EXCEPÇÃO DILATÓRIA
CASO JULGADO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
CAUSA DE PEDIR
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
CONTRATO DE INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
Sumário

I– Na acção de responsabilidade civil contratual, fundada em incumprimento de contrato de abertura de conta, em que se pede que o banco seja condenado a repor em conta de depósito 1000 títulos de obrigações e pagar os juros que as obrigações teriam rendido se não tivessem sido ilicitamente vendidas pelo banco, não se verifica a excepção de caso julgado – por falta de identidade de pedido e de causa de pedir - se em anterior acção se pediu, contra o mesmo banco, a restituição de um determinada quantia monetária depositada em conta de depósito a prazo, ilicitamente aplicada pelo banco na subscrição desses títulos de obrigações, no âmbito e em violação de contrato de intermediação financeira celebrado entre as partes.

II– Do mesmo modo, não se verifica o efeito preclusivo, nem a autoridade de caso julgado: a improcedência da anterior acção, tendo o tribunal afirmado a existência de um contrato de intermediação financeira e a validade da subscrição dos 1000 títulos de obrigações, não impede que os autores peçam noutra acção a reposição na sua conta bancária desses 1000 títulos de obrigações, com fundamento na violação, pelo banco réu, dos deveres emergentes do contrato de intermediação financeira afirmado pelo tribunal na acção pretérita.

III– Assim é porque não existe qualquer decisão prejudicial que tenha sido tomada na sentença proferida na primeira acção que não possa ser contraditada na segunda acção: enquanto na primeira acção se discutiu e afirmou a existência de um contrato de intermediação financeira, na segunda acção discute-se o incumprimento desse mesmo contrato por parte do banco Réu, o que é perfeitamente compatível com a existência e validade desse contrato de intermediação financeira afirmado na acção pretérita.

Texto Integral

Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRelatório:


1.1.–  A. (João…)  e B. (Maria…) , melhor identificados nos autos, propuseram a presente acção de processo comum de declaração contra o Banco C......, S.A. [doravante “B...C...P...”], formulando o seguinte pedido:
a)- A condenação do Réu a repor na conta dos Autores 1000 (mil) títulos de obrigações do Bank I...-CMS, no valor nominal de €1 000 000,00 (um milhão de euros) e a pagar os juros que as obrigações teriam rendido, se não tivessem sido ilicitamente vendidas.

Alegaram, para tanto, em síntese, o seguinte:
- Os Autores procederam à abertura de contas de depósito bancário à ordem e a prazo junto do Banco P...A... (entretanto incorporado no B...C...P...), balcão da Avª A...;
- Em 20 de Setembro de 2012, interpuseram contra o ora Réu uma acção judicial em que pediram a condenação deste na restituição do montante de € 1.367.073,76, acrescido de juros moratórios; a declaração de nulidade dos empréstimos alegadamente por si contraídos junto do Réu, por falta de forma; a declaração de nulidade das subscrições dos títulos e, em consequência, a condenação do réu na restituição da quantia de €1.221.713,71, acrescida dos juros de mora, acção que foi julgada improcedente;
-Nessa acção comprovou-se a titularidade dos autores relativamente a quatro contas bancárias (com os NIB .....39.04; .....68.47; .....75.05; e .....02.14), sendo que a primeira tem indexada uma conta de depósito a prazo poupança emigrante;
- Mais se provou que o banco Réu adquiriu para os Autores, em 07/04/2005, 1000 unidades de títulos do Bank I...-CMS, no valor, à data, de €1.024.369,15, títulos que passaram a constar dos extractos bancários remetidos pelo Banco Réu ao Autor varão;
- No decurso da audiência de julgamento realizada no âmbito da referida acção judicial, pela testemunha Duarte ..., arrolada pelo banco Réu, foi dito que os Autores tinham decidido vender os títulos do Bank I..., pelo valor correspondente a 10% do seu capital, ou seja, pelo valor de € 100 000,00 (cem mil euros), facto de que só nessa data (23 de Janeiro de 2015), tomaram conhecimento e que é falso;
- Mais disse a testemunha que as opções apresentadas pelo Bank I..., na sequência de acordo com o Banco Central Europeu eram três: a apresentação à falência do banco e não pagava nada; pagava 10% do capital das acções; ou 20% das obrigações eram convertidas em acções; tal teria sido transmitido aos Autores, numa reunião, pelo director regional do banco, na sequência do que a venda foi efectuada;
- No entanto, na referida reunião não foram apresentadas tais propostas aos Autores, pelo que estes não deram qualquer autorização, escrita ou verbal, de venda das obrigações pelo valor de 10%, tanto mais que só nessa altura tinham tomado conhecimento que possuíam acções e obrigações e não depósitos a prazo;
- Os Autores invocam o estatuído nos art.ºs 304º, n.ºs 1 e 2 e 306º-B, n.º 1 do CVM, aludindo ao papel de intermediário financeiro do banco Réu e aos deveres de protecção dos legítimos interesses dos seus clientes, alegando que o Réu violou os deveres de informação e não comunicou a operação de venda que realizou, optando unilateralmente pelo pagamento de 10% do capital das obrigações, prejudicando os interesses dos autores, sendo nula a venda efectuada.

1.2.– Citado, o Réu B...C...P... contestou deduzindo excepção de prescrição com fundamento na circunstância de a venda em causa ter passado a constar dos extractos combinados desde 15 de Julho de 2011 pelo que, se não quando deram ordem de venda, pelo menos a partir de então tinham conhecimento da verificação desta, tanto mais que em sede de tréplica apresentada na acção n.º 621/12.9TCFUN esse facto foi alegado pelo Réu e ainda que assim não fosse, sempre o banco foi citado após o termo do prazo de prescrição de dois anos porque a citação ocorreu apenas em 25 de Janeiro de 2017.
Mais impugnou os factos alegados pelos Autores sustentando que lhes foi apresentada a hipótese de ficarem com 20% das acções, tendo eles optado por receber 10% do capital, sendo falso que apenas nessa data tivessem tomado conhecimento da aquisição de títulos; mais consideram que os autores actuam em abuso de direito ao invocarem a nulidade da venda quando o valor corresponde ao que consta dos seus extractos bancários há mais de cinco anos.

1.3.– Os Autores pronunciaram-se sobre a excepção de prescrição deduzida sustentando que a relação que mantiveram com o Réu é uma mera relação bancária e nunca foi celebrada qualquer modalidade de intermediação financeira pelo que o prazo prescricional aplicável é o previsto para a responsabilidade contratual que, aliás, a ter existido já teria findado aquando da venda das acções do Bank I...; mais referem que não foi feita prova de que os seus então mandatários lhes tenham dado conhecimento da venda das acções, já alegada na tréplica da acção n.º 621/12.9TCFUN, e reiteram que apenas tomaram conhecimento do facto gerador da responsabilidade do banco Réu em 23-01-2015 e convocam ainda o prazo prescricional do crime de abuso de confiança qualificado.

1.4.– As partes foram notificadas para se pronunciarem sobre a eventual verificação de excepção de caso julgado, na perspectiva da preclusão extraprocessual (quanto à parte activa, como consequência do ónus de alegação de todos os factos que se referem à causa de pedir invocada na acção) por referência à acção n.º 621/12.9TCFUN.

1.5.– Os Autores vieram fazê-lo alegando que nesta acção o pedido e a causa de pedir são distintos dos apreciados naquela outra acção e contendem com circunstâncias de que tiveram conhecimento apenas durante a audiência de julgamento do processo 621/12.9TCFUN e que têm que ver com a venda dos títulos enquanto na primeira o que se discutia era o desconhecimento e falta de autorização dos Autores para a subscrição de títulos do Bank I...-CMS, considerando, assim, que não se verifica tríplice identidade que a figura do caso julgado pressupõe.

1.6.– Por sua vez, o Réu sustenta que a venda dos títulos já tinha sido realizada mais de um ano antes da instauração da acção n.º 621/12.9TCFUN e nesta os Autores a não colocaram em causa, tanto mais que admitiram em sede de petição inicial que a subscrição dos títulos passou a constar dos extractos bancários remetidos pelo banco Réu e sustenta que competia-lhes alegarem no pretérito processo todos os factos de que decorria a responsabilidade do Réu.

1.7.– Em 26/02/20188 [ref.ª Citius 37948673, de fls. 27 a 31], veio a ser proferido despacho saneador que decidiu “julgar procedente, por verificada, a excepção de caso julgado, na modalidade de preclusão extraprocessual e, em consequência, absolver o réu da presente instância, nos termos dos art.ºs 278º, n.º 1, e), 576º, n.ºs 1 e 2, 577º, i) e 595º, n.º 1, a) do CPC”.

1.8.– Neste despacho saneador pode ler-se, designadamente, que:
“ […]
De facto, a não autorização de venda e a pretensão de ver restituídos os títulos não foram questões apreciadas na acção n.º 621/12.9TCFUN.
Poderia, assim, considerar-se que está em causa a apreciação de questão diversa da anteriormente apreciada e que a sua submissão a uma nova pronúncia por parte do Tribunal não colocaria em crise o anteriormente apreciado.
Sucede que, conforme se afere do teor da petição inicial apresentada pelos autores e que deu origem ao processo n.º 621/12.9TCFUN e depois face à factualidade que ali foi dada como provada, naquela acção foi apreciada toda a relação bancária que se estabeleceu entre os autores e o banco réu e, desde logo, a validade e regularidade das aplicações financeiras que foram executadas por aqueles com recurso aos valores que se encontravam depositados nos bancos, visando, assim, os autores, responsabilizar contratualmente o banco por via de uma actuação negligente ou dolosa decorrente da falta de autorização para tanto.
Confrontados com a contestação do réu e enunciação de toda a relação com este mantida, e em sede de ampliação do pedido e da causa de pedir, os autores vieram formular a pretensão de ver declarada a nulidade dos empréstimos e das subscrições dos títulos (onde se incluem as obrigações do Bank I...-CMS) e consequente restituição do valor que alegadamente teriam em depósito a prazo e indevidamente utilizado pelo banco.
Ou seja, tal como a leitura da sentença proferida naquela acção permite aferir, foi apreciada a relação bancária e bem assim a actuação do banco enquanto intermediário financeiro, sendo que a pretensão ora aduzida pelos autores mais não constitui do que o aduzir de um novo facto integrado no contexto de toda essa relação para tentar obter, agora pela via da reposição dos títulos, o valor que, em rigor, já fora peticionado na acção 621/12.9TCFUN.
Sucede, contudo, que o facto ora trazido a juízo não pode deixar de se considera integrado na causa de pedir daquela outra acção enquanto integrado em todo o contexto da relação bancária alegada e discutida no âmbito do julgamento efectuado no processo n.º 621/12.9TCFUN.
Sendo assim, como é, há que analisar se aos autores é permitido invocar nesta nova acção um facto de que necessariamente tiveram conhecimento no decurso da discussão e instrução ocorrida na referida pretérita acção e que deve ser considerado como integrando a causa de pedir ali vertida.
Cumpre notar que a decisão proferida no processo n.º 621/12.9TCFUN ainda não transitou em julgado, o que, em princípio, arredaria desde logo a ponderação da mencionada excepção de caso julgado.
Mas há que saber se o efeito preclusivo do caso julgado integra ainda o instituto do caso julgado.
O efeito preclusivo e o caso julgado prosseguem idêntico fim, ou seja, a tutela da paz e segurança jurídica.
Em consonância com o anteriormente expendido, é sabido que a excepção do caso julgado supõe uma tríplice identidade: sujeitos, pedido e causa de pedir.
A análise do “caso julgado” pode ser perspectivada através dessa vertente de excepção dilatória com constatação da aludida tríplice identidade ou, ao invés, pela força e autoridade do caso julgado, decorrente de uma anterior decisão que haja sido proferida, designadamente no próprio processo, sobre a matéria em discussão.
“Embora os princípios expostos estejam vocacionados para o caso julgado material, não deixam os mesmos de cobrar aplicação – agora circunscritos à força e autoridade do caso julgado – relativamente às decisões que se formam no interior do próprio processo. O mesmo se diga relativamente à problemática dos seus limites objectivos. A este propósito, tem vindo a ser sustentado maioritariamente, na esteira da doutrina defendida por Vaz Serra (R.L.J. 110º/232), que a força do caso julgado não incide apenas sobre a parte decisória propriamente dita, antes se estende à decisão das questões preliminares que foram antecedente lógico, indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, tudo isto “... em nome da economia processual, do prestígio das instituições judiciárias e da estabilidade e certeza das relações jurídicas [] O alcance e autoridade do caso julgado não se pode, pois, limitar aos estreitos contornos definidos nos artºs 497º e seguintes para a excepção do caso julgado, antes se estendendo a situações em que, apesar da ausência formal da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento daquela figura jurídica está notoriamente presente. [] O Acórdão desta Relação de 28.09.2010 distingue deste modo a excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado: “A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido. A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade, prevista no art. 498º do Código de Processo Civil.” – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 6-09-2011, relatora Desembargadora Judite Pires, processo n.º 816/09.2TBAGD.C1, publicado na base de dados do ITIJ com o endereço www.dgsi.pt.” […].

1.9.– No mesmo despacho saneador procede-se a uma citação de LEBRE DE FREITAS, MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO, em que estes autores afirmam que:
“[…]“a excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado; pela excepção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (…). Mas o efeito negativo do caso julgado nem sempre assenta na identidade do objecto da primeira e da segunda acções: se o objecto desta tiver constituído questão prejudicial da primeira (e a decisão sobre ela deva, excepcionalmente, ser invocável) ou se a primeira acção, cujo objecto seja prejudicial em face da segunda, tiver sido julgada improcedente, o caso julgado será feito valer por excepção. [] Mais uma vez, esclarecem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto: “seja qual for o seu conteúdo, a sentença produz, no processo em que é proferida, o efeito de caso julgado formal, não podendo mais ser modificada (art. 672). Mas, quando constitui uma decisão de mérito (“decisão sobre a relação material controvertida”), a sentença produz também, fora do processo, o efeito de caso julgado material: a conformação das situações jurídicas substantivas por ela reconhecidas como constituídas impõe-se, com referência à data da sentença, nos planos substantivo e processual (…), distinguindo-se, neste, o efeito negativo da inadmissibilidade duma segunda acção (proibição de repetição: excepção de caso julgado) e o efeito positivo da constituição da decisão proferida em pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade de caso julgado). (…) Fala-se do efeito preclusivo do caso julgado para caracterizar esta inadmissibilidade de qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida […]”.

1.10.– E, noutro lugar do referido despacho saneador, procede-se a uma citação de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, em que este autor afirma que:
“[…] “a preclusão extraprocessual é independente do caso julgado, porque opera mesmo que o processo no qual se produziu a correspondente preclusão intraprocessual não esteja terminado com sentença transitada em julgado. Sendo assim, pode concluir-se que a preclusão não necessita do caso julgado para produzir efeitos num outro processo”  […]”.

1.11.– Às referidas evocações da doutrina seguem-se, no despacho saneador, as seguintes considerações:
“[…] O encerramento da discussão em 1ª instância é o último momento preclusivo pois que é até esse momento que a parte tem o ónus de invocar os factos constitutivos, modificativos ou extintivos que forem supervenientes ao articulado apresentado pela parte – cf. art. 588º, n.º 1 do CPC.
Assim, o efeito preclusivo é anterior ao caso julgado pois que é com o encerramento da discussão em 1ª instância que ocorre a estabilização dos factos que serão considerados na sentença, isto é, os factos ou ocorrências supervenientes verificadas até ao encerramento da discussão em 1ª instância que não sejam alegados em juízo até esse momento resultam precludidos.
Neste caso, a situação que se coloca é, precisamente, a de os autores virem agora invocar um facto de que alegadamente teriam tido conhecimento apenas no decurso da audiência de julgamento que teve lugar no âmbito do processo n.º 621/12.9TCFUN: a venda de 1000 unidades de títulos do Bank I...-CMS, no valor de € 1 000 000,00, pelo valor correspondente a 10% do seu capital, que por eles teria sido autorizada, mas não foi.
Conforme resulta da enunciação dos dados factuais acima vertidos, já na acção n.º 621/12.9TCFUN, onde os autores pretendiam ser ressarcidos de valores que alegadamente manteriam em depósitos a prazo junto do banco réu, os próprios aludiram na sua petição inicial à existência, no seu extracto bancário, de obrigações do Bank I...-CMS, sem que tivessem ordenado tal aquisição, vindo depois, em sede de réplica, ampliar o pedido e a causa de pedir, requerendo a declaração de nulidade de tal subscrição e a condenação do réu na restituição da quantia depositada a prazo que teria sido aplicada nessa aquisição.
Na sua tréplica, o banco menciona a venda dos títulos do Bank I...--CMS, em 15-07-2011, como último movimento registado na conta titulada pelos autores.

Ora, os autores vêm agora invocar que apenas no dia da audiência de julgamento (23-01-2015) tomaram conhecimento desse facto – a venda dos títulos – através do depoimento da testemunha Duarte ... pelo que, com base nisso, alegando que não a autorizaram, pretendem agora, já não a declaração de nulidade da respectiva aquisição, mas antes a reposição dos títulos na sua conta.

O facto agora invocado ocorreu antes do encerramento da audiência de julgamento que teve lugar no processo n.º 621/12.9TCFUN e dele os autores tiveram conhecimento – se não no momento em que a tréplica ali apresentada foi notificada aos seus mandatários (cf. art. 247º do CPC) – pelo menos, seguramente, no dia 23-01-2015, no decurso da audiência de julgamento e antes do encerramento da discussão em 1ª instância.
Fazendo apelo à doutrina propugnada pelo Sr. Prof. Miguel Teixeira de Sousa a que acima já se aludiu, afirma-se que a excepção de caso julgado não origina a preclusão do fundamento não alegado no momento adequado, sendo, pelo contrário, um meio para impor a estabilização decorrente da preclusão desse fundamento.

Assim, a excepção de caso julgado também ocorre quando a diferença entre o objecto da primeira acção e o da segunda acção decorre da alegação na última de um fundamento não invocado naquela primeira. Significa isto que não obsta à excepção de caso julgado o facto – como no caso se verifica – de não ocorrer a repetição de uma causa quanto ao objecto. É que “a excepção de caso julgado através da qual opera a preclusão de um facto obsta à apreciação de um aliud; a excepção de caso julgado que impede a repetição de uma mesma causa obsta à reapreciação de um idem.” – cf. ob. cit., pág. 16.

Quando a excepção de caso julgado impede a apreciação de um aliud com base num facto precludido, obsta-se ainda à contradição do decidido numa causa anterior com fundamento na alegação do facto precludido, como previsto no art. 580º, n.º 2 do CPC.

Assim, a proibição de contradição pode justificar quer a autoridade de caso julgado, quer a excepção de caso julgado, dependendo da relação do objecto da primeira acção com o objecto da segunda: se o objecto da segunda acção é dependente do objecto (prejudicial) da primeira, o tribunal da segunda acção está vinculado à pronúncia do tribunal da primeira acção, o que é atingido pela proibição de contradição da decisão anterior e da autoridade de caso julgado; se o objecto da segunda acção é contraditório com o objecto da primeira, o afastamento da pronúncia contraditória é obtido através da proibição de contradição da decisão anterior e da excepção de caso julgado; se o objecto da segunda acção é igual ao da primeira, exclui-se a repetição da pronúncia através da proibição de contradição da decisão anterior e da excepção de caso julgado.

Para além disso, a excepção de caso julgado opera ainda como meio de fazer valer a preclusão extraprocessual, ou seja, não se torna necessário convocar qualquer outra excepção dilatória para obstar à admissibilidade de uma acção na qual é alegado um facto que se encontra precludido – cf. M. Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 19.

Não obstante o processo civil não consagrar para o autor o ónus de alegar todas as possíveis causas de pedir do pedido que formula, não deixa ele, contudo, de ter o ónus de alegação de todos os factos que se referem à causa de pedir invocada na acção.

Não sobram dúvidas que na pretérita acção poderiam os autores ter convocado o argumento que ora vêm aduzir para obter aquilo que, em última análise, pretendem – numa acção como na outra – a reposição na sua conta bancária do valor correspondente a cerca de um milhão de euros.

A alegação da venda não autorizada dos títulos podia e devia ter sido convocada na acção n.º 621/12.9TCFUN, antes do encerramento da discussão da causa em 1ª instância, integrando, tal como os demais factos ali alegados, a causa de pedir que justificava a reposição das quantias a que os autores entendem ter direito e que assentava na responsabilidade contratual do banco e, bem assim, na sua responsabilidade enquanto intermediário financeiro.

Encerrada a discussão naquela acção e ainda que não transitada em julgado a decisão ali proferida, precludiu o direito dos autores a invocarem um facto integrador daquela causa de pedir que se verificou e de que tiveram conhecimento antes desse encerramento […].

Verifica-se, pois, a preclusão extraprocessual relativamente a facto precludido que é feita valer através da excepção de caso julgado.  […]”.

1.12.– Inconformados, os Autores apelaram para esta Relação, extraindo das alegações do recurso as seguintes Conclusões:
«1.º- A decisão ora recorrida encontra-se incorreta, pois confunde o instituto da preclusão extraprocessual com o instituto do caso julgado. Não existindo caso julgado propriamente dito – decisão transitada em julgada – não pode jamais, proceder a exceção de caso julgado, mas quando muito a preclusão extraprocessual, de per si. Ao entender o contrário, a sentença recorrida violou o disposto nos art.ºs. 580.º n.º1, “in fine” e 581.º, n.º 1, 2, 3 e 4 do CPC.
2.º- O Autor não está incumbido de um ónus de concentração de todas as causas de pedir possíveis, sejam elas cumulativas, subsidiárias ou alternativas entre si.
3.º- O Autor pode escolher, ao abrigo do princípio da controvérsia, ínsito no princípio do dispositivo, uma possível causa de pedir que possa determinar a ocorrência da consequência pretendida – a procedência do seu pedido. Ao entender o contrário, a sentença recorrida violou o princípio do pedido e do dispositivo, assim como, em última instância, o direito à liberdade de iniciativa económica privada de aquele é corolário, ínsito no artigo 61.º da Constituição da República Portuguesa.
4.º- No âmbito de uma relação jurídica complexa e de execução duradoura que se desdobra em vários actos e contratos singulares, como é o caso da relação jurídica bancária, assim como da relação jurídica de intermediação financeira, é lícito aos autores intentarem uma ação com um objeto concreto e concretizado por determinado contrato que, no seu entender, foi incumprido. Ao entender o contrário, violou a sentença recorrida a função de individualização do objeto do processo atribuída à causa de pedir, assim como, o princípio do dispositivo, consagrado atualmente no art. 5.º, n.º 1 do CPC.
5.º- Ao entender que os Autores da ação que correu termos sob o n.º 621/12 deviam ter invocado nesse processo a venda ilícita de títulos de ações no Bank I..., que constitui a causa de pedir do presente processo), a sentença recorrida violou o princípio do contraditório, o princípio da estabilização, individualização e conformação do processo pela causa de pedir e pelo pedido, assim como o princípio do dispositivo, consagrados nos arts. 3.º, 5.º, 264.º e 265.º do CPC.
6.º- Ao entender que os autores tinham a obrigação, à luz do disposto no art. 611.º, n.º 1 do CPC, de invocar os factos que constituem a causa de pedir do atual processo (n.º 368/17), por os mesmos constituírem, alegadamente factos constitutivos do seu direito, está a violar as disposições dos arts. 264.º e 265.º, para além de, mais uma vez, o princípio do dispositivo, pois essa alegação superveniente implicaria a alteração da causa de pedir e do pedido no sentido oposto àquele que foi sempre o defendido pelos autores em sede de petição inicial e réplica. Violou, pois, a sentença recorrida, o disposto nos arts. 5.º, 264.º, 265.º e 611.º, n.º 1 do CPC.
7.º- Ao entender que os autores tinham a obrigação de deduzir todas as causas de pedir relativas à relação jurídica bancária mantida com o ora Réu, a sentença recorrida violou, para além dos princípios e preceitos legais anteriormente invocados, igualmente o princípio da proteção da confiança, ínsito no art. 2.º da Constituição da República Portuguesa.
8.º- A causa de pedir do processo que correu termos sob o número 621/12 é diversa da que sustenta o atual processo (368/17), na medida em que aquela assentou em determinados atos e contratos celebrados pelo Banco Réu, em nome dos autores, que consubstanciavam a subscrição ou aquisição de títulos de ações e obrigações, mas assentes num contrato de abertura de conta bancária, o contrato nuclear e dá origem à relação jurídica bancária complexa e duradoura.
9.º- Por outro lado, na ação 368/17, os autores resignaram-se ao enquadramento jurídico-legal feito pela sentença proferida naqueloutra ação (621/12) e intentaram esta ação, invocando já como causa de pedir a existência de uma relação jurídica de intermediação financeira e, no âmbito dessa relação jurídica, individualizaram um determinado facto jurídico – o contrato celebrado pelo Banco Réu, com terceira entidade, desta feita, a venda de 1.000.000 (um milhão) de títulos de ações no Bank I..., com o valor nominal de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), mas sem que tenham sido cumpridas as obrigações legais do banco para o efeito.
10.º- O facto jurídico que serviu de base ao pedido na acção 621/12, foi a aquisição de títulos, ao passo que, nesta ação (368/17), o facto jurídico que serve de base à ação é a venda de títulos. Aquisição e alienação, embora constituam ambos, contratos de compra e venda, a materialidade é diversa, atendendo aos efeitos que os mesmos produzem na esfera jurídica do seu titular – pela aquisição, os autores viram o seu depósito a prazo “trocado” por títulos de ações e pela venda, viram estes títulos “trocados” por dinheiro. Ao entender haver identidade de causas de pedir, violou a sentença recorrida o disposto no art. 581.º, n.º 4, primeira parte, do CPC.
11.º- O pedido formulado no processo que correu termos sob o n.º 621/12 foi de condenação do banco a pagar, repor na conta dos autores, o montante de € 1.367.073,76 (um milhão, trezentos e sessenta e sete mil, setenta e três euros e setenta e seis cêntimos) correspondente ao valor que tinham em depósito a prazo. Por outro lado, no atual processo (n.º 368/17), os autores pediram, não o pagamento do montante de € 1.000.000,00 conforme o entendeu o Tribunal recorrido, mas sim, a reposição na conta dos autores, de 1.000.000 de títulos de ações no Bank I..., com o valor nominal de € 1.000.000,00 (um milhão de euros).
12.º- Os pedidos anteriormente referidos divergem em quantidade e em qualidade. A obrigação de pagamento pedida no processo n.º 621/12 consubstancia uma obrigação pecuniária (obrigação de restituição, findo o contrato de depósito a prazo), cujo cumprimento se faz em moeda com curso legal no país. Já a obrigação de reposição na conta dos autores, dos títulos de ações no Bank I... constitui a obrigação de entrega de coisa certa – entrega dos títulos de que os autores, na sequência do processo 621/12, alegaram ser proprietários e que o Réu teria vendido ilicitamente. Ao entender o contrário, violou a sentença recorrida, o disposto nos arts. 207.º e 550.º do Código Civil e nos arts. 1.º e 46.º do Código dos Valores Mobiliários.
13.º- Ainda que a decisão proferida no processo n.º 621/12 venha a transitar em julgado, nunca a mesma terá, nem produzirá força e autoridade de caso julgado, pois a decisão proferida foi de improcedência do pedido e absolvição do Réu do pedido e isto, por via do conhecimento da exceção invocada pelo Réu, de prescrição do direito dos autores, não tendo a referida decisão se pronunciado sobre o mérito da relação jurídica material controvertida. Ao entender que a decisão proferida, caso transite em julgado, constituirá caso julgado material nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 619.º e 580.º, n.º 2 do CPC, a sentença recorrida violou o disposto nestas disposições legais, assim como o disposto no art. 91.º, n.º 2 do CPC.
14.º- Não se verifica, em relação à decisão proferida no processo 621/12, a força e autoridade do caso julgado que impõem a proibição de qualquer decisão contraditória à proferida, pois a relação material controvertida entre as partes não foi apreciada nem decidida naquela ação. Não se verifica, em relação às decisões sobre as exceções deduzidas pelo réu, a força de caso julgado. Ao entender o contrário, violou a sentença recorrida, o disposto no art. 91.º, n.º 2 e 619.º do CPC.
Pelo que,
Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser concedido provimento ao recurso ora interposto, revogando-se a sentença recorrida, com todas as demais consequências legais.
COM O QUE SE FARÁ JUSTIÇA!».

1.13.– O Réu apresentou contra-alegações nas quais pugnou pela improcedência da apelação.

1.14.–Foram colhidos os vistos legais.

II–Objecto do recurso
Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso [artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do CPC], a questão fulcral a decidir é a de saber se o tribunal recorrido poderia ter julgada verificada a excepção do caso julgado, na vertente da preclusão extraprocessual.

III–Fundamentação.

A)–Motivação de Facto
Os factos relevantes para a decisão do recurso são os constantes do relatório que antecede e, além destes, os seguintes factos com que operou a 1.ª instância:
-Os autores João … e Maria ... intentaram contra o Banco C......, SA a acção que correu termos neste Juízo Central, Secção Cível sob o n.º 621/12.9TCFUN e onde pediram a condenação deste a restituir àqueles o montante de € 1.367 073,76 (um milhão, trezentos e sessenta e sete mil, setenta e três euros e setenta e seis cêntimos), acrescido do montante devido a título de juros moratórios desde a data da citação até integral pagamento e ainda do montante de 5% devido a título de sanção pecuniária compulsória.
-Alegaram, para tanto, que, sendo emigrantes na África do Sul, abriram contas bancárias à ordem e a prazo, no Banco P...A... (depois incorporado no banco réu), Balcão da Avª. A...., em que era depositante o autor, João ..., e a partir de 30 de Junho de 2000 todas as quantias que poupavam foram sendo ali depositadas até perfazerem, pelo menos, o montante de €1.214.000,00 (um milhão, duzentos e catorze mil euros); na conta de depósito a prazo tipo poupança emigrante indexada à conta de depósitos à ordem n.º .....39.04, em 30-09-1999, estava depositado o montante de €1.017 547,71 (um milhão, dezassete mil, quinhentos e quarenta e sete euros e setenta e um cêntimos); consta também de um extracto que lhes teria sido concedido um crédito no montante de €1.000 000,00 (um milhão de euros), que nunca pediram nem outorgaram; surgiu ainda o mesmo montante, como activo, referente à aplicação de €1.000 000,00 (um milhão de euros) em acções do “B...C...P...- F...C...”, sociedade filial do réu; no extracto integrado de 02/05/2000 aparece um activo líquido de €2.088 930,54 mas, em meados de 2010, ao não receber juros, apercebeu-se que o réu, sem a sua autorização, converteu o montante depositado na conta de depósito a prazo em aplicações em obrigações do Bank I...-CMS, do Royal B... S... GRP-PLC; e do HBOS C... Fun NI 6...... P.....; o autor não assinou qualquer documento a ordenar o investimento em acções, nem lhe foi prestada qualquer informação sobre as respectivas condições e termos, tendo direito à restituição do montante depositado a prazo; por causa de tais aplicações os autores deixaram de auferir os juros remuneratórios devidos pelo depósito dos seus montantes, a prazo, sendo-lhe devido, a esse título, o montante de € 153 073,76.

-O Banco C......, SA contestou e, para além de suscitar a nulidade do processo por ininteligibilidade do pedido e a prescrição, alegou que desde 1999, os autores, como aliás outros depositantes, face à descida das taxas de juro aplicáveis a produtos convencionais, como os depósitos a prazo, optaram por investir o seu capital em aplicações mais rentáveis, subscrevendo diversos títulos, por vezes até com recurso a financiamento, recebendo os respectivos dividendos e aplicando sucessivamente o montante destes e dos reembolsos na aquisição de outros, o que sucedeu no caso das aplicações referidas na petição inicial; com a crise financeira de 2008, os mercados financeiros sofreram um colapso, o que teve como efeito a desvalorização acentuada da generalidade dos activos, e, em alguns casos, a suspensão do pagamento dos dividendos por parte dos seus emitentes; por carta de 24 de Junho de 2010, e na sequência de interpelação do autor, o banco informou-o sobre as aplicações efectuadas referindo não ter sido possível encontrar os documentos de subscrição, o que os levou a acreditar que poderiam sustentar o desconhecimento das operações; os autores, contraindo um empréstimo para tanto, adquiriram acções preferenciais do B...C...P...-C... F... Ltd, obrigações da República Federal do Brasil; adquiriram acções preferenciais Banco B.V. (Banco B... e V...), do B.S.H,-F..., da Banca I..., tendo sido sempre informados dos riscos associados, assim como beneficiaram dos juros remuneratórios pagos sem nenhuma reclamação; e subscreveram, entre 2003 e 2007, as aplicações ora em causa conforme instruções suas, ainda que verbais, atenta a confiança existente entre as partes; suscitou ainda a litigância de má fé por parte dos autores.

-Os ali autores apresentaram réplica e deduziram ampliação do pedido e da causa de pedir solicitando a declaração de nulidade dos empréstimos alegadamente por si contratados junto do réu, por falta de forma e a declaração de nulidade das subscrições dos títulos e a condenação do réu na restituição da quantia de € 1 221 713,71, acrescida de juros.

-O banco réu apresentou tréplica onde enunciou os diversos depósitos, aplicações e valores remuneratórios que os autores realizaram e remeteu para os extractos que demonstram a movimentação regular feita nas contas detidas pelo autor junto do réu até 30-04-2010, mencionando que a partir desta data não foram feitos outros movimentos na conta, com excepção da venda dos títulos do Bank I..., em 15-07-2011, por € 100 000,00, que ficaram à ordem; mais refutou a nulidade dos empréstimos e aquisições de títulos.

-No âmbito da acção n.º 621/12.9TCFUN procedeu-se a audiência de julgamento, no dia 23 de Janeiro de 2015, e foi proferida sentença, em 7 de Maio de 2015, onde se consideraram provados os seguintes factos:
“1 Os autores são cidadãos portugueses que emigraram para a África do Sul.
2 O autor tem como habilitações literárias a 4.ª classe.
3Na África do Sul o autor era proprietário de diversos estabelecimentos, designadamente um talho e uma frutaria.
4Os autores passavam parte de cada ano em Portugal, na Região Autónoma da Madeira, normalmente entre Março e Setembro, ou entre Abril e Outubro ou entre Maio e Novembro.
5 Para guarda e remuneração das suas poupanças, os autores contrataram com o Banco P...A..., no balcão da Avª. A...., a abertura de contas de depósito bancário à ordem e a prazo, em que era depositante o autor.
6 O património do Banco P...A... foi incorporado, por fusão, no ora réu, fusão levada a registo pela inscrição 5 – Ap. 8/20000630.

7 O autor é titular das seguintes contas bancárias abertas no réu, Banco C......, S.A.:
i.- Conta bancária com o NIB n.º …..39.04;
ii.- Conta bancária com o NIB n.º ….68.47;
iii.- Conta bancária com o NIB n.º ….75.05;
iv.- Conta bancária com o NIB n.º ….02.14.

8– A conta de depósitos à ordem n.º ….39.04 tem indexada uma conta de depósito a prazo poupança emigrante, na qual se encontrava depositado, pelo prazo de 364 dias, em 30.09.1999, o montante de € 1.017.547,71 (um milhão, dezassete mil, quinhentos e quarenta e sete euros e setenta e um cêntimos), com vencimento em 12.11.1999, à taxa de 3,450%.
9– Em 12.06.1999, pelo prazo de cinco meses, o réu emprestou aos autores o montante de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), identificado como “outros”, na conta n.º 6..........68, com vencimento em 12.11.1999 e com uma taxa de juro de 4,250%.
10– Por documento escrito denominado “Boletim Subscrição – Acções Preferenciais B...C...P...-C... F...,Ltd.”, relativamente à conta de depósitos à ordem n.º … 39.04, assinado pelo autor em 14 de Junho de 1999, no Funchal, este deu ordem de compra de 20.000 títulos, no montante de € 1.000.000,00 (um milhão de euros).
11– Dada a constante descida das taxas de depósito a prazo, os autores, face ao facto de o autor ser titular do depósito referido no artigo 8), decidiram, para obter ganhos superiores, adquirir títulos do B...C...P...-C... F...,Ltd, que proporcionavam dividendos à taxa anual de 5,75%.
12– Assim, contraíram o empréstimo referido no artigo 9) e aplicaram este montante na aquisição dos títulos referidos em 10).
13– Os dividendos destes títulos foram creditados na conta à ordem n.º 6..........39, trimestralmente, na quantia de € 14.375,00 até Dezembro de 2003 e € 15.812,50 desde esta data até Junho de 2004.
14– Aquando do vencimento do depósito a prazo, a quantia de PTE 213.904.780$30 foi utilizada pelos autores para o pagamento do empréstimo referido no artigo 9) e, com o remanescente, o autor constituiu dois novos depósitos a prazo, com os n.ºs 7..........44 e 7..........15, respectivamente dos montantes de PTE 2.886.432$00 e PTE 6.962.478$00, ambos à taxa de 3% e com vencimento em 14.12.1999.
15– Em 14 e 15 de Dezembro de 1999, estes depósitos foram liquidados e creditada na conta do autor a quantia total de PTE 9.875.174$30, com a qual este constituiu novo depósito a prazo, n.º 7..........59, no valor de PTE 9.875.000$00, e um outro, n.º 7..........77, no valor de PTE 2.881.928$00.
16– Ambos estes depósitos a prazo tinham a taxa de 3,250% e vencimento em 27.11.2000.
17– Logo, porém, entusiasmados com os rendimentos obtidos com esta operação, procuraram junto do réu outras formas de aplicação idênticas, tendo optado por subscrever obrigações da República Federal do Brasil.
18– Para esta operação, contraíram novo empréstimo junto do réu, em valor correspondente a €1.008.000,00 (PTE 202.085.856$00), que aplicaram na aquisição das ditas obrigações.
19– Esta emissão foi reembolsada em 26.11.2001, e, com o respectivo montante, os autores liquidaram este segundo empréstimo.
20– As mais-valias obtidas pelos autores com este investimento situaram-se entre € 70.000,00 a € 80.000,00.
21– Em 03.01.2000, o autor liquidou parcialmente — em PTE 3.490$30 — o depósito n.º 7..........77, que passou a ser do valor de PTE 2.878.438$00.
22– No mês seguinte foi creditada na sua conta a importância de PTE 600.000$30 por via de mais uma liquidação parcial do dito depósito, o qual passou a ser do valor de PTE 2.278.438$00.
23– Em 15.03.2000, os autores receberam, de dividendos dos títulos B...C...P...- F...., PTE 2.881.929$00 (€ 14.375,00).
24– Montante que o autor utilizou, em 12.04.2000, em novo depósito a prazo, n.º 7..........64, no valor de PTE 2.500.000$00, também com vencimento em 27.11.2000 e à mesma taxa de 3.250%.
25– No mês de Junho de 2000, o autor, que tinha depositado à ordem o montante de PTE 283.825$90, procedeu a uma transferência de PTE 280.000$00, ficando aquele saldo a ser apenas de PTE 754$90.
26– Nesse mesmo mês, os autores receberam, de dividendos dos títulos B...C...P...-F..., PTE 2.881.929$00, que o autor utilizou em novo depósito a prazo, n.º 7..........71, no valor de PTE 2.885.000$00, com o mesmo vencimento dos anteriores, mas a uma taxa de 4,125%.
27– Em 15.09.2000, receberam novos dividendos daqueles títulos, de PTE 2.881.929$00, com o que o autor constituiu o depósito a prazo n.º 7..........62, com o mesmo vencimento dos anteriores, mas à taxa de 4,3875%.
28– Nesta altura, o autor era titular, no réu, dos cinco depósitos a prazo, no valor total de PTE 20.420.367$00, correspondente a € 101.856,36.
29– Em 27.11.2000, foram liquidados totalmente os aludidos depósitos a prazo n.ºs 7..........77, 7..........64, 7..........62, 7..........71 e 7..........59 e os valores respectivos creditados na conta do autor, acrescidos dos juros.

30– Com os montantes recebidos e com uma transferência que fez para esta sua conta, o autor constituiu três novos depósitos a prazo:
i.- DP n.º 7.........95, no valor de PTE 10.186.131$00, à taxa de 4,670% com vencimento em 27.11.2001;
ii.- DP n.º 7..........76, no valor de PTE 10.748.042$00, à taxa de 4,48750%, com vencimento em 18.12.2000; e
iii.- DP n.º 7..........89, no valor de PTE 14.671.447$00, à taxa de 4,48750%, com vencimento em 19.12.2000.

31– Em 15.12.2000, os autores receberam, de dividendos dos títulos B...C...P...-F..., PTE 2.881.929$00, e nos dias 18 e 19 do mesmo mês foram creditadas na aludida conta as quantias relativas aos depósitos a prazo n.ºs 7..........76 e 7..........89 e respectivos juros.
32–Em 22.12.2000, foi debitado o montante de PTE 10.559.138$00, por o autor ter feito uma transferência.
33– Restava o depósito a prazo n.º 7..........95, no valor, em euros, de 50.808,21 (PTE 10.186.131$00).
34– Ficando o autor com o valor de PTE 17.805.163$90 à ordem.
35– Em 19.12.2000 constituiu o depósito a prazo n.º 7..........67, no valor de PTE 17.762.926$00, à taxa de 4,15750%, com vencimento em 16.03.2001.
36– Em 02.01.2001 o autor fez uma transferência da sua conta no montante de PTE 42.237$00.
37– No ano de 2000, para além dos juros que receberam dos depósitos a prazo, só de dividendos dos títulos B...C...P...-F..., Ltd., os autores receberam PTE 11.527.716$00 (€ 57.500,00) - (2.881.929$00 (€ 14.375,00) x 4).
38– Em 15.03.2001, os Autores voltaram a receber de dividendos dos títulos B...C...P...-F..., Ltd. o montante de PTE 2.881.929$00.
39– No dia seguinte, com este montante de dividendos e com a quantia de PTE 17.941.395$00, que fora creditada na sua conta por via da liquidação do depósito a prazo n.º 7..........67, com juros, o autor constituiu novo depósito a prazo, n.º 7..........28, no valor de PTE 20.823.324$00 (17.941.395$00 + 2.881.929$00).
40– Este depósito foi constituído por 89 dias, à taxa de 4%, com vencimento em 13.06.2001.
41– Em Junho de 2001, os Autores receberam juros do depósito a prazo, dividendos dos títulos B...C...P...-F... e o valor resultante da liquidação total do depósito n.º 7..........28, num total de PTE 23.911.173$00.
42– E o autor depositou exactamente esse montante a prazo, no depósito n.º 7..........22, por 90 dias, à taxa de 4% e com vencimento em 13.09.2001.
43– Em 17.09.2001 os autores receberam mais PTE 2.881.929$00 de dividendos, que, somando ao valor que foi creditado com a liquidação do depósito n.º 7..........22 — PTE 24.150.285$00 — deram lugar ao depósito n.º 1..........79, no valor de PTE 27.032.214$00, à taxa de 3,44750% e com vencimento em 26.11.2001.
44– Nesta última data, aquando da liquidação do aludido depósito, o autor, que recebeu PTE 27.213.422$67, correspondente a € 135.739,98, constituiu novo depósito a prazo, n.º 1..........38, nesse valor, por 18 dias, à taxa de 2,86250, com vencimento em 14.12.2001.
45– Em 14.12.2001, os autores receberam de dividendos dos títulos B...C...P...-F... € 14.375,00 (PTE 2.881.929$00), e, nesse mês, foi ainda creditado na conta do autor o montante total de € 189.138,22 (€ 135.934,25 + € 53.213,90), proveniente da liquidação dos depósitos n.ºs 1..........38 e 7..........95.
46– Em 20.12.2001 o autor constituiu novo depósito a prazo, n.º 1..........80, no valor de € 222.139,50, a 60 dias, à taxa de 3,01250%, com vencimento em 18.02.2002.
47– Após a liquidação deste depósito a prazo, em 19.02.2002, o autor constituiu um outro depósito a prazo, n.º 1..........12, por 24 dias, no valor de 223.254,00, à taxa de 2,91250%, com vencimento em 15.03.2002.
48– Em 14.03.2002, os autores receberam de dividendos dos títulos B...C...P...-F... a quantia de € 14.375,00, e o autor prorrogou por 24 dias o prazo do aludido depósito, à taxa de 2,250%, agora já com o valor de € 223.687,48.

49– Nos meses de Março e Abril de 2002, o autor fez os seguintes movimentos junto do réu:
i.- Com o crédito resultante da liquidação do depósito a prazo n.º 1..........12 — € 223.687,48 — somado ao dos dividendos referidos no artigo anterior, constituiu o depósito a prazo n.º 1..........83, no valor de € 238.063,36;
ii.- Em 22.04.2002, liquidou parcialmente este depósito, pelo valor de € 72.500,00, e fez duas transferências desta sua conta, no valor total de € 72.349,74, ficando com um saldo de € 150,26;
iii.- Nessa data, os autores adquiriram 6.600 acções preferenciais do B.S.C.H-F..., no valor de € 165.000,00, ficando a conta a descoberto pelo valor de € 164.849,74;
iv.- Para cobrir esse débito, o autor liquidou totalmente o depósito n.º 1..........83, com o que foi creditado o valor de €166.241,31, passando a conta a ter o saldo positivo de € 1.391,57.

50– No ano de 2003, só nas aplicações na moeda euro, os autores auferiram um montante que excedeu os € 68.000,00.
51– As 6.600 acções preferenciais do B.S.C.H-F..., no valor de € 165.000,00 foram reembolsadas em 15.02.2005 e proporcionaram-lhes rendimentos superiores a € 25.000,00.
52– Em 03.05.2002, os autores adquiriram 270 acções preferenciais do Banco B.V. (Banco B... e V...), no valor de USD 27.000 (dólares americanos), cujo reembolso ocorreu em 01.04.2003, tendo obtido o montante de USD 1.827,36 a título de rendimentos.
53– Em 19.08.2004, adquiriram 44.000 acções preferenciais da Banca I..., cujo reembolso ocorreu em 30.03.2005, tendo-lhes proporcionado um ganho de valor superior a € 49.000,00.
54– No ano de 2004, os dividendos das aplicações na moeda euro foram superiores a € 74.000,00 face à compra dos títulos da Banca I.....
55– Em 03.01.2005, o autor constituiu um depósito a prazo, n.º 2..........47, no valor de € 18.777,26, por 87 dias, com vencimento em 31.03.2005 e à taxa de 1,6250%.
56– Em 23.02.2005 liquidou-o totalmente, para subscrever 172 unidades de títulos do R... B... S..., no que foi utilizado também o valor do reembolso dos títulos do B.S.C.H..
57– Em 30.03.2005, o autor, que tinha recebido o valor de € 1.100.000,00 do reembolso dos títulos da Banca I..., constituiu um depósito a prazo, n.º 2..........82, no valor de € 1.117.500,00 (no que utilizou ainda dividendos daqueles títulos), à taxa de 2,0%.
58– Em 07.04.2005 liquidou parcialmente tal depósito a prazo, pelo valor de € 1.024.369,15, para subscrever 1000 unidades de títulos do Bank I...-CMS.
59– Este depósito, que ficou com o valor de € 93.585,92, foi liquidado parcialmente em 10.05.2005, com o que o autor efectuou na mesma data, um pagamento à Mercedes.
60– O autor constituiu ainda outros depósitos a prazo mas, em Junho de 2006, com o vencimento de um deles e a liquidação total de outro, levantou da sua conta € 90.000,00.
61– Voltou a constituir um depósito a prazo em Janeiro de 2007, no valor de € 9.244,30, por 181 dias, à taxa era de 3,494%.
62– Em Abril de 2007, com os rendimentos recebidos, no mês anterior, dos títulos do Bank I...-CMS — € 58.750,00 —, o autor constituiu o depósito a prazo n.º 2..........08, no valor de 58.500,00, por 91 dias, à taxa de 3.604%.
63– Estes dois últimos depósitos foram totalmente liquidados em 24.05.2007, data em que o autor levantou da conta € 67.712,47.
64– Só voltou a depositar dinheiro a prazo em 04.01.2008, no valor de € 9.000,00, pelo prazo de 181 dias, à taxa de 4.30400% e em 3.03.2008, no valor de € 40.000,00.
65– Este último depósito venceu-se em 30.04.2008, e, nessa data, o autor constituiu um outro, no valor de € 40.200,00, que liquidou logo em 09.05.2008, levantando da conta o valor de € 40.500,00.
66- Restou apenas o depósito a prazo de € 9.000,00, que foi substituído no seu vencimento, em 03.07.2008 por um outro, no valor de € 9.300,00, por 181 dias, à taxa de 4,500%, com vencimento em 31.12.2008.
67– Em 04.08.2008, o autor liquidou esse depósito e levantou os € 9.300,00.
68– Em 05.03.2009, o autor voltou a constituir novo depósito a prazo, no valor de € 51.000,00, por 56 dias, à taxa de 1,245%, o qual se venceu em 30.04.2009.
69– Em 06.05.2009, o autor levantou da conta € 51.500,00, que se encontravam depositados à ordem.
70- No dia 05.01.2010, o autor deu ordem de transferência ao réu da quantia de € 172.000,00 (cento e setenta e dois mil euros) da conta n.º .......0545 para uma conta aberta no B... – Banco I.F., S.A.
71– O movimento seguinte do autor ocorreu apenas em 30.04.2010, data em que o mesmo levantou € 9.150,00, que se encontravam à ordem, para logo em 03.05.2010, levantar USD 7.916,54.
72– A partir de então, o autor não fez mais movimentos na sua conta, com excepção da venda dos títulos do Bank I...,-CMS em 15.07.2011, por € 100.000,00, que ficaram à ordem.
73– Em Outubro de 2012, o autor tinha na sua conta à ordem o montante de € 137.054,67.

74– Na conta n.º … 8545, em dólares americanos, de que o autor é titular, foram feitos, com relevância, os seguintes movimentos:
i.- 23.04.2002 - Depósito Cheque USD 1.065,00;
ii.- 24.04.2002 - Depósito Cheque USD 26.365,08;
iii.- 03.05.2002 - Aquisição por USD 27.000 de 27 unidades de títulos do Banco B... e V...;
iv.- 01.04.2003 - Reembolso por USD 27.000 dos títulos do Banco B... e V...;
v.- 31.03.2003 - Aquisição por USD 27.000 de títulos do H... – Bank S... (HBOS C... Fun NI 6..... P.....);
vi.- 02.12.2003 - Depósito Cheque USD 6.236,75;
vii.- 17.05.2007 - Aquisição por USD 15.000 de títulos do HBOS C... Fun NI 6...... P..... utilizando o depósito do cheque anterior e o rendimento do investimento.
viii.- 3.05.2010, Levantamento de USD 7.916,54.

75– Os levantamentos feitos pelos autores das contas do réu, nos anos de 2000 a 2011, atingiram um montante total superior em cerca de € 100.000,00 euros ao montante que estes teriam auferido, se tivessem, nesses mesmos anos, uma aplicação a prazo no valor de € 1.214.000,00 à taxa de 3,450%.
76– Os títulos do HBOS C... Fun NI 6..... P....., foram adquiridos a pedido do autor 42 unidades em Março de 2003 e, a pedido do autor, 15 unidades, em Maio de 2007.
77– Os do Royal B... S... foram adquiridos, também na sequência de instruções do autor, 172 unidades no valor total de € 172.000,00, em Fevereiro de 2005.
78– O mesmo tendo sucedido com os do Bank I...-CMS, que foram adquiridos, a pedido do autor, 1.000 unidades no valor total de € 1.014.200,00, em Abril de 2005.
79– Desde as datas das compras até 2011, os autores receberam, a título de rendimentos das aplicações, um total de € 201.038,00 quanto ao Bank I...-CMS, 6.762,90 USD quanto ao HBOS C... Fun NI 6..... P..... e € 45.252,00 quanto ao Royal B... S....
80– A aquisição dos títulos foi efectuada pelo réu com autorização do autor, no cumprimento de ordens de subscrição e aquisição deste.
81– O autor, anualmente, quando se deslocava à Região Autónoma da Madeira, dirigia-se ao Balcão do Funchal do réu, para analisar os extractos, conferir o recebimento dos dividendos e solicitar informações sobre produtos financeiros que oferecessem taxas elevadas de remuneração do capital de que dispunha, parte dele proveniente de rendimentos obtidos em operações anteriores.
82– E o mesmo sucedia na África do Sul, onde o autor, com o mesmo objectivo, passava regularmente no escritório de representação do réu.
83–Nos extractos mensais era feita referência explícita nomeadamente aos montantes depositados à ordem (que traduziam, em parte, a creditação dos dividendos das aplicações) e a prazo, aos títulos em carteira e aos financiamentos efectuados.
84– Os autores nunca apresentaram reclamação ou deram conta do mais pequeno descontentamento ao réu relativamente à movimentação das suas contas bancárias.
85– Tudo correu normalmente até ao agudizar da crise financeira internacional que, tendo tido início nos EUA no final de 2007, atingiu o auge, em meados de Setembro de 2008, com a falência do banco de investimentos Lehman Brothers, que tinha mais de 150 anos de existência e era um dos pilares financeiros de Wall Street, vindo a assumir contornos e proporções que, até àquela data, não tinham sido previstas nem mesmo pelas grandes instituições financeiras mundiais, tendo gerado ondas de choque à escala mundial.
86– A falência do Lehman Brothers, em 15.09.2008, e o efeito “dominó” que a mesma provocou nos mercados financeiros nos Estados Unidos e na Europa, geraram a crise financeira mais grave desde 1929 que se transformou numa crise sistémica e cujas repercussões se fazem ainda hoje sentir.
87– A cascata de falências e quebras de instituições financeiras provocou em Setembro de 2008, a maior queda do índice Dow Jones e de bolsas de valores internacionais desde os atentados de 11.09.2001.
88– Na sequência da crise, os produtos adquiridos pelos autores sofreram desvalorizações abruptas, o Royal B... S... e o Bank I...- CMS, por terem sido intervencionados, ficaram impedidos de distribuir dividendos pelo prazo de 2 anos.
89– Previamente à realização dos investimentos foram prestadas ao autor informações sobre os produtos financeiros, designadamente sobre as suas características, os respectivos custos, as taxas de juro e os riscos que lhes estavam associados.
90– Na data a que respeitam as aquisições dos títulos, não era norma no Private B... do réu exigir a redução a escrito das instruções dos respectivos clientes, como era o caso do autor, dada a proximidade que habitualmente existia entre estes e os funcionários daquele, cujas relações eram baseadas na confiança.
91– O autor endereçou ao réu uma carta, datada de 5 de Maio de 2010, na qual solicitou, “na sequência de conversas anteriores”, que lhe fossem enviados “os documentos com as instruções de aplicação financeira” por ele assinados, relativamente “às seguintes aplicações financeiras feitas por vós: - Bank I..., - Royal B... S...,-H... Bank S....”

92– Em resposta, o réu, através do Private B..., Duarte ..., que desde 1998 acompanhou o autor na sucursal da Ilha da Madeira, comunicou-lhe, por carta de 24 de Junho de 2010 o seguinte:
“No seguimento do seu pedido em carta datada de 5 de Maio do ano corrente, venho por este meio prestar algumas informações relativas às aplicações que efectuou no nosso Banco:
Royal B... S... – subscrição – 2005.02.23 (Local - Joanesburgo)
Bank I... – subscrição – 2005.04.07 (Local - Joanesburgo)
H... Bank S... – subscrição – 2003.03.31 (Local – Funchal 27.000 usd)
H... Bank S... – subscrição – 2007.05.17 (Local - Funchal 15.000 usd)
Os dois primeiros investimentos foram efectuados com o apoio do nosso escritório de representação em Joanesburgo, e relativamente ao HBOS foram por mim efectuados presencialmente com o A [o autor] nas nossas instalações no Funchal. Infelizmente e apesar de várias diligências não foi possível encontrar os documentos de subscrição pelo que apresento as minhas desculpas por não poder satisfazer o seu pedido.
Contactei ainda o A. na África do Sul, mas infelizmente, e atendendo à data em que foram negociados, não foi capaz de recordar o encaminhamento dado aos mesmos.

Sem outro assunto de momento, estou à sua inteira disposição para algum esclarecimento que julgar conveniente.”
- A sentença proferida na acção n.º 621/12.9TCFUN absolveu o réu do pedido com fundamento na circunstância de os autores apenas terem logrado demonstrar a existência de um depósito a prazo, no ano de 1999, no montante de € 1 017 547,71, com vencimento em 12-11-1999, cujo montante foi depois utilizado para liquidação de um empréstimo e constituição de dois novos depósitos a prazo; foram demonstrados diversos investimentos em produtos financeiros e constituição de depósitos de curto prazo e a aquisição dos títulos foi efectuada com autorização do autor, sendo que não era, à data, exigível a redução a escrito do contrato de intermediação financeira; mais se concluiu pela nulidade dos mútuos celebrados, por falta de forma, mas cujas quantias já foram restituídas e que as ordens de realização de operações sobre instrumentos financeiros podem ser dadas oralmente; concluiu-se também que os autores foram correctamente informados sobre as características dos produtos.”

B)–Motivação de Direito
Importa saber se o tribunal recorrido poderia ter julgada verificada a excepção do caso julgado, na vertente da preclusão extraprocessual.

Tal indagação implica que se teçam algumas considerações sobre a excepção de caso julgado, a preclusão [cuja autonomia é controversa] e a autoridade de caso julgado.

De acordo com o n.º 1 do artigo 581.ºdo CPC “repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”. O n.º 3 do mesmo artigo dispõe que “há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico” e o n.º 4 estabelece que “há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico”. A excepção de caso julgado pressupõe esta tríplice identidade: de partes, de causa de pedir e de pedido.

A identidade das partes é manifesta e reconhecida, que pelos Apelantes, quer pelo Apelado.

Resta, então, saber se haverá identidade quanto à causa de pedir e ao pedido.

Convoca-se, sobre a temática, o que, a esse propósito, se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-01-2017, proc. n.º 3844/15.5.T9PRT.S1, relatado pelo Conselheiro Júlio Gomes, consultável em www.dgsi.pt., citado no despacho saneador recorrido, a saber:
“(…) O conceito de causa de pedir tem sido intensamente debatido – na sugestiva expressão de LEBRE DE FREITAS[[1]], “martirizado” – na doutrina portuguesa. Muito embora se entenda que a causa de pedir é representada por factos concretos, não se trata de factos “brutos”, independentes de qualquer previsão normativa. Na esclarecedora lição de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “os factos que constituem a causa de pedir devem preencher uma determinada previsão legal, isto é, devem ser subsumíveis a uma regra jurídica: eles não são factos “brutos”, mas factos “institucionais, isto é, factos construídos como tal por uma regra jurídica”[[2]][[3]],acrescentando o mesmo Autor que “o recorte da causa de pedir é realizado pelo direito material: são as previsões das regras materiais que delimitam as causas de pedir, pelo que, em abstracto, há tantas causas de pedir quantas as previsões legais”[[4]]. Por outro lado, o conceito de causa de pedir não deve ser entendido de forma extensa já que uma visão mais restrita - “deflacionada”[[5]] - é a que melhor se adequa tanto ao princípio dispositivo[[6]], que apesar de temperado ou mitigado continua a imperar no nosso sistema processual civil, como à opção do legislador pelo sistema da substanciação da causa de pedir[[7]]. Os factos concretos que constituem a causa de pedir – e que nem sequer serão, porventura, para MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, todos os factos necessários para assegurar a procedência da acção – são pois “iluminados” e seleccionados por uma certa previsão legal. Assim, por exemplo, os factos concretos que constituem a causa de pedir de uma anulação de um contrato por dolo podem não ser os mesmos, atendendo ao pedido e às regras jurídicas invocadas, que constituem a causa de pedir para um pedido de responsabilidade pré contratual, a qual, como é sabido, é compatível com a validade do contrato. Naquele primeiro caso os factos – a utilização por exemplo por uma das partes de sugestões e artifícios ou de omissões conscientes – têm que ter uma intensidade e gravidade tais que justifiquem a anulação de um contrato, ao passo que a violação de deveres de informação e aconselhamento não tem que assumir a mesma gravidade ou intensidade para que se imponha a reparação de um dano, apesar da validade do contrato[[8]]. Por isso mesmo entendemos que os factos concretos que constituem a causa de pedir nas duas acções – uma em que se pede a declaração de nulidade de uma série de negócios e outra em que se pede a reparação de um dano, resultante de violação de deveres de informação e aconselhamento, violação essa que pode ocorrer e determinar a existência de um dano reparável mesmo que as partes venham a celebrar um negócio válido – não são, em rigor, os mesmos do ponto de vista das respectivas previsões legais.

E haverá identidade de pedido?

Com a declaração de nulidade de um negócio surge o dever de restituição das prestações realizadas em execução do mesmo, ao passo que quando se invoca um dano em sede de responsabilidade civil pede-se a reparação do mesmo. Ora restituição e reparação parecem ser efeitos jurídicos distintos. É certo que a fronteira é delicada e que até já se afirmou que a restituição e a reparação são remédios que pertencem à mesma família e que são “aparentados”. No entanto, parece poder afirmar-se entre nós o que MARIE MALAURIE afirmou a respeito do sistema francês: a reparação tende a colocar o lesado na situação em que estaria se o evento danoso não tivesse ocorrido, ao passo que a restituição “opera apenas o regresso de um bem ao seu património de origem”[[9]].

Não havendo nem identidade de causa de pedir, nem de pedido não se verifica a excepção de caso julgado. Mas será que se verifica aqui um efeito preclusivo[[10]] que, como pretende o réu nas suas contra-alegações, preclude que “numa nova acção o autor possa obter a título de responsabilidade civil o que em acção anterior fundada nos mesmos factos só pediu a título de nulidade”?

Como já dissemos, os factos não são em rigor os mesmos do ponto de vista da previsão das diferentes normas legais invocadas.

É certo que por força do princípio da concentração da defesa[[11]] se tem afirmado a propósito do Réu este efeito preclusivo, sendo certo que na doutrina não é pacífico se o mesmo deve ser integrado no caso julgado ou tratado com autonomia.

A este respeito observa FRANCISCO MANUEL LUCAS FERREIRA DE ALMEIDA que “este ónus de concentração da defesa na contestação, cominado no n.º 1 do art. 573.º, vale para todos os fundamentos defensórios, designadamente para todas as exceções perentórias oponíveis à pretensão do demandante, pelo que qualquer exceção não invocada – como, por exemplo, a invalidade do negócio ou o pagamento da dívida – se considera definitivamente precludida”[[12]]. Tal entendimento tem sido defendido, no entanto, a propósito do Réu[[13]].

Com efeito, a posição do Autor e do Réu a este propósito pode não ser simétrica[[14]]. Já CASTRO MENDES observava “sem sombra de dúvida que a pretensão do autor não está sujeita a este efeito preclusivo” e acrescentava que “De jure condito (…) é lícito ao autor em processo civil formular n vezes a mesma pretensão, desde que a baseie em n causas de pedir”[[15]]. E importa neste aspecto atender, mais uma vez, à lição de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA quando este Autor destaca que “a causa de pedir também define o âmbito da preclusão decorrente do trânsito em julgado da decisão, isto é, também delimita os factos que, na hipótese de o autor não ter obtido ganho de causa, não podem ser invocados por esse autor numa acção posterior”[[16]]. E daí que no Acórdão do STJ de 19/02/2009 (MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA) se tenha afirmado que “o caso julgado não preclude a possibilidade de invocar diferentes causas de pedir para o mesmo pedido, tal como não impede a formulação de outros pedidos, com relação à mesma causa de pedir”. Não se verifica, pois, em relação ao Autor o efeito preclusivo pretendido pelo Réu: quem propõe uma acção em que pede a nulidade de um negócio, acção essa que não procede, tendo o Tribunal afirmado que o negócio celebrado entre as partes era válido, não está impedido de vir depois em outra acção pedir a reparação de danos causados por violação de deveres pré-contratuais de informação e de aconselhamento porquanto a responsabilidade pré-contratual é perfeitamente compatível com a validade do mesmo negócio.

Poderá dizer-se, no entanto, que embora não ocorra a excepção de caso julgado se verifica a autoridade de caso julgado, sendo que em relação a esta última não se exige a tríplice identidade? Tem-se entendido, com efeito, que “a autoridade de caso julgado, por via da qual é exercida a função positiva do caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da aludida tríplice identidade [a que se reporta o artigo 498.º n.º 1 do CPC], pressupondo, todavia, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida” (Acórdão do STJ de 23/11/2011 (PEREIRA DA SILVA). Sublinhe-se, no entanto, que não se vislumbra aqui qualquer decisão prejudicial que tenha sido tomada na primeira Sentença e que não possa agora ser contraditada: decidiu-se, é certo, que os negócios celebrados entre as partes eram válidos, mas tal questão não é prejudicial porquanto, como reiteradamente se afirmou, a responsabilidade pré-contratual tanto pode existir nos casos de invalidade, como nos casos de validade do contrato.

Relativamente aos danos patrimoniais cuja reparação os Autores pedem na presente acção não se verifica, por conseguinte, nem caso julgado, nem efeito preclusivo, nem tão-pouco autoridade de caso julgado (…)” [Fim de citação].
***

→Debrucemo-nos agora, à luz das considerações transcritas supra, que sufragamos integralmente, se no caso dos autos se verifica a excepção de caso julgado, o efeito preclusivo ou a autoridade de caso julgado.
- Processo n.º 621/12:
Em sede de petição inicial, os Autores imputaram ao Réu uma actuação ilícita que consistiu na conversão, não autorizada, nem coberta pela relação jurídica bancária existente entre as partes, de quantias depositadas na conta de depósitos a prazo [doravante “CDP”] nas seguintes aplicações financeiras: - Obrigações do Bank I...-CMS; - Obrigações do Royal B... S... GRP-PLC;- e Obrigações do HBOS C... Fun NI 6...... P..... [art.º 13.ª da PI].
Consequentemente, os Autores naquela acção pediram a condenação do Réu a restituir-lhes o montante de €1.367.073,76, indevidamente transferido da CDP, acrescido de juros moratórios.
Em sede de contestação, o Réu defendeu-se por impugnação, invocando, além do mais, a existência de uma relação de intermediação financeira e não apenas bancária; e por excepção, invocando a nulidade do processo, por ininteligibilidade da petição inicial, e a prescrição, fundada na invocação da relação de intermediação financeira e não apenas bancária, o que levaria a que o direito de acção estivesse prescrito.
Na réplica, os Autores responderam a ambas as excepções invocadas pelo Réu na sua contestação e ampliaram a causa de pedir, tendo rectificado o valor do pedido para € 1.221.713,71 (um milhão, duzentos e vinte e um mil, setecentos e treze euros e setenta e um cêntimos).
Além do mais, impugnaram ainda os seguintes actos e contratos praticados pelo Banco Réu: - aquisição de ações no B...C...P...-F... C...; - e subscrição de mútuo para aquisição desses títulos no B...C...P...-F.....

Em consonância com essa ampliação da causa de pedir, os Autores ampliaram igualmente o pedido formulado inicialmente na sua petição inicial, passando este a conter os dois pedidos subsidiários que foram formulados em sede de réplica e que têm o seguinte teor:
i.-Caso assim não se entenda, devem:
1.– Os empréstimos alegadamente contraídos pelos AA., junto do Banco R., serem declarados nulos, por falta de forma e;
2.– Todas as subscrições de títulos e, bem assim, os empréstimos alegadamente contraídos pelos AA., serem julgados nulos, por força do disposto no art. 9.º n.º 2, 8.º a), b) e d) e 5.º do DL 446/85, de 25/10 e, em consequência, deve o Banco R., ser condenado a restituir aos AA., o montante que tinham depositado a prazo, de pelo menos, €1. 221.713,71 (um milhão, duzentos e vinte e um mil, setecentos e treze euros e setenta e um cêntimos), acrescido dos juros de mora vencidos após citação e até integral pagamento.”

- Processo n.º 368/17:
No âmbito do presente processo, o que os Autores invocaram, a título de causa de pedir, foi exactamente o oposto do que invocaram na pretérita acção, influenciados, aliás, pela solução jurídica dada pelo tribunal à anterior acção, na qual o banco Réu logrou provar a existência de uma relação de intermediação financeira, bem como a licitude da subscrição dos títulos acima identificados, em nome e por conta dos ora Autores.
No presente processo, os Autores invocam precisamente a relação jurídica de intermediação financeira – cuja existência negaram na acção pretérita – e com base na mesma e já não na actuação ilícita do banco Réu, não coberta pela relação jurídica bancária, impugnam a validade já não dos actos de subscrição de títulos de acções e obrigações, mas sim, da sua venda, no caso dos 1000 títulos de obrigações do Bank I...-CMS, no valor nominal de €1.000.000,00.
É certo que, contraditoriamente à posição assumida no processo anterior, no presente processo os Autores aceitam que entre Autores e Réu se havia estabelecido uma relação de intermediação financeira e que a aquisição dos títulos de acções e obrigações foi licitamente efectuada.
Por isso, também formulam neste processo (proc. 368/17) um pedido diferente do pedido indemnizatório (pedido principal) ou de nulidade (pedido subsidiário) formulado no processo anterior (proc. 621/12).
Como pedido (stricto sensu), e ao contrário do entendimento sufragado pela sentença recorrida, os Autores limitaram-se a pedir “a condenação do Réu a repor na conta dos Autores, 1000 (mil) títulos de obrigações do Bank I...-CMS, no valor nominal de € 1.000.000,00 (um milhão de euros) e a pagar os juros que as obrigações teriam rendido se não tivessem sido ilicitamente vendidas.”
***

A causa de pedir invocada pelos Autores, aqui Apelantes, no processo anterior (proc. 621/12) assentou na existência de uma relação jurídica bancária que se iniciou com o contrato de abertura de conta e em actos ilícitos derivados do incumprimento, por parte do banco Réu, ora Apelado, de deveres emergentes do referido contrato de abertura de conta, actos que os Autores individualizaram na sua petição inicial, ilicitude essa geradora de responsabilidade contratual.

Diversamente, a causa de pedir que sustenta o pedido no presente processo (proc. n.º 368/17) assenta na existência duma relação jurídica de intermediação financeira, no leque de direitos e deveres dela emergentes, assim como no incumprimento desses deveres, invocados como fonte do direito cujo reconhecimento e ressarcimento os Autores pediram ao tribunal.

Não existe identidade de causas de pedir, porque os factos não são em rigor os mesmos do ponto de vista da previsão das diferentes normas legais invocadas.

E também não existe identidade de pedido, porque o conteúdo e o objecto da pretensão reclamada no processo anterior e neste processo são substancialmente diferentes.

Na primeira acção (proc. n.º 621/12), os Autores pediram a reposição na sua conta bancária dos valores que se encontravam depositados a prazo na mesma, no valor monetário de €1.221.713,71 (valor corrigido na réplica).

Nesta acção posterior (368/17), os Autores pediram a reposição na sua conta, de 1000 (mil) títulos de obrigações do Bank I...-CMS, no valor nominal de € 1.000.000,00 (um milhão de euros).

Ora, como bem referem os Apelantes, pedir a reposição na conta bancária, de títulos de obrigações no valor nominal de € 1.000,00 (um milhão de euros) não corresponde de todo ao pedido de reposição na conta bancária de dinheiro correspondente a € €1.221.713,71, nem em quantidade, nem em qualidade.

O dinheiro, ao contrário de títulos de acções, é um bem fungível, nos termos do art. 207.º do CC e as obrigações que o têm por objecto chamam-se obrigações pecuniárias, cujo cumprimento se faz, de acordo com o disposto no art. 550.º do CC, “em moeda que tenha curso legal no país à data em que for efectuado e pelo valor nominal que a moeda nesse momento, tiver,”.

Pelo contrário, como argumentam os Autores, os títulos de acções ou obrigações, são valores mobiliários, nos termos do disposto no artigo 1.º do Código dos Valores Mobiliários, doravante designados abreviadamente por CVM, que podem ser representados por títulos (os titulados) ou por registo em conta (os escriturais) – art. 46.º do CVM.

Tais títulos, apesar de normalmente terem um determinado valor nominal, o real valor dos mesmos é diverso do valor nominal, porque estando os mesmos cotados em bolsa, o seu valor é sempre oscilante e variável de acordo com as cotações diárias das entidades às quais pertencem os títulos de acções e de obrigações.
Daí não haver identidade de pedido, entendido este como “constituído pela pretensão processual individualizada (…) e pela forma de tutela judiciária requerida”[[17]].

Não havendo nem identidade de causa de pedir, nem de pedido, não se verifica a excepção de caso julgado, sendo certo que à data da prolação do despacho saneador em crise a sentença proferida no primeiro processo estava pendente de recurso, pelo que nem sequer se mostrava transitada em julgado.

Assim, não se pode concluir, como concluiu a Senhora Juíza a quo, pela verificação da preclusão extraprocessual operada através da excepção do caso julgado.

A preclusão extraprocessual só poderia operar através da excepção do caso julgado depois de haver no processo pretérito uma decisão transitada em julgado. E não é esse o caso.

Segundo os ensinamentos do professor MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, no seu artigo “Preclusão e caso julgado” [[18]], citado no despacho saneador em crise e nas alegações dos Apelantes, a preclusão distingue-se do caso julgado, razão pela qual o efeito preclusivo é anterior ao caso julgado. No dizer do ilustre professor, “a preclusão extraprocessual é independente do caso julgado, porque opera mesmo que o processo no qual se produziu a correspondente preclusão intraprocessual não esteja terminado com sentença transitada em julgado. Sendo assim, pode concluir-se que a preclusão não necessita do caso julgado para produzir efeitos num outro processo.”

Por outro lado, conclui o mesmo professor que “O caso julgado, em si mesmo, não produz nenhum efeito preclusivo da invocação de um facto num outro processo: essa preclusão é anterior ao trânsito em julgado da decisão final proferida na acção e pode operar mesmo antes desse trânsito em julgado.”

Deste modo, e como conclui o mesmo autor, acerca do modo de actuação da preclusão, só “depois de haver no processo uma decisão transitada em julgado, a preclusão extraprocessual deixa de operar per se, passando a actuar através da exceção de caso julgado. Em suma, pode falar-se de “preclusão e caso julgado”, mas não de “caso julgado e preclusão”. Havendo decisão de trânsito em julgado, então é que se pode falar de uma espécie de consumpção do efeito da preclusão extraprocessual na exceção de caso julgado, deixando de ser necessário actuar com outra exceção.

É o que refere o ilustre professor no seguinte trecho conclusivo, que se transcreve:
“Esta metodologia é a única que consegue explicar todos os efeitos do caso julgado, porque é a única que mostra a verdadeira extensão da exceção de caso julgado: esta exceção opera através, quer de uma proibição de contradição de uma decisão anterior, quer de uma proibição de repetição desta decisão. Além disso, aquela metodologia tem ainda uma outra vantagem: ela permite conceber a exceção de caso julgado como um meio de fazer valer a preclusão extraprocessual, ou seja, dispensa a necessidade de operar com qualquer outra exceção dilatória quando se trate de obstar à admissibilidade de uma acção na qual é alegado um facto que se encontra precludido.”

No caso, aquando da prolação do despacho saneador em crise, não existia uma decisão transitada em julgado, pelo que o que poderia obstar ao prosseguimento da presenta acção é a preclusão e não o caso julgado.

Pergunta-se então: será que se verifica aqui um efeito preclusivo que, como se sustenta no despacho saneador recorrido e pretende o Réu nas suas contra-alegações, preclude que numa nova acção os Autores possam obter a título de responsabilidade do intermediário financeiro o que em acção anterior fundada em factos em parte semelhantes só pediu a título de responsabilidade civil por facto ilícito e de nulidade (mútuos e subscrição de títulos)?

Como já dissemos, os factos não são em rigor os mesmos do ponto de vista da previsão das diferentes normas legais invocadas.

Já se disse, também, que por força do princípio da concentração da defesa se tem afirmado a propósito do réu este efeito preclusivo, sendo certo que na doutrina não é pacífico se o mesmo deve ser integrado no caso julgado ou tratado com autonomia.

A tudo acresce que, como bem sustentam os Apelantes, no nosso ordenamento jurídico processual, ao contrário do que sucede com o réu, ao autor não incumbe um ónus de concentração de todas as causas de pedir possíveis que pudessem levar à atribuição a si, do efeito jurídico por si pretendido, sem que se possa sequer falar em desigualdade entre as partes.

É este, aliás, o entendimento, quer do professor MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA[[19]], quer dos professores JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO[[20]], quer ainda da nossa jurisprudência mais expressiva.

Ao autor apenas incumbe o ónus de alegar os factos constitutivos do seu direito, ou seja, a causa de pedir, conforme resulta do princípio do dispositivo consagrado no artigo 5.º, n.º 1, do CPC.

“O princípio dispositivo (stricto sensu) traduz-se, assim, na liberdade das partes de decisão sobre a propositura da ação, sobre os exatos limites do seu objeto (tanto quanto à causa de pedir e pedidos, como quanto às exceções perentórias) e sobre o termo do processo (na medida em que podem transacionar). No fundo, é um princípio que estabelece os limites de decisão do juiz — aquilo que, dentro do âmbito de disponibilidade das partes, estas lhe pediram que decidisse. Só dentro desta limitação se admite a decisão
[…]
Em suma, a estrutura não foi alterada: às partes cabe iniciar o processo e fixar o seu objeto. Ao Juiz cabe decidir dentro desse objeto, tendo ampla liberdade (com cumprimento do contraditório) para aplicar regras de direito não alegadas pelas partes.”[[21]].

Não se verifica, pois, em relação aos Autores o efeito preclusivo pretendido pelo Réu: quem propõe uma acção em que pede uma indemnização com fundamento em responsabilidade contratual derivada de incumprimento de contrato de abertura de conta consubstanciado na aplicação de quantias depositadas em CDP na subscrição ilícita de títulos de acções e obrigações ou, subsidiariamente, a restituição dessas quantias com base na nulidade do negócio de subscrição, acção essa que não procede, tendo o tribunal afirmado que não se verificou o alegado incumprimento contratual e que o negócio celebrado era válido, não está impedido de vir depois em outra acção pedir a reposição na sua conta bancária de alguns dos títulos de obrigações subscritos no âmbito dessa relação jurídica afirmada pelo tribunal na acção anterior, mas que foram vendidos pelo banco réu sem autorização do autor e com violação do contrato de intermediação financeira que o tribunal na acção anterior afirmou ter sido celebrado entre as partes.

Poderá dizer-se, no entanto, que embora não ocorra a excepção de caso julgado e a preclusão se verifica a autoridade de caso julgado, sendo que em relação a esta última não se exige a tríplice identidade?
“A autoridade de caso julgado, por via da qual é exercida a função positiva do caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da aludida tríplice identidade [a que se reporta o artigo 498.º n.º 1 do CPC], pressupondo, todavia, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida” [Acórdão do STJ de 23/11/2011 - Conselheiro PEREIRA DA SILVA].

Elucidativo a este respeito é o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21/11/2016 [Desembargador JORGE SEABRA] em que se afirma que “a autoridade de caso julgado tem a ver com a existência de relações entre acções, já não de identidade jurídica (própria da excepção de caso julgado), mas de prejudicialidade entre acções, de tal ordem que julgada, em termos definitivos, uma certa questão que correu entre determinadas partes, a decisão sobre essa questão ou objecto da primeira causa, se impõe necessariamente em todas as acções que venham a correr termos, ainda que incidindo sobre objecto diverso, mas cuja apreciação dependa exclusivamente do objecto previamente julgado, perspectivado como relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na acção posterior”.

Ora, não se descortina aqui qualquer decisão prejudicial que tenha sido tomada na primeira sentença que não possa ser contraditada na presente acção: na primeira sentença afirmou-se a existência de um contrato de intermediação financeira e a validade das subscrições de títulos de acções e de obrigações efectuada pelo banco Réu no âmbito desse contrato, em nome e por conta dos Autores; com esta acção, pretende-se o reconhecimento da ilicitude da venda de alguns desses títulos de obrigações e a reposição dos mesmos na conta dos Autores, com fundamento na violação, pelo banco Réu, dos deveres emergentes do contrato de intermediação financeira afirmado pelo tribunal na acção pretérita.

Dito de outro modo: na primeira acção discutiu-se e afirmou-se a existência de um contrato de intermediação financeira e nesta acção discute-se o incumprimento desse mesmo contrato por parte do banco Réu, o que é perfeitamente compatível com a existência e validade desse contrato de intermediação financeira.
Por conseguinte, não se verifica, nem caso julgado, nem efeito preclusivo, nem tão-pouco autoridade de caso julgado.   

IV–Decisão
Por tudo o exposto, acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogar o despacho saneador recorrido, devendo os autos prosseguir a sua normal tramitação.
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Custas da apelação pelo Réu - artigo 527º do CPC.
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Registe e notifique.
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Lisboa, 7 de Fevereiro de 2019



Manuel Rodrigues
Ana Paula A. A. Carvalho
Gilberto Jorge


[1]JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Caso Julgado e causa de pedir. O enriquecimento sem causa perante o artigo 1229 do Código Civil, Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 2006, ROA 2006.
[2]MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil, Scientia Iuridica 2013, tomo LXII, n.º 332, pp. 395 e ss.., pp. 401-402.
[3]Em sentido próximo observa LEBRE DE FREITAS que “embora a causa de pedir seja integrada por factos concretos, está hoje abandonada a ideia de que ela se possa delimitar segundo critérios meramente naturalísticos, o que a conduziria à impossibilidade de a circunscrever em termos jurídicos”. E sublinha também que “fora o caso de concurso de normas meramente aparente, dois complexos de factos, cada um dos quais integre a previsão duma norma jurídica constitutiva de direitos, só constituirão a mesma causa de pedir se o núcleo essencial das duas normas for o mesmo”.
[4]MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, ob. cit., p. 402. O mesmo Autor observa, ob. cit., p. 395, que: “A causa de pedir é constituída pelos factos necessários para individualizar a pretensão material alegada pelo autor. O critério para delimitar a causa de pedir é necessariamente jurídico: é a previsão de uma regra jurídica que fornece os elementos para a construção de uma causa de pedir. Portanto, a causa de pedir é um conceito processual que é construído com base no direito substantivo”. Cfr., também, o que se afirma a p. 403. “para que haja causas de pedir distintas é sempre necessário que os factos alegados pela parte sejam subsumíveis a diferentes previsões legais”.
[5]A expressão é de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, ob. cit., pp.398-399, “a orientação actualmente consagrada no direito português impõe uma concepção “deflacionista” da causa de pedir (…) segundo a qual a causa de pedir é constituída apenas pelos factos necessários à individualização do pedido do autor”. “A função da causa de pedir é individualizar o pedido que o autor formula”.[
[6]MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Prejudicialidade e limites objectivos do caso julgado, RDES 1977, ano XXIV, pp. 304 e ss, pp. 309-310: “o princípio dispositivo se coaduna mais facilmente com a tese que concede aos limites objectivos do caso julgado um carácter mais restrito”. Neste sentido cfr., já JOÃO DE CASTRO MENDES, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, Lisboa, s.d., pp. 111 e ss.
[7]ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. I, 2.ª ed. revista e ampliada, Almedina, Coimbra, 1998, pp. 192-193: “No art. 498.º o legislador fez uma opção clara entre dois sistemas possíveis: o da individualização ou o da substanciação da causa de pedir. Ao primeiro bastaria a indicação do pedido, devendo a sentença esgotar todas as possíveis causas de pedir da situação jurídica enunciada pelo autor, impedindo-se após a sentença, a alegação de factos anteriores e que, porventura, não tivessem sido alegados ou apreciados. Já a opção pela teoria da substanciação implica para o autor a necessidade de articular os factos de onde deriva a sua pretensão, formando-se o objecto do processo e, por arrastamento, o caso julgado, apenas relativamente aos factos integradores da causa de pedir invocada. Foi esta a opção a que aderiu o legislador (…)”.
[8]ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, ob. cit., p. 203, dá um outro exemplo: “invocados factos integradores de determinado vício do negócio jurídico (v.g. negócio celebrado contra lei imperativa ou erro sobre o objecto do negócio), a actividade do tribunal está limitada à averiguação desses factos, nada impedindo que, posteriormente, o autor renove o pedido com base noutro fundamento de invalidade que além não tenha sido objecto de apreciação (v.g. negócio contrário à ordem pública ou anulável com base em coacção moral)”.
[9]MARIE MALAURIE, Les Restitutions en Droit Civil, Éditions Cujas, Paris, 1991, p. 45
[10] Segundo informa CASTRO MENDES, ob. cit., pp. 178-179, “na doutrina alemã fala-se em efeito preclusivo (Präklusionswirkung, Ausschlusswirkung) para designar o efeito da sentença segundo o qual não se pode formular a mesma solicitação processual no futuro com base em factos não supervenientes ao momento do “último acto oral de instrução” (…) correspondente ao momento do encerramento da discussão em primeira instância”.
[10]Segundo informa CASTRO MENDES, ob. cit., pp. 178-179, “na doutrina alemã fala-se em efeito preclusivo (Präklusionswirkung, Ausschlusswirkung) para designar o efeito da sentença segundo o qual não se pode formular a mesma solicitação processual no futuro com base em factos não supervenientes ao momento do “último acto oral de instrução” (…) correspondente ao momento do encerramento da discussão em primeira instância”
[11]Sobre este princípio cfr. o Acórdão do STJ de 08/04/2010 (MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA): “o trânsito em julgado de uma decisão de mérito faz precludir a possibilidade de, em acção subsequente, poderem vir a ser utilizados para a contrariar questões que, na primeira acção, poderiam ter sido invocados como meios de defesa. Assim resulta do princípio da concentração, expressamente definido no n.º 1 do artigo 498.º do Código do Processo Civil: se nem como oposição a uma eventual execução (cfr. al. g) do n.º 1 do artigo 814.º) podem ser utilizados, muito menos podem servir de causa de pedir em acções cujo desfecho possa conduzir à referida contradição. Note-se que este regime tanto vale para os meios de defesa que efectivamente foram invocados (…) como para os que não foram”.
[12]FRANCISCO MANUEL LUCAS FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, vol. II, Almedina, Coimbra, 2015, p. 626.
[13]MARIANA FRANÇA GOUVEIA, ob. cit., p. 399, observa a propósito do efeito preclusivo que “a doutrina maioritária faz integrar no âmbito do caso julgado todas as excepções que o réu poderia ter alegado na primeira acção” e tal efeito preclusivo “é normalmente inserido pela doutrina no caso julgado”.
[14]Já LEBRE DE FREITAS observou que “não é irrelevante para a delimitação da causa de pedir quem (entre autor e réu) alega o facto constitutivo do direito”.
[15]CASTRO MENDES, ob. cit., p. 179.
[16]MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Algumas questões…, cit., p. 404. E o mesmo Autor já em Prejudicialidade e limites objectivos do caso julgado…, cit., p. 312, observava que “a preclusão por ele [pelo caso julgado] operada (…) nunca pode ser negativa, isto é, exclusiva do uso de outros efeitos jurídicos com base nos mesmos factos”.
[17]MIGUEL TE3IXERA DE SOUSA, Em “ O objeto da sentença e o caso julgado material (o estudo sobre a funcionalidade processual), pp. 102 e sgs.
[18]Publicado no sítio da internet, do IPPC, (Instituto Português de Processo Civil), https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=sites&srcid=ZGVmYXVsdGRvbWFpbnxpcHBjaXZpbHxneDo2OTk2NDE5NDhkMjk1ZGI5.
[19]Obra citada, p. 3.
[20]Obra citada, p. 295.
[21]MARIANA FRANÇA DE GOUVEIA, Em “O Princípio do Dispositivo e a alegação de factos em processo civil: a incessante procura da flexibilidade processual”, texto escrito em homenagem aos professores Palma Carlos e Castro Mendes, retirado do sitio da internet, www.oa.pt/upl/%7Bede93150-b3ab-4e3d-baa3-34dd7e85a6ef%7D.pdf.