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PROVIDÊNCIA CAUTELAR
ARRESTO
REQUISITOS
PERICULUM IN MORA
OPOSIÇÃO AO ARRESTO
Sumário
I.– Assentando a decisão que o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito dos requerentes na circunstância de a requerida ter sede no Mónaco, e que os únicos bens conhecidos em Portugal seriam os bens móveis que se encontravam no locado, os quais a requerida se preparava para retirar, a prova de que tais bens são de terceiro determina a inexistência de tal requisito essencial à manutenção do arresto.
II.– O arresto incide, por norma, sobre bens do devedor e em poder deste, existindo ainda hipóteses do arresto poder ter por alvo bens de terceiro ou bens do devedor que se encontrem na posse de terceiro, mas sempre a factualidade que permite o arresto de tais bens tem de ser alegada em sede de requerimento inicial.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa. I.–Relatório:
A… e AM… intentaram procedimento cautelar de Arresto contra C… alegando, em suma, que por força do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, a requerida deve aos requerentes a quantia de € 60.676,17, sendo justificado o seu receio de perda da garantia patrimonial de tal crédito pelo facto de a requerida se preparar para abandonar o locado, não tendo a mesma actividade em Portugal. Pedem assim, o arresto sobre: a)- Os bens móveis que constituem o recheio da fração acima identificada e que são os descritos na relação de bens de fls. 126-128; b)- Sobre os montantes depositados em contas bancárias de que a requerida seja titular em Portugal, com prévia indicação de tais contas pelo Banco de Portugal; c)- Quaisquer veículos automóveis registados em nome da requerida, incluindo aquele que se encontra dentro do imóvel arrendado pelos requerentes, para o que requerem seja oficiado o Instituto dos Registos e do Notariado, para indicar os veículos automóveis de sua propriedade.
Inquiridas as testemunhas foi com data de 31/10/2016, proferida decisão que julgando procedente a providência ordenou o arresto bens móveis identificados na relação de bens de fls. 126 a 131vº, consignando-se porém, que «não podendo ser objeto de arresto, os bens que forem indispensáveis a qualquer casa (recheio), como por exemplo, mesas, cadeiras, camas, armários, fogão, frigorífico, tal se aplica apenas às pessoas singulares e não às sociedades comerciais (empresas)». Mais se determinou que se indague quais as contas bancárias de que a requerida é titular em instituições bancárias a operar em Portugal.
Indeferindo-se o arresto quanto ao veículo automóvel identificado no requerimento inicial, justificando-se que não resulta indiciariamente demonstrado que seja pertença da requerida. E de igual modo se indeferiu o pedido de informação ao Instituto dos Registos e Notariado, nos termos requeridos pelos requerentes no requerimento inicial, com o fundamento que competiria aos mesmos a identificação dos bens a arrestar, podendo, pelos seus próprios meios, solicitar tal informação àquele Instituto. A requerida deduziu oposição alegando, em síntese, que que não se verificam, "in casu", os pressupostos de que a lei faz depender o decretamento do procedimento cautelar de arresto, pois dada a falta de condições do locado os requerentes não permitiram o uso e fruição do mesmo em termos normais, o que determinaria uma redução do valor da renda e a requerida pretendeu cessar o arrendamento, e suspendeu o mesmo, tendo pago dois meses de caução que devem ser considerados. Mais refere que os bens móveis penhorados são de terceiro, ou seja do sócio gerente da requerida. Concluindo que a providência deve ser revogada por não provada, determinado o levantamento do arresto sobre os bens de terceiro e serem os requerentes condenados como litigantes de má-fé, no pagamento de multa e indemnização à requerida.
Ouvida a prova apresentada foi proferida decisão que julgou improcedente a oposição e manteve a decisão do arresto.
Inconformada a requerente recorreu de tal despacho, pedindo a sua nulidade nos termos do disposto no artº 615º nº 1 alínea d) do CPC, dado o juiz a quo ter deixado de se pronunciar sobre questões que deveria ter apreciado, e ser julgado o recurso procedente a sentença revogada e substituída por outra que ordene o levantamento do arresto de bens de terceiro, apresentando as seguintes conclusões: «1.– O presente recurso vem interposto da decisão que manteve o arresto por ter concluído que a Requerida não logrou fazer prova do alegado em sede de oposição, designadamente capaz de abalar a convicção do tribunal sobre o preenchimento dos dois requisitos do arresto. 2.– Com o devido respeito, não se alcança como é que o Tribunal a quo extrai semelhante conclusão se nenhuma ponderação foi feita relativamente aos factos carreados para os autos em sede de oposição, e dados como provados e que, salvo melhor opinião, permitem afastar a matéria dada como indiciariamente provada na fase não contraditória do arresto, no que respeita aos requisitos do arresto. 3.– O Tribunal a quo não ponderou a existência do pagamento pela Requerida de € 10.000,00, de Junho de 2016, respeitante à renda de 16 de Abril a 15 de Maio de 2016, dado como provado no ponto 1 da matéria de facto provada, nem os 2 (dois) meses de renda liquidados antecipadamente pela Requerida, aquando da assinatura do contrato, a título de caução e garantia do pontual e integral cumprimento das obrigações contratuais, no valor de € 16.646,66, assim como não foi feita qualquer ponderação relativamente ao facto de a Requerida estar privada do pleno gozo do locado, senão desde o início do contrato, pelo menos a partir de Julho de 2016, data em que começaram as obras que o tornaram inabitável. 4.–A inabitabilidade do locado decorre não só dos registos fotográficos juntos com a oposição (cfr. Documentos nºs 13 a 42), não impugnados pelos Requerentes, mas também do depoimento da testemunha L... que confirmou que, entre outros trabalhos, substituíram o sistema do ar condicionado, fizeram obras no terraço, e que, além do que lhe transmitiram os vizinhos relativamente ao estado do imóvel, quando voltou em Outubro verificou que os trabalhos não tinham terminado e que tinham literalmente “invadido a casa”. 5.– Conforme facto provado sob o nº 8, em 22 de Setembro de 2016, a Requerida informou os Requerentes de que pese embora a renda estivesse paga até 30 de Junho de 2016, não estavam a usufruir da casa desde o início desse mês em virtude de as obras, a decorrerem no terraço e dentro de casa, não permitirem o normal uso do locado. 6.– O tipo de trabalhos desenvolvidos no locado foram relatados pela testemunha L…, (depoimento gravado no sistema H@bilus Media Studio: nº 20170130142302_19130197_2871021, com início no minuto 46:15 e terminus no minuto 53:55), que esclareceu que, além da descrição que lhe foi feita pelos vizinhos, pôde constatar que a casa estava inabitável. 7.–Sem prejuízo de alguns pertences que se mantiveram no locado propriedade da testemunha L…, o imóvel estava efectivamente desocupado por força das obras que nele decorriam e que o tornaram inabitável, o que se conclui, não só pelo depoimento da referida testemunha, tido pelo Tribunal como “absolutamente convincente”, mas pelo simples confronto com os registos fotográficos juntos aos autos. 8.– E, nessa medida, deveria o facto constante da alínea b) dos factos não provados ser dado como provado, por ter sido feita prova que o permite sustentar. 9.– O legislador dá a solução para o problema quando, nos termos do artigo 1040º, nº 1, do CC, a propósito da privação ou diminuição do gozo da coisa locada, refere que há lugar a uma redução da renda proporcional ao tempo da privação ou diminuição e à extensão desta, questão que não mereceu também qualquer ponderação por parte do Tribunal recorrido. 10.–O direito de crédito reclamado pelos Requerentes não se encontra demonstrado, ainda que indiciariamente, não só pelos pagamentos efectuados pela Requerida, como pela privação do uso a que votaram o locado. 11.– A Requerida liquidou a renda até ao fim de Junho de 2016, data em que teve de abandonar o locado por manifestas condições de inabitabilidade do mesmo, tendo os Requerentes na sua posse ainda dois meses de renda liquidados antecipadamente a título de caução. 12.–Pelo que, ao ter deixado de se pronunciar sobre questões acima elencadas, essenciais ao apuramento da verificação dos requisitos do procedimento cautelar, a decisão em crise colocou em causa o disposto no artigo 1040º, nº 1, do CC e no artigo 368º, nº 1, do CPC. 13.–No que respeita à verificação do segundo requisito do arresto, o justo receio de perda de garantia patrimonial, o Tribunal considerou que a Requerida também não logrou provar quaisquer factos novos susceptíveis de se mostrarem capazes de fundar uma convicção oposta àquela que fundou a decisão inicialmente proferida. 14.–Foram três os fundamentos que sustentaram o preenchimento do “periculum in mora” aquando do decretamento do arresto, a saber: a) a sociedade Requerida ter sede no Mónaco; b) não lhe serem conhecidos outros bens em Portugal além dos que constituem o recheio da fracção; e c) o facto de a Requerida se apressar em deixar a fracção e dela retirar os bens móveis que constituem o recheio da mesma. 15.– Se os bens que constituem o recheio do locado, identificados no auto de arresto, são pertença exclusiva de terceiro, conforme concluiu o Tribunal a quo, e se, conforme resultou igualmente provado, quem os retirou do locado foi, não a Requerida, mas terceiro, então impõe-se concluir que o único fundamento que subsiste para sustentar o periculum in mora é o facto de a Requerida ter sede no Mónaco. O que, desacompanhado de outros fundamentos, é insuficiente para demonstrar o receio de perda da garantia patrimonial do crédito, designadamente, quando nos dias que correm existem vários procedimentos europeus com vista ao apuramento e apreensão de bens (ex: Regulamento (EU) nº 655/2014, de 15 de maio). 16.–O desconhecimento relativamente ao património da Requerida, que serviu para sustentar o “justo receio” de perda da garantia patrimonial, não se afigura válido à luz da lei vigente e, aliás, tem merecido censura por parte da jurisprudência no sentido de que não basta o receio subjectivo do credor, baseado em meras conjecturas, o receio para ser justificado tem de assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação. 17.– Para o preenchimento do referido requisito, impunha-se que tivesse sido considerada a actividade da Requerida, a sua situação económica e financeira, a sua solvabilidade, a existência de uma situação fundada de dissipação ou extravio de património, um eventual insolvência ou notícia de uma situação económico-financeira débil, a ocorrência de procedimentos anómalos que revelassem o propósito de não cumprir a obrigação, nada tendo sido referido neste sentido na decisão, tendo o Tribunal recorrido mantido o “fundado receio de perda de garantia patrimonial” com base exclusivamente no facto de a Requerida ter sede no Mónaco, sem se perceber em que medida é que tal facto pode consubstanciar um “perigo” para a perda de garantia. 18.– Se os únicos bens que saíram do locado são propriedade de terceiro não se verifica qualquer perigo justificado, qualquer probabilidade séria, de diminuição do património do devedor, que serve de garantia à invocada dívida. 19.– Aliás, quando a providência foi decretada ainda decorriam diligências com vista a apurar da existência de outros bens propriedade da Requerida, designadamente, no que respeita à existência de contas bancárias, diligências cujo resultado se desconhece considerando que não foi comunicado aos autos nem oficiosamente determinado pelo Tribunal a quo. 20.– Sobre a eventual redução da medida cautelar decretada, a decisão em crise refere que nada foi alegado nesse sentido, e também com base nesse fundamento foi julgada improcedente a oposição. Sucede que, se se atender ao disposto no artigo 393º, nº 2, do CPC, o Juiz tem o poder vinculado de reduzir o arresto aos seus justos limites nos casos em que tenha sido requerido em mais bens do que os suficientes para a segurança normal do crédito, podendo acontecer que, após a apreensão dos bens, se conclua que o seu valor excede o crédito que se visa garantir, impondo-se a sua correcção oficiosa, sem necessidade, sequer, de se conferir à parte contrária o direito ao contraditório. 21.– Trata-se de um poder-dever do Juiz, desde que os autos o revelem, de limitar a apreensão aos bens que se mostrem realmente necessários para garantir o pagamento do crédito (vide, assim, a título meramente exemplificativo, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06-04-2006, proferido no âmbito do processo nº 2790/2006-6, in www.dgsi.pt, e ainda Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3ª edição, 34), e a verdade é que da prova produzida em julgamento e, concretamente, do depoimento da testemunha L… resulta que o real valor dos bens arrestados perfazem valor superior a € 70.000,00, montante que extravasa em larga medida o valor do crédito reclamado pelos Requerentes (neste sentido, atente-se no depoimento da referida testemunha gravado no sistema H@bilus Media Studio: nº 20170130142302_19130197_2871021, com início em 01:13:49 e términus em 01:32:30 e nº 20170130161028_19130197_2871021, com início no minuto 00:00 e términus no minuto 12:27). 22.–Ainda que se pondere que possam ser arrestado bens de terceiro – o que não se aceita mas que, por hipótese, se configura – o identificado valor extravasa largamente o crédito reclamado pelos Requerentes, designadamente, se o Tribunal recorrido tivesse tomado em consideração, conforme podia e devia, o comprovativo do pagamento junto aos autos com a oposição, levado à matéria de facto dada como provada, e ainda o valor da caução entregue pela Requerida no início do contrato de arrendamento. 23.–Pelo que não tendo procedido à redução do arresto nas circunstâncias acima descritas, com o fundamento de tal redução não ter sido requerida pela parte, constitui uma violação grave do espírito da lei e, em especial, do disposto nos artigos 372º, nº 1, alínea b), e 393º, nº 2, do CPC, além do que configura uma nulidade nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 195º, nºs 1 e 2, do CPC, susceptível de influir no exame e na decisão da causa. 24.– No que respeita ao arresto de bens de terceiro importa ainda referir que, ao contrário do que resulta da decisão em crise, o legislador expressamente dispôs que a medida cautelar só pode recair sobre bens do devedor (artigos 619º do CC e 391º, nº 2, do CPC), sendo-lhe aplicáveis as disposições relativas à penhora em tudo o que não seja contrariado pelo normativo próprio do arresto (artigo 391º, nº 2, do CPC). 25.–Dispõe o artigo 764º, nº 3, do CPC, que se presume pertencerem ao executado os bens encontrados em seu poder mas, feita a penhora, a presunção pode ser ilidida perante o juiz, quer pelo executado ou por alguém em seu nome, quer por terceiro, mediante prova documental inequívoca do direito de terceiro sobre eles, sem prejuízo da faculdade de dedução de embargos de terceiro, de onde resulta que, sem prejuízo da faculdade conferida ao Senhor L... de impugnar o acto lesivo do seu direito de propriedade, a Requerida, e a própria testemunha, lograram ilidir a presunção sobre a titularidade dos bens que constituíam o recheio do locado. 26.–No caso concreto, a presunção não só foi ilidida como resultou absolutamente provado que os bens identificados no auto de arresto são pertença exclusiva de terceiro, alheio à Requerida. 27.–Afigura-se, de resto, assente que um dos critérios para o decretamento da providência de arresto é a demonstração de que os bens que se pretendem arrestar são propriedade do Requerido devedor, neste sentido, atente-se, por exemplo, no artigo 392º, nº 2, do CPC, onde o legislador prevê cautelas face à possibilidade de se verem arrestados bens que não se demonstre, com elevado grau de certeza, serem do devedor (neste sentido, veja-se, ainda, a título meramente exemplificativo, o acórdão da Relação de Coimbra, de 30-11-2010, proferido no âmbito do processo nº 308-B/2002.C1, e ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-11-2000, proferido no âmbito do processo nº 00A3813, ambos in www.dgsi.pt). 28.–Acresce referir que, permitir que sejam arrestados, como garantia, bens que se sabe com elevado grau de certeza pertencerem a terceiro, é colocar em causa princípios estruturantes do nosso ordenamento jurídico, como sejam os princípios da certeza, da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, e ainda tudo quanto se julga disposto relativamente aos requisitos do arresto e, designadamente, o que se encontra vertido nos artigos 391º, 392º, 393º, 764, nº 3, todos do CPC. 29.–Pelo que, sem necessidade de maiores considerações, impõe-se concluir que mal andou o Tribunal recorrido ao julgar improcedente a oposição apresentada, sem a ponderação e valoração que se impunha, mantendo na íntegra a decisão cautelar, considerando que, nos termos supra expostos, não se verificam os requisitos (cumulativos) legalmente previstos. 30.–Com o devido respeito, e salvo melhor opinião, ao ter decidido como decidiu o Tribunal a quo fez uma incorrecta apreciação da prova produzida e deixou de se pronunciar sobre questões que deveria ter preciado, pelo que, além do mais, a decisão recorrida é nula nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC, e colocou ainda em causa lei substantiva e, concretamente, o disposto nos artigos 619º e 1040º, nº 1, do CC e ainda o disposto nos artigos artigo 368º, nº 1, 372º, nº 1, alínea b), 391º, 392º, 393º, nº 2, e 764º, nº 3, do CPC. 31.– Pelo exposto, requer a esse Venerando Tribunal a correcção da decisão proferida, devendo a sentença ora em crise ser substituída por outra que ordene o levantamento do arresto decretado sobre bens de terceiro, por não se encontrarem verificados os requisitos legais (cumulativos) para o efeito.».
Os requerentes contra alegaram pugnando pela improcedência da apelação.
O recurso foi admitido e a juiz a quo pronunciou-se no sentido de inexistir a nulidade da decisão.
O processo foi distribuído a 05/07/2017 e redistribuído a esta secção a 17/01/2019.
Colhidos os vistos cumpre decidir. ***
Questão a decidir: O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber se: 1º– Deverá ser alterada quanto ao facto contido em b) dos factos não provados, considerando-o provado; 2º– A decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia; 3º–Se mantém os pressupostos que determinaram o arresto, nomeadamente se a prova que os bens móveis arrestados são de terceiro determina o levantamento do mesmo. ***
II.–Fundamentação:
Os elementos fácticos relevantes para a decisão inicial foram os seguintes:
1.–Por acordo escrito realizado no dia 11 de março de 2015, os requerentes declararam dar de arrendamento a “S…”, que também usa denominação comercial de “C…”, e que em nome e representação da sua filial “L…, S.A.”, sociedade anónima de direito português em vias de constituição, com a denominação supra (...) pessoa coletiva com o número provisório 513 464 190 (...), declarou tomar de arrendamento, a fração autónoma designada pela letra …, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na …, Rua …, em Lisboa; 2.–A cláusula segunda daquele acordo tem a seguinte redação:«1.- O IMÓVEL destina-se exclusivamente a ser utilizado pela ARRENDATÁRIA para fins de habitação, sendo destinado a habitação própria e permanente do Exmo. Senhor L... e do seu agregado familiar, não podendo esta dar-lhe outro destino ou uso (...) sem o prévio consentimento dos SENHORIOS, sob pena de resolução contratual. 2.- A título acessório, parte do IMÓVEL poderá ser utilizado como sede e escritórios da Administração da ARRENDATÁRIA, uso que é expressamente autorizado pelos SENHORIOS que, por força do presente contrato, expressam o seu consentimento.3.- Pelo presente contrato os SENHORIOS desde já prestam o seu expresso consentimento a que a ARRENDATÁRIA ceda a sua posição contratual no presente contrato à sua filial, a sociedade L… (...) pessoa coletiva com número provisório 5…, a matricular na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa (...).(...)»; 3.– O nº 1 da cláusula 3ª daquele acordo tem a seguinte redação: «1.- O presente Contrato tem a duração de 2 (dois) anos, com início a 16 de Março de 2015 e términus a 15 de Março de 2017 (...)». 4.–A cláusula 5ª daquele acordo tem a seguinte redação:«1. Durante o primeiro ano de vigência do Contrato, a renda mensal será de € 8.333,33 (...). 2. Durante o segundo ano de vigência do Contrato a renda será de € 10.000,00 (...)»; 5.–A filial da requerida mencionada no nº 3 da Cláusula 2ª daquele acordo não chegou a ser constituída e registada na Conservatória do Registo Comercial; 6.–A requerida tem sede no Mónaco e não exerce qualquer atividade em Portugal; 7.– A última renda paga pela requerida foi a correspondente ao mês de 16 de março a 15 de abril de 2016; 8.–(...) data a partir da qual a requerida não procedeu ao pagamento de qualquer outra renda; 9.–(...) na sequência do que os requerentes instauraram no Balcão Nacional de Arrendamento procedimento especial de despejo, que ali corre termos sob o nº 3135/16.4YLPRT; 10.–Nesse procedimento, os requerentes peticionaram a desocupação do imóvel e o pagamento das rendas em atraso relativas ao período de 16 de abril a 15 de outubro de 2016; 11.– O único património conhecido da requerida em Portugal é constituído pelos bens identificados na relação de bens de fls. 126-131; 12.–A requerida encontra-se a acondicionar objetos em recipientes tipicamente utilizados no transporte de bens móveis; 13.–(...) preparando-se para retirar da fração o universo dos bens móveis que integram a relação de bens de fls. 126-131. ***
Resultou ainda como não provado o seguinte: O veículo automóvel de marca Mercedes, com a matrícula … é pertença da requerida. ***
No âmbito da oposição apresentada foram considerados indiciariamente provados os seguintes factos: 1.–Em junho de 2016 a requerida deu ao Banque… ordem de transferência no montante de € 10.000,00, para a conta bancária de que o requerente marido é titular Banco…, com o IBAN …; 2.–O nº 6 de cláusula 5ª do contrato de arrendamento identificado em 1. da decisão proferida em 31 de outubro de 2016, com a Refª 359601623, tem a seguinte redação: «Como caução e em garantia do pontual e integral cumprimento das obrigações que para si decorrem do presente Contrato, a ARRENDATÁRIA entrega nesta data aos SENHORIOS a quantia de € 16.666,66 (...)»; 3.–No dia 9 de março de 2016 a ré enviou aos requerentes, através da advogada destes, o e-mail que se encontra a fls. 288vº-289, do qual consta, além do mais, o seguinte: «Como foi já sobejamente referido, vamos rescindir o contrato de arrendamento no próximo dia 11 de Abril. Não nos opomos a marcar uma declaração do agente de execução sujeita a contraditório para o mesmo dia. Pedimos-lhe que organize também, para a mesma data, o reembolso da nossa caução de € 16 646, ainda na posse dos senhorios. Por favor considere este assunto como sendo crucial para a rescisão do nosso contrato de arrendamento. Deste modo, agradecíamos que marcasse o pagamento daquele montante em nosso favor, para 11 de Abril (...)»; 4.–A esse e-mail responderam os requerentes na mesma data, através da sua advogada, nos termos do e-mail que se encontra a fls. 289vº, do qual consta, além do mais, o seguinte: «(...) Por favor diga-me a que horas lhe é mais conveniente a vistoria e a entrega das chaves. O Engenheiro que fez a verificação no início do contrato de arrendamento e eu mesma estaremos presentes, em representação o senhorio. Recordo-lhe que a caução será devolvida nos termos exactos do contrato de arrendamento (cfr. Cláusula 5, número 8) i.e, nos 30 dias seguintes à resolução do contrato de arrendamento e, se aplicável, depois do pagamento de valores em dívida pelo inquilino, no âmbito do acordado a ser descontado. (...)»; 5.–No dia 15 de março de 2016 a requerida enviou aos requerentes, através da advogada destes, o e-mail cuja cópia se encontra a fls. 291 vº, do qual consta, além do mais o seguinte: «Refiro-me à nossa troca de vários e-mails e comunicações, relativamente ao término do nosso já referido contrato de arrendamento. Para tentar chegarmos a uma solução amigável, aceitável tanto pelo Sr. H… e esposa e também por nós, queira observar abaixo as principais razões que conduziram à nossa decisão de deixar a casa no próximo dia 11 de Abril, que deverão ser exactamente as mesmas de um novo inquilino, bem como dos próprios senhorios: – As actuais obras de construção e renovação do Hotel, ao lado da casa, produzem uma poluição sonora insuportável, mesmo aos fins de semana, a partir das 8 horas da manhã. Para além disso, o enorme andaime encostado à parede não deixa espaço para a entrada no parque de estacionamento. – Outros incómodos prendem-se com a presença de traficantes de droga que aparecem a cada pôr-do-sol nas redondezas da casa, perto do café que está aberto até tarde, a dois passos de casa. –Além disso, a fachada da casa é usada como casa de banho pública por inúmeros indivíduos, deixando todo o tipo de dejectos para serem encontrados por nós todas as manhãs ... além dos cheiros desagradáveis, como pode imaginar. Isto deve-se ao facto das casas de banho municipais fecharem todos os dias às 5 horas da tarde ... –Além disso, como sabe, não há sistema de aquecimento implementado dentro da casa. Tivemos, por isso, de colocar vários radiadores eléctricos individuais em cada patamar da casa, o que é bastante inconveniente para todos, como deve entender.
Face ao exposto, se os senhorios concordarem em arranjar um sistema de aquecimento apropriado para a casa e em reduzir o arrendamento anual para € 84 000, ou seja, € 7000 por mês, então nós concordaríamos em prosseguir com o nosso contrato de arrendamento por mais um ano, de 11 de Abril de 2016 até 11 de Abril de 2017. Fosse esse o caso, contrataríamos um segurança privado para estar no local, durante a noite, com o custo de € 2300 por mês, suportado por nós. Isto seria do maior interesse dos senhorios, uma vez que a casa não tornaria a servir de casa de banho pública ...Finalmente peço-lhe que repare que apesar de todos os incómodos descritos acima, nós estaríamos dispostos a adquirir a casa pelo aceitável preço de {: 4.5milhões, livre de custos com agentes imobiliários. Isto poderia ser alcançado dentro dos próximos 3 meses.»;
6.– A esse e-mail responderam os requerentes, através da sua advogada, nos termos do e-mail datado de 22 de março de 2016, cuja cópia se encontra a fls. 192, do qual consta, além do mais, o seguinte: «Compreendo perfeitamente os inconvenientes que surgem das obras decorrentes, mas a verdade é que o Sr. estava totalmente ciente da existência desses inconvenientes desde o início do contrato de arrendamento. Este facto não foi omitido pelos meus Clientes e foi tido em consideração no acordo do valor da renda. A casa dispõe de um sistema de aquecimento, e de acordo com o contrato de arrendamento, a sua manutenção - como foi já referido - é claramente responsabilidade do inquilino e não do senhorio. (cfr. Cláusula 7, número 3). Por essa razão os meus clientes não levarão a cabo reparações relacionadas com o aquecimento e não aceitam a sua proposta para redução da renda e extensão do contrato de arrendamento. Contudo, os meus Clientes estão dispostos a considerar a venda da casa, pelo preço mínimo de € 5.75 milhões, contanto que (i) um contrato de promessa compra e venda seja assinado nos dias seguintes, juntamente com o pagamento de um sinal e (ii) que a escritura de compra seja assinada dentro do prazo proposto de três meses. Por último, e tendo em conta o seu aviso de término do contrato de arrendamento a 11 de Abril de 2016, peço-lhe mais uma vez que me diga qual a data que mais lhe convém para a inspecção e entrega das chaves. Aproveito também para lhe pedir que a renda devida seja paga até 16 de Março (referente ao período entre 16 de Março e 11 de Abril de 2016) para evitar que o montante entregue seja usado como garantia.»;
7.–Em 4 de abril de 2016 os requerentes, através do seu advogado, enviaram a L..., o ocupante da fração “B” objeto do contrato de arrendamento, devidamente autorizado pela requerida, o e-mail cuja cópia se encontra a fls. 292 vº, do qual consta, além do mais, o seguinte: «Tive hoje oportunidade de expor a sua proposta ao Sr. H…; discuti-a também com a minha colega LB…, em cc neste e-mail, que o tem contactado em relação a Sta. Catarina. Devo dizer-lhe que a discussão com o Sr. H… foi breve e decisiva. Na verdade, receio não ter notícias diferentes do que aquelas que a LB… lhe tem dado. Com efeito, o Sr. H…, ao receber um aviso válido da intenção de rescisão do contrato de arrendamento, não tenciona considerar uma extensão do contrato, uma vez que a casa estará em obras muito em breve. Além disso, no que concerne à proposta do seu amigo para a compra da casa, é intenção do Sr. H... não aceitar nenhum valor abaixo daquele que lhe transmitiu, como aliás já lhe teria sido dito. Tendo em conta o acima exposto, pedimos-lhe que nos faça chegar a intenção do inquilino em cumprir os termos do contracto no que diz respeito à entrega da casa. Por favor informe-nos o mais brevemente possível, no mínimo com 48 horas de antecedência, uma vez que temos de pedir ao nosso perito que esteja presente na entrega da casa para que possa proceder a uma vistoria final antes da entrega das chaves. No que diz respeito ao reembolso da caução/garantia, recebemos instruções do Sr. H... para devolver a caução aquando da entrega das chaves, imediatamente a seguir à inspecção caso esta seja satisfatória, que o será, com toda a certeza.»;
8.–Em 22 de setembro de 2016, a requerida enviou aos requerentes, através do advogado destes, o e-mail cuja cópia se encontra a fls. 293, do qual consta, além do mais, o seguinte: «Gostaríamos de lhe chamar a atenção para o facto de não estarmos a usufruir da casa desde o mês de Junho, apesar da renda ter sido paga até 30 de Junho de 2016. Na verdade, as obras que prosseguiram sem o nosso consentimento formal, no terraço e dentro de casa, pelos senhorios, os Srs. H..., não nos permitem habitar a casa. Por isso, de acordo com os termos e condições do nosso contrato de arrendamento, suspendemos o pagamento das rendas até ao fim das obras que decorrem neste momento. Face ao exposto, entende com certeza que não queremos permanecer na casa e que gostaríamos de encontrar um modo tranquilo de encerrar esta situação. Em contrapartida, os senhorios terão de nos reembolsar da caução de 06667, que pagámos no fim de Março de 2014. Fale, por favor, com os seus clientes, e contacte-nos com a maior brevidade possível.»;
9.–A essa missiva responderam os requerentes, através daqueloutra cuja cópia se encontra a fls. 293 vº-294, da qual consta, além do mais, o seguinte: «(...) Referimo-nos ao e-mail que enviou para LC… a 22 de Setembro. Devemos dizer-lhe que a sua proposta é chocante, especialmente considerando que se encontra em incumprimento dos seus deveres, perante a Lei e perante o contrato de arrendamento; Face ao referido e-mail sentimo-nos obrigados a esclarecer o seguinte: i)- Como sabe, o contrato de arrendamento foi interrompido; ii)- Entretanto, violou a sua obrigação de nos entregar a casa no tempo devido. Portanto, a actual ocupação da casa é ilegal; iii)- Em todo o caso, segundo o contrato de arrendamento, assumiu permitir o acesso à casa para a execução das obras de reparação no terraço; o referido acordo prevê também que o inquilino não possa opor-se à execução dos referidos trabalhos, nem que lhe dê o direito de pedir compensação, redução de renda ou rescindir o acordo; iv)- Deste modo, encontra-se em incumprimento da Lei e dos seus deveres contratuais; v)- Tendo em consideração a ocupação ilegal da casa deve-nos, até à data, €50,000,00 de compensação prevista por lei, em resultado de uma ocupação ilegal entre Maio e Setembro; vi)- De acordo com o contrato de arrendamento, nós, enquanto senhorios, estamos no direito, sem qualquer decisão judicial, de executar, e já executámos, a caução, no valor de 16,000,00, considerando que o inquilino entrou em incumprimento dos seus deveres, por mais do que 10 dias úteis, como foi o caso. Tendo em conta o exposto, não vemos onde basear as suas queixas e proposta infra. Não temos, portanto, alternativa a refutar os seus argumentos e a rejeitar a sua proposta. Aproveitamos a oportunidade para relembrar que, em conformidade com a Lei deverá imediatamente: vii)- entregar-nos a casa; viii)- pagar-nos o montante de €36,000,00, que, em conformidade com a Lei LCP nos é devido até à data de 30 de Setembro (isto é, nesta data, €50,000.00 menos o montante da garantia de execução, já executada). Com este fim contacte por favor o nosso advogado, SC…, da VdA, que tomará as providências necessárias. Por favor leve em consideração que em caso algum abster-nos-emos de levar a cabo os nossos direitos segundo a lei, incluindo os montantes que nos possam ser devidos em resultado da rescisão do contrato»;
10.–Em 26 de outubro de 2016, a requerida enviou aos requerentes o e-mail cuja cópia se encontra a fls. 294vº-295, do qual consta, além do mais, o seguinte: «Refiro-me ao seu correio electrónico enviado a 4 de Outubro de 2016, que recebeu a nossa melhor atenção. Por favor observe que a maior parte do conteúdo do e-mail é irrelevante e totalmente contrário à realidade legal e factual. Em primeiro lugar o nosso contrato de arrendamento não venceu a 30 de Abril de 2016, uma vez que era renovável até 31 de Março de 2017, de acordo com os próprios termos em condições, desde 31 de Março de 2014. Por esta razão pagámos a renda integralmente de Abril a 30 de Junho de 2016, como disse à sua advogada, LB., no nosso e-mail datado de 22 de Setembro, aqui anexado. Contudo, a equipa de trabalhadores que mandou a nossa casa não nos permite desfrutar da ocupação da mesma. Como tal, a casa tem estado livre desde 30 de Junho de 2016 até à data, e certamente que não tem estado sob “ocupação ilegal”, como se referiu no parágrafo V). Para além disso, encontra anexada uma série de fotografias registadas durante o Verão de 2016, que são bastante evidentes. Irá reparar que os seus trabalhadores usam a nossa electricidade e aparelhos de ar condicionado, o que resulta em mais do € 2000 de custos adicionais, suportados por nós. Tem de ter em consideração estragos graves provocados pelos seus trabalhadores durante as reparações, nas nossas peças de mobiliário em várias das zonas da casa, incluindo os nossos quartos e sala de estar..., além da presença do andaime há mais de seis meses que tem gerado dificuldades permanentes em usufruir da propriedade, como é nosso direito legal. Entretanto, as pessoas nas redondezas continuam a fazer os seus dejectos ... (veja em anexo!!) contra a fachada da casa, colocando-a num estado alarmante de degradação. Como compensação do anteriormente exposto, pedimos-lhe o pagamento de (100 000 como indemnização de todos os inconvenientes e mais, pelo que foi exposto acima e está representado pelas fotografias aqui juntas. Mais ainda, tendo em consideração que a casa está desocupada por nós, apreciamos se pudesse reembolsar-nos os € 16 667, montante depositado como caução e entregue a si a 3 de Março de 2014. Face ao exposto, estamos juntamento a pedir aos advogados (...) que cobrem a si o montante de € 118 667 – incluindo despesas de electricidade e com o ar condicionado, de 1 de julho a 30 de setembro»; 11.–Na sequência da decisão proferida em 31 de outubro de 2016, com a Refª 359601623, na mesma data foi elaborado o auto de arresto que consta de fls. 190 a 194; 12.– Nessa mesma data as chaves da fração foram entregues aos requerentes; 13.– Por despacho de 11 de novembro de 2016, com a Refª 360015405, foi determinada a devolução ao interior da fração, dos bens identificados sob as verbas nºs 1, 2, 3, 6, 7, 8, 9, 15, 20 e 32 daquele auto de arresto; 14.– Os bens identificados nas demais verbas que constituem o referido auto de arresto, são pertença de L…. ***
Com relevo para a decisão da oposição foram considerados como não provados os seguintes factos: a)- Foram levados do locado os descodificadores de televisão/net, propriedade da PT MEO, e respetivos controlos remotos; b)- Na data em que os requerentes instauraram o presente procedimento cautelar, a fração estava desocupada por se encontrar inabitada em consequência de obras que nela decorriam a mando dos requerentes. ***
Da impugnação e reapreciação da matéria de facto:
No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção firmada acerca de cada facto controvertido, tendo porém presente o princípio a observar em casos de dúvida, consagrado no artigo 414º do C.P.C., de que a «dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita». Conforme é realçado por Ana Luísa Geraldes («Impugnação», in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I. Coimbra, 2013, pág. 609 e 610), em «caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte». E mais à frente remata: «O que o controlo de facto em sede de recurso não pode fazer é, sem mais, e infundadamente, aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialeticamente na base dos referidos princípios da imediação e da oralidade.»
Assim, apesar de se garantir um duplo grau de jurisdição, tal deve ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artº 607 nº 5 do C. P. Civil, sendo certo que decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, a que o tribunal de recurso não pode já recorrer.
De acordo com Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 347, “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.
Assim, para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.
Porém, e apesar da apreciação em primeira instância construída com recurso à imediação e oralidade, tal não impede a «Relação de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas, tal como a 1ª instância, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida(…) Dito de outra forma, impõe-se à Relação que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, de modo a apreciar a sua convicção autónoma, que deve ser devidamente fundamentada» (Luís Filipe Sousa, Prova Testemunhal, Alm. 2013, pág. 389). Quando seja impugnada a matéria de facto estabelece o art. 640.º do C.P.C.:«(…), deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. E nos termos do nº 2 no caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
Refere Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Ed., Almedina, 2017, pp. 158-159: «A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações: a)- Falta de conclusão sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2, al. b)); b)- Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a));c)- Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d)- Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e)- Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação».
Em caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o recorrente deve identificar os pontos de facto que considera incorretamente julgados, não podendo limitar-se a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham para cada um desses pontos de facto fosse julgado provado ou não provado. A apresentação das transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do C.P.C.( Cfr. Acs. do S.T.J. de 19.02.2015, Proc. n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1 (Tomé Gomes) e Proc. n.º 405/09.1TMCBR.C1.S1 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), in www.dgsi.pt. ).
O ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, consagrado no art. 640.º do C.P.C., impõe, sob pena de rejeição, a identificação, com precisão, nas conclusões da alegação do recurso, os pontos de facto que são objeto de impugnação. Acresce que o mesmo preceito exige ao recorrente a concretização dos pontos de facto a alterar, assim como dos meios de prova que permite pôr em causa o sentido da decisão da 1ª instância e justificam a alteração da mesma e, ainda, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados. Não obstante, este conjunto de exigências reporta-se especificamente à fundamentação do recurso, não se impondo ao recorrente que, nas suas conclusões, reproduza tudo o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art. 640.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C. Versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorretamente julgados e que se pretende ver modificados (Cfr. Ac. do STJ de 03.12.2015, , in www.dgsi.pt. ).
Face ao referido importa aferir que factos pretende o recorrente que sejam tidos em conta e que constituam uma alteração dos factos sumariamente demonstrados, ou indemonstrados nos termos constantes da decisão recorrida.
No âmbito do recurso apenas se conclui pela resposta positiva à alínea b), sendo o demais alegado em sede de recurso relativa à interpretação dos factos quanto à insubsistência da providência decretada.
Donde, apenas releva saber se é de manter a resposta negativa à alínea b), sendo o demais relativo à subsunção dos factos indiciariamente provados ao direito.
Os factos contidos na alínea b) e que resultaram como não provados são os seguintes: “b)- Na data em que os requerentes instauraram o presente procedimento cautelar, a fração estava desocupada por se encontrar inabitada em consequência de obras que nela decorriam a mando dos requerentes.”.
O Tribunal a quo na motivação de tal facto negativo refere o seguinte: «No que respeita à al. c) sendo manifesto o lapso, pois deverá referir-se a b), inexistindo alínea c)), o que resulta demonstrado é que à data em que foi efetivado o arresto, 31 de outubro de 2016, a fração estava ainda ocupada com diversos bens de L.... A requerente não alegou e, consequentemente, não provou, o tipo de obras que os requerentes levaram a efeito na fração, de modo a permitir ao tribunal concluir que as mesmas tornam inviável a residência de L... na fracção.».
No recurso e na prova a ter em conta na eventual resposta positiva a tal ponto o recorrente tem apenas em conta o depoimento de L.... Ora, considerando a motivação assente no auto de arresto, aliado ao facto de o depoimento da testemunha não ter sido explícito quando à natureza das obras levadas a cabo na fracção, apenas poderemos concluir como o tribunal recorrido. Logo, mantém-se inalterada a resposta. Pelo que os factos a considerar são os constantes da decisão a quo. ***
III.–O Direito:
Inalterada a questão de facto importará aferir do direito aplicável aos factos.
Dispõe o art. 391º, nº 1, do Cód. Proc. Civil que «o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.». Acrescenta o art. 392º, nº 1, do mesmo diploma legal que «o requerente do arresto deduz os factos que tomam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à realização da diligência.».
Desde logo, a procedência do pedido de arresto preventivo depende da alegação e prova pelo arrestaste de que: 1– É provável a existência do crédito, isto é, não que o seu crédito é certo, indiscutível, mas antes que há grandes probabilidades de ele existir; 2– Se justifica o seu receio de perder a garantia patrimonial, isto é, que qualquer pessoa de são critério, em face do modo de agir do devedor, colocado no seu lugar, também temeria vir a perder o seu crédito não se impedindo imediatamente o devedor de continuar a dispor livremente do seu património - cfr., entre outros, Acs. do S. T. J. de 23.07.81, B. M. J. 309º, 300, da Rel. de Évora de 04.05.76, Col. Jur., 1976, Tomo II, pág. 401 e da Rel. de Coimbra de 13.11.79, B. M. J. 293º, 441.
Ou seja, são requisitos do arresto preventivo, cumulativamente, a probabilidade da existência de um crédito do requerente, definido por um juízo sumário de verosimilhança e aparência do direito desse crédito; e o justo receio ou perigo de insatisfação de tal crédito.
Assim, sempre que o requerente pretende a apreensão judicial de bens com vista a assegurar o “status quo”, para que ele não se altere em condições tais que não seja suscetível a reintegração, formulará tal pretensão ao Tribunal com a alegação dos factos que tomem provável a existência do crédito do requerente - crédito esse que deverá ser atual - e justifiquem o receio da perda de garantia patrimonial.
São tais factos que devem constituir a causa de pedir de uma providência cautelar de arresto preventivo.
Conforme referido por Abrantes Geraldes, citado no Ac. da R.L. constante de fls. 340-352, «o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjetivos do juiz ou do credor (isto é, simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em facto ou em consequências que, de acordo com as regras da experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata, como facto potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva.» (Temas da Reforma do Processo Civil, 2ª Ed., IV Vol., p. 188.).
Também por Lebre de Freitas, igualmente citado no mesmo acórdão, é referido que «afastada a enunciação dos respectivos fundamentos, qualquer causa idónea a provocar num homem normal esse receio é concretamente invocável pelo credor, constituindo o “periculum in mora”; pode, comos e disse em 1939 e em 1961, tratar-se de do receio de insolvência do devedor (…) ou o da ocultação, por parte deste, dos seus bens (…) mas pode igualmente tratar-se do receio de que o devedor venda os seus bens (…) ou os transfira para o estrangeiro (…) ou de qualquer outra actuação do devedor que levasse uma pessoa de são critério, colocada na pessoa do credor, a temer a perda da garantia patrimonial do seu crédito )…).»(Código de Processo Civil Anotado, 2ª Ed., Vol. 2º, p. 125).
Depois de analisar a questão jurídica o tribunal a quo na decisão liminar dos autos de arresto conclui que quanto ao primeiro dos requisitos «não subsistem dúvidas quanto à verificação», e quanto ao receio refere que:«Perante isto, atenta a matéria de facto assente, dúvidas não restam que, "in casu", também este segundo requisito se encontra presente. Na verdade: - sendo a requerida uma sociedade com sede no Mónaco; – não lhe sendo conhecidos quaisquer outros bens em Portugal além dos que integram o recheio da fração - aprestando-se para deixar a fração e dela retirar os bens móveis que constituem o recheio da mesma, resulta evidente a verificação, no caso concreto, daquele segundo requisito. Há, assim, que julgar procedente o presente procedimento cautelar de arresto, uma vez que se encontram preenchidos os requisitos legais para o efeito.». Deduzida oposição pela requerida e depois de aditados os factos supra descritos que decorreram da apreciação em sede de oposição, começa mais uma vez o tribunal recorrido por primeiramente apreciar juridicamente a questão, da seguinte forma: «Dispõe o art. 372º do CPC: 1–Quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no nº 6 do artigo 366º: a)- Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida; b)- Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 367º e 368º. 2– O requerido pode impugnar, por qualquer dos meios referidos no número anterior, a decisão que tenha invertido o contencioso. 3– No caso a que se refere a alínea b) do nº 1, o juiz decide da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada, cabendo recurso desta decisão, e, se for o caso, da manutenção ou revogação da inversão do contencioso; qualquer das decisões constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida.
Atendendo aos maiores riscos de injustiça derivados da prolação de uma decisão cautelar sem a garantia do contraditório, a lei concedeu ao requerido a possibilidade de remover ou de modificar, logo em sede de tribunal de primeira instância, a decisão cautelar, desde que esteja na posse de novos factos ou meios de prova que, carreados para os autos e aí apreciados, sejam susceptíveis de afastar os fundamentos da medida ou de determinar a sua redução a limites razoáveis. Deve notar-se que, por expressa provisão do art. 372º, nº 1, a utilização de um ou outro dos meios (recurso ou oposição) é alternativa, ou seja, confrontado com uma decisão cautelar proferida sem audição contraditória, o requerido é colocado perante uma “encruzilhada”, cabendo-lhe optar por um de dois meios de defesa ao seu alcance.
Está-lhe vedado, por exemplo, interpor recurso de agravo com fundamento em discordância quanto à solução jurídica do caso ou por entender que os meios de prova produzidos conduzem a conclusão diversa quanto à matéria de facto e, simultaneamente, deduzir oposição em que, além de alegar novos factos, pretenda que se produzam novas provas sobre os mesmos factos.
Por conseguinte, confrontado com a decisão cautelar, cabe ao requerido optar pelo meio de defesa que, face às circunstâncias do caso, se considera legalmente adequado.
Vigora, neste como noutros assuntos, o princípio da legalidade segundo o qual as partes terão de se ajustar aos mecanismos formais previstos na lei e não dispor a seu bel-prazer daqueles que a lei regula. A oposição pressupõe sempre a alegação de novos factos ou de novos meios de prova não considerados pelo tribunal no primeiro momento e que tenham a virtualidade de, uma vez provados, determinarem o afastamento ou a redução da medida cautelar decretada.
Sem prejuízo de uma valoração global dos meios de prova produzidos na primeira fase (antes do decretamento da medida) e no âmbito da oposição, o certo é que o objetivo fundamental deste meio de defesa não é o de proceder à reponderação dos primeiros, actividade que mais se ajusta ao recurso de agravo da decisão em cujo âmbito se inscreve a reapreciação do julgamento sobre a matéria de facto. Pode, porém, acontecer que a prova produzida e registada nos autos e os demais elementos probatórios que constavam dos autos no momento em que o tribunal proferiu a decisão permitam uma conclusão diversa daquela, quer no que respeita aos factos dados como provados, quer quanto às respectivas consequências jurídicas. Porém, em qualquer destas situações, o meio de defesa apropriado é o recurso, abarcando a discussão da matéria de facto e / ou a matéria de direito.
A oposição a que alude o art. 372º, nº 1, al. b), do Cód. Proc. Civil, está, pois, limitada à alegação de novos factos, não integrados na versão unilateralizada do requerente, ou à apresentação de novos meios de prova. Uma vez produzida a prova indicada na oposição, procede-se à prolação de nova decisão, em algum dos seguintes sentidos: – será mantida a decisão, se nenhum argumento de facto ou meio de prova for considerado suficiente para afastar os motivos em que se fundou a decisão anterior; – será rejeitada (revogada) se, afinal, os elementos carreados para o processo determinarem a formação de convicção oposta à que fora fundada nos primitivos elementos ou se, independentemente dos preenchimentos dos requisitos positivos, o juiz adquirir agora, a convicção fundada de que o prejuízo emergente do decretamento da providência é, afinal, consideravelmente superior ao dano que ela visava acautelar; – entre uma e outra solução, pode o tribunal atenuar os efeitos da medida decretada, com redução da providência aos limites necessários e suficientes para afastar a situação de “periculum in mora” verificada nos autos e ora reapreciada – cfr. Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, Almedina, Coimbra, 1998, págs. 229 a 240. Acresce que a oposição não tem em vista «discutir» a titularidade dos bens, a qual poderá ser posta em causa pelo lesado com a diligência; é outra, que não esta, a sede própria para o efeito (Cfr. neste sentido, o Ac. da R.L. de 30.06.2009, Proc. nº 610/08.8TBPTS-C.L1-7 Rel. Des. Cristina Coelho).»
Na apreciação do caso em apreço conclui-se na decisão:« No caso sub judice, a oposição do requerido visava pôr em causa a existência do crédito e a verificação do justo receio de perda de garantia patrimonial, sendo certo que não logrou fazer prova do por si alegado; ou seja, a requerida não logrou provar quaisquer novos factos suscetíveis de se mostrarem capazes de fundar uma convicção oposta àquela que fundou a decisão inicialmente proferida, designadamente no que se refere à probabilidade séria de existência do direito [de crédito] invocado por parte da requerente e, por outro, a existência de justo receio de perda da garantia patrimonial respetiva. De igual modo, nada foi sequer alegado no sentido da redução do arresto.Por isso, terá a oposição deduzida pela requerida de ser julgada improcedente.»
Nos termos do artigo 615º, n.º 1, al. d), do CPC é nula a sentença quando: «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
O vício a que se reporta este normativo traduz-se no incumprimento, por parte do juiz, do dever prescrito no n.º 2 do artigo 608º, do mesmo código, que estabelece o seguinte: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
Conforme se refere, a respeito desta matéria, no acórdão deste Supremo Tribunal de 04.03.2015: «Na abordagem da omissão de pronúncia é preciso distinguir entre “questão” para este efeito, e fundamentos ou argumentos aduzidos pelas partes, pois relativamente aos fundamentos do direito importa referir que o julgador não tem de analisar todas as razões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas.»(in www.dgsi.pt/jstj).
É a violação daquele dever que torna nula a sentença e tal consequência justifica-se plenamente, uma vez que a omissão de pronúncia se traduz, ao fim e ao cabo, em denegação de justiça e o excesso de pronúncia na violação do princípio do dispositivo que contende com a liberdade e autonomia das partes.
Todavia, como já dizia A. Reis (in Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, 1981, p. 143 ), há que não confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões. "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão." Deste modo, uma coisa é não tomar conhecimento de determinado facto ou de qualquer argumento invocado pela parte, outra completamente distinta é não tomar conhecimento de determinada “questão” submetida à apreciação do tribunal.», pelo que a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, resulta da violação do disposto no n.º 2 do art. 660.º do CPC, nos termos do qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Deste modo, o julgador não tem que analisar e apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições.
No caso concreto, pretende a recorrente fundamentar a nulidade no facto de a decisão ter concluído quer pela existência do crédito, quer ainda por não ter tirado as consequências da circunstância de se ter provado que os bens arrestados pertenciam a terceiro.
Manifestamente não lhe assiste razão quanto à nulidade, pois o tribunal a quo apreciou as duas questões, concluindo que não se verificava nenhuma modificação da decisão inicial, pois quanto ao facto de os bens serem de terceiro referiu que esta não é uma questão a decidir em sede cautelar, e manteve a existência do crédito, concluindo que nenhum dos factos indiciariamente provados permite fundar uma convição oposta àquela que determinou a decisão inicialmente proferida.
Donde, inexiste omissão de pronúncia e logo, a nulidade da decisão, porém, tal não significa que não se deva aferir se, considerando os factos sumariamente demonstrados, é ou não de manter a decisão. Senão vejamos.
O princípio da efectiva tutela judicial pressupõe a composição provisória da situação controvertida antes da decisão definitiva, de molde a prevenir a violação de direitos e/ou a assegurar a utilidade da decisão que os haja reconhecido, tarefa prosseguida através de procedimentos cautelares, de natureza urgente, cuja especificidade visa a garantia desses objectivos. Pode-se, assim, afirmar que a “tutela processual provisória decorrente das decisões provisórias e cautelares é instrumental perante as situações jurídicas decorrentes do direito substantivo, porque o direito processual é meio de tutela dessas situações. A composição provisória realizada através da providência cautelar não deixa de se incluir nessa instrumentalidade, porque também ela serve os fins gerais de garantia que são prosseguidos pela tutela jurisdicional (…). A composição provisória que a providência cautelar torna disponível pode visar uma de três finalidades: aquela composição pode justificar-se pela necessidade de garantir um direito, de definir uma regulação provisória ou de antecipar a tutela requerida. Sempre que a tutela provisória se legitime pela exigência de garantir um direito, deve tomar-se uma providência que garanta a utilidade da composição definitiva, quer dizer, uma providência de garantia”( Cf. Acórdão da Relação de Coimbra, de 08.04.2000 in www.dgsi.pt/jrc).
Logo, constituem características comuns das providências cautelares: a provisoriedade, a instrumentalidade e a sumario cognitio.
A primeira daquelas características emana da circunstância da providência cautelar prosseguir uma tutela distinta da facultada pela acção principal, de que é dependente, e pela necessidade de a substituir pela tutela que vier a ser definida por essa acção. O objecto da providência não é o direito acautelado, mas a garantia desse direito, a regulação provisória da situação ou a antecipação da tutela requerida.
É objectivo primário do procedimento cautelar evitar a lesão grave ou dificilmente reparável de um direito em resultado da demora na composição definitiva do litígio. Visa obviar ao periculum in mora. A sua verificação constitui pressuposto de qualquer procedimento cautelar: inexistindo, este será indeferido ou não decretado.
A propósito deste requisito, escreveu Lucinda Dias da Silva (“Processo Cautelar Comum”, pág. 144 e segs.), «…o ”periculum in mora” corresponde ao pressuposto característico dos processos cautelares, dado nele se sintetizar a fonte primária de probabilidade de dano que preside à concepção da tutela cautelar, por sua vez justificativa das especificidades próprias deste tipo de processos (…). O perigo em causa assume, porém, uma tripla particularidade, na medida em que a sua caracterização impõe que, cumulativamente, se considerem a sua fonte, o seu grau e o seu objecto. Tratar-se-á, respectivamente, de perigo decorrente do decurso do tempo processual da acção principal (fonte), que se reflicta negativamente, de forma grave e dificilmente reparável (grau) no efeito útil de tal acção (objecto)».
A providência cautelar exige apenas a prova sumária – sumario cognitio – do direito ameaçado, isto é, a probabilidade da existência do direito para o qual se demanda a tutela provisória, e o receio da sua lesão, ou seja a possibilidade de antever a aparência do direito invocado pelo requerente.
Como refere a mesma Autora (Lucinda Dias da Silva, in ob. Cit. Pág. 143) “incumbe ao requerente demonstrar a probabilidade de procedência da acção principal, invocando factos que permitam inferir tal conclusão, pelo que tais factos constituirão, no seu conjunto, uma aproximação sumária da causa de pedir da acção principal (…). Trata-se, nesta medida, de um requisito prévio, relativamente aos demais, permitindo distinguir, adentro da causa de pedir da acção cautelar (…), além dos factos consubstanciadores da existência de perigo para a tutela jurisdicional efectiva no processo principal (factualidade relevante exclusivamente no processo cautelar), um segmento correspondente ao conjunto de factos que proporcionam um vislumbre do que será a causa de pedir da acção principal e permitem aferir da probabilidade de futura procedência dessa lide (…). A perfunctoriedade da análise e do grau de convencimento respeita aos factos correspondentes à titularidade do direito, considerando-se suficiente que se gere no tribunal a convicção, não de que o requerente é titular do direito que invoca, mas de que é verosímil ou altamente provável que assim venha a ser declarado, pelo que importará que, quanto a este requisito, assim atenuado (por respeitar à aparência de titularidade do direito e não à efectiva titularidade do direito), se forme no espírito do julgador o grau de certeza especial, que permite a pronúncia no sentido de que os factos que lhe estão associados se consideram provados”.
Requerida determinada providência cautelar, importa aferir, antes de mais, da necessidade do seu decretamento, através da indagação do preenchimento dos princípios do “fumus boni iuris” e “periculum in mora”.
Caso resulte dessa indagação conclusão de natureza afirmativa, importará então avaliar se a medida requerida é a adequada à prossecução do fim que se visa atingir, e, concluindo-se em sentido positivo, se é a mais adequada.
Finalmente, “na hipótese de se concluir estarem verificados todos os mencionados pressupostos, cumprirá indagar se a medida a decretar (…) se revela proporcional, o que se aferirá sopesando os prejuízos que resultariam, para o requerente, da não concessão da providência cautelar e as desvantagens que decorreriam, para o requerido, da concessão de providência cautelar, sendo que a medida não será decretada se este último prejuízo for consideravelmente superior ao primeiro” (Lucinda Dias da Silva, ob. cit., pág. 146).
In casu, estamos perante a providência cautelar nominada de arresto. E o arresto é um meio de garantia patrimonial do credor, cuja regulamentação substantiva encontra acolhimento nos artigos 619º e seguintes do Código Civil, sendo o seu tratamento adjectivo feito pelos artigos 391º a 396º do Código de Processo Civil.
Prescreve o nº1 do artigo 619º do Código Civil: “o credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei de processo”.
Tal como se decidiu o primeiro requisito prende-se com o crédito, mas este ao contrário do defendido pelo recorrido mantém-se tal como foi abordado em sede de decisão liminar, pois, é certo que no âmbito da oposição se deu como indiciariamente provado que em junho de 2016 a requerida deu ao Banque Edmond de Rothschild ordem de transferência no montante de € 10.000,00, para a conta bancária de que o requerente marido é titular Banco Santander Totta, com o IBAN 0..................27. Acresce que o nº 6 de cláusula 5ª do contrato de arrendamento celebrado entre as partes tem a seguinte redação: «Como caução e em garantia do pontual e integral cumprimento das obrigações que para si decorrem do presente Contrato, a ARRENDATÁRIA entrega nesta data aos SENHORIOS a quantia de € 16.666,66 (...)».
Pretende a recorrida que se considere que face ao pagamento de 10.000€, acrescido do valor da caução nada mais é devido, alegando ainda que são os requerentes que estão em dívida, tal como referem nas missivas trocadas entre as partes. Ora, tal conclusão teria de ter na sua base a entrega do locado em Junho de 2016, ou pelo menos a falta de condições de habitabilidade do mesmo desde essa data, o que não se logrou demonstrar. Na verdade, o que resulta é que na sequência da decisão proferida em 31 de outubro de 2016, foi elaborado o auto de arresto que consta de fls. 190 a 194, datado de 31/10/2016. E nessa mesma data as chaves da fração foram entregues aos requerentes.
Assim, restituindo-se aos requerentes a fracção em Outubro de 2016, sempre estariam em causa as rendas vencidas até essa data, pois o valor da caução apenas poderia ser utilizado com as particularidades previstas no contrato, na sua cláusula 5ª, as quais não foram alegadas em concreto nos autos.
No entanto, a questão poderá ser colocada quanto ao segundo requisito, pois quanto ao “justo receio de perda da garantia patrimonial” tal “pressupõe a alegação e a prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito”, acrescentando que “este receio é o que no arresto preenche o periculum in mora que serve de fundamento à generalidade das providências cautelares. Se a probabilidade quanto à existência do direito é comum a todas as providências, o justo receio referente à perda de garantia patrimonial é o factor distintivo do arresto relativamente a outras formas de tutela cautelar de direitos de natureza creditícia”, precisando ainda que “o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (isto é, em simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva" (Abrantes Geraldes in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Almedina, IV vol., pág.191 e seguintes).
Conforme entendimento unânime da jurisprudência, para a configuração do “justo receio” não basta o mero receio subjectivo do credor, sustentado em simples conjecturas, antes devendo fundar-se em factos concretos que sumariamente o indiciem (Entre outros, Acórdãos da Relação do Porto 07.10.2008, processo nº 0823457, de 17.05.2004, processo nº 0452207, desta Relação de 10.02.2009, processo nº 390/08.7TBSRT.C1, da Relação de Lisboa de 15.03.2007, processo nº 8563/2006-6 e de 28.10.2008, processo nº 8156/2008-1, todos em www.dgsi.pt.).
Ou seja: sendo o arresto deduzido pelo credor contra o devedor, incumbe ao primeiro alegar e provar factos demonstrativos não só da existência do seu crédito, como também do justificado receio de perda da garantia patrimonial, consubstanciado, designadamente, na diminuição sensível do património do segundo, que constitui o garante do cumprimento das suas obrigações, como decorre do artigo 601º do Código Civil. Essa diminuição pode resultar quer da delapidação desse património, quer mesmo da sua ocultação.
Ora, assentava o fundamento alegado pelos requerentes na circunstância de a requerida ter sede no Mónaco, e que os únicos bens conhecidos em Portugal eram os bens móveis que se encontravam no locado, afirmando os requerentes que a requerida se preparava para retirar os mesmos, perdendo assim, a garantia do seu crédito.
Deram-se como demonstrados os seguintes factos: O único património conhecido da requerida em Portugal é constituído pelos bens identificados na relação de bens de fls. 126-131, e que a requerida encontra-se a acondicionar objetos em recipientes tipicamente utilizados no transporte de bens móveis, preparando-se para retirar da fração o universo dos bens móveis que integram a relação de bens de fls. 126-131.
Logo, a decisão que fundamentam o receio exigido para que fosse decretado arresto prendia-se também com esta actuação da requerida.
Mas esta actuação em nada releva quanto à justificação do receio de perder a garantia do crédito dos requerentes, pois, por regra, só os bens do devedor podem ser executados.
Na verdade, por norma o arresto incide sobre bens do devedor e em poder deste, existindo ainda hipóteses do arresto poder ter por alvo bens de terceiro, bens do devedor que se encontrem na posse de terceiro, ou ainda de bens alegadamente pertencentes ao devedor, mas que este, para os furtar à acção do credor, transfere para a titularidade de terceiro, ou inscreve-os em nome deste.
Na situação em apreço, nada foi alegado que nos permita concluir que possam ser arrestados bens de terceiros, acresce que provando-se que os bens móveis arrestados (sem considerar já aqueles em que foi determinada a devolução ao interior da fração, por constituírem bens dos próprios requerentes) que constituem o referido auto de arresto, são pertença de Lucien Filipe Cohen, nenhum juízo que permita justificar o receio pode ser feito quanto à retirada de tais bens, pois os mesmos não são pertença da requerida.
Além de cair por terra o facto que alicerçava o justo receio – ou seja a retirada dos únicos bens móveis conhecidos como pertencentes à requerida – nada nos autos nos permite concluir, nem os requerentes o alegam, que tais bens podiam ser objecto de arresto, pois seriam bens do devedor que se encontram na posse de terceiros.
Como resultou indiciariamente provado em sede de oposição: Por despacho de 11 de novembro de 2016, com a Refª 360015405, foi determinada a devolução ao interior da fração, dos bens identificados sob as verbas nºs 1, 2, 3, 6, 7, 8, 9, 15, 20 e 32 daquele auto de arresto e os bens identificados nas demais verbas que constituem o referido auto de arresto, são pertença de L….
Assim, sendo os bens a arrestar de terceiro, não se verifica a circunstância de o devedor se encontrar a ocultar ou dissipar tais bens, nem por meio destes poderão os requerentes obter a garantia da satisfação do seu crédito. Ou seja, não se prende com a discussão ou não da titularidade dos bens, esta efectivamente a ter lugar eventualmente em sede de embargos de terceiro, mas sim a circunstância de a retirada dos bens do locado não se destinar a ocultar ou dissipar os bens que poderiam responder pela dívida, pois estes nunca terão essa particularidade.
Na verdade, caso os requerentes pretendessem que o arresto incidisse sobre aqueles bens, deveriam alegar, para posteriormente comprovar, que teria ocorrido uma transmissão, operada com o único objectivo de impedir que os referidos bens possam servir de garantia patrimonial ao requerente da providência. Nada resultando dos autos e assentado um dos requisitos da providência na circunstância de a requerida se encontrar a retirar os únicos bens móveis da fracção locada, o pressuposto essencial era que esses bens lhe pertenciam, tendo o justificado receio agasalho nessa actuação. Pelo que falhando tal argumento, o requisito que nos permitiria manter a providência cai por terra, devendo ordenar-se o levantamento do arresto, declarando-se assim, procedente o recurso. ***
IV.–Decisão: Por todo o exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso de apelação interposto pela requerida, ordenando-se o levantamento do arresto dos bens móveis identificados na relação de bens de fls. 126-131vº que ainda subsistem após o despacho que ordenou o levantamento quanto às verbas nºs 1, 2, 3, 6, 7, 8, 9, 15, 20 e 32 do auto de arresto . Custas pelos apelados. Registe e notifique.
Lisboa, 7 de Fevereiro de 2019
Gabriela de Fátima Marques Adeodato Brotas Gilberto Jorge