audiência, da qual, para constar, se lavrou a presente acta, que lida e achada conforme, vai ser devidamente assinada.

2.3.– No decurso da acção de Execução Especial de Alimentos identificada em 2.1., veio a exequente apresentar requerimento em 7/11/2016, no mesmo solicitando o prosseguimento da acção pela quantia exequenda de €1914,82 [ €1.199,61 + €715,21 ], porque entretanto vencidas – e não pagas - as prestações mensais de Setembro, Outubro e Novembro de 2016;
2.4.– No decurso da acção de Execução Especial de Alimentos identificada em 2.1., veio a exequente apresentar requerimento em 11/4/2017, no mesmo solicitando o prosseguimento da acção pela quantia exequenda de €3353,36, porque entretanto vencidas – e não pagas pelo executado - as prestações mensais de Dezembro de 2016 e Janeiro a Abril de 2017, acrescidas do montante de 953,36€ e referente a despesas escolares;
2.5. -  Na acção de Execução Especial de Alimentos identificada em 2.1., e porque considerados verificados os subjacentes pressupostos, foram admitidas (v.g. por decisão de 30/5/2017) as cumulações sucessivas requeridas pela exequente e identificadas em 2.3. e 2.4.;
***

3–Motivação de  Direito
3.1.- Se a decisão recorrida consubstancia em rigor uma Decisão Surpresa, nula e injusta, por força do disposto no art.º 3.º , n.º 3 do CPC
A justificar a revogação do despacho recorrido, o identificado em  1.2 supra, invoca a apelante que vedado estava ao tribunal a quo proferir decisão de indeferimento liminar de requerimento inicial de execução, e sem que, previamente, ouvisse o requerente, razão porque e em sintonia de com o preceituado no n.° 3 do art. 3º do Cód. Proc. Civil, em causa está a prolação pelo tribunal a quo de uma decisão-surpresa, logo nula, vício este que importa reconhecer e declarar.

Quid Juris ?

É consabido que, sob a epigrafe de “ Necessidade do pedido e da contradição“, diz-nos o artº 3º, do CPC, nos respectivos nºs 1 e 3, respectivamente, que “ O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição”, e que “ O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

O dispositivo referido, recorda-se, e ainda que com ligeiras alterações  relativamente ao actual artº 3º, apenas foi introduzido na nossa Lei adjectiva [ no artº 3º, do CPC , à data em vigor ] com o  DL n.º 329-A/95, de 12.12 , explicando então o legislador que :
“Significativo realce foi dado à tutela efectiva do direito de defesa, prevendo-se que nenhuma pretensão possa ser apreciada sem que ao legítimo contraditor, regularmente chamado a juízo, seja facultada oportunidade de deduzir oposição.
O incremento da tutela do direito de defesa implicará, por outro lado, a atenuação da excessiva rigidez de certos efeitos cominatórios ou preclusivos, sem prejuízo de se manter vigente o princípio da auto-responsabilidade das partes e sem que as soluções introduzidas venham contribuir, de modo significativo, para a quebra da celeridade processual.
Afirmam-se como princípios fundamentais, estruturantes de todo o processo civil, os princípios do contraditório, da igualdade das partes e da cooperação e procuram deles extrair-se consequências concretas, ao nível da regulamentação dos diferentes regimes adjectivos.
Assim, prescreve-se, como dimensão do princípio do contraditório, que ele envolve a proibição da prolação de decisões surpresa, não sendo lícito aos tribunais decidir questões de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente haja sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, e aplicando-se tal regra não apenas na 1.ª instância mas também na regulamentação de diferentes aspectos atinentes à tramitação e julgamento dos recursos.”.
Estando em rigor em causa um instituto [o da proibição de decisões- surpresa] ainda sem grande tradição no nosso Direito, cedo a doutrina [v.g. José Lebre de Freitas (1)] veio esclarecer e clarificar que o nosso legislador adoptava agora uma concepção do princípio do contraditório mais lata, devendo doravante o respeito pela contraditoriedade passar por uma “garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito ) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”.  Ou seja, ainda segundo José Lebre de Freitas (2), “ O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo.”

Porém, a mesma doutrina, cedo também passou a considerar que, e utilizando uma expressão muito popular na nossa língua, importava não passar do 8 para o 80, que o mesmo é dizer, não cair em excessos e ou exageros [prática e/ou vício de resto bem português, mormente em sede de interpretações da lei após alterações introduzidas pelo legislador em direito adjectivo].

É assim que, v.g. para Othmar Jauernig (3) , o tribunal “ não é obrigado sem mais a apresentar à discussão das partes, antes da decisão, o seu parecer jurídico”, ou seja,  e como assim já o considerou com total cabimento o nosso mais Alto Tribunal (4), “ a estrutura do nosso processo civil não prevê que o tribunal “discuta” com as partes o que quer que seja ”, sendo que, se é certo que o 3.º, n.º 3 do Código Processo Civil, exige do juiz uma diligência aturada de observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo o princípio do contraditório, o mesmo dispositivo é assertivo em ressalvar os casos em que a obrigatoriedade de ouvir as partes é manifestamente  desnecessária.

E, aqui chegados, o que importa doravante aferir/apurar é, caso v.g. no momento da prolação de despacho liminar, considera o Juiz que existe fundamento legal para de imediato por termo à respectiva instância, porque se apercebe designadamente da existência de vício adjectivo (v.g. de uma qualquer excepção dilatória típica ou inominada) insusceptível de regularização, se  ainda assim e em cumprimento do disposto no artº 3º, nº 3, do CPC, obrigado está em, previamente, ouvir a parte sobre tal conjectura e/ou pressuposição.

Ora, precisamente a propósito de tal matéria, e não se olvidando que entendimentos existem que [v.g. no tocante a situações de indeferimento liminar de petição inicial, e com vista ao cumprimento do disposto no artº 3º, nº 3, do CPC] apontam para a obrigatoriedade de prolação de um despacho pré-liminar de audição (5), é nosso entendimento que in casu a prolação deste último é de todo dispensável, não  justificando a sua omissão, de pronto, a qualificação da decisão proferida pelo tribunal como consubstanciando uma efectiva/real “decisão-surpresa”, violadora portanto do princípio do contraditório, plasmado no art. 3º, nº 3, do Código de Processo Civil.

É que, ocupando-se o artº 48º da Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro [REGIME GERAL DO PROCESSO TUTELAR CÍVEL] da cobrança coerciva da prestação de alimentos através de meios que usualmente se designam de pré-executivos, importa não olvidar que, em coerência, pressupõe desde logo o respectivo accionamento a existência de uma decisão judicial que obriga o devedor a prestar alimentos.

Depois, como com total lógica e acuidade se chama à atenção em douto Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul (6),  recorda-se que “ para haver lugar a indeferimento liminar é necessário que se trate de uma razão evidente, indiscutível, em termos de razoabilidade (…), e que torne inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, «quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial» , logo, e em coerência, pouco sentido faz a exigência de, na referida situação, ser a parte ouvida preliminarmente sobre a aludida eventualidade de vir a ser produzida uma decisão de não admissão e ou de indeferimento liminar do requerimento de natureza executiva.

Acresce que, quando em causa está v.g. a prolação de decisão que indefere um requerimento inicial de natureza coerciva com base vg em manifesta falta ou insuficiência do subjacente título, importa não olvidar que,  à partida, a posição da parte [a que dá inicio a instância pré-executiva] prejudicada é já conhecida do julgador [porque o despoletar de uma instância coerciva tem necessariamente como pressuposto subjacente e implícito, o entendimento do requerente de que é titular de decisão judicial que obriga o requerido], pois que, como é elementar, quem pretende desencadear a imediata cobrança coerciva de uma prestação alimentar, o que de imediato se lhe exige é que averigúe se dispõe de título que o permita .

Consequentemente, e como os respectivos vocábulos logo o indicam, a  decisão surpresa faz supor que a parte possa ser apanhada em falta por uma decisão que embora pudesse ser juridicamente possível, não esteja prevista nem tivesse sido configurada por aquela  (7), então não pode a parte invocar ter sido confrontada, com surpresa, com questão e/ou fundamento que em momento algum considerou, porque a tal não estava obrigada – o que não se concebe - , mostrando-se assim injustificada a exigência de um despacho pré-liminar de audição prévio a despacho de indeferimento liminar, antes tudo indica que a situação dos presentes autos faz também parte do rol dos casos “ de manifesta desnecessidade”, a que se refere expressis verbis o próprio nº 3, do art. 3º, CPC.

O referido entendimento, para além de no nosso entender ser o que melhor satisfaz a ratio do artº 3º, nº3, do CPC, por não enveredar por excessos de cautelas [como se estivesse o tribunal “ obrigado sem mais a apresentar à discussão das partes, antes da decisão, o seu parecer jurídico”], é também aquele que, de resto, mereceu já a adesão da 2ª instância, o que se comprova v.g. através de Acs. recentes proferidos pelo Tribunal da Relação de Coimbra (8) e outrossim pelo Tribunal da Relação de Lisboa (9).

Em conclusão, não se justificando a revogação da decisão apelada com fundamento em irregularidade [em sede de omissão de notificação do apelante para se pronunciar sobre a pretensa verificação de fundamento conducente ao indeferimento do requerimento inicial executivo] por violação do princípio do contraditório plasmado no nº3, do artº 3, do CPC], falecem portanto as conclusões recursórias da apelante atinentes a tal questão.
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3.2.– Da nulidade da decisão recorrida, porque não integra/fixa qualquer factualidade provada, em violação do art.º s  607º n.º 4 e 615.º, n.º 1, al b), do CPC.
Para a apelante, incorre também a decisão recorrida do vício de nulidade subsumível na alínea b), do nº 1, do artº 615º, do CPC, porque, para todos os efeitos, da mesma não consta a fixação dos factos provados, sendo de todo omissa quanto à respectiva delimitação.
Ora, adiantando desde já o nosso veredicto, temos para nós que também o referido vício não se verifica.
É que, desde logo, como consubstancia entendimento há muito consensual na doutrina e jurisprudência, e no que ao vício de nulidade de sentença concerne, por ausência de fundamentação ( subsumível na alínea b), do nº1, do artº 615º ), uma coisa é a total (10) falta absoluta de motivação (quando não existe de todo), e, outra bem diferente - o que não integra já o vício de nulidade -, é a existência de alguma fundamentação, sendo porém ela escassa, deficiente ou até mesmo pobre.
Ou seja, para que ocorra o vício de nulidade a que se refere o artº. 615º, nº.1, al. b), do C.P.Civil, necessário é que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão – em termos de facto e de direito – seja deficiente ou incompleta, este último que, podendo é verdade afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, não fulmina de nulidade. (11)
Isto dito, e analisado o conteúdo da decisão recorrida, a verdade é que pertinente não é censurá-la por ausência de fundamentação, pois que ela existe, ou seja, difícil não é à apelante entender as razões que justificaram o indeferimento liminar da execução.
Dir-se-á que, pode a apelante, é pacífico, discordar das aludidas razões, mas já não lhe é “permitido” invocar a nulidade da decisão por ausência de fundamentação de facto.
De resto, casos há em que, estando essencialmente em causa matéria de direito, é óbvio que a não indicação de factualidade provada acaba em última análise por se revelar de todo prejudicada ou não necessária para a compreensão do julgado.
Improcede, portanto, também a apelação no que à invocada nulidade de decisão concerne.
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3.3.– Se a decisão recorrida incorre em error in judicando, porque, ao invés do que na mesma é afirmado, certo é que os montantes em dívida e mencionados no requerimento inicial não foram objecto do Acordo dos Autos de Execução, nem foram pagos no âmbito da Execução, mantendo-se portanto em dívida pelo Requerido.

Como vimos supra, uma vez deduzido pela apelante A, incidente de incumprimento - pelo requerido/apelado B - de decisão atinente à regulação do exercício das responsabilidades parentais, e relativamente a ALIMENTOS, foi de imediato posto termo à respectiva instância com o fundamento de que todo o objecto do incidente mostrava-se já resolvido [não existindo assim qualquer incumprimento pelo requerido/apelado B] por acordo estabelecido entre os progenitores dos menores e que teve lugar no âmbito de acção executiva .

Discordando a apelante da decisão recorrida, o julgamento do mérito da presente apelação passa no essencial pela interpretação da sentença identificada em 2.2., designadamente aferir se permite o respectivo conteúdo a interpretação que da mesma faz o Exmº Juiz a quo, mais exactamente nos termos que constam do despacho apelado e também nos termos que integram a decisão que consta do item 1.3. do presente Acórdão.

Porque o entendimento do Exmº Juiz a quo não se mostra minimamente defensável, e adiantando desde já o nosso veredicto, a procedência da apelação mostra-se inevitável e forçosa.

Senão, vejamos.

Como é consabido, porque é a decisão judicial escrita um dos principais actos do juiz, maxime na vertente/modalidade de acto de composição judicial ou de decreto ou ordem, e do qual decorre uma consequência com eficácia material jurídica, inquestionável é que constitui a mesma um verdadeiro acto jurídico, ao qual se aplicam portanto as regras reguladoras dos negócios jurídicos ( cfr. art. 295º do Código Civil ).

Em razão do referido, e como acto jurídico que é, está também ela – a decisão judicial - sujeita a imperfeições e/ou deficiências em sede de transmissão da declaração/mensagem que incorpora, ou de dúvidas sobre o exacto sentido da decisão/comando, o que tudo obriga inevitavelmente à necessidade da sua  interpretação.

Inquestionável é, portanto, que a decisão judicial, como acto jurídico, está inevitavelmente sujeita a interpretação, sendo que esta última,  todavia, não tem por objecto a reconstrução da mens judicis , mas apenas a busca do exacto sentido da estatuição que a mesma incorpora.

Isto dito, e por força do disposto no artº 295º, do CC, temos assim que, desde logo, as normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial são, também elas ( artºs 236º e segs. do CC ), aplicáveis em sede de interpretação de uma decisão judicial. (12)
Ora, em razão do disposto no artº 236º, nº1, do CC, a decisão judicial carece de ser interpretada com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu contexto.

Para o efeito, porque tem a interpretação por desiderato essencial a descoberta do sentido do comando decisório da decisão judicial, há-de a tarefa interpretativa debruçar-se, essencialmente, e numa primeira fase, na parte dispositiva da decisão e a que alude o nº3, in fine, do artº 607º, do CPC.

É que, em regra, é o teor da decisão que nos indica qual o alcance do julgado, isto é, as questões que devem considerar-se resolvidas . (13)

Mas, depois, estando como está, todo o comando decisório, alicerçado e interligado a concretos e antecedentes fundamentos ( de facto e de direito), pertinente é que a interpretação deva igualmente socorrer-se da motivação da decisão e para, através da mesma, melhor se poder aferir do exacto alcance do decisum, ou do dispositivo.

Na verdade, como adverte Carnelutti (14), se em princípio a sede do julgado está na parte dispositiva, certo é que tal princípio deve se manejado com cautela, pois que “ o que se quis decidir há-de derivar, não unicamente do dispositivo da sentença, mas ainda da motivação “,  ou seja, a  sentença não é “nem dispositivo sem motivos, nem motivos sem dispositivo, mas a fusão deste com aqueles”.

Por fim, necessário é também, por vezes, ir mesmo mais longe ( maxime quando a fundamentação é escassa, inconclusiva ou até às vezes praticamente inexistente), o que não é de admirar, pois que, se uma decisão representa por regra o resultado final de um procedimento (muitas vezes longo), o normal é que possa/deva ser a mesma interpretada à luz da globalidade dos actos que a precederam, quer se trate de actos das partes ou até de actos do próprio tribunal. (15)

Dito de uma outra forma, “embora o objecto da interpretação seja a própria sentença, a verdade é que, nessa tarefa interpretativa, há que ter em conta outras circunstâncias, mesmo que posteriores, que funcionam como meios auxiliares de interpretação, na medida em que daí se possa retirar uma conclusão sobre o sentido que se lhe quis emprestar ( Vaz Serra, RLJ, 110-42 ) “ . (16)

Sendo as considerações acabadas de aduzir as que se justificam e/ou que fazem sentido quando em causa está uma sentença judicial proferida nos termos do artº 607º, do CPC, importa porém não olvidar que in casu é a sentença interpretanda bastante sucinta, porque meramente homologatória e ditada para a acta nos termos do nº4, do artº 290º, do CPC, razão porque, sendo a verdadeira fonte da resolução do litígio o acto de vontade das partes, que não a sentença homologatória proferida pelo Juiz (17), há-de então a tarefa interpretativa incidir sobremaneira sobre o conteúdo do acordo ( que vale por si como negócio das partes) a que as partes chegaram quanto à relação substantiva objecto do litígio, acordo que em rigor limita-se a sentença homologatória a sancionar como válido, quanto ao objecto da causa e quanto à qualidade das pessoas que nele intervieram – cfr. nº3, do artº 290º, do CPC.

Ou seja,  como bem se refere no citado Ac do STJ e de 30/10/2001 , e uma vez as partes acordando sobre o objecto do processo, é então a intervenção do juiz de mera fiscalização sobre a legalidade do objecto desse contrato e da qualidade das pessoas que o celebram, não conhecendo do mérito, antes sancionando a solução que as partes encontraram para a demanda, como que absorvendo o acertamento que esses sujeitos processuais deram ao litígio, no âmbito da autonomia privada e dentro dos limites da lei, convencionando o que bem entenderam quanto ao objecto da causa.

Mas, precisamente porque não retira a prolação de uma sentença judicial homologatória de um acordo - necessária tão só para apreciação da legalidade dos seus pressupostos quanto ao objecto e à qualidade dos intervenientes – o carácter e a natureza contratual deste último [ cfr. artº 1248º, do CC ] , mais sentido faz então que deva o mesmo estar sujeito ao respectivo regime geral (arts. 405º e segs do Cód. Civil) , maxime ao dos artºs  236º a  238º e em sede de interpretação.

Aqui chegados, e incidindo sobre o concreto, mais exactamente sobre parte do processado nos autos de execução e do qual emerge o ACORDO que a decisão apelada refere ter resolvido – inexistindo assim incumprimento pelo apelado – a questão que em rigor integra a causa petendi do incidente de incumprimento liminarmente indeferido, verifica-se que, no respectivo requerimento inicial, apenas reclama a exequente a cobrança coerciva de uma quantia de  € 1.199,61, sendo que, desta última apenas fazem parte as prestações de alimentos mensais vencidas e referente aos meses de Maio e de Julho de 2016 [ cfr item., nº 2.1, da motivação de facto ].

Mais se descobre da motivação de facto que [fr itens nºs 2.3 e 2.4. da motivação de facto], no decurso da acção de Execução Especial de Alimentos identificada em 2.1., veio a exequente apresentar requerimentos [em 7/11/2016 e em 11/4/2017]  em que solicita o prosseguimento da acção, também, por quantia exequenda correspondente a prestações mensais vencidas e não pagas já no decurso da acção coerciva, máxime tendo por objecto as prestações mensais de Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2016 , e Janeiro a Abril de 2017 .

Porque as solicitadas – pela exequente - cumulações sucessivas foram deferidas [cfr item nº 2.5. da motivação de facto], temos assim que, no âmbito da instância coerciva despoletada pela exequente C, foi no seu decurso alargado o respectivo objecto, e passando o crédito exequendo a incluir vg as prestações mensais de Maio, Julho, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2016, e de Janeiro a Abril de 2017 .

Em rigor, dir-se-á que a causa petendi da execução intentada por C, e contra B, vem a ser objecto de ampliação já na pendência da instância coerciva.

Ora, tendo em acordo de 17/5/2018 e alcançado  no decurso da acção de Execução Especial de Alimentos, exequente e executado declarado que “ todos os valores pedidos no âmbito dos presentes autos já foram penhorados e mostram-se completamente cumpridos “, é óbvio que, e no que às prestações mensais de alimentos devidas pelo executado concerne, só declaram/aceitam as partes ( no referido acordo) que as prestações mensais de Maio , Julho, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2016 , e de Janeiro a Abril de 2017 , estão já pagas.

Mas, já as prestações mensais vencidas desde JUNHO DE 2017 [ precisamente as incluídas no requerimento inicial de incumprimento e pelo tribunal a quo indeferido liminarmente], não se descortina como considerar também abrangidas no acordo homologado, desde logo porque não reclamadas sequer “ no âmbito dos presentes autos”, ou seja, na execução.

A referida interpretação, convenhamos, é aquela que se afigura como a ajustada, porque á aquela que, um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, deduziria do comportamento do declarante/exequente, a que acresce que, a interpretação do tribunal a quo, e salvo o devido respeito, não tem sequer no texto do acordo um mínimo de correspondência [cfr artºs 236º e 238º ambos do CC], pois que, para o referido efeito, e ao invés de “todos os valores pedidos no âmbito dos presentes autos”, teriam as partes declarado “ todas as prestações vencidas até à presente data “.

Em suma, desde que sujeito a uma interpretação em consonância com as regras dos artºs 236º e 238º, ambos do CC, e complementada a mesma com a análise da globalidade dos actos que o precederam no âmbito da execução pela apelante proposta, inevitável é concluir que pouco sentido faz o entendimento do tribunal a quo de que “ todo o objecto do presente incidente mostra-se já aí (no acordo) comtemplado”, ou seja, não “ inexiste qualquer incumprimento” .

Destarte, e sem necessidade de mais considerações, a apelação de A merece ser atendida, devendo proceder e, consequentemente, ser a decisão apelada revogada, prosseguindo - para apreciação e julgamento – o  incidente de incumprimento apresentado por A em 18/5/2018 .
***

5–Decisão.
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em, concedendo provimento à apelação interposta por A :
5.1. -  Revogar a decisão recorrida;
5.2. - Determinar que o tribunal a quo prossiga (para apreciação e resolução) com a tramitação do incidente de incumprimento deduzido por A.
Custas da apelação pelo apelado, e sem prejuízo do apoio judiciário, se concedido.
***


LISBOA, 7/2/2019


                                   
António Manuel Fernandes dos Santos (O Relator)
Eduardo Petersen Silva (1º Adjunto)                                     
Cristina Isabel Ferreira Neves (2ª Adjunta)



(1)In Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, páginas 95/96.
(2)Ibidem.
(3)In Direito Processual Civil, Almedina,2002, página 169, citado no Ac. do STJ )
(4)Vide Acórdão do STJ de 4/6/2009, in Proc. nº 09B0523, sendo Relator JOÃO BERNARDO e disponível in www.dgsi.pt
(5)Cf. decisão Sumária do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29/1/2018, Proc. nº 3550/17.6T8CBR.C1, e disponível in www.dgsi.pt.
(6)De 18-06-2015, proferido no Proc. nº 08710/15, e disponível in www.dgsi.pt
(7)Cfr. Ac do STJ de 14 de Maio de 2002 , sendo Relator Lopes Pinto), e citado no douto aresto mencionado na nota anterior.
(8)Vide o Acs. de 27/2/2018 ( proferido no proc. 5500/17.0T8CBR.C1)
(9)Vide os Ac.s de 27/9/2017 ( proferido no proc. nº 10.847/15. 8T8LSB-D.L1-4 ) e de 9/11/2017 ( proferido no proc. nº 1375/04.8TYLSB-Z.L1-2 ), ambos disponíveis in www.dgsi.pt
(10)Cfr. o Ac. do STJ  de 5/5/2005, in www.dgsi.pt.
(11)Cfr. o Prof. José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, V , Coimbra Editora, 1984, pág.139 a 141 ;  Prof. Antunes Varela e Outros, in Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 687 a 689 e Luís Filipe Brites Lameiras, in Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil,  2ª. edição, Almedina, 2009, pág. 36.
(12)Cfr. António Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil, Tomo I, 2ª edição, Coimbra, 2004, pág. 227 .
(13)Cfr. José Alberto os Reis, in Código de Processo Civil, 1984,  Volume V,  págs. 46 e segs. .
(14)Citado por José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, 1984,  Volume V,  págs. 46 e segs. .
(15)Cfr. Ac. do TR de Coimbra, de 15/1/2013, in www.dgsi.pt.
(16)Cfr. Ac. do STJ de 5/11/2009, sendo Relator Oliveira Rocha, in www.dgsi.pt.
(17)Cfr. Acórdão do STJ de 30/10/2001, Proc. nº 01A2924, sendo Relator AZEVEDO RAMOS e in www.dgsi.pt.