ARRESTO PREVENTIVO
FUNDAMENTAÇÃO
CONVICÇÃO
Sumário

I- O despacho judicial que conhece a oposição ao arresto deve conter a enunciação, ainda que sucinta mas perceptível e completa, dos factos provados e não provados, bem como a exposição das razões em que se motivou a decisão de facto e a indicação das disposições legais em que se fundamenta;
II-Sendo inequívoco o relevo da tutela dos interesses conflituantes de um incidente de arresto preventivo, aqui se incluindo as exigências da perseguição criminal, mas também, por outro, o direito de propriedade das pessoas visadas, o juiz não pode estar limitado nem vinculado apenas às afirmações produzidas na promoção do requerente Ministério Público, nem mesmo por qualquer um dos restantes sujeitos processuais, devendo formar uma convicção própria dos elementos que lhe são apresentados;
III-O procedimento de fundamentação por mera remissão para a posição expressa pelo Ministério Público. e sem a formulação de um juízo autónomo e próprio pelo juiz, não permite supor que a oposição ao arresto tenha sido efectivamente examinada de forma equitativa por um tribunal independente e imparcial, com respeito pelos princípios da efectividade da defesa dos interesses da aqui oponente, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas, ínsitos no principio do processo equitativo e previstos nos artigos 20 nº 1 e nº 4 da CRP e 10º da DUDH.

Texto Integral

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Lisboa, 

I – RELATÓRIO
Síntese das diligências processuais relevantes
 
1. Por decisão de 7 de Outubro de 2016, o Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) determinou o arresto à ordem dos autos com o nº 324/14.0TELSB de bens móveis, imóveis e valores imobiliários identificados em território brasileiro como pertencentes a R. INVESTMENTS S.A. e a outras pessoas singulares e jurídicas, para acautelar que a vantagem da actividade criminosa e as garantias de pagamento de eventuais penas pecuniárias e outros créditos se dissipem, ao abrigo do disposto nos artigos 111º, nºs 2, 3 e 4 do Código Penal, artigo 228º do Código de Processo Penal e 391º a 393º do Código de Processo Civil.
Em 14 de Fevereiro de 2018, notificada, a Massa Insolvente da sociedade R. INVESTMENTS deduziu oposição ao arresto, indicando prova testemunhal e documental.
Em 14 de Março de 2018, o Ministério Público promoveu que seja declarada improcedente a Oposição deduzida e seja proferida decisão que mantenha o arresto já decidido nos autos.
Após inquirição de testemunhas, foi proferido em 12 de Julho de 2018 o despacho judicial pelo qual o TCIC julgou improcedente a oposição deduzida e manteve o arresto decretado.
Por requerimento de 4 de Setembro de 2018, a Massa Insolvente da sociedade R. INVESTMENTS suscitou a inexistência da promoção do Ministério Público 14 de Março de 2018 e consequente inexistência do despacho judicial que se lhe seguiu, pedindo, subsidiariamente, que se declare a irregularidade do despacho de 12 de Julho de 2018, se declare a invalidade do mesmo despacho pela omissão de referência ao requerimento de inquirição da testemunha Ana ..., e por força da omissão da inquirição propriamente dita da testemunha e em todo o caso, que se declare a invalidade desse mesmo despacho por falta de fundamentação.
No despacho de 10 de Setembro de 2018, o Ministério Público expressou o entendimento de que não se verificam as nulidades e/ou irregularidades arguidas pela requerente.
Em 24 de Setembro de 2018, o TCIC decidiu indeferir todas as invalidades processuais suscitadas, mantendo na íntegra o anterior despacho de 12 de Julho de 2018.
Inconformada, a Massa Insolvente da sociedade R. INVESTMENTS em correio registado expedido em 1 de Outubro de 2018 (cfr. fls.141 vº do presente apenso, como serão todas as que se seguirem sem outra indicação), interpôs recurso de ambos os despachos judiciais e da motivação extraiu as seguintes conclusões (transcrição):
1) O presente recurso vem interposto do despacho de fls. 3713 e ss., de 12.07.2018, que, após Oposição apresentada pela Recorrente (aí Oponente), manteve o arresto preventivo decretado (“Primeira Decisão Recorrida”), bem como do despacho de fls. 4329 e ss., de 24.09.2018, que, após requerimento apresentado pela ora Recorrente com arguição de vícios formais daquele primeiro despacho, o manteve, por não considerar verificadas as irregularidades / nulidades invocadas (“Segunda Decisão Recorrida”).
Quanto ao Recurso da Segunda Decisão Recorrida:
2) A Segunda Decisão Recorrida falhou porque, contrariamente ao que a lei dita, considerou que a Primeira Decisão Recorrida não padecia de nulidade, nos termos e para os efeitos do artigo 120.º, n.º 2, alínea d), CPP, ou, subsidiariamente, de irregularidade, nos termos e para os efeitos dos artigos 3.º, n.º 3, 4.º e, sobretudo, 367.º, n.º 1, ex vi do artigo 372.º, n.º 1, al. b), in fine, ambos do CPC, aplicáveis ex vi artigos 4.º e 228.º, n.º 1, do CPP em articulação com o artigo 123.º, n.º 1, CPP, ao manter o arresto preventivo decretado sem inquirir a testemunha Ana ..., arrolada pela Recorrente em sede de Oposição, quando tal se mostrava necessário, e sem sequer se pronunciar acerca disso mesmo.
3) A Segunda Decisão Recorrida falhou ainda porque não considerou a Primeira Decisão Recorrida nula, nos termos do artigo 194.º, n.º 6, CPP e 97.º, n.º 5, do mesmo diploma, ou, subsidiariamente, irregular, nos termos do artigo 97.º, n.º 5, e 123.º, n.º 1, CPP, por estar ferida de flagrante falta de fundamentação, seja por não conter uma fundamentação própria que espelhasse um mínimo de compromisso do Juiz a quo com a decisão que proferia, seja, em todo o caso, por não concretizar, não analisar, nem demonstrar verdadeiramente as razões de facto e de direito que justificavam a manutenção do arresto.
Quanto ao Recurso da Primeira Decisão Recorrida:
4) A Primeira Decisão Recorrida falhou porque não considerou o Despacho de fls. 26 e ss., que decretou o arresto preventivo sobre os bens da Recorrente, nos termos do artigo 194.º, n.º 6, CPP, ferido do vício de falta de fundamentação, ao se apresentar como um Despacho conclusivo e lacunoso, onde não está patente uma consideração de demonstração dos pressupostos de aplicação do arresto preventivo e, nem muito menos, um relato dos factos (com referência de tempo, lugar e modo) que, na sua ótica, serve para dar aqueles requisitos como preenchidos.
5) A Recorrente não obteve qualquer benefício decorrente da prática das condutas que se encontram indiciadas, ocupando o papel de papel de terceiro e até mesmo de vítima em relação ao iter criminoso indiciariamente descrito. É assim falso dizer-se que a Recorrente ou qualquer uma das suas subsidiárias no Brasil saiu valorizada com a prática de crimes, comprovando isso mesmo o facto de a mesma se encontrar, desde há muito, insolvente e de as subsidiárias no Brasil se encontrarem, por contágio, em sério risco de subsistência. Assim, a testemunha JOÃO ..., MAURÍCIO ... e TIAGO ... (fls. 3708 e ss).
6) A Recorrente encontra-se insolvente desde 08.12.2014 (tendo sido essa decisão reconhecida em Portugal, nomeadamente, no âmbito do processo n.º 17804/15.2T8LSB), o que determinou o controlo total dos seus bens (apenas e só) por Liquidatários Judiciais, independentes e designados judicialmente, cuja única finalidade é garantir a satisfação dos interesses dos credores, da forma o mais justa possível, sempre sob o controlo, apertado e próximo, do Tribunal do Luxemburgo. Nessa medida, à data do decretamento do arresto, o património direto e indireto da Recorrente (e, nessa medida, tudo quanto foi arrestado) já estava a ser administrado judicialmente, por meio da providência de salvaguarda de património que é a insolvência. Assim, a testemunha JOÃO ... (fls. 3708 e ss).
7) A alienação da sociedade P., S.A., pela R. Investiments Holding Brasil, S.A. à sociedade M. International Public Company Limited foi, como não poderia deixar de ser, devidamente conhecida e consentida pelo Tribunal do Luxemburgo e, bem assim, pelas autoridades judiciárias Portuguesas. O negócio mostrou-se lícito e plenamente justificado, tendo sido a respetiva receita destinada, essencialmente, para o pagamento de dívidas antigas e para fazer frente a custos correntes até ao fecho dos escritórios da vendedora no Brasil. Assim, os Documentos n.º 1 a 15, juntos com a Oposição, e a testemunha TIAGO ... (fls. 3708 e ss.).
8) A alienação da sociedade L. Participações e Desenvolvimento Logístico, S.A., pela P. Brasil, S.A. à TRX Holding Investimentos e Participações, S.A., foi uma das operações levadas a cabo pela P. Brasil, S.A. (empresa que nem sequer é detida a 100% pela Recorrente) com o objetivo muito claro de, sobretudo, liquidar / restruturar o elevado passivo bancário, e, também, de liquidar um sem número de obrigações correntes da sociedade e respetivas subsidiárias. A Recorrente não beneficiou deste negócio, pois não existiu, desde então, qualquer distribuição de dividendos entre os sócios da empresa vendedora. Assim, os Documentos n.º 16 a 23, juntos com a Oposição, e as testemunhas João ... e Maurício ... (fls. 3708 e ss.).
9) A versão do CP e do CPP a aplicar-se ao presente caso é a anterior à Lei n.º 30/2017, de 30 de maio – diploma que alterou, entre outros, o CP, em matéria de perda de instrumentos, produtos e vantagens, e o CPP, em matéria de finalidade e requisitos de aplicação de medidas de garantia patrimonial, passando a prever um regime material e processual claramente mais desfavorável para os visados pelo decretamento da medida de arresto preventivo. Nessa medida: (i) O artigo 2.º, n.º 1, CP deve reger a aplicação no tempo do artigo 111º CP, impondo, in casu, a observância da versão que o mesmo apresentava antes da entrada em vigor da Lei n.º 30/2017, de 30 de maio, sob pena de violação dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, n.º 2, 18.º, n.ºs 2 e 3, 20.º, n.º 4, 29.º, n.º 4, 32.º, n.º 1, 202.º, n.º 2, 203.º e 204.º da CRP, e do artigo 6.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, da CEDH, aplicáveis ex vi artigo 8.º, n.º 2, CRP; e (ii) o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), CPP deve reger a aplicação no tempo dos artigos 58.º, 178.º, 186.º, 227.º e 228.º do CPP, impondo, in casu, a observância da versão que as normas apresentavam antes da entrada em vigor da Lei n.º 30/2017, de 30 de maio, sob pena de violação dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, n.º 2, 18.º, n.ºs 2 e 3, 20.º, n.º 4, 32.º, n.º 1, 202.º, n.º 2, 203.º e 204.º da CRP, e do artigo 6.º, n.º 1, da CEDH, aplicável ex vi artigo 8.º, n.º 2, CRP. Tendo a Primeira Decisão Recorrida ignorado estas regras, a mesma revelou-se ilegal.
10) À luz da lei aplicável, o arresto preventivo (artigo 228.º CPP) não é o mecanismo específico para a garantia da perda “clássica” de vantagens a favor do Estado (artigo 111.º CP) e a Primeira Decisão Recorrida, ao decidir nesse sentido, é manifestamente ilegal, devendo ser revogada e a medida cautelar de arresto levantada, sob pena de se atentar contra o direito de propriedade privada da aqui Recorrente (artigo 62.º CRP e artigo 1.º do Protocolo n.º 1 adicional à CEDH), aplicável ex vi artigo 8.º, n.º 2, CRP, e, bem assim, de se violarem os princípios e direitos constantes dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, n.º 2, 18.º, n.ºs 2 e 3, 20.º, n.º 4, 32.º, n.º 1, 202.º, n.º 2, 203.º e 204.º da CRP e do artigo 6.º, n.º 1, da CEDH, aplicável ex vi artigo 8.º, n.º 2, CRP.
11) À luz da lei aplicável, o arresto preventivo (artigo 228.º CPP) não é o mecanismo específico para a garantia da perda “clássica” de vantagens a favor do Estado (artigo 111.º CP) e a Primeira Decisão Recorrida, ao decidir nesse sentido, é manifestamente ilegal, devendo ser revogada e a medida cautelar de arresto levantada, sob pena de se atentar contra o direito de propriedade privada da aqui Recorrente (artigo 62.º CRP e artigo 1.º do Protocolo n.º 1 adicional à CEDH), aplicável ex vi artigo 8.º, n.º 2, CRP, e, bem assim, de se violarem os princípios e direitos constantes dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, n.º 2, 18.º, n.ºs 2 e 3, 20.º, n.º 4, 32.º, n.º 1, 202.º, n.º 2, 203.º e 204.º da CRP e do artigo 6.º, n.º 1, da CEDH, aplicável ex vi artigo 8.º, n.º 2, CRP.
12) A Primeira Decisão Recorrida sempre seria ilegal, por falta de preenchimento, ainda que indiciário, dos requisitos do artigo 111.º CP, para efeitos de interferência no património da aqui Recorrente, devendo determinar-se, em consequência, a sua revogação e imediato levantamento do arresto. E isto, tanto em face da versão do 111.º CP anterior à Lei n.º 30/2017, de 30 de maio (considerada aplicável pela Recorrente), como na versão atual do artigo (aplicada pela Primeira Decisão Recorrida).
13) Assim será considerando a versão anterior à Lei n.º 30/2017, de 30 de maio, porquanto, dos autos e, sobretudo, da Primeira Decisão Recorrida, (i) não resulta que à Recorrente seja imputada a prática de qualquer facto ilícito típico, (ii) não resulta que a alegada atuação dos supostos “agentes do crime” tenha por objetivo conferir-lhe qualquer benefício e (iii) nem muito menos resulta que a Recorrente tenha oferecido qualquer vantagem patrimonial aos “agentes do crime”;
14) Assim será considerando a versão atual do CP, posterior à alteração legislativa operada pela Lei n.º 30/2017, de 30 de maio, porque (i) a Recorrente é um verdadeiro terceiro em relação aos supostos “agentes do crime”, atenta a sua situação de insolvência e porque (ii) resulta de facto notório (a declaração de insolvência da Recorrente), conjugado com as mais elementares regras da experiência, que a Recorrente se aparta de todas as pessoas e de toda a realidade que antecedeu à declaração de insolvência da sociedade luxemburguesa R. Investments, S.A. e, nessa medida, a sua boa fé (da Recorrente Massa Insolvente, e não de outra pessoa) não pode senão ser afirmada, tanto mais não seja porque a mesma (iii) não concorreu, de forma censurável, para a utilização ou produção dos produtos ou vantagens, nem dos facto retirou benefícios, (iv) não adquiriu as vantagens, após a prática do facto, com conhecimento (ou dever de conhecimento) da sua proveniência ilícita, e, por fim, (iv) as vantagens não foram propriamente transferidas para a Recorrente para evitar a perda, e, em todo o caso, a mesma não poderia deixar de desconhecer essa (potencial) finalidade.
15) Mais do que terceiro fé, a Recorrente acaba por ocupar a posição de “ofendido”, atenta a sua situação atual de insolvência. Trata-se de algo inegável em face dos elementos constantes dos autos e que, por isso, também afasta, necessariamente, o confisco, nos termos do n.º 2, do artigo 111.º CPP.
16)O arresto preventivo previsto no artigo 228.º CPP é diferente do arresto para garantia da perda alargada (mais pesado e mais invasivo) previsto no artigo 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro – seguem objetivos distintas, têm âmbitos de incidência diferenciados e são obedecem a requisitos diferentes.
17)Enquanto que o arresto para efeitos de perda alargada depende (A) a existência de fortes indícios da prática de um dos crimes do catálogo consagrado no artigo 1° da Lei n° 5/2002, de 11 de Janeiro e (B) de fortes indícios da desconformidade do património do arguido; o arresto preventivo pressupõe que (1) haja prévia constituição de arguido e (2) inexistam causas de isenção ou extinção da responsabilidade criminal; (3) sejam observados os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade; (4) seja provável a existência do crédito; (5) esteja comprovado um justificado receio de perda de garantia patrimonial.
18) No presente processo foi aplicado o arresto preventivo, previsto no artigo 228.º, CPP, mas não foram respeitados os seus requisitos.
19) Em primeiro lugar: todo o visado pela aplicação da uma medida de garantia patrimonial prevista no CPP, como seja o arresto preventivo penal em apreço, tem que ser constituído arguido. Trata-se de um requisito essencial e basilar da respetiva aplicação o qual, pese embora inequivocamente exigido pela versão do CPP aplicável in casu, não foi respeitado, afetando a Primeira Decisão Recorrida, que, por isso mesmo, deve ser considerada ilegal, por desrespeito dos artigos 192.º, n.º 1, e 58.º, n.º 1, al. b), CPP, e inconstitucional, por violação dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, n.º 2, 18.º, n.ºs 2 e 3, 20.º, n.º 4, 32.º, n.º 1, 62.º, n.º 1, 202.º, n.º 2, 203.º e 204.º da CRP, e do artigo 6.º, n.º 1, da CEDH e artigo 1.º do Protocolo n.º 1 adicional à CEDH, aplicável ex vi artigo 8.º, n.º 2, CRP.
20) Em segundo lugar: a Recorrente (Massa Insolvente) está insolvente e nada do que foi (alegadamente) feito poderá ter tido lugar “em seu nome” e “no seu interesse” (mas antes, dir-se-ia, “utilizando o seu nome” e “ao serviço de interesses alheios” que não certamente os seus, enquanto entidade autónoma), circunstâncias excluem ou isentam, nos termos do artigo 11.º, n.º 2, alínea a), CP, a contrario, a sua responsabilidade da Recorrente, razão pela qual o requisito previsto no artigo 192.º, n.º 2, CPP não se encontra preenchido, devendo ser revogada a Primeira Decisão Recorrida e levantado o arresto.
21) Em terceiro lugar: o arresto decretado pela Primeira Decisão Recorrida, não respeitando o artigo 193.º, n.º 1, CPP, apresenta-se excessivo, porque desnecessário, inadequado e desproporcional, ao demonstrar-se demasiado oneroso para a Recorrente e seus credores e ao impor esse sacrifício a quem, nas suas próprias palavras, nenhum ato ilícito cometeu, devendo a Primeira Decisão Recorrida ser considerada ilegal e arresto ser levantado, sob pena de grave violação direito de propriedade privada da Recorrente (artigo 62.º, n.º 1, CRP e artigo 1.º do Protocolo n.º 1 adicional à CEDH), aplicável ex vi artigo 8.º, n.º 2, CRP), dos princípios e direitos constantes dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, n.º 2, 18.º, n.ºs 2 e 3, 20.º, n.º 4, e 202.º, n.º 1, 203.º e 204.º da CRP e do artigo 6.º, n.ºs 1 e 2, da CEDH, aplicável ex vi artigo 8.º, n.º 2, CRP, e, bem assim, do princípio da presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2, CRP).
22) Em quarto lugar: a Primeira Decisão Recorrida deve ser revogada por se estar em perante um caso de evidente falta de verificação da probabilidade de existência de um crédito (fumus boni iuris), nos termos dos artigos 391.º, n.º 1, e 392.º, n.º 1, do CPC ex vi artigo 228.º, n.º 1, CPP, em relação à aqui Recorrente. Isto porque: (i) as vantagens provenientes do crime nunca podem ocupar um lugar, nos quadros do arresto preventivo, e servir para preencher o fumus boni iuris atenta a aplicação da Lei penal e processual penal no tempo; (ii) de resto, a Primeira Decisão Recorrida não aponta para factos ilícitos e culposos praticados pela Recorrente suscetíveis de “fazer nascer” um qualquer direito de crédito/pretensão contra si invocável; (iii) em todo o caso, nunca se poderia querer responsabilizar a Recorrente pela totalidade dos créditos (€ 1.635 milhões), por os presentes não estabelecerem qualquer relação entre ambos; (iv) por fim, não existe sobre a aqui Recorrente qualquer probabilidade, ainda que indiciária, de condenação criminal e, portanto, qualquer putativo crédito a esse específico respeito.
23) Em quinto lugar: a Primeira Decisão Recorrida deve ser revogada por se estar em perante um caso de evidente falta de justificado receio de perda da garantia patrimonial (periculum in mora), nos termos dos artigos 391.º, n.º 1, e 392.º, n.º 1, do CPC ex vi artigo 228.º, n.º 1, CPP, em relação à aqui Recorrente. Com efeito: (i) o facto de as sociedades mãe do GES e, em especial, a ESI que hoje detém a aqui Recorrente, estarem insolventes, associado (ii) à circunstância de o Tribunal a quo não alegar nem provar factos capazes de fundamentar um qualquer perigo de dissipação de património, afasta, definitivamente, qualquer periculum in mora que se pudesse sentir em relação à Recorrente e, também por esta razão, o arresto preventivo decretado deve ser levantado.
24) Porventura inspirando-se no regime de arresto preventivo para efeitos de perda alargada, previsto no artigo 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, o Juiz a quo não tem aplicado, no presente caso, verdadeiramente, o arresto preventivo previsto, de forma diferente, artigo 228.º CPP.
25) Os requisitos deste último, no presente caso, ou não se preenchem e isso é ignorado, ou então são interpretados de tal forma lata que, totalmente descaracterizados, se dizem cumpridos –, tudo em prejuízo da lei e da segurança jurídica que lhe é inerente, não podendo senão dizer-se que o princípio da legalidade, previsto, para as medidas de garantia patrimonial no artigo 191.º, n.º 1, CPP, acaba violado, em prejuízo, também, dos 2. º, 3.º, 18.º, n.os 2 e 3, 20.º, n.os 1 e 4, 32.º, n. os 1 e 5, 62.º, 202.º, n.os 1 e 2, 203.º, 204.º, todos da CRP e o artigo 6.º, n.º 1 CEDH e Protocolo n.º 7 adicional à CEDH para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, diretamente aplicáveis no ordenamento jurídico português por força do artigo 8.º, n.º 2, CRP.
26) Subsidiariamente, o presente arresto sempre terá que ser parcialmente levantado, deixando de considerar o espólio de sociedades participadas, direta ou indiretamente, pela ora Recorrente, porquanto nem o instituto da desconsideração da personalidade coletiva foi invocado, nem os seus pressupostos e a sua natureza excecional se mostram, no caso, sustentados factualmente, tudo redundando em manifesta desproporcionalidade da medida, nos termos do artigo 193.º CPP.
Em 26 de Outubro de 2018, o Ministério Público apresentou resposta ao recurso, com as seguintes conclusões (transcrição):
1. O recurso interposto da decisão que julgou improcedente a Oposição, a fls. 3713 e ss. é claramente extemporâneo;
2. Com efeito, a Recorrente foi notificada da decisão a 16/07/2018 e, por aplicação do disposto nos artigos 103.º, 104.º, n.ºs 1 e 2 e 4.º do CPP e 363.º, n.º 1 do CPC, o prazo para recorrer de uma decisão proferida num procedimento cautelar – bem como o prazo para responder a esse recurso - não se suspende durante o período de férias judiciais, tendo in casu chegado ao seu termo final no dia 16/08/2018;
3. Tendo em consideração que o recurso dessa decisão deu entrada no TCIC no dia 3/10/2018, o mesmo é claramente extemporâneo;
4. A mera arguição de nulidades relativamente a uma decisão não possui a virtualidade de tornar essa decisão indefinidamente recorrível, não suspendendo o prazo de recurso já iniciado;
5. Deste modo, o recurso da decisão de fls. 3713 é extemporâneo, pelo que deverá ser proferido, nesta parte, despacho de rejeição nos termos do disposto nos artigos 420.º, n.º 1, al. b) e 414.º, n.º 2 do CPP;
Sem prescindir, quanto ao recurso da decisão de fls. 3713
6. Não se verifica a nulidade por falta de fundamentação do despacho que decretou o arresto preventivo, uma vez que o mesmo contém todos os elementos a que se refere o artigo 194.º, n.º 6 do CPP;
7. Também não padece da nulidade resultante dos artigos 120.º, n.º 1, al. d) e 192.º, n.º 1 e 58.º, n.º 1 do CPP, traduzida na alegada falta de constituição da Recorrente como arguida;
8. Com efeito, se por um lado a Recorrente – assim como as pessoas singulares às quais é imputada a prática dos factos delituosos em causa - já havia sido constituída arguida nos autos de inquérito, por outro lado, nem sequer seria forçoso que tal sucedesse à data da decisão do arresto pois tal obrigatoriedade não decorria dos artigos 192.º, n.º 1 e 58.º, n.º 1 do CPP, na redacção em vigor nessa data;
9. São inócuas para a questão decidenda as considerações da Recorrente quanto à (des)necessidade do arresto em função da preexistência do processo de insolvência;
10. Com efeito, é o próprio legislador falimentar que reconhece a prevalência das providências penais sobre os interesses em jogo no processo de insolvência quando, no artigo 149.º, n.º 1, al. a) do CIRE, ressalva da apreensão universal falimentar os bens apreendidos por virtude de infracção;
11. Quanto ao que se deverá entender por “apreensão” para este efeito, resulta dos instrumentos normativos comunitários e é aceite pela jurisprudência que tal conceito abarca os bens arrestados;
12. Resultando clara a prevalência da instância penal e a limitação da instância falimentar;
13. Quer à luz da redacção anterior dos artigos 110.º e 111.º do Código Penal, quer à luz da actual, o arresto é o meio próprio para o confisco das vantagens do crime;
14. Não sendo possível in casu apreender as vantagens do crime em espécie, torna-se necessário determinar o arresto preventivo dos bens necessários a garantir o pagamento do respectivo valor, o que foi feito;
15. Quanto à verificação dos pressupostos de que depende o decretamento da providência de arresto preventivo, designadamente quanto à verificação do periculum in mora, fummus bonis iuris e à proporcionalidade, entende o Ministério Público que a decisão proferida fez uma aplicação criteriosa e suficientemente fundada em factos dos comandos legais aplicáveis;
16. De toda a factualidade carreada para os autos e considerada suficientemente demonstrada decorre a abundante verificação do periculum in mora e dos fummus bonis iuris quanto à existência do direito, cumprindo o requerente do arresto o ónus resultante do n.° 1 do art.° 392.° do CPC, aplicável por força do n° 1 do art.° 228.° do CPP, de alegar e de demonstrar com referência ao material probatório constante dos autos factos que tornem provável a existência de um credito e justifiquem o receio da perda da garantia patrimonial;
17. O que foi devidamente ponderado quer na decisão que decretou o arresto, quer na decisão que o manteve, após ponderação dos argumentos aduzidos na Oposição;
18. Por outro lado, não se pode dizer, em face da magnitude dos interesses que a medida visa salvaguardar, ser a mesma desproporcional ou excessiva, tendo ainda em consideração que foi expressamente assegurada a possibilidade de as sociedades afectadas pela providência, não obstante a indisponibilidade dos bens arrestados, praticarem determinados actos com vista à prossecução da sua actividade normal e, nessa medida, não constituir o arresto um factor de desagregação e perda de valor;
Quanto ao recurso da decisão de fls. 4329 e ss.
19. Quanto à alegada invalidade decorrente da não consideração de um meio de prova cumpre notar que a omissão de pronúncia como nulidade só se verifica quando o Tribunal deixa de apreciar questões submetidas pelas partes à sua apreciação e não quando deixa de apreciar os argumentos invocados a favor da versão por elas sustentada ou, bem assim, a pertinência da realização de diligências de prova eventualmente requeridas;
20. Como resulta claramente do despacho recorrido, o Juiz a quo pronunciou-se sobre todas as questões em relação às quais estava obrigado a pronunciar-se, i. e., aquelas questões que foram levantadas no requerimento de Oposição ao arresto de bens da titularidade da aqui Recorrente, que consubstanciaram os pedidos especificamente formulados;
21. Inexistindo, neste particular, qualquer nulidade ou irregularidade;
22. Não obstante, e a lattere, cumpre notar não ter sido apresentada pela então Oponente a testemunha Ana ..., e nada a seu respeito foi requerido, quer no requerimento apresentado relativamente à concertação de datas com o Mmo. JIC quer mesmo após a inquirição das testemunhas apresentadas, num momento processual em que a Oponente poderia requerer o que tivesse por conveniente;
23. Se o depoimento da testemunha fosse tão crucial para a questão a decidir como parece perspectivar a Recorrente, dificilmente se compreenderia o total silêncio a que tal situação foi votada, quando muito fácil teria sido, ao abrigo do princípio da cooperação, alertar o Tribunal para tal, requerendo a marcação de data para a inquirição da testemunha em falta;
24. Não se vislumbrando, pelas razões já supra explanadas, a existência de qualquer nulidade, igualmente não foi arguida tempestivamente pela Recorrente - i. e., durante o acto em causa – qualquer irregularidade (art. 123.º, n.º 1 do CPP);
25. Também se não verifica a invalidade de falta de fundamentação da decisão de fls. 3713;
26. Como é sabido, apenas quando se verifica uma total falta de fundamentação é que ocorre esta nulidade, e não quando, como parece suceder in casu, a fundamentação não convence a aqui Recorrente;
27. O mesmo se diga para a também questionada remissão para os argumentos de facto e de Direito vertidos na promoção;
28. Poderá a Recorrente questionar e discordar de tal procedimento, mas não concluir que a fundamentação é inexistente, uma vez que os fundamentos da decisão judicial se encontram expressamente plasmados na mesma;
29.Sendo que o procedimento consubstanciado em acolher os fundamentos de facto e de Direito da promoção do MP foi sufragado em decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional e pelo Tribunal da Relação de Lisboa;
30. Inexistindo também aqui qualquer nulidade ou irregularidade;
No momento processual a que se reporta o artigo 416º do Código de Processo Penal, o Ministério Público, por intermédio do Exm.º Procurador-Geral Adjunto, exarou parecer nos seguintes termos (transcrição):
A recorrente Massa Insolvente R. Investiments em não obstante douta alegação subscrita pelos seus Exmos. Advogados ( cf. fls.2/141) vem insurgir-se contra os doutos despachos judiciais de fls. 3713 e sgs. e o de fls. 4329 e sgs, o primeiro que julgou improcedente a oposição ao decretado arresto, e o segundo que julgou improcedente a arguição de nulidades e irregularidades relativamente a primeira decisão.
Analisados os termos do recurso temos para nós que tem inteira razão o Exmo. Procurador da República na sua douta e mais uma vez muito bem fundamentada e competente peça de resposta ao recurso (cf. fls.143/215), desde logo no ponto de vista jurídico que sustenta a extemporaneidade do presente recurso, por aplicação das normas dos artigos 103.°, 104.°, n.°s 1 e 2, 4.° do C.P.P. e 363.°, n.° 1 do C. P. C., circunstância que por consequência deve determinar decisão de rejeição do recurso.
De todo o modo, como aquele Magistrado na 1.' Instância sobejamente sustenta, o aliás douto despacho sob recurso cumpre adequadamente o conteúdo normativo do artigo 194.°, n.° 6 do C. P. P., não se verificando a apontada nulidade por falta de fundamentação.
Noutra vertente da sindicância à decisão, bem sustenta aquele Magistrado, por um lado a clara prevalência, a primazia em razão de patente interesse de ordem pública e geral, que a lei dá actualmente à instância penal relativamente ao processo falimentar, sobretudo na perspectiva em que se considera o arresto como o meio próprio para o confisco das vantagens do crime (artigos 110º e 111.° do Código Penal).
Na verdade é o artigo 149.°, n.° 1, al. a) do C.I.R.E. que expressamente ressalva da apreensão universal falimentar os bens " apreendidos por virtude de infracção quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social".
Transcreva-se parte do segmento conclusivo da resposta do Ministério Público:
" De toda a factualidade carreada para os autos e considerada suficientemente demonstrada decorre a abundante verificação do periculum in mora e dos fummus bonis iuris quanto à existência do direito, cumprindo o requerente do arresto o ónus resultante do n.° 1 do artigo 392.° do C. P. C., aplicável por força do n.° 1 do artigo 228.° do C. P. P., de alegar e de demonstrar com referência ao material probatório constante dos autos factos que tornem provável a existência de um crédito e justifiquem o receio da perda da garantia patrimonial, o que foi devidamente ponderado quer na decisão que o manteve, após ponderação dos argumentos aduzidos na oposição.
Por outro lado, em face da magnitude dos interesses que a medida visa salvaguardar, ser a mesma desproporcional ou excessiva, tendo ainda em consideração que foi expressamente assegurada a possibilidade de as sociedades afectadas pela providência, não obstante a indisponibilidade dos bens arrestados, praticarem determinados actos com vista à prossecução da sua actividade normal e, nesses medida, não constituir o arresto um factor de desagregação e perda de valor".
A omissão de pronúncia enquanto nulidade só se verifica quando o Tribunal deixa de apreciar questões concretas submetidas pelas partes para a sua apreciação e não quando o Tribunal deixe de apreciar os argumentos invocados a favor da tese por elas apresentada e sustentada. As razões invocadas não se confundem com as questões a decidir in concreto.
Tendo o Tribunal apreciado todas as questões colocadas inexiste nulidade ou irregularidade.
Pelo exposto, deve ser rejeitado o recurso, em todo o caso devendo sempre ficar improvido, mantendo-se os doutos despachos recorridos que de alguma ilegalidade formal ou substantiva se mostram inquinados. Tal é o nosso parecer.
A recorrente apresentou resposta ao parecer do Ministério Público, concluindo nos seguintes termos (transcrição  apenas de um parágrafo
“Por tudo o que se disse — mas também (e sobretudo) por tudo quanto se disse em sede de motivações de recurso —, requer-se, muito respeitosamente, que V. Exas., Venerandos Desembargadores, considerem a presente resposta e, por conseguinte, julguem não procedente a argumentação que subjaz ao Parecer ora apresentado pelo Senhor Procurador-Geral Ajunto junto deste venerando Tribunal da Relação de Lisboa (3.a secção), decidindo, a final, no sentido peticionado pela Recorrente nas respetivas motivações de recurso.”
Realizou-se a conferência na primeira data que nos foi disponível, tendo em conta o excessivo volume de serviço e o sucessivo impedimento do relator e adjunto em outros processos urgentes, de arguidos presos, de MDE e por violência doméstica.
II - FUNDAMENTOS
2. As questões, no sentido de “temas” ou “problemas”, para apreciar e decidir são as seguintes:
A) Questões prévias e processuais
1-Tempestividade do recurso interposto da decisão de 12 de Julho de 2018. 
2-Invalidade por omissão de decisão sobre o requerimento de inquirição de testemunha Ana ... e invalidade da decisão de 12 de Julho de 2018 por omissão da inquirição da testemunha.
3-Invalidade da mesma decisão por falta de fundamentação.
4-Nulidade da decisão de 07 de Outubro de 2016, que decretou o arresto, por falta de fundamentação;
B) Da decisão de 12 de Julho de 2018.
5- Aplicação indevida do regime posterior à Lei nº 30/2017, de 30 de Maio.
6- Verificação dos requisitos impostos pelo artigo 111º do Código Penal.
7- Preenchimento dos requisitos penais e civis do arresto preventivo constantes dos artigos 192.º, n,º 1, e 58.º, n.º 1, al. b), CPP, 193.º, n.º 1, CPP e artigos 391.º, n.º 1, e 392.º, n.º 1, do CPC ex vi artigo 228.º, n.º 1, CPP.
8- Desproporcionalidade no arresto do espólio de sociedades participadas pela recorrente.
3. Tempestividade do recurso interposto da decisão de 12 de Julho de 2018.
Neste âmbito, o problema fundamental reside em saber se, tendo ocorrido a notificação do despacho judicial de 12 de Julho de 2018 (que julgou improcedente a oposição ao arresto), por carta expedida pelo tribunal ao ilustre mandatário e datada de 13 de Julho de 2018 (fls. 778), ainda foi formulado em tempo o recurso de Massa Insolvente da R. Investments, remetido pelo correio no dia 1 de Outubro 2018 (cfr. fls. 141 verso).
Deve aqui equacionar-se a aplicação ao processamento do arresto preventivo, previsto no artigo 228º do Código de Processo Penal, das normas do Código de Processo Civil referentes ao decurso dos prazos durante as férias judiciais nos procedimentos cautelares, por força da remissão constante da própria norma e a aplicação da jurisprudência fixada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 31-03-2009, processo nº 07B4716,relator Bettencourt de Faria, acessível in www.dgsi.pt
O arresto preventivo a que nos reportamos nestes autos constitui inequivocamente uma medida de garantia patrimonial que é aplicada em função de exigências processuais de natureza cautelar. A aplicação subsidiária do Código de Processo Civil (CPC), por força do inciso segundo o qual o arresto é decretado “nos termos da lei de processo civil” apenas se justifica nas matérias não previstas no Código de Processo Penal.
Ora, se o Código de Processo Penal (CPP) contém as normas que definem o início, a forma de contagem e a extensão do prazo de interposição de recurso (designadamente nos artigos 103º, 104º e 411º nº 1), não é necessária, nem permitida a aplicação subsidiária das normas constantes do Código de Processo Civil (CPC) .
Assim, o prazo de recurso em incidente de arresto preventivo é de trinta dias a contar da notificação (artigo 411º nº 1, alínea a) do CPP).
Uma vez que a situação se encontra devidamente prevista no Código de Processo Penal, também devem ser aplicadas as normas deste compêndio normativo referentes ao decurso do prazo durante o período de férias judiciais.
Com efeito, a solução deve ser encontrada no regime resultante da conjugação dos artigos 103º nº 2 alíneas a) a e) e 104º nº 1 e nº 2, ambos do CPP, ou seja, que apenas correm em férias os prazos relativos a processos penais nos quais se devam praticar os seguintes actos:
a) Os actos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas;
b) Os actos de inquérito e de instrução, bem como os debates instrutórios e audiências relativamente aos quais for reconhecida, por despacho de quem a elas presidir, vantagem em que o seu início, prosseguimento ou conclusão ocorra sem aquelas limitações;
c) Os actos relativos a processos sumários e abreviados, até à sentença em primeira instância;
d) Os actos processuais relativos aos conflitos de competência, requerimentos de recusa e pedidos de escusa;
e) Os actos relativos à concessão da liberdade condicional, quando se encontrar cumprida a parte da pena necessária à sua aplicação;
Não sendo caso de acto processual referente a arguido preso, nem ocorrendo nenhuma das restantes situações previstas nas alíneas a) a e) do nº 2 do artigo 103º do CPP, concluímos que o decurso do prazo de recurso em incidente de arresto preventivo do artigo 228º do CPP se suspende durante o tempo em que houver férias judiciais.
Subscrevemos assim o entendimento expresso no acórdão do TRL de 05-06-2018, processo 324/14.0TELSB-BK.L1 5ª Secção, relatora Maria José Machado, acessível in http://www.pgdlisboa.pt/jurel/jur_mostra_doc.php?nid=5474&codarea=57&, com o seguinte sumário (transcrição)
“1. Ao arresto preventivo previsto no art. 228.º do CPP, não obstante ser-lhe aplicável o regime substantivo da lei processual civil, aplica-se o regime do processo penal quanto aos prazos processuais, só se justificando o apelo ao CPC nos casos omisso, nos termos do art. 4.º do CPP.
2. O prazo de interposição de recurso no arresto preventivo não corre em férias judiciais, apesar da natureza urgente que o processo de arresto tem no processo civil, pois que não se mostra contemplado no art. 104.º, n.º 2, do CPP.”
Considerando a agora que a notificação da Massa Insolvente da R. foi efectuada mediante via postal registada, com a data de envio de 13 de Julho de 2018 (cfr. fls. 778) e houve férias judiciais entre 16 de Julho e 31 de Agosto de 2018, concluímos que a notificação da decisão se presume concretizada em 3 de Setembro de 2018,  por ser o primeiro dia útil dos três subsequentes ao envio (14 e 15 de Julho, 1 e 2 de Setembro de 2018, sábados e domingos).
Assim sendo, o prazo de trinta dias de recurso apenas se completou no dia 3 de Outubro de 2018 e o requerimento de interposição de recurso foi apresentado em tempo.
Termos em que julgamos improcedente a questão prévia de extemporaneidade do recurso, suscitada pelo Ministério Público.
4. Invalidades processuais por omissão de decisão sobre o requerimento de inquirição e por omissão da inquirição da testemunha Ana ..., indicada na Oposição ao arresto.
Nos termos acabados de expor, o arresto preventivo a que nos reportamos nestes autos constitui inequivocamente uma medida de garantia patrimonial que é aplicada em função de específicas exigências de natureza cautelar.
No artigo 228º nº 3, o Código de Processo Penal qualifica o acto decisório que decreta o arresto preventivo como um “despacho”. O que necessariamente leva a concluir a decisão que conhece a respectiva oposição tem idêntica natureza.
A aplicação de normas de procedimento civil, como as dos artigos 292º a 295 e 391º a 393º do Código de Processo Civil (CPC), só se justifica nos casos omissos e quando se harmonizem com os fins do processo penal.
Na aplicação subsidiária das normas referentes ao processamento da providencia cautelar de arresto constantes dos artigos 292º a 295º, 365º e 391º a 393º do CPC deverão ser tidas em conta as especificidades do processo penal.
Em apertada síntese dos actos processuais relevantes podemos aqui reter que para produção de prova dos fundamentos de oposição ao arresto a Massa Insolvente da R. Investments S.A. requereu a inquirição de cinco testemunhas, houve lugar a inquirição de três das testemunhas indicadas, a requerente prescindiu da inquirição de uma das pessoas indicadas e foi proferida decisão judicial sobre a Oposição sem que tivesse havido inquirição da testemunha Ana ... (fls. 367).
Não podemos saber se não ocorreu a inquirição da testemunha Ana ... porque o Exmº juiz considerou tal diligência inútil, tendo em conta toda a restante prova já existente e recolhida nos autos ou se ocorreu um mero lapso de “esquecimento” pela circunstância de já ter havido inquirição de três testemunhas e da Oponente ter prescindido da inquirição de uma outra.
A lei não impõe a obrigação de tribunal produzir todas as provas indicadas pelas partes, podendo o tribunal apreciar a sua necessidade, conforme resulta expressamente do disposto no artigo 367º, n.º 1 do CPC, razão pela qual a simples omissão de produção de provas não conduz à nulidade invocada (Acórdão do TRP de 11-04-2018, proc. 33/14.0TELSB-R.P1, relatora Maria Dolores Sousa).
Ainda que não se esqueçam as exigências de celeridade e de contenção processual próprias do inquérito penal, afigura-se-nos que sempre seria conveniente ou desejável que houvesse a apreciação pelo Tribunal, ainda que muito concisa, sobre a necessidade de produção de todos os elementos ou meios de prova requeridos com a Oposição ao arresto.
O que não significa que por essa omissão tenha havido invalidade processual relevante.
 Como persistentemente se afirma, o artigo 118.º do Código de Processo Penal consagra o princípio da legalidade ou tipicidade das nulidades, ao estabelecer que a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal “só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei” (n.º 1) e que “nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular”(n.º2).
O sistema das nulidades insanáveis e dependentes de arguição estabelecido no Código de Processo Penal constitui um sistema fechado, configurando as normas relativas a nulidades como normas excepcionais, dado o seu carácter taxativo, o que afasta a possibilidade de aplicação analógica de outras disposições, nomeadamente as normas de direito processual civil, como forma de integrar eventuais lacunas legais – vide Conde Correia, in Contributo para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais, Coimbra, 1999, p. 152.
A anomalia que consiste na ausência de uma tomada de posição num despacho judicial quanto a um segmento do requerimento probatório não constitui obviamente a nulidade por omissão de pronúncia quanto a uma questão ou problema suscitado no processo, prevista em sede de regime das nulidades da sentença.
Ao mesmo tempo, a falta de inquirição da testemunha em sede de oposição ao arresto também não integra neste caso em concreto a nulidade dependente de arguição, prevista na alínea d) do nº 2 do artigo 120º do Código de Processo Penal, por preterição de uma diligência que pudesse reputar-se como essencial para a descoberta da verdade.
Interessa aqui notar que nem no requerimento probatório, nem em outro momento processual subsequente e anterior à decisão, a Oponente indicou um só elemento concreto sobre o conhecimento directo e o particular relevo da inquirição de Ana ... para o apuramento dos factos em causa.
Concretamente, não encontramos fundamento para censurar o Exmº juiz de instrução por na ocasião não ter atentado o que apenas agora se invoca em recurso ou seja, que pela sua profissão, pela empresa para a qual trabalha, pelas funções que aí exerceu, a testemunha em falta seria uma testemunha-chave para a compreensão das operações financeiras referidas como fundamento do “periculum in mora” na decisão do arresto.
Tendo em conta a especificidade das questões suscitadas, considerando que nos autos existiam todos os documentos apresentados pela requerente e, bem assim, que já tinham sido inquiridas outras três testemunhas, não vislumbramos motivo para considerar que a audição de Ana ... fosse fundamental ou indispensável ou absolutamente necessária para a boa resolução do incidente de arresto preventivo.  
Nesta ordem de ideias, não consideramos verificada uma nulidade processual, nem o desrespeito intolerável pelos princípios constitucionais do acesso ao direito e do processo equitativo ou de garantia do processo criminal, consagrados nos artigos 18º, nº 1  e nº 2, 20º, nº 1 e nº 4, 32º nº 1 e nº 5, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP) e na Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH).
Resta considerar a anomalia no procedimento como irregularidade processual (artigos 118º, nº 1 e nº2, 119º e 120º, todos do Código de Processo Penal). 
No caso concreto, a Oponente, por intermédio dos ilustres mandatários, foi notificada para a realização de diligência de inquirição de três das cinco testemunhas indicadas.
Também sabemos que na diligência, realizada a 25 de Junho de 2018, e após a inquirição, foi dada a palavra sucessivamente ao ilustre mandatário e ao magistrado do Ministério Público, tendo sido reiteradas as respectivas posições anteriormente expressas nos autos, após o que o Exmº juiz determinou que lhe fossem conclusos os autos (cfr. fls. 740 a 743).
Perante estes elementos deve concluir-se que o ilustre mandatário da Massa Insolvente da R. Investments SA esteve presente ao longo de diligência.
Tendo-lhe sido dada a palavra para “alegações” sobre o tema da oposição ao arresto, teria de entender que o Exmº juiz considerou encerrada a produção de prova e que necessariamente se iria seguir o despacho judicial sobre a oposição ao arresto. Apesar disso, o ilustre mandatário nada disse sobre a omissão de inquirição de uma testemunha ou sobre a eventual ocorrência de uma invalidade processual.
Diga-se ainda que em todo o caso, a Oponente também não suscitou a verificação de irregularidade processual no prazo de três dias após o encerramento da produção de prova.
Assim, tendo em conta o disposto no artigo 123º nº 1 do Código de Processo Penal, a irregularidade processual sempre estaria sanada, sem afectar a validade do acto e dos termos subsequentes, por não ter sido arguida no próprio acto da diligência de inquirição.
Termos em que se julga improcedente a arguição de invalidade processual.
5. Da invalidade da decisão de 12 de Julho de 2018 por falta de fundamentação.
5.1 A recorrente Massa Insolvente da R. Investments, oponente no arresto preventivo, suscitou a nulidade do despacho que decidiu a oposição ao arresto, nos termos do artigo 194.º, n.º 6, e 97.º, n.º 5, ou, subsidiariamente, a irregularidade, nos termos do artigo 97.º, n.º 5, e 123.º, n.º 1, todos do CPP, por não conter uma fundamentação própria que espelhasse um mínimo de compromisso do Juiz a quo com a decisão que proferia, seja, em todo o caso, por não concretizar, não analisar, nem demonstrar verdadeiramente as razões de facto e de direito que justificavam a manutenção do arresto.
Neste âmbito, respondeu o Ministério Público invocando que inexiste nulidade porque os fundamentos de facto e de direito da decisão judicial se encontram expressamente plasmados no despacho, sendo que o procedimento consubstanciado em acolher os fundamentos de facto e de Direito da promoção do MP foi sufragado em decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional e pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Como já acima exposto, o artigo 228º nº 3 do Código de Processo Penal qualifica o acto decisório que decreta o arresto preventivo como um “despacho”. O que necessariamente leva a concluir que tem idêntica natureza o despacho que conhece a respectiva oposição. Não encontramos fundamento atendível para “estender” a previsão do artigo 194º nº 6 do Código de Processo Penal, destinada expressamente a estabelecer o regime do despacho de aplicação da medida de garantia patrimonial, ao despacho agora aqui em apreço, que lhe é posterior e incide sobre a oposição ao decretamento do arresto.
Contudo, por força do preceituado no artigo 97º nº 5 do Código de Processo Penal , todos os actos decisórios têm de ser fundamentados, entendendo-se expressamente que a fundamentação tem de conter a especificação dos motivos de facto e de direito em que se baseia a decisão. Assim, embora sem ter de observar as exigências próprias de uma sentença, o despacho judicial que conhece a oposição ao arresto deve conter a enunciação, ainda que sucinta mas perceptível e completa dos factos provados e não provados, a exposição das razões em que se motivou a decisão de facto e a indicação das disposições legais em que se fundamenta.
Por força do já exposto princípio da tipicidade das invalidades processuais, a inobservância da disposição legal referente à fundamentação dos despachos judiciais conduz a uma irregularidade processual (artigos 118º, nº 1 e nº2, 119º, 120º e 123º, todos do Código de Processo Penal). 
O primeiro problema aqui em análise consiste m saber se no despacho judicial de 12 de Julho de 2018, que julgou improcedente a oposição ao arresto se verificou irregularidade processual por deficiência na fundamentação.
5.2 Recorde-se aqui uma vez mais que na decisão de 7 de Outubro de 2016, o Tribunal Central de Instrução Criminal determinou o arresto de bens móveis, imóveis e valores imobiliários identificados em território brasileiro como pertencentes a R. INVESTMENTS S.A. e a outras pessoas singulares e jurídicas, para acautelar que a vantagem da actividade criminosa e as garantias de pagamento de eventuais penas pecuniárias e outros créditos se dissipem.
Notificada, a sociedade R. INVESTMENTS S.A. deduziu oposição ao arresto invocando, aqui em nossa apertada síntese do teor de fls. 291 a 366, a nulidade do despacho que decretou o arresto por falta de fundamentação, a inexistência de vantagens patrimoniais conexionadas com a prática de crimes na esfera da Oponente e os efeitos da situação de insolvência da Oponente. Na mesma peça processual, a requerida apresentou extensa e complexa argumentação de facto e de direito, tendente a afastar a fundamentação do arresto quanto à dissipação do património nas operações de alienação de activos, invocando que não ocorrem no caso os requisitos da necessidade, adequação e proporcionalidade da medida, nem os pressupostos da probabilidade de existência de um crédito e de receio de perda da garantia patrimonial.
 O incidente prosseguiu com promoção do Ministério Público sobre o requerimento de oposição (fls. 684 a 733) e inquirição de testemunhas.
Após o que foi proferido, em 12 de Julho de 2018, o seguinte despacho (transcrição integral):
“O Tribunal é competente.
=***=
Oposição deduzida pela Requerida Massa Insolvente da sociedade de direito luxemburguês R. Investments, S.A., que ora faz fls. 3198 a 3275 (original), cujo se dá aqui por integralmente reproduzido.
Foi admitida a oposição e agendada a produção de prova (fls. 3274).
Produziu-se a prova – acta de fls. 3708 a 3712 (inquirição das testemunhas Maurício ..., João ... e de Tiago ...).      
A fls. 3667/ 3668 a requerida veio aos autos informar que, prescinde da inquirição da testemunha Cláudio ….
Cumpre apreciar.
Os depoimentos prestados pelas testemunhas Maurício ..., João ... e de Tiago ... não vieram pôr em causa os fundamentos que levaram ao decretamento do arresto.
Mas tão só quanto à difícil a situação financeira da empresa, na sequência da sua decretação.
=***=
O Ministério Público pronunciou-se nos termos constantes da douta promoção que ora faz fls. 3612 a 3662, cujo se dá aqui por integralmente reproduzido.
=***=
Cumpre decidir:
A Oponente Massa Insolvente da R. Investments, S.A., veio deduzir oposição alegando, em síntese, que não se encontram verificados os pressupostos do arresto preventivo, designadamente o fumus boni iures e o periculum in mora e que o arresto não é proporcional, considerando o putativo crédito que visa assegurar, bem como que, o bem que é objecto do arresto, não consubstancia o produto ou vantagem obtida através de um facto ilícito.
  *
Com efeito, por decisão proferida em 15 de Maio de 2015, nos presentes autos, foi decretado o arresto preventivo de diversos bens.
=***=
Atentos os argumentos expostos pela Requerida e pelo M.º P.º, cumpre apreciar e decidir sobre se foram trazidos aos autos, novos factos que tenham a virtualidade de afastar os fundamentos que levaram à decretação do arresto ou de determinar a sua redução.
  *
No ponto II da oposição deduzida (cfr. fls. 3200 e ss. na parte atinente), a Requerente vem arguir nulidade do Despacho que decretou a medida de arresto preventivo.
O Ministério Público em sede de apreciação da Oposição deduzida, disse o que infra transcreve:
“(…)
1) Nulidade da decisão proferida, por falta dos requisitos formais e materiais previstos no artigo 194.º, n.º 6 do CPP.
Subsidiariamente,

2) Os ilícitos eventualmente praticados não foram cometidos pela Oponente, bem a mesma obteve qualquer vantagem patrimonial com a prática de qualquer crime, pelo que não pode ser decretado o arresto do seu património;
3) A Oponente encontra-se insolvente, por decisão proferida em Tribunal do Grão-Ducado do Luxemburgo, pelo que o seu património se encontra judicialmente salvaguardado e, nessa medida, acautelados os efeitos que o presente arresto pretende produzir, sendo a subsistência do arresto incompatível com essa insolvência, designadamente com a apreensão universal de bens que a caracteriza (artigo 149.º, n.º 1, al. a) do CIRE);
4) Não se verificam, em concreto, os pressupostos especificamente civis de que depende o decretamento do arresto preventivo (a provável existência do crédito e a existência de justo receio de perda da garantia patrimonial);
5) Não se verificam, igualmente, os requisitos especificamente penais do arresto preventivo: necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;
6) Nunca poderia ser o arresto, mas apenas a apreensão, a garantir a possibilidade da reversão de vantagens auferidas pela prática de um crime para o Estado;
7) Nunca poderia o património das participadas da Oponente ser arrestado, não podendo a sua personalidade jurídica autónoma ser desconsiderada.
**
Analisando os fundamentos, assim expostos, da Oposição deduzida, dir-se-á o seguinte.
Em primeiro lugar, e relativamente à aventada nulidade da decisão, tal invocação parece enfermar de um equívoco basilar, a saber, a errada perspectivação da aqui Oponente como denunciada ou responsável pela prática dos factos indiciados nos presentes autos.
Na verdade, dispondo o artigo 194.º, n.º 6 do CPP:
«6 - A fundamentação do despacho que aplicar qualquer medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, contém, sob pena de nulidade:
a)A descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo;
b)A enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime;
c)A qualificação jurídica dos factos imputados;
 d)A referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida, incluindo os previstos nos artigos 193.º e 204.º», e tendo em consideração a existência de pessoas singulares devidamente identificadas na decisão de arresto relativamente às quais é possível estabelecer um nexo de imputação dos factos indiciados nos presentes autos – e que, como tal, foram formalmente constituídas como arguidos - e que, como também se encontra devidamente espelhado na decisão, é o respectivo património e o de sociedades por tais pessoas material e formalmente dominadas que é chamado a garantir o valor referido no requerimento de arresto, é mister considerar inexistir a omissão ou imprecisão factual alegada, uma vez que a decisão contém todos os elementos exigidos pelas 4 alíneas do artigo 194.º, n.º 6 do CPP, nenhuma nulidade ou irregularidade se divisando.
Adicionalmente, cumpre a este respeito também desde já deixar consignado que nunca seria a decisão nula, nos termos do disposto nos art.s 374º, n.º 2, e 379º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, por falta de fundamentação da verificação dos pressupostos de que depende o decretamento do arresto preventivo (a provável existência do crédito e a existência de justo receio de perda da garantia patrimonial).
Dispõe, na parte ora pertinente, o art. 379º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.º 2, do art. 374º, ou seja que não contiver a fundamentação.
Sucede que o específico regime das nulidades da sentença previsto naquela norma não é, entende-se, aplicável a outro tipo de despachos judiciais que não sejam aqueles que ponham fim à causa.
Assim se entende, porquanto o regime previsto no art. 379º, do Código de Processo Penal, pela sua densidade normativa, apenas apresenta como candidatos à sua aplicação os despachos judiciais (sentenças ou acórdãos) que conheçam, a final, do mérito da causa (daí que, a par da fundamentação, seja causa de nulidade desteta categoria de despachos a omissão de menção à decisão condenatória ou absolutória).
Do ponto de vista de uma análise sistemática do regime, este entendimento vê-se reforçado.
Note-se que, ao contrário do que sucede com a disciplina relativa à correcção da sentença, relativamente à qual o legislador expressamente prescreveu a sua aplicabilidade aos restantes actos decisórios previstos no art. 97º, do Código de Processo Penal (cf. o teor do art. 380º, n.º 3, do Código de Processo Penal), no que concerne ao regime da nulidade da sentença, tal remissão expressa não foi contemplada. Tal circunstância, com definitiva relevância normativa, indica indubitavelmente qual o preciso âmbito de aplicação de cada uma das normas, mostrando-se excluídos da subsunção ao que prescreve o art. 379º, do Código de Processo Penal, qualquer despacho que não seja uma sentença ou um acórdão.
Tal conclusão é a única, aliás, compatível com o princípio da tipicidade que rege a disciplina atinente às nulidades (cf. art. 118º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
Note-se que uma análise comparativa com o ordenamento processual civil reforça este entendimento.
Naquela constelação jurídica, ao contrário do que sucede no plano processual penal, o legislador expressamente convoca os restantes despachos judiciais como candidatos à aplicação da norma relativa aos vícios da sentença (cf. art. 613º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
No processo penal foi outra, então, a opção do legislador.
Ora, no que respeita ao âmbito do confisco das vantagens de crime, o despacho que, visando a sua garantia, decretou o arresto preventivo ora colocado em crise não é aquele que coloca fim à causa em discussão, considerando que a mesma só será definitivamente julgada em sede de julgamento, ocorrendo a sua apreciação definitiva aquando da decisão final condenatória ou absolutória que, eventualmente, venha a incidir sobre os factos em apreço no processo penal a que a mesma se encontra inexoravelmente apensa.
Se assim é, a invocada nulidade não tem aplicação ao despacho ora em apreço.
Acrescente-se que a jurisprudência tem manifestado a sua adesão a este entendimento, decidindo que “o artigo 379º [do Código de Processo Penal] aplica-se apenas às sentenças (e não aos meros despachos, por maior relevância que tenham)” [acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-03-2006 (Carlos Almeida), proc. n.º 96/2006-3, e, no mesmo sentido, cf. o acórdão do mesmo tribunal de 30-06-2015 (Artur Vargues), proc. n.º 147/13.3TELSB-F.L1 -5, ambos disponíveis em www.dgsi.pt].
Independentemente do que já se explanou, sempre se dirá que, ainda que fosse aplicável ao despacho ora colocado em crise, não se mostrariam reunidos os pressupostos legais de que depende a verificação do vício que as Oponentes imputam ao despacho recorrido.
A fundamentação de uma decisão relativa a um arresto preventivo, sendo legalmente imposta, não tem que conter em si as características que, ainda que lateralmente, as Oponentes lhe parecem apontar.
Tratando-se de uma exigência constitucional (cf. art. 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), “(...) a fundamentação cumpre uma dupla função: de ‘carácter subjectivo’ - garantia do direito ao recurso e controlo da correcção material e formal das decisões pelos seus destinatários - e de ‘carácter objectivo’ - pacificação social, legitimidade e autocontrole das decisões” (Jorge MIRANDA e Rui MEDEIROS, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p.70).
A densificação do dever constitucional de fundamentação ao nível processual penal consta do art. 97º, n.º 5, do Código de Processo Penal, nos termos do qual os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
O arresto preventivo trata-se, conforme supra já se referenciou, de uma providência com natureza cautelar que se basta para o seu decretamento, nos termos da lei, com a demonstração de factos reveladores da probabilidade da existência do crédito e justificadores do receio de perda da garantia patrimonial.
Visa, assim, a referida providência acautelar o periculum in mora, por forma a que uma decisão final de confisco não se torne num mero símbolo, sem a eficácia preventiva e restaurativa que político-criminalmente lhe foi adstrita.
Nos termos do que foi decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa (ainda que tendo por referência uma acção de natureza cível), “[por] isso mesmo, ao apreciar os pressupostos do arresto, o juiz não poderá exigir, na prova da existência e da violação do direito do requerente, nem na demonstração do perigo de dano que o procedimento se propõe evitar, o mesmo grau de convicção que naturalmente se requer na prova dos fundamentos da acção” [acórdão de 07-07-2009 (Roque Nogueira), proc. n.º 1837/08.8TBACB-L1-7, disponível em www.dgsi.pt]. Prossegue-se em tal aresto, afirmando-se que “[razão] pela qual, em lugar da prova do direito, o juiz deverá contentar-se com uma probabilidade séria da existência do direito [e], em vez da demonstração do perigo de dano invocado, bastará que o requerente mostre ser fundado (compreensível ou justificado) o receio da sua lesão”. Concluiu-se ali que “[aquela] probabilidade, corresponde ao juízo sobre a aparência do direito; este justificado receio, exprime o perigo de insatisfação do direito de crédito”.
É este, concluiu-se, o grau de exigência da fundamentação de uma decisão judicial que se debruça sobre um arresto preventivo requerido ou sobre uma oposição a um arresto preventivo já decretado.
Ora, concatenando a decisão, constata-se que, na mesma, o M.mo juiz a quo descreve os factos que considera indiciados, assim como os elementos de prova que sustentam tal conclusão, explicitando, ainda, as razões de direito que sustentam a decisão de decretamento de arresto preventivo que tomou.
Neste contexto, não se vislumbra estar-se perante o invocado incumprimento do dever de fundamentação que determine a suscitada nulidade.
A decisão judicial, pela forma descrita, expõe as razões de facto e de direito que conduziram à decisão tomada, ora colocada em crise.
Entende-se, assim, que a decisão do tribunal a quo não padece do vício de falta de fundamentação que lhe é apontado.
Relativamente a esta matéria, damos por reproduzido o teor da argumentação constante do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 29.03.2017, proferido no processo 1412/11.0JAPRT-J.P1, onde, se afirma, antes de mais, que o arresto constitui uma medida de garantia patrimonial, “Como tal sendo uma medida de garantia patrimonial à qual se aplica o regime previsto no CPP é nos termos do artº 194º nº1 do CPP aplicada por despacho. É pois a lei processual penal, que define a forma do acto decisório em causa, qualificando-o como despacho.
E sendo um despacho, não é aplicável ao mesmo o regime da sentença previsto nos arts.374º nº2 e 379 nº1 do CPP.
Na verdade nos termos do artº 194º nº6 do CPP “ A fundamentação do despacho que aplicar qualquer medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, contém, sob pena de nulidade:
a) A descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, incluindo sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo lugar e modo;
b) A enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime;
c) A qualificação jurídica dos factos imputados;
d) A referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos da aplicação da medida, incluindo os previstos nos artºs 193º e 204º do CPP.”
Como tal, a existir falta de fundamentação no despacho que decretou o arresto preventivo, tal vício configuraria uma nulidade sanável, a qual não se integra em nenhuma das nulidades previstas no artº 120º nº2 do CPP, e que como tal devia ter sido arguida no prazo geral de 10 dias - artº. 105º do CPP- e perante o tribunal recorrido, uma vez que apenas para as nulidades da sentença previstas no artº 379º do CPP está prevista a sua arguição directamente no recurso interposto da sentença.
Tal nulidade a existir mostra-se pois sanada, não podendo o recorrente invocá-la no presente recurso.
De todo o modo, e ainda que assim não se entendesse, a omissão do exame crítica das provas em relação a cada um dos factos não faz parte dos requisitos previstos no artº 194º do CPP, que apenas se refere à “enunciação dos elementos do processo” não exigindo o exame crítico dos mesmos. Por outro lado tal como sucede em sede das medidas de coacção, não existe impeditivo legal que quanto aos factos imputados a descrição dos mesmos se faça por remissão, para a acusação, peça processual que define o objecto do processo, o que no caso dos autos se justifica face à extensão dos mesmos.
Como tal sempre a nulidade invocada seria improcedente”.
No presente caso, a decisão recorrida elenca, assim como o fez a promoção do Ministério Público, o conjunto dos factos que fundamentam a aplicação do arresto preventivo, e enumera as provas que os sustenta. Nenhuma censura merece por isso a decisão proferida, devendo improceder o neste particular alegado, por não se divisar qualquer nulidade.” (Sic)
No tocante a esta matéria da invocada nulidade não vemos necessidade de acrescentar mais Jurisprudência e considerações do que as tecidas pelo Ministério Público que corroboramos, considerando improcedente a arguição de nulidade que se indefere.
O JIC signatário atentou ainda nas considerações tecidas pelo M.º P.º e que se acolhem, no tocante ao ponto III descrito na oposição, no que concerne aos factos e, que infra transcrevemos:
“(…)
Quanto aos fundamentos subsidiariamente elencados na Oposição, os mesmos denunciam, no entender do Ministério Público, um deficiente entendimento por parte da Oponente, de todo o enquadramento legal, nacional e internacional, e doutrinal, do confisco das vantagens do crime, pois são estes, na sua essência, que fundamentam a aplicação das medidas de garantia patrimonial, designadamente para o confisco de bens que formalmente pertençam a terceiros.
           
Assim, haverá que, em primeiro lugar, relembrar que o confisco das vantagens do crime assenta sobre premissas densificadas na própria legitimação do “ius imperii” do Estado, materializado entre outros no seu “ius puniendi” enquanto concretização de um interesse público que antes de mais reivindica a manutenção de um espaço de liberdade e segurança (assim o impõe o artigo 1.º da CRP, e que assume como tarefa primordial o empenho na construção de uma sociedade livre, justa e solidária). Só depois, cumprida esta função, e garantidos os pressupostos mínimos de vigência de um Estado de Direito onde, com legitimada autoridade, se protejam os bens jurídicos com dignidade penal, e se afastem os incentivos à prática do crime, se admite, racional e logicamente, num patamar inferior de protecção, a salvaguarda dos legítimos interesses económicos das entidades privadas.
Nesse sentido, jamais a fonte de legitimação da intervenção estadual concretizada na realização da justiça por intermédio dos tribunais – cfr. artigo 202.º da CRP – admitiria o aniquilamento do interesse público primordial para garantir a satisfação dos interesses jus privados secundários (por mais legítimos que devam considerar-se).   
A concretização das finalidades subjacentes ao confisco das vantagens do crime (tarefa laboriosa que não se compadece com a natureza da presente promoção) poderá erigir-se, brevemente, segundo uma lógia de confluência de dois vectores primaciais.
Primeiramente, à perda das vantagens deverá reconhecer-se, uma marcada finalidade preventiva.
Como ensina Figueiredo Dias  “Nas vantagens (…) o que está em causa primariamente é um propósito de prevenção da criminalidade em globo, ligado à ideia – antiga, mas nem por isso menos prezável – de que «o “crime” não compensa». Ideia que se deseja reafirmar tanto sobre o concreto agente do ilícito-típico (prevenção especial ou individual), como nos seus reflexos sobre a sociedade no seu todo (prevenção geral), mas sem que neste último aspecto deixe de caber o reflexo da providência ao nível do reforço da vigência da norma (prevenção geral positiva ou de integração). (…) necessidade de «aniquilamento do benefício patrimonial ilicitamente conseguido» e, consequentemente, de o Estado «não tolerar uma situação patrimonial antijurídica», operando a «restauração da ordenação dos bens correspondentes ao direito»”. 
Mantendo idêntica linha de entendimento, Pedro Caeiro afirma a este respeito que “Parece Claro que a eliminação de todas as compensações do crime que esteja ao alcance da acção pública tem um efeito relevante de prevenção, em todas as suas dimensões, que será tão mais importante quanto à obtenção de tais vantagens obedecer a uma lógica comercial, onde a sujeição às penas clássicas seja contabilizada como um custo. Assim, não pode pretender-se que a ablação das vantagens provenientes da prática de crimes prossegue um fim puramente moral, porque ela é imanente à prevenção de certas formas de criminalidade, que se legitima na protecção de bens jurídicos.”
No mesmo sentido pronuncia-se ainda Paulo Pinto de Albuquerque.
Num exercício em que se convocam as preponderantes finalidades preventivas e se relacionam os interesses em causa, João Conde Correia estabelece que “O património do condenado deve ser restituído à situação anterior ao seu cometimento, àquilo que ele teria se não o tivesse praticado. Só desta forma será possível, quer ao nível individual, quer ao nível colectivo, prevenir a prática de futuros crimes, impedindo a sua reprodução. O Estado não pode, ao mesmo tempo, proibir uma determinada conduta e permitir que o condenado dela beneficie.”
Entender, assim, como faz a Oponente, que o arresto preventivo visa assegurar uma mera pretensão cautelar relativa ao recebimento de um “crédito” configura uma inqualificável falácia, ainda mais quando está em causa o único mecanismo eficaz e não ingénuo de dissuasão da criminalidade que visa o lucro, que é aquela que mais prejuízos inflige aos cidadãos (ainda que muitas vezes sem vítimas identificadas).
Poderemos assim, seguindo esta lógica identificar o segundo grupo de valores protegidos com a remoção das vantagens do crime através do confisco. Como se refere a este respeito no Acórdão do Tribunal Constitucional de nº 392/2015, de 12 de Agosto de 2015 “(…) além destas finalidades preventivas, a este regime também está subjacente uma necessidade de restauração da ordem patrimonial dos bens correspondente ao direito vigente. Um Estado de Direito não pode deixar de preocupar-se em reconstituir a situação patrimonial que existia antes de alguém através de condutas ilícitas ter adquirido vantagens patrimoniais indevidas, mesmo que estas não correspondam a um dano de alguém em concreto”.
Também Euclides Dâmaso e José Luís Trindade reconhecem que o confisco das vantagens serve outros interesses para além das finalidades preventivas que unanimemente lhe são reconhecidas. Afirmam estes autores que “vai-se cimentando a ideia que a perda ou confisco serve três objectivos:
- o de acentuar os intuitos de prevenção geral e especial, através da demonstração de que o crime não rende benefícios;
- o de evitar o investimento de ganhos ilegais no cometimento de novos crimes, propiciando, pelo contrário, a sua aplicação na indemnização das vítimas e no apetrechamento das instituições de combate ao crime; e
- o de reduzir os riscos de concorrência desleal no mercado, resultantes do investimento de lucros ilícitos nas actividades empresariais”.
Em concretização da necessidade de «restauração da ordem patrimonial» enquanto conjunto de valores protegidos, será ainda imprescindível acrescentar que as medidas ablativas das vantagens do crime visam, não só assegurar a sobrevivência do Estado de Direito, mas essencialmente proteger valores fundamentais de toda a comunidade, que na generalidade dos casos não chegam sequer a ser ponderados neste domínio do confisco, tais com a vida, a saúde e a liberdade dos cidadãos.
Como? E em que medida?
Basta singelamente que se formule uma valoração prognóstica dos efeitos da manutenção das vantagens patrimoniais no mercado jurídico.
Será ingénuo considerar que os benefícios económicos obtidos com a prática do crime (e que a motivaram) não serão, na generalidade dos casos, investidos quer, por um lado, no aperfeiçoamento e na utilização de técnicas cada vez mais avançadas de cometimento de novos ilícitos, e de financiamento de organizações criminosas ou mesmo terroristas, quer, por outro, na aproximação, pelo poder que o dinheiro confere, aos centros de decisão, com possibilidade de deturpar os interesses económicos não de alguns mas de todos.
Permitir, em qualquer caso, e sob qualquer circunstância que da prática do crime possam resultar incentivos económicos de qualquer espécie, implicará, sempre, alimentar estruturas larvares e parasitárias que, dependendo dos fenómenos criminais a que se dediquem, poderão não só ceifar as vidas ou a saúde de cidadãos cumpridores, como destruir ou fazer perigar a economia de toda uma nação. Tais efeitos, que em momento anterior às experiências de fenómenos como o “Lehman Brothers Holdings Inc.” e o amadurecimento das consequências do “corporate crime” bem como aos resultados na experiência islandesa e portuguesa exigiriam, noutros tempos, aturadas considerações, que neste momento, atenta a sua manifesta evidência, porquanto afectam, directa ou indirectamente, os rendimentos de todos os cidadãos, nos poderemos dispensar de formular.
Quer as normas penais relativas ao confisco das vantagens presentes no Código Penal, quer as iniciativas legislativas posteriores gravitam sobre esta ideia que remover as vantagens obtidas com a prática de crimes da natureza daqueles que se investigam constitui uma tarefa que, para além de ser imposta por razões de prevenção de assinalável relevância pública, atinge a própria razão de existir destes fenómenos criminosos.
Existem tipos legais de crimes que, praticados em determinados contextos, como aqueles que se investigam nos presentes autos, são susceptíveis de criar um fenómeno caracterizado como de “economia criminal” que movimenta quantias consideráveis de riqueza que de outro modo não seria alcançada, em prejuízo de toda a comunidade, e com isso consegue garantir a conquista ilegal de um “espaço de poder económico” e um reconhecimento institucional de influência no país em que opera.
Independente da natureza jurídica que pretenda imprimir-se ao confisco das vantagens do crime, haverá que reconhecer que as finalidades que lhe estão subjacentes não assumem relevância colectiva de grau inferior aquela que deve ser reconhecida à protecção dos bens jurídico-penais - não sendo naturalmente idênticas. Isto porque para além de constituírem um instrumento tão importante como as penas na tarefa de protecção de determinados bens jurídicos, alcançam, para além disso, reflexamente o equilíbrio no mercado que de outro modo não existiria com a acumulação de riqueza de origem ilícita, evitando-se que sejam falseadas as regras da concorrência e o normal funcionamento do tecido económico empresarial, e evitando-se ainda que se comprometa a confiança nos sistemas financeiros. Trata-se, insiste-se, do único modo não ingénuo de combater estes crimes.
As iniciativas legislativas comunitárias em matéria de confisco das vantagens acompanham esta matriz, quer da existência daquela dupla finalidade, quer de reconhecimento inequívoco da preponderância das finalidades de estrutural interesse público almejadas por este instituto do confisco sobre outros interesses privatísticos nomeadamente o direito de propriedade.
Paradigmático dessa linha orientadora no panorama do direito comunitário é a comunicação “importante garantir que o crime não compensa” onde se refere esclarecedoramente que o “confisco impede que os capitais de origem criminosa possam ser utilizados para financiar outras actividades criminosas, comprometer a confiança nos sistemas financeiros e corromper a sociedade legítima. O confisco produz um efeito dissuasivo mediante o reforço da noção de que o "crime não compensa" (Um estudo de 2007 sobre o tráfico ilegal de estupefacientes realizado pelo Ministério da Administração Interna do Reino Unido revela que o confisco é considerado pelos criminosos como um meio de dissuasão importante). Este facto pode contribuir para eliminar modelos de conduta negativos das comunidades locais. Nalguns casos, as medidas de confisco do produto do crime permitem atingir os líderes de algumas organizações criminosas, que raramente são investigados e processados.
No mesmo sentido apontam o considerando 1 da Decisão Quadro 2005/212/JAI quando esclarece de modo inequívoco que “A principal motivação da criminalidade organizada além-fronteiras é o lucro. Por conseguinte, para ser eficaz, qualquer tentativa de prevenir e combater essa criminalidade deverá centrar-se na detecção, congelamento, apreensão e perda dos produtos do crime” bem como os considerandos 1 a 5 e 19 da Directiva 2014/42/EU.
A arquitectura jurídica que sustenta o confisco das vantagens numa dimensão transnacional assume claramente as finalidades supra descritas como fundamento deste mecanismo ablativo. Nessa medida, sempre será igualmente necessário considerar que as restrições resultantes de uma inadequada ponderação dos interesses subjacentes a este instituto poderiam inclusivamente determinar a impossibilidade de o Estado Português cumprir as disposições constantes dos diversos instrumentos normativos que regulam a cooperação judiciária neste domínio a que se encontra vinculado, com as consequências que daí resultariam.
Deste breve excurso podemos extrair uma primeira conclusão que deve orientar transversalmente o tratamento do confisco das vantagens, e que nesta sede assume particular importância. Assim, ao contrário do que sucede no confisco dos instrumentos ou dos produtos, onde o fundamento do confisco radica nas características de um objecto concreto, já no caso das vantagens o que está em causa é um benefício económico, ou se preferirmos, um incremento patrimonial, pelo que, na restauração da situação económica existente antes da prática do crime, é absolutamente indiferente que o confisco opere por referência às vantagens directas ou ao seu valor. Não existe no âmbito do confisco das vantagens qualquer racionalidade na distinção, para estes efeitos, entre o confisco dos activos gerados directamente pela prática do crime, ou o confisco do respectivo valor.
A vantagem do crime corresponde a um benefício, e a eliminação de um benefício não está limitada a objectos certos e determinados, sendo a legitimidade dessa eliminação exactamente a mesma, quer incida sobre os bens imediatamente adquiridos ou sobre quaisquer outros. É ao abrigo desta validação hermenêutica que o legislador estabelece a obrigatoriedade do confisco das vantagens directas, ou se estas já não existirem, do seu valor.
Obrigatoriedade do confisco das vantagens.
O confisco das vantagens não constitui um mecanismo eventual ou facultativo de assegurar as finalidades que lhe estão subjacentes.
O legislador nacional estabeleceu o confisco das vantagens como uma medida obrigatória, subtraída a qualquer critério de oportunidade, e que ocorrerá sempre, por imperativo legal, que com a prática do crime tenham sido gerados benefícios económicos.
A redacção do artigo 110.º do Código Penal introduzida com a Lei 30/2017 afirma que:
1 - São declarados perdidos a favor do Estado:
(…)
b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, directa ou indirectamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem”.
Não se atribui ao intérprete ou ao realizador do direito qualquer margem de discricionariedade na aplicação deste mecanismo ablativo.
Em primeiro lugar, é imperioso ter presente que independentemente da controvérsia relativa à definição da sua natureza jurídica, o confisco das vantagens do crime tal como desenhado no artigo 110.º do Código Penal, constitui uma providência que integra ainda o conceito operativo de “acção penal”, enquanto multiversum composto pelas matérias relativas à questão penal, traduzidas adjectivamente na investigação criminal bem assim como pelas matérias relativas à questão patrimonial com o seu equivalente na investigação financeira e patrimonial com vista a assegurar o confisco.
Nesta conjuntura, os imperativos constitucionais e estatutários que legitimam e vinculam a intervenção do Ministério Público no domínio do exercício da acção penal determinam não só a sua promoção nas matérias relativas à responsabilização penal mas igualmente nos domínios relativos à questão patrimonial ou ao confisco, sem que se admita a possibilidade de prescindir ab initio de qualquer deles.
 Como lucidamente afirma João Conde Correia não existe possibilidade legal de se prescindir do confisco “mesmo nos casos em que no confronto com a pena aplicada ele seja insignificante, implique a utilização de maios ou custos desproporcionados, torne muito difícil a obtenção da própria condenação oi seja óbvia a inexistência de bens confiscáveis, o Ministério Público e o juiz não podem prescindir da questão patrimonial e restringir o objecto do processo à questão penal. A adesão do confisco à sorte do processo penal é total, precludindo qualquer tipo de ponderação sobre a sua pertinência ou utilidade prática”.
A este respeito, será importante relembrar que o arresto decretado nos presentes autos não visa assegurar o futuro confisco das vantagens “directas”, nem das “recompensas”, nem dos “sucedâneos” destas, mas do valor das vantagens geradas pelo crime, segundo o regime previsto na Lei 5/2002 de 11 de Janeiro e no artigo 111.º n.º 4 do Código Penal (actual artigo 110.º n.º 4), o que não altera nem desvirtua, como vimos, a sua natureza e o seu regime.
Para assegurar o pagamento desse valor poderá ser decretado o arresto de qualquer património, que se encontre na propriedade ou sob o domínio dos respectivos agentes, subordinados à sua “influência de controlo”.
É precisamente por esta razão que falecem na sua generalidade os argumentos aventados pela Oponente. Com efeito, remetemos nesta parte para a factualidade que consta da decisão proferida, e que aqui damos por reproduzida.
Não poderá deixar de se considerar a situação que ora nos ocupa como um exemplo paradigmático de obrigatoriedade de aplicação de mecanismos ablativos sobre património que formalmente (e apenas formalmente) pertence a um terceiro.
Nem o mais desastrado dos legisladores permitiria que, considerando uma vez mais as finalidades do confisco, anteriormente elencadas, permitisse que a mera transferência formal de bens para a esfera patrimonial de uma sociedade (designadamente da casa de morada do arguido) pudesse constituir um obstáculo à efectividade do confisco.
Limites ao confisco das vantagens
O confisco das vantagens do crime cede unicamente perante a necessidade de observância dos critérios de proporcionalidade, em sentido amplo, e pela protecção dos “terceiros” de “boa-fé” tal como enunciada no regime previsto para a efectivação das medidas ablativas.
Cumpre todavia apurar se num caso com o presente, em que os bens que pertencem à Oponente, máxime imóveis, poderão considerar-se bens pertencentes a terceiros de boa-fé.
A insensibilidade do confisco, norteada pelos valores protegidos, tal como anteriormente descritos, é temperada apenas pelos limites que o próprio instituto do confisco das vantagens prevê para a sua efectivação, sendo imune a quaisquer restrições impostas por diferentes jurisdições ou institutos de natureza civil administrativa ou comercial.
O ordenamento jurídico nacional impõe o confisco de bens que estejam na disponibilidade/titularidade de terceiros. Esta imposição legal é apenas refreada pela salvaguarda dos direitos dos terceiros que não se encontrem em qualquer das condições elencadas no artigo 110.º n.º 2 do Código Penal (actual artigo 111.º do Código Penal).
Actualmente o artigo 111.º do Código Penal possui a seguinte redacção:
“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a perda não tem lugar se os instrumentos, produtos ou vantagens não pertencerem, à data do facto, a nenhum dos agentes ou beneficiários, ou não lhes pertencerem no momento em que a perda foi decretada.
2 - Ainda que os instrumentos, produtos ou vantagens pertençam a terceiro, é decretada a perda quando:
a) O seu titular tiver concorrido, de forma censurável, para a sua utilização ou produção, ou do facto tiver retirado benefícios;
b) Os instrumentos, produtos ou vantagens forem, por qualquer título, adquiridos após a prática do facto, conhecendo ou devendo conhecer o adquirente a sua proveniência; ou
c) Os instrumentos, produtos ou vantagens, ou o valor a estes correspondente, tiverem, por qualquer título, sido transferidos para o terceiro para evitar a perda decretada nos termos dos artigos 109.º e 110.º, sendo ou devendo tal finalidade ser por ele conhecida.
3 - Se os produtos ou vantagens referidos no número anterior não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A.
4 - Se os instrumentos, produtos ou vantagens consistirem em inscrições, representações ou registos lavrados em papel, noutro suporte ou meio de expressão audiovisual, pertencentes a terceiro de boa-fé, não tem lugar a perda, procedendo-se à restituição depois de apagadas as inscrições, representações ou registos que integrarem o facto ilícito típico. Não sendo isso possível, o tribunal ordena a destruição, havendo lugar à indemnização nos termos da lei civil”.
Terceiro de boa-fé para efeitos de confisco de vantagens do crime.
É, presentemente, aceite pelo legislador, pela doutrina e pela jurisprudência que a transferência de bens para terceiros (sejam eles os próprios instrumentos, produtos ou vantagens decorrentes da prática do crime ou, até, o património lícito, susceptível de garantir a perda do valor equivalente aquele) serve, justamente, o propósito de impedir o confisco de tais bens. Na ânsia de conservar a todo o custo as vantagens da prática do crime, a utilização de pretensos terceiros, alegadamente alheios ao problema penal, é muito frequente na praxis quotidiana.
A invocação da pertença do património a uma sociedade é um dos modelos de fraude à lei mais frequentes no caso do confisco das vantagens.
Como se refere nos próprios considerandos iniciais da Directiva 2014/42/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 03-04-2014, sobre o congelamento e a perda dos instrumentos e produtos do crime na União Europeia, “a prática de os suspeitos ou arguidos transferirem os seus bens para terceiros com conhecimento de causa, de modo a evitar a sua perda, é muito comum e cada vez mais generalizada. O quadro jurídico da União em vigor não contém regras vinculativas em matéria de perda de bens transferidos para terceiros. Por conseguinte, afigura-se cada vez mais necessário autorizar a perda dos bens transferidos para terceiros ou por eles adquiridos.
A aquisição por terceiros abrange as situações em que, por exemplo, os bens tenham sido directa ou indirectamente adquiridos por um terceiro ao suspeito ou arguido, nomeadamente através de um intermediário, inclusive quando a infracção tenha sido cometida em seu nome ou em seu benefício e quando o arguido não possuir bens susceptíveis de perda.
As regras relativas à perda de bens de terceiros dever-se-ão aplicar tanto a pessoas singulares como a pessoas colectivas. Em qualquer dos casos, os direitos de terceiros de boa-fé não deverão ser lesados”.
É neste contexto que a referida Directiva, no seu art. 6º, prescreve que “os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para permitir a perda dos produtos ou dos bens cujo valor corresponda a produtos que, directa ou indirectamente, foram transferidos para terceiros por um suspeito ou arguido, ou que foram adquiridos por terceiros a um suspeito ou arguido, pelo menos nos casos em que o terceiro sabia ou devia saber que a transferência ou a aquisição teve por objectivo evitar a perda, com base em circunstâncias e factos concretos, nomeadamente o facto de a transferência ou aquisição ter sido feita a título gracioso ou em troca de um montante substancialmente inferior ao do valor de mercado” (realce acrescentado).
Assim, interpretando o nosso direito interno em conformidade com o direito europeu (conforme ordena o art. 8º, n.º 3, da Constituição da República), facilmente se compreende que a tese invocada pelas Oponentes está já superada.
Seria, isso sim, incompreensível que os tribunais aceitassem como razoável a invocação de que um determinado bem se encontra blindado e fora do alcance do poder do Estado pela simples razão de pertencer a uma sociedade.
A possibilidade do confisco do valor da vantagem decorrente da prática do crime em vez da própria coisa em espécie (art. 110.º, nº 4, do Código Penal) não é hoje suficiente para demonstrar que o crime não compensa. Bastaria, para tanto, transferir todos os bens (lícitos e ilícitos) para um terceiro, nomeadamente uma sociedade, para obstar ao confisco. Não seria possível proceder ao confisco da própria coisa, em espécie, porque ela estaria na posse de um terceiro, assim como não seria, igualmente, possível proceder ao confisco do um valor equivalente porque o arguido nada teria. Como o visado (formalmente) nada teria e o terceiro não podia ser afectado, seria impossível proceder ao confisco, por mais justo que ele se afigurasse.
Numa palavra, desde que o arguido nada tivesse na sua titularidade, o crime compensaria. Este entendimento não é, entende-se, sustentável.
Para estes efeitos o critério não é o da mera definição da titularidade.
Tendo em vista a dissolução da questão colocada pela recorrente, importa convocar as específicas finalidades subjacentes ao confisco das vantagens do crime.
Nas palavras de BLANCO CORDERO (“Recuperación de activos de la corrupción mediante el decomiso sin condena (comiso civil o extinción de dominio)”, “El Derecho Penal y la Política Criminal Frente a la Corrupción”, 2012, p. 340, disponível em www.cicad.oas.org), “[el] comiso no tiene los mesmos fines que le pena criminal, sino que persigue remediar un estado patrimonial ilícito surgido como consecuencia de la comisión de un delito. Fin del comiso es corrigir la perturbación del ordenamiento jurídico consecuencia de la situación patrimonial ilícita generada por la comisión de delitos. No pretende desaprobar ni castigar un comportamiento antijurídico, sino impedir que persista en el futuro una perturbación del ordenamento jurídico producida en el passado”.
Neste contexto, não é admissível considerar que o Estado possa assumir a qualidade de credor do agente do crime por via das vantagens que este gerou. O Estado não é apenas um credor nem as vantagens do crime correspondem apenas a um crédito.
O tratamento legal e dogmático das vantagens do crime não se confunde com aquele que se estabelece para as acções de cobrança de dívidas, nem as medidas cautelares que visam assegurar o confisco poderão ser equiparadas àquelas que visam assegurar o pagamento dessas dívidas ou de outros créditos, sejam de natureza pública ou privada.
Todavia, a possibilidade do confisco de um valor equivalente (art. 111º, n.º 4, do Código Penal) não é, como já visto, suficiente. As vantagens da prática do crime têm que se suprimidas, quer estas estejam na posse do agente do crime, quer estas tenham sido transferidas para um terceiro e quer ocorram através do confisco das vantagens em espécie ou da execução de qualquer património (lícito) do próprio ou de terceiro para garantia do respectivo valor.
Ora, o confisco das vantagens do crime apresenta-se imune a quaisquer restrições impostas por diferentes jurisdições ou institutos de natureza civil, administrativa ou comercial. Cede apenas perante necessidade de observância dos critérios de proporcionalidade, em sentido amplo, e pela protecção dos terceiros de boa-fé tal como enunciada no regime previsto para a efectivação das medidas ablativas.
Só os limites que o próprio instituto do confisco das vantagens prevê para a sua efectivação são, então, nesta sede operativos.
Ora, o ordenamento jurídico nacional impõe o confisco de bens que estejam na disponibilidade/titularidade de terceiros. Esta imposição legal é apenas refreada pela salvaguarda dos direitos dos terceiros que não se encontrem em qualquer das condições elencadas no art. 111º, do Código Penal. Para os demais, a contrario sensu, continuam a valer integralmente as regras relativas ao maior confisco admissível num Estado de Direito.
Com efeito, uma mera interpretação literal do artigo 110º, do Código Penal, já permitia admitir o confisco de vantagens na posse de terceiros de má-fé. O actual regime mantém no essencial o regime anterior, com algumas alterações de sistematização. Uma interpretação restritiva não se apresenta, então, com a mínima correspondência no elemento gramatical da lei (cfr. art. 9º, n.º 2, do Código Civil).
Assim se entende, porquanto, em primeiro lugar, no que concerne às recompensas (art. 110º, do Código Penal) a lei não faz qualquer ressalva (nem sequer, note-se, para os terceiros de boa fé).
Em segundo lugar porque, no que respeita às vantagens stricto senso, a lei (mais uma vez) nada prescreve, estabelecendo, como acima se sugeriu, como limite apenas a protecção de terceiros de boa-fé.
Qualquer outra interpretação choca, por isso, claramente com a letra da lei, que apenas salvaguardou terceiros de boa-fé. Só esses estão protegidos dos eventuais excessos da pretensão confiscatória estadual. Em suma, à semelhança dos instrumentos e produtos do crime (art. 109.º, do Código Penal) também as vantagens da prática do crime na posse de um terceiro de má-fé podem ser confiscadas (110.º do Código Penal).
Do ponto de vista legal, é, assim, irrelevante saber na titularidade de quem se encontra a recompensa.
É, entende-se, com este enquadramento, que deve ser apreciada a questão colocada pelas Oponentes, não sendo pertinente, face às especificidades do regime do confisco (e das medidas de garantia patrimonial que o possam anteceder), a convocação de institutos estranhos ao processo penal. O ordenamento jurídico-penal estabeleceu um conjunto particular de regras aplicáveis ao confisco de vantagens do crime, e, bem assim, às providências que cautelarmente possam ser determinadas para garantir, antecipadamente, a sua concretização, cuja consagração aniquila, desde logo, qualquer possibilidade de convocar a aplicação analógica de outro ramo do direito.
Tendo então presente a constelação normativa convocável, e apreciando as especificidades do caso concreto, pode afirmar-se que as sociedades comerciais ora Oponentes, ainda que fossem classificadas como “terceiro” (o que não é substantivo), nunca estariam de boa-fé tal como este conceito deve ser concretizado no confisco das vantagens.
Antes de mais, cumpre salientar que a protecção legalmente conferida a terceiros de boa-fé não é confundível com a simulação da qualidade de terceiro, fenómeno muito frequente na praxis quotidiana (sobre este problema, cf. João Conde CORREIA, Da proibição, cit., p. 133 e ss.).
A transferência das vantagens em espécie ou mesmo a transferência da totalidade do património para entidades terceiras são manobras que, ditam as regras da experiência, visam estabelecer uma distância segura entre o bem ou o património e o seu real proprietário (aquele que detém materialmente o seu controlo e que goza e frui directamente da sua disponibilidade), por forma a que, sendo esse o caso, este possa, com alguma segurança, alegar não ter com aqueles qualquer vínculo jurídico.
Tais manobras, ainda que não de forma exclusiva, trata-se de mecanismos utilizados com o fim de obstar ao confisco futuro do valor da vantagem da prática do crime. Por isso mesmo, geralmente, a intervenção de alegados ou falsos terceiros não é mais do que um expediente para evitar a perda dos bens.
Assim, apesar da pretensa transmissão dos bens, o autor do crime manteria intactos todos os seus poderes sobre os mesmos.
O mesmo se passa, como é o caso dos autos, naquelas situações em que os bens são propriedade de sociedades, que mais não visam do que criar um distanciamento jurídico dos bens que, materialmente pertencem sempre e são usufruídos por pessoas singulares, neste caso, comprometidas com a prática do crime.
Em bom rigor, também aqui, os visados indiciariamente autores do crime continuam, muitas vezes, a ser os verdadeiros titulares do bem confiscável, gerindo a sua utilização a uma distância suficientemente razoável para que possam dizer que (formalmente) não é seu, mas conservando intactas todas as possibilidades de usufruir dos seus benefícios. Embora formalmente já não pertençam aos visados, materialmente (através do controlo directo ou indirecto daquela pessoa colectiva) continuam a ser seus. Aqueles são, em última análise, os seus verdadeiros detentores e beneficiários.
Em todos os apontados casos, entende-se, o confisco ainda é, ainda, admissível, já que, em rigor não se está sequer perante reais terceiros, mas perante alguém que se identifica ou se arroga como tal.” (Sic)

O JIC corrobora todo o exposto.
Mais refere o Ministério Público:
“A não se entender admissível o confisco, estaria descoberta, mais uma vez, uma forma impeditiva do confisco e, em consequência, de beneficiar do crime.
A transferência dos bens objecto da providência para um putativo terceiro é, no fundo, uma mera fraude à lei, devendo ser tratada como tal. Na realidade, os bens continuam na disponibilidade material dos alegados autores do crime, sendo de facto, e materialmente, “sua propriedade”.
Recorrendo à nomenclatura utilizada no art. 7º, n.º 2, al. a), parte final, da Lei n.º 5/2002, de 11-01, tais bens continuam no domínio e a beneficiar os agentes do crime, devendo, por essa razão, ser declarados perdidos.
Cumpre, além disso, densificar o conceito de boa-fé para efeitos de confisco e de arresto preventivo.
A sua concretização para estes efeitos poderá, em certos casos, operar por referência a critérios objectivos de apreciação da dignidade de tutela do terceiro no caso concreto.
Com efeito, embora o conceito de boa-fé seja transversal ao ordenamento jurídico, não assume aqui, no domínio do confisco das vantagens, o significado de uma mera expressão com significado de valor de uso corrente segundo o qual todos devem comportar-se mediante determinado padrão ético de confiança e lealdade. No que ao confisco das vantagens diz respeito, estão bem definidos os critérios que devem seguir-se na determinação sobre o estado de boa-fé susceptível de prevalecer sobre as pretensões estaduais concretizadas no confisco das vantagens, não lhe sendo aplicável o conceito civilístico de boa-fé.
Isto implica que poderão existir situações em que possa considerar-se que um terceiro está de boa-fé, seguindo um padrão de comportamento ético vigente em direito civil, mas, recorrendo às regras vigentes em direito penal, se deva considerar que não estão verificados os pressupostos para que beneficie das garantias estabelecidas para os terceiros de boa-fé no regime do confisco das vantagens do crime.
Na realidade, para efeitos do confisco das vantagens, jamais poderão considerar-se de boa-fé os terceiros que:  “tiverem concorrido, de forma censurável, para a sua utilização ou produção”, ou  “do facto tiverem retirado vantagens”; ou ainda - “quando os objectos forem, por qualquer título, adquiridos após a prática do facto, conhecendo os adquirentes a sua proveniência”.
Bastará a verificação de um destes critérios estabelecidos no artigo 111º, do  Código Penal, para que se afaste o regime estabelecido para a protecção dos terceiros de boa-fé.
Saliente-se que o segmento normativo que determina que o confisco é decretado contra quem “do facto tiver retirado vantagens” não se encontra ressalvado por qualquer referência à sua postura axiológica perante a origem dos activos em causa. Tal situação servirá, nomeadamente, como referencial para intervir num caso como aquele em que o agente do crime de corrupção integra a peita respectiva no património do seu filho com um ano de idade.
A remoção dos incentivos económicos, não constituindo uma pena, não encontra nestas situações qualquer limite à sua efectivação. A letra da lei é clara neste particular.
Cumpre notar que a boa-fé não se presume.
Nos termos de uma decisão proferida pela Sezione Unite da Corte Suprema di Cassazione, “i terzi che vantino diritti reali hanno l’onere di provare i fatti costitutivi della pretesa fatta valere sulla cosa confiscata, essendo evidente che essi sono tenuti a fornire la dimostrazione di tutti gli elementi che concorrono ad integrare le condizioni di “appartenenza” e di “estraneità al reato”, delle quali dipende l’ operatività della situazione impeditiva o limitativa del potere di confisca esercitato dallo Stato. Ai terzi fa carico, pertanto, l’onere della prova sia relativamente alla titolarità dello ius in re aliena, il cui titolo deve essere costituito da un atto di data certa anteriore alla confisca e – nel caso in cui questa sia stata preceduta dalla misura cautelare reale (...) – anteriore al sequestro preventivo, sia relativamente alla mancanza di collegamento del proprio diritto con l’altruri condotta delittuosa o, nell’ipotesi in cui un simile nesso sia invece configurabile, all’ affidamento incolpevole ingenerato da una situazione di apparenza che rendeva scusabile l’ignoranza o il difetto di diligenza” (convocada por Tomaso Emílio EPIDENDIO, La Confisca nel Diritto Penale e nel Sistema delle Responsabilità degli Enti, Padova, Cedam, 2011, p. 166).
O direito português vem a aproximar-se desta precisa solução. Note-se que o art. 36º-A, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01 (embora aplicável a outro universo de criminalidade) determina que o visado pode formular no processo penal a defesa dos seus direitos sobre a coisa, através de requerimento em que alegue a sua boa-fé, juntando logo todos os elementos de prova disponíveis que demonstrem a bondade da sua pretensão processual.
Ora, “[se] o Ministério Público invocar o seu envolvimento no crime, imputando-lhe uma conduta penalmente relevante, a prova de tais factos deverá competir ao Ministério Público (em última análise ao próprio tribunal). O terceiro não pode ser constrangido a demonstrar que não participou activamente no facto ilícito típico imputado para evitar o confisco» (João Conde CORREIA, Da proibição, cit., p. 133).
Se, inversamente, já não estiver em causa o próprio envolvimento do terceiro no facto, discutindo-se só a prévia propriedade da coisa que se pretende agora confiscar ou as circunstâncias da sua aquisição posterior (designadamente a boa ou a má-fé na aquisição), enquanto factos negativos e impeditivos do confisco, deverá ser o terceiro a invocar e a demonstrar os requisitos processuais desta excepção (a referida boa-fé).
Em síntese, é, deste modo, um ónus do terceiro, caso se entenda que assume tal qualidade, a sua alegação e prova. É igualmente um ónus do interessado demonstrar que assume a qualidade de terceiro para efeitos do disposto no artigo 110º, do Código Penal.
Em nosso entender, a Oponente nada revela que permita demonstrar a qualidade de terceiro de boa-fé.” (Sic)
E a prova de facto nesta matéria não inculca que tal se tenha demonstrado.
O JIC por tudo o exposto, não é possível encará-las como terceiro ou como terceiro de boa-fé, e, consequentemente, daí retirar qualquer consequência jurídica que coloque em crise o arresto preventivo decretado.
Ainda em análise de outro segmento do requerimento de oposição disse o Ministério Público:
“Conteúdo material da intervenção no processo dos terceiros afectados pela providência de arresto com vista a assegurar o confisco das vantagens do crime.
A intervenção dos terceiros afectados pela providência de arresto no processo crime, não se confunde com a posição do visado, que concomitantemente se encontra comprometido com a prática do crime.
Dispensamo-nos neste momento de tecer aturadas considerações a este respeito na medida em que, também nesta parte, entendemos que esta matéria se encontra já devidamente resolvida pela jurisprudência dos tribunais superiores.
Com efeito, tal como consta do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20.04.2016, 324/14.0TELSB-LO.L1 3ª Secção, relatado pela Sra. Desembargadora Margarida Ramos de Almeida, que aqui nos permitimos citar:
“Se a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.
O que daqui resulta é simples:
Em primeiro lugar, a posição jurídica de arrestado/requerido, em arresto dependente de processo-crime promovido pelo M° P°, em representação do Estado (como é o caso dos autos), depende da invocação, quanto a tal sujeito processual, da existência de um direito por parte dessa entidade, decorrente de uma dívida relacionada com o crime; isto é, o sujeito passivo do arresto tem de ter a posição de obrigado, de devedor, face ao requerente da providência - Estado.
Assim, perante uma decisão de arresto, proferida sem contraditório prévio, este imputado obrigado pode opor-se ao mesmo, de dois modos (em alternativa, note-se, e não cumulativamente):
a) Pode recorrer do despacho que determinou tal providência;
b) Pode deduzir oposição.
Por seu turno, quem não for obrigado/arrestado/requerido (isto é, quem não se possa considerar como sujeito passivo da relação fundamentadora do pedido de aplicação da providência cautelar) mas entenda que a decisão de apreensão decretada (o arresto) violou algum direito seu sobre esse bem (nomeadamente, o seu direito de propriedade), pode defender-se interpondo embargos de terceiro.
Como se constata dos excertos acima transcritos - e como resulta da informação pedida ao tribunal a quo - a ora recorrente não é obrigada nos autos supra referidos, pois não lhe é apontada qualquer dívida para com o Estado relacionada com o crime; isto é, o requerente da providência não invoca ter, quanto a si, directamente, qualquer crédito (não sendo sequer arguida nos autos), tendo pois a posição processual de terceiro, uma vez que é alheia à relação jurídica controvertida.
Assim sendo - como é - cabia-lhe defender-se (face ao decretamento do arresto que, no seu entender, viola o seu direito de propriedade sobre o bem – vide conclusão 5. O bem arrestado não é propriedade de (…), mas, continuamente, desde 15.4.1993, da sociedade Recorrente.) através de embargos de terceiro e não, manifestamente, mediante a interposição de oposição, pois este meio processual é reservado aos arrestados e não aos terceiros.
 Efectivamente, como resulta da mera leitura dos artigos supra transcritos, existe uma razão muito concreta para a distinção entre os vários meios de oposição, consoante a posição jurídica do recorrente/opositor.
De facto, enquanto no recurso do despacho que decretou o arresto ou na oposição a esse arresto, o thema decidendum, a causa de pedir, se reconduz à questão de saber se o sujeito passivo é obrigado e se existe receio de perda de garantia patrimonial (pois o decretamento do arresto depende da verificação cumulativa (i) de existência provável do direito a garantir (o fumus boni juris) e (ü) de justo receio de frustração desse direito, como a própria recorrente alega neste recurso), já nos embargos de terceiro a causa de pedir é radicalmente diversa.
Na verdade, o que aí se terá de apurar (e o que constitui a causa de pedir respectiva) será, tão-somente, se a apreensão judicial de um determinado bem afecta a posse ou o direito de propriedade de um terceiro que, por não ser obrigado, é alheio à relação jurídica, sendo portanto indiferente ao sucesso da pretensão de qualquer urna das partes, em sede de embargos de terceiro, que exista ou não fundado receio de perda de garantia patrimonial, precisamente porque a definição de terceiro implica necessariamente que o requerente da providência não tem sobre o arrogado proprietário do bem, qualquer direito de crédito.
Estamos, pois, perante o uso de um meio processual impróprio e inadequado, face ao sujeito e ao fim pretendido (pedido) e que, atenta a sua própria natureza, se mostra de insusceptível convolação. Na verdade, seja em termos de legitimidade, seja no que se refere à causa de pedir, seja em termos de processamento, os embargos de terceiro são manifestamente diversos e essencialmente incompatíveis relativamente ao incidente de oposição (basta atentar no teor dos artigos já acima transcritos, bem como nas normas relativas à tramitação processual, constantes nos art°s 344 a 350 e 372, 376 e 393, todos do C.P. Civil e ao que acabámos de expor no ponto imediatamente anterior).”
Nesta conformidade, e seguindo-se este entendimento jurisprudencial, ao terceiro caberia, isso sim, demonstrar em primeiro lugar a sua propriedade sobre os bens, e depois demonstrar a sua boa-fé, tal como este conceito é definido no regime do confisco das vantagens do crime, e que anteriormente procuramos descrever, que foi precisamente o que a Oponente não fez.” (Sic)
Também neste particular não se nos oferece qualquer reparo a posição do Ministério Público que quanto:
“Fumus boni iuris e periculum in mora
Alega também a Oponente que, no caso em apreço, não se mostra indiciariamente demonstrada a probabilidade da existência de um crédito.
Entende o Ministério Público não lhe assistir razão.
O arresto previsto no art. 228º, do Código de Processo Penal, pressupõe a demonstração da prática de um facto ilícito típico e da vantagem dele decorrente.
A remissão do art. 228º, do Código de Processo Penal, para “os termos da lei de processo civil” não implica nem admite, conforme já se afirmou supra, a importação acrítica de todo o formalismo consagrado para a tramitação das providências cautelares.
Para além das marcadas diferenças quanto ao fundamento e justificação que se verificam entre a medida de garantia prevista no art. 228º, do Código de Processo Penal, e o arresto previsto no art. 391º, do Código de Processo Civil, existem igualmente diferenças substanciais no que concerne à identificação e concretização dos pressupostos necessários para a efectivação de cada uma delas.
Não será admissível, no âmbito de arresto decretado com fundamento na existência de vantagens do crime (que, acrescente-se, o Estado tem obrigação de anular e o presente arresto visa garantir), que se convoquem os conceitos de “direito de crédito”, como decorre do alegado pelas Oponentes.
Assegurar a futura satisfação dos interesses económicos dos lesados traduzidos numa indemnização civil não é a única, nem sequer a principal, finalidade do arresto preventivo previsto no art. 228.º, do Código de Processo Penal.
Conforme já se referiu, o confisco das vantagens do crime (e o arresto preventivo decretado para o acautelar) não tem como principal desígnio a satisfação qualquer interesse económico do Estado, não se tratando, assim, de um mero crédito ou uma pretensão de carácter puramente económico. Não é, por isso, conforme igualmente já se deixou expresso, admissível considerar que o Estado possa assumir a qualidade de credor do agente do crime por via das vantagens que este gerou.
O Estado não é, neste contexto, apenas um credor nem as vantagens do crime correspondem apenas a um crédito, assentando o seu confisco (e a garantia preventiva da sua concretização) ainda na constelação legitimadora do ius imperii do Estado, materializado, como supra  se explanou, entre outros no seu ius puniendi.
A argumentação expendida pelas Oponentes gravita, assim, sobre um silogismo falacioso, na medida em que pressupõe o Estado como credor e as vantagens do crime como um “direito de crédito”.
Pese embora a terminologia marcadamente civilística convocada pelas Oponentes de fumus boni iuris possa servir como modelo referencial para as exigências do standard probatório exigível no âmbito da demonstração dos pressupostos de que depende o arresto preventivo, o certo é que, em bom rigor, com a prática do crime e com os benefícios dele resultantes não se pode, em caso algum, falar do boni iuris mas antes da sua negação ou da sua antítese.
Na realidade, quer no decretamento do arresto quer em qualquer medida de garantia patrimonial que vise assegurar a futura declaração de perda das vantagens a favor do Estado, ou do respectivo valor, bem como na adopção de qualquer medida de coacção, o que se exige é a existência do fumus commissi delicti. Neste domínio, a constelação convocada admite unicamente que se apele aos instrumentos relativos à dosimetria da intensidade dos indícios, e mais precisamente dos indícios relativos à prática do facto ilícito e dos benefícios que este gerou.
Numa palavra, o fumus boni iuris é a própria acção penal.
Se assim é, cumpre salientar que, no presente caso, o arresto foi decretado com vista, precisamente, a evitar a dissipação do património necessário para assegurar o confisco do valor correspondente ao benefício patrimonial auferido com a prática do crime.
Tal circunstância assume-se, no domínio axiológico em que se insere as figuras do confisco e daquelas que o visam garantir, como fundamentadora do decretamento do arresto preventivo ora colocado em crise.
Pelo exposto, conclui-se manifestar-se, no arresto decretado, o fumus boni iuris legalmente exigido para o efeito, não devendo ser dado provimento, nesta parte, ao pugnado pelas Oponentes.”(Sic)
Não há, nesta sede, como na demais qualquer seguidismo “o ir atrás” da posição do Ministério Público.
Perante os elementos de facto e de Direito em presença sancionamos a posição exposta pelo Ministério Público, considerando surpreendente esta tinha de oposição e outrossim reiterando o entendimento, já manifestado quanto à verificação, nos moldes expostos de “fumus boni iuris”.
=***=
O JIC signatário atentou ainda nas considerações tecidas pelo M.º P.º e que se acolhem, no tocante ao ponto IV descrito na oposição, no que concerne aos factos e, que infra transcrevemos:
“(…)
A dado passo as Oponentes alegam também que no caso em apreço não se mostra sequer indiciariamente demonstrada a existência de fundado receio de perda das garantias patrimoniais – periculum in mora.
Também aqui se entende não lhes assistir razão.
Antes de mais, será indispensável ter presente que não será exigível para aplicação do arresto ou do arresto preventivo a demonstração do “periculum in mora” ou seja, do receio de perda da garantia patrimonial.
Convocando as finalidades e fundamentos dogmáticos do confisco das vantagens do crime imediatamente se conclui que não será exigível a demonstração do periculum in mora nos casos de arresto para o confisco das vantagens.
Se o MP demonstrar, como demonstrou neste caso, que existem fortes indícios da prática de um crime e demonstrar igualmente que esse crime gerou vantagens, não será de todo compreensível que se exija a demonstração que os arguidos se preparam para dissipar esse património para que o Estado possa assegurar que esse montante, que não lhes pertence, será a final confiscado.
 Será necessário que o Estado prove que existe perigo que os arguidos dissipem as vantagens do crime para que possa estabelecer um vínculo de indisponibilidade sobre essas vantagens?
O que se exige como pressuposto da aplicação do arresto nestes casos são os indícios da prática do facto ilícito e do valor por este gerado, não os perigos de dissipação.
O crime não é título aquisitivo da propriedade, e o arguido não pode dispor (ainda que temporariamente) desse incremento patrimonial, ainda que não tenha intenção de o dissipar. Isto significa que o arguido pode até ter vontade de não alienar um cêntimo do valor que obteve com a prática do crime, e pode até nunca ter praticado ou se prepare para praticar qualquer acto que indicie que pretende dissipar esse património, mas mesmo nesses casos deverão as vantagens do crime ou o seu valor ser arrestados, impedindo-se de imediato o arguido de a gozar. É apenas condição para tal que se demonstre a existência de fortes indícios do crime, e de que esse crime gerou vantagens (presumidas ou demonstradas). 
Não é necessário aguardar que o arguido pratique o crime de branqueamento para que as vantagens do crime sejam confiscadas.
Porém, ainda que assim se não entenda, mesmo que a demonstração do periculum in mora fosse exigível, sempre neste caso este pressuposto estaria verificado.
 A obrigação que incumbe ao Estado de remover qualquer benefício que resulte da prática de uma actividade criminosa não se inicia com a condenação dos agentes do crime, nem se compadece com uma postura contemplativa até esse momento. Não sendo accionadas as garantias processuais da efectivação do confisco é certo e seguro que no momento da execução nada haverá para confiscar.
 Ao contrário do confisco das vantagens do crime, que não é eventual nem condicional, e ocorrerá sempre, sem que exista a possibilidade de o Estado dele prescindir, a aplicação de uma medida de garantia patrimonial que vise assegurar esse confisco depende, efectivamente, do receio de perda da satisfação integral dos valores em causa.
Ora, o justificado receio de perder a garantia patrimonial em que se consubstancia o periculum in mora, trata-se de uma fundada incerteza de que a garantia patrimonial seja colocada fora do alcance do titular do fumus boni iuris, de modo a que já não esteja disponível para o fim que deveria ter, na ocasião em que for definitivamente chamada a cumprir a sua função.
Constitui-se, deste modo, como um mero perigo que se surpreende em relação a um determinado património e que cumpre acautelar.
Não é, ao contrário do que entendem as Oponentes, essencial para a sua constatação fáctica a verificação de circunstâncias que revelam a efectiva concretização desse perigo. Não se estaria, se assim fosse, perante um perigo de dissipação da garantia patrimonial, mas antes perante uma já materializada dissipação, relativamente à qual o arresto preventivo se revelaria absolutamente ineficaz no seu propósito.
Se assim é, as Oponentes estruturam o seu raciocínio num errado pressuposto.
Não é necessário, nem legalmente exigível, a demonstração factual de que as Oponentes se viram envolvidas na descrita actividade de movimentação de activos.
O Ministério Público promoveu o arresto preventivo dos bens que lhe foi possível identificar, com base nas informações de que dispunha, e não se mostra sequer razoável que fosse indefinidamente protelado o arresto com vista a averiguar da localização dos outros bens que pudessem compor os patrimónios, e que não se sabe sequer se existem ou não. As finalidades próprias do confisco das vantagens de crime, e do arresto preventivo que o visa garantir, não se compadecem com essa atitude.
Acrescente-se que a decisão proferida avaliou, igualmente o património que naquele momento foi localizado, tendo sempre presente os valores que se pretendem garantir, e perante todos os elementos que importa convocar na verificação do receio de perda da garantia patrimonial concluiu acertadamente que se impunha neste momento decretar o arresto sobre a parcela do património que ainda foi possível localizar.
Na concretização da perda que se visou garantir com o arresto preventivo decretado haverá de ser considerado todo o património que potencialmente pode ser arrestado e que pertença a um visado. O que não poderá esquecer-se é que essa avaliação tem por referência, em todo caso, o valor que se pretende assegurar e que no presente caso ultrapassa largamente os mil milhões de euros.
Se o valor das vantagens da actividade criminosa apuradas e que se pretendem garantir com o arresto são superiores ao valor dos bens que compõe determinado património, existe a certeza que mesmo executando-se todo esse património será impossível obter a satisfação da pretensão estadual traduzida na anulação dos benefícios ilicitamente obtidos. Neste caso, a verificação do periculum in mora é de tal modo evidente que dispensa aturadas considerações. Poderá mesmo afirmar-se que esse perigo se concretiza na certeza de uma mora anunciada.
Importa a este respeito ter presente que o periculum in mora, (cuja demonstração é inclusivamente dispensada nos casos de criminalidade organizada nos termos do art. 10.º, da Lei 5/2002, de 11-01, sempre que existam fortes indícios da prática do crime), para efeitos de decretamento do arresto nos termos do art. 228º, do Código de Processo Penal, se concretiza por referência ao “fundado receio enunciado de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento (…)”, tal como previsto no art. 227º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
A diminuição dessas garantias, nos termos desenvolvidos no despacho em recurso, constitui apenas um dos fundamentos que podem ser invocados no momento de avaliar a existência do fundado receio. Quando as garantias faltem (cf. art. 227º, n.º 1) nomeadamente porque o valor a acautelar é incomparavelmente superior ao valor do património identificado e que poderá ser arrestado, estará então automaticamente demonstrado o periculum in mora e consequentemente legitimado o decretamento do arresto.
Esta evidente diferença relativamente ao regime do arresto previsto no artigo 391º, do Código Processo Civil, justifica-se, uma vez mais, pela diferença da natureza dos “pagamentos” que se visa acautelar, e pela respectiva importância comunitária que cada um deles assume.
Por outro lado, ainda que os bens arrestados pertencentes às Oponentes possuíssem valor superior àquele que se pretende acautelar (ou seja o valor das vantagens do crime), sempre seria de considerar que a consequência de tal constatação nunca seria a extinção do arresto. Com efeito, nestes casos, o arresto preventivo não seria extinto, mas reduzido proporcionalmente até ao limite do valor que se pretende acautelar, nos termos do art. 393º n.º 2, do Código de Processo Civil, através do mecanismo da sua modificação.
Em síntese, ainda que o periculum in mora não estivesse demonstrado pela manifesta falta de garantias de pagamento do valor das vantagens do crime, sempre o receio de perda da garantia patrimonial em situações como a presente haveria de concretizar-se, como qualquer juízo antecipatório, recorrendo a um modelo de raciocínio analítico que pondere o montante do valor que se pretende acautelar relacionando-o com o património que determinada pessoa, física ou jurídica, possui e considerando igualmente aquele que seria razoável que possuísse no momento em que a providência é decretada, se o mesmo não tivesse sido permanentemente transferido, tendo em conta os rendimentos que previsivelmente obteve ao longo dos tempos.
Deve, por tudo o exposto, improceder o pugnado, também nesta parte, pelas aqui Oponentes.
Numa outra linha de argumentação e perante o alegado em sede de oposição:
Apreensão versus arresto das vantagens do crime
A definição das situações em que deve recorrer-se ao arresto preventivo ou à apreensão é neste momento uma questão que estará, em nossa perspectiva, definitivamente resolvida, não existindo a este respeito qualquer lastro dogmático que cumpra ainda burilar.
A este respeito convocamos e damos por reproduzido o estudo do Prof. Doutor Conde Correia, “Apreensão ou arresto dos proventos do crime” in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 25, n.ºs 1 a 4, Janeiro Dezembro de 2015; pag. 505 a 544.
Na verdade, resulta do enunciado estudo, bem como da generalidade da jurisprudência que o seguiu, a seguinte regra:
As vantagens do crime são apreendidas, sempre que for possível a sua apreensão em espécie.
Não sendo possível ao Estado apropriar as vantagens em espécie (sejam as vantagens directas, indirectas ou o seu sucedâneo), será necessário recorrer aos mecanismos do confisco pelo respectivo valor. Para garantir o confisco do valor, será arrestado o património lícito dos visados.
No presente caso, não sendo possível, naturalmente, confiscar as vantagens em espécie, será necessário determinar o arresto preventivo dos bens necessários a garantir o pagamento do respectivo valor, nos termos dos artigos 110.º n.º 1 al. b) e n.º 4 e 228.º do CPP.
Pelo que nenhuma censura merece nesta sede a decisão proferida.
Lemos o alegado pelo oponente e escrutinámos o estudo citado à luz dos incisos atinentes.
Subscrevemos a posição aí sustentada e concluímos pela improcedência também deste fundamente da oposição.
*
“Da legitimidade do Ministério Público para requerer o arresto preventivo.
Invocam igualmente as Oponentes a ilegitimidade do Ministério Público para requerer o arresto preventivo.
Vejamos o que diz a Lei a este respeito:
O artigo 227.º do Código Processo Penal determina que:
“1 - O Ministério Público requer prestação de caução económica quando haja fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias:
a) Do pagamento da pena pecuniária, das custas do processo ou de qualquer outra dívida para com o Estado relacionada com o crime;
b) Da perda dos instrumentos, produtos e vantagens de facto ilícito típico ou do pagamento do valor a estes correspondente”.
O artigo 228.º do CPP, por sua vez determina que:
“1 - Para garantia das quantias referidas no artigo anterior, a requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil; se tiver sido previamente fixada e não prestada caução económica, fica o requerente dispensado da prova do fundado receio de perda da garantia patrimonial.”
No presente caso, parece-nos manifesto que a letra da Lei não concorda com a posição das Oponentes.
Os referidos preceitos legais serão, em nossa perspectiva, suficientemente persuasivos quanto à definição da legitimidade do Ministério Público para requerer o arresto preventivo do património necessário a garantir a efectividade do confisco do valor das vantagens resultantes da prática do crime.

Atemo-nos aos ditos normativos renovando o decidido.
Sobre a:
“Compatibilização com a insolvência e com a apreensão aí decretada
Por contraposição aos valores protegidos com o confisco das vantagens do crime, ao processo de insolvência haverá de reconhecer-se apenas o mero papel de gestão funcional de determinado património tendente a satisfazer os interesses dos credores na proporção dos seus créditos, de acordo com as regras de pagamento pré estabelecidas, sem que, para qualquer deles, advenha um prejuízo superior àquele que está implícito pela inexistência de bens suficientes a assegurar o crédito respectivo. Trata-se de uma pura lógica de garantia da “par conditio creditorum”, onde não se vislumbram finalidades que extravasem este legítimo, mas puramente privatístico, interesse.
A definição das finalidades do processo de insolvência encontra assento legal no artigo 1.º do CIRE onde sob a epigrafe “finalidade do processo de insolvência” se afirma que “1 -O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.
2 - Estando em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, o devedor pode requerer ao tribunal a instauração de processo especial de revitalização, de acordo com o previsto nos artigos 17.º-A a 17.º-I”.
           
Numa perspectiva de adequada ponderação de interesses, tendo em conta os fins que visam as leis que regem o confisco das vantagens e as leis falimentares, o juízo que nos deve orientar é precisamente o da preponderância dos interesses de manifesta relevância pública subjacentes ao confisco das vantagens sobre a tutela dos interesses económicos dos credores que, norteiam a existência do processo de insolvência.  
Em primeiro lugar, deverá salientar-se que é o próprio legislador que reconhece a prevalência das providências penais sobre os interessem em jogo no processo de insolvência, quando no artigo 149.º n.º 1 al. a) do CIRE prescreve que “Proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão (…) de todos os bens integrantes da massa insolvente, (…) com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de carácter criminal, (…).
Pese embora esta norma do artigo 149.º do CIRE apenas faça referência ao conceito de “apreensão”, não poderá deixar de se salientar que esta noção jurídica de “apreensão” deverá ser entendida em termos hábeis. A interpretação deste conceito terá que permitir uma noção de apreensão alinhada com o significado que lhe é imprimido nos instrumentos normativos comunitariamente estimulados, onde é utilizada indistintamente para classificar o regime das medidas aplicadas com vista a garantir o vínculo de indisponibilidade sobre o bem, com vista à sua futura declaração de perda.
Deste modo, por “apreensão” deverá entender-se “qualquer medida tomada (…) para impedir provisoriamente operações de destruição, transformação, deslocação, transferência ou alienação de bens que podem ser objecto de perda”  / .
É precisamente neste sentido que aponta o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 9/1/2018, proferido no processo 110/17.5T8FND-E.C1, quando afirma, sobre este artigo 149.º do CIRE que “a norma supra citada excepciona do regime geral ali previsto (apreensão dos bens integrantes da massa insolvente, ainda que arrestados, penhorados, ou por qualquer forma aprendidos ou detidos) os bens que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de caracter criminal, quer de mera ordenação social, sem fazer qualquer distinção relativamente ao tipo e natureza da apreensão em causa” (…).  E acrescenta ainda o mesmo Acórdão que “Ora, se o legislador apenas tivesse pretendido incluir naquela ressalva os bens aprendidos nos termos dos artigos 178.º a 186.º do CPP – como sustenta o apelante – pensamos que o teria dito, e não o fez. O legislador referiu-se genericamente a bens apreendidos sem fazer qualquer distinção ou precisão acerca da natureza ou tipo dessa apreensão, exigindo apenas que essa apreensão tenha sido efectuada por virtude de infracção, quer de caracter criminal, quer de mera ordenação social e se o legislador não distinguiu também não se justificará que tal distinção seja feita pelo intérprete. Entendemos, portanto, que a ressalva em questão inclui os bens que tenham sido arrestados, desde que o tenham sido por virtude de infracção (de carácter criminal ou de mera ordenação social).”
Por outro lado, esta preponderância do confisco sobre os interesses particulares da insolvência sempre poderia igualmente deduzir-se do reconhecimento assente que a declaração de insolvência não implica qualquer restrição ou constrangimento à responsabilização penal, quer das pessoas singulares quer colectivas, constituindo, inclusivamente, em determinados casos, uma condição objectiva de punibilidade - cfr. artigos 227.º e 228.º do CP.
É precisamente sob esta mesma lógica que o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.10.2010, proferido no processo 2463/09.0TBOER.L1-7, numa situação em que estava em causa o prosseguimento de um processo executivo sobre um bem apreendido em processo penal, afirmou que “Sobre o bem penhorado em sede de execução incide uma apreensão penal sendo certo que esta poderá determinar a perda do bem a favor do Estado – artigo 374.°, n.° 3, alínea c) do Código de Processo Penal – quer o bem pertença ao arguido (o aqui Executado), quer a terceiro - artigo 178.°, n.° 7, do Código de Processo Penal.
Diga-se, aliás, que a ser decretada essa perda do bem a favor do Estado, não pode a execução prosseguir os seus termos tanto mais que a apreensão penal não pode ser considerada como uma garantia para efeitos quer declarativos, quer executivos.
A situação do Exequente, em sede penal, é como a de qualquer outro credor do Executado, sendo irrelevante a existência ou não de uma ou mais garantias sobre o bem penhorado [no caso, as duas hipotecas registadas]. Estas apenas poderão relevar em sede de ressarcimento dos danos sofridos e a operar sobre os bens do Executado, caso o bem em causa seja declarado perdido a favor do Estado. A situação circunscreve-se, no fundo, à apreciação de um risco que corre por conta do Exequente enquanto parte do contrato de mútuo celebrado com o Executado.
Pode, porém, tal situação de perda a favor do Estado não se verificar e o Exequente pode ver satisfeito o seu crédito na acção executiva. Para tal, no entanto, há que aguardar pela decisão a ser proferida no processo penal, sobrestando a decisão a proferir no processo executivo, nos termos do artigo 97.°, n.° 1, do Código de Processo Civil”.
Por fim, cumpre ainda convocar o regime previsto no Regulamento (CE) n.° 1346/2000, do Conselho de 29.05.2000. Na verdade, também no artigo 26.º do dito Regulamento se estabelece a public policy doctrine como mecanismo para evitar o reconhecimento das decisões nelas contempladas . O TJCE no acórdão “Eurofood” de 26.05.2006 (processo C-341/04) entendeu que “o artigo 26.° do Regulamento n.° 1346/2000 deve ser interpretado no sentido de que um Estado-Membro pode recusar-se a reconhecer um processo de insolvência aberto noutro Estado-Membro quando a decisão de abertura tenha sido tomada em manifesta violação do direito fundamental de audição de que dispõe uma pessoa afectada por esse processo”. Por maioria de razão, nos casos em que decisão possa afectar bens que representem (directa ou indirectamente) uma vantagem patrimonial resultante da prática de um crime, que obrigatoriamente deve ser retirada do mercado, poderão igualmente invocar-se razões de “ordem pública”, no sentido ainda admitido pela public policy doctrine.
Será, assim, como pretendem as Oponentes, o processo de insolvência (ou o PER) absoluto, ou seja, será que prevalece sobre todas as demais finalidades que o Estado se encontra obrigado a respeitar e perseguir?
A salvaguarda da par conditio creditorum como fundamento e última finalidade do processo de insolvência implica igualmente que se reconheça que este encontra na sua génese o limite imanente do “economicamente possível” como referencial sob o qual gravita toda estrutura em que se encontra consagrado (o artigo 3.º n.º 1 do CIRE exige que os activos não sejam suficientes para assegurar o pagamento dos passivos).
Invocamos aqui no limite do economicamente possível porque os credores vão satisfazer os seus créditos apenas e só na proporção do património que pertence ao insolvente, ou seja, com base naquilo que o mesmo tem, e não por referência aquilo que teve ou deveria/poderia ter, nem por referência ao valor global que os credores tem direito a receber.
O património que os credores podem almejar repartir  é por isso limitado, e esse limite encontra-se claramente definido pelo conjunto de activos que pertencem ao insolvente.
O processo de insolvência nasce por isso limitado e em consequência de um limite. Qual o fundamento para que, de repente se transforme numa plataforma centrifugadora que absorve e dilui todos os demais interesses concorrentes, ainda que de dignidade superior? 
Por outro lado, as vantagens do crime não deixam de o ser, ou seja, não passam a assumir diferente natureza, pelo simples facto ter sido requerida e decretada a declaração de insolvência.
Num primeiro momento, não poderemos deixar de recordar que qualquer acção tendente a assegurar conversão, transferência ocultação ou dissimulação das vantagens do crime configura um comportamento que assume relevância penal.
Na verdade bastará que se convoquem os elementos típicos dos crimes de Branqueamento (artigo 368.º - A), de receptação (artigo 231.º), e de auxílio material (artigo 232.º) para que imediatamente se conclua que o benefício económico obtido com a prática do crime se encontra subtraído à titularidade de qualquer detentor, a ponto de serem punidas as condutas que visem assegurar por qualquer forma a fruição ou aproveitamento dessas vantagens e a sua subtracção ao poder do estado.
Ao permitir que as vantagens geradas pelo crime, directas ou indirectas , ou o património que com elas se obteve, sejam distribuídas sem mais pelos credores, ainda que os créditos reconhecidos tenham sido gerados em consequência de negócios absolutamente alheios à prática do facto ilícito, estaria o processo de insolvência a promover a realização de todos os elementos do tipo objectivo do crime de branqueamento, na medida em que está a distribuir pelos credores as vantagens de um facto ilícito típico, a coberto, unicamente, do exclusivo interesse de satisfação dos interesses económicos destes.
É certo que, em regra, inexistiria o dolo específico exigido pelo tipo incriminador. Todavia, num plano puramente teórico, essa possibilidade não estará afastada, uma vez que, se os elementos constantes de um determinado processo permitirem concluir que algum interveniente nos autos de insolvência ou no PER actua com a intenção descrita no enunciado crime, o Estado não ficará impedido, pela mera circunstância de ter sido declarada a insolvência, de o perseguir criminalmente. Não poderá deixar de se reconhecer que dificilmente se compreenderia que quando o processo de insolvência é confrontado com a vinculação de determinado património com prática de um crime (sejam as vantagens directas ou indirectas) os seus responsáveis permaneçam na intenção de colocar tal património no comércio jurídico, rateando entre os credores o respectivo valor.    
Insiste-se, o confisco pelo Estado representa o único destino legal e legítimo para as vantagens do crime. Até esse momento ideal, as vantagens do crime, directas, indirectas, pelo valor, sucedâneo, e respectivos juros, lucros e demais acréscimos, sempre que apurados, são apenas e só isso mesmo: um património ilícito.  
De todo o modo, esta referência à criminalização da utilização das vantagens do crime demonstra igualmente que será juridicamente anacrónico equiparar as vantagens do crime a quaisquer outros “créditos” ou institutos que impliquem a transferência de património para o Estado, e que poderão ser considerados no processo de insolvência, como créditos privilegiados, garantidos ou comuns.
Seria impensável que se admitisse que as vantagens do crime, ou o incremento patrimonial correspondente, pelas mesmas gerado, servisse para pagar as dívidas que directa ou indirectamente oneram o arguido.
Deste breve excurso poderemos concluir que, em bom rigor, não existe sequer qualquer possibilidade de ocorrer um conflito entre os efeitos próprios da declaração de insolvência e o do confisco, uma vez que os domínios de intervenção de cada são manifestamente distintos. O primeiro visa dividir o património do insolvente e o segundo visa, no que ora importa considerar, remover os incentivos financeiros gerados com a prática do crime, que não lhe pertencem nem podem ser divididos e colocados sem mais no comércio jurídico.
Quae sunt Caesaris, Caesari.
Será no âmbito do processo penal, com as regras próprias vigentes nesta constelação normativa, que deverá ser apreciada e resolvida a questão relativa à manutenção ou não do arresto preventivo decretado com vista a assegurar a perda das vantagens do crime, ou do seu valor, apreciando a compatibilidade com outros institutos previstos no ordenamento jurídico, nomeadamente com os efeitos do processo de insolvência. Se o regime substantivo e processual penal fosse absolutamente omisso relativamente à matéria de protecção dos terceiros de boa-fé, a solução seria idêntica, mas prevendo-se um tal regime é inquestionável não poderá ser outra a jurisdição competente para estes efeitos.
A este respeito, apelando aos fins do processo penal enquanto instrumento de realização da justiça mereçam ser relembrados os assertivos ensinamentos de Figueiredo Dias quando refere que com o processo penal se visa alcançar “a revelação das grandes relações (enquadramento) funcionais entre as singulares normas e problemas jurídico-processuais e a totalidade da ordem jurídica” .
A primazia da jurisdição penal nesta matéria reflecte-se, no que ora importa, na consagração do princípio da suficiência do processo penal, onde se resolvem todas as questões que interessem à decisão da causa. Este princípio tem como reverso a impossibilidade de qualquer outra jurisdição intervir em qualquer questão que integre a “acção penal”, seja relativa à responsabilização criminal seja relativa à questão patrimonial.
Não existe, em qualquer outra jurisdição, uma regra semelhante à prevista no artigo 7.º do CPP, que permite conhecer todas as questões jurídicas que interessem à decisão da causa penal. O Tribunal penal poderá conhecer das questões relativas à insolvência, à protecção dos credores e vítimas, e à responsabilização penal e civil dos arguidos. O contrário não é verdade, ou seja, a jurisdição onde se decidem e resolvem as questões relativas à insolvência não possui legitimidade para apreciar questões que integrem a «causa penal».
Deste modo, também aqui falecem os fundamentos invocados pelas Oponentes.
Por estas razões, promove o Ministério Público seja declarada improcedente a Oposição deduzida e seja proferida decisão que mantenha o arresto já decidido nos autos.” (Sic)

Escrutinámos quer as Directivas aludidas quer a Jurisprudência e doutrina citadas.
Corroboramos, assim, o entendimento sancionado pelo M.º P.º de que, da conjugação de tais elementos, supra citados de forma exaustiva.

Face ao supra exposto, concluímos que os factos invocados pela aqui Requerente não têm a virtualidade de infirmar o pressuposto do decretamento do arresto que se traduz na existência de uma “fundada suspeita da prática do ilícito” (segundo a terminologia de João Conde Correia, em “Da Proibição do Confisco à Perda Alargada”, Lisboa 2012, pág. 161).
           
Ex-abundanti diz, ainda, o JIC:
           
Está em causa nos autos a oposição a uma providência cautelar de arresto já deferida.

O Código do Processo Penal prevê duas medidas de garantia patrimonial, ou seja, a caução económica (art. 227º) e o arresto preventivo (art. 228º), tendo ambas como finalidade processual garantir o pagamento da pena pecuniária, das custas do processo ou do pagamento de qualquer dívida, indemnização ou obrigação civil derivadas do crime, sendo aplicáveis no decurso do processo pelo juiz e desde que se verifiquem os pressupostos gerais de aplicação das medidas de coacção e de garantia patrimonial, e os pressupostos materiais que estão subjacentes à aplicação de tais medidas são os mesmos, isto é, desde que se verifique a probabilidade de um crédito sobre o requerido e fundado receio que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento.

As providências cautelares, cujo procedimento está previsto nos artºs 363º e ss do Código de Processo Civil, visam impedir que, durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável ao autor, perca toda a sua eficácia ou parte dela.

O pedido formulado pelo Requerente (M.º P.º), radica no art.º 228º do C.P.P., cuja epigrafe é “arresto preventivo” e que diz:
«1 - A requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil; se tiver sido previamente fixada e não prestada caução económica, fica o requerente dispensado da prova do fundado receio de perda da garantia patrimonial.
2 - O arresto preventivo referido no número anterior pode ser decretado mesmo em relação a comerciante.
3 - A oposição ao despacho que tiver decretado arresto não possui efeito suspensivo.
4 - Em caso de controvérsia sobre a propriedade dos bens arrestados, pode o juiz remeter a decisão para tribunal civil, mantendo-se entretanto o arresto decretado.
5 - O arresto é revogado a todo o tempo em que o arguido ou o civilmente responsável prestem a caução económica imposta».

A norma do processo civil, referida, é o art.º 391º, que enumera os fundamentos do arresto. Diz ele:
«1 - O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.
2 - O arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrariar o preceituado nesta subsecção».
O arresto é um meio de conservação da garantia patrimonial, que consiste na apreensão judicial de bens fundada no receio do credor de perder a garantia patrimonial do seu crédito.
Enquanto providência cautelar que é, visa combater o “periculum in mora”, isto é, o prejuízo decorrente da demora do processo judicial normal. Daí que, preventiva e temporariamente, acautele ao credor a garantia do seu crédito.
Então, o decretamento do arresto preventivo depende da probabilidade da existência do crédito e da existência de justo receio de que o devedor inutiliza, oculte, se desfaça dos seus bens, que em princípio integram a garantia do credor.
Não estando em causa a existência da aparência do crédito, a dúvida reside na existência, ou não, do fundado receio de perda da garantia patrimonial.
Em que consiste, então, o “justificado receio” que legitima o arresto preventivo?
Como já explanado pelo Ministério Público.
A formulação legal é ampla a genérica denotando, por isso, a intenção de abranger situações diversas em que se justifica a apreensão dos bens.
No entanto, nem por isso deixa de ser necessário alegar e demonstrar factos dos quais resulte a necessidade da providência.
Por isso a lei, no art.º 392º do CPC, impõe, no seu nº 1, que o requerente do arresto deduza os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado.
Aqui, como defende Antunes Varela, «não basta a alegação de meras convicções, desconfianças, suspeições de carácter subjectivo. É preciso que haja razões objectivas, convincentes, capazes de explicar a pretensão drástica do requerente, que vai subtrair os bens ao poder de livre disposição do seu titular».
Este também é o entendimento da jurisprudência, se não unânime, pelo menos maioritária. Citam-se, a título de exemplo, os seguintes acórdãos:
- de 3-7-2012, da Relação de Guimarães [2]: «O justificado receio de perda da garantia patrimonial – para efeitos de decretar o arresto de bens do devedor – tem que ser aferido com base em critérios objectivos e, portanto, terá que assentar em factos concretos que revelem ou indiciem uma real situação de perigo de insatisfação do crédito decorrente da inexistência de bens que por ele possam responder. A mera circunstância de o devedor não ter cumprido a obrigação a que está obrigado relativamente ao requerente do arresto e de ter a intenção de vender um ou mais imóveis (sendo uma sociedade imobiliária em cuja actividade esses actos se inserem) não é bastante para justificar o receio de perda da garantia patrimonial do crédito …»;
- de 15-11-2011 da Relação de Lisboa [3]: «O critério da avaliação deste requisito [do receio justificado] não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor, isto é, em simples conjecturas, devendo antes basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselham uma decisão cautelar imediata, como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva. O receio da perda da garantia patrimonial para ser considerado “justo” há-de assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação … Tendo a requerida vários credores, um volume de negócios cada vez mais reduzido e não lhe sendo conhecidos outros bens para além da conta bancária, fica suficientemente indiciado o perigo de perda da garantia patrimonial»;
- de 25-2-2010 da Relação de Lisboa [4]: «À verificação do requisito do justo receio não basta qualquer receio, sendo necessário, no dizer da própria lei, que seja justificado, pelo que o requerente tem de alegar e provar factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, não bastando o receio subjectivo, fundado em simples conjecturas. Uma simples chamada telefónica de alguém que não se identifica, a denunciar a intenção do requerido de transferir parte do dinheiro que recebeu como indemnização para outrem, não pode, isoladamente, suportar a existência de uma ameaça séria e justificada ao direito de crédito do requerente»;
- de 10-2-2009 da Relação do Porto [5]: «A existência do “justo receio” deverá resultar da interpretação de factos ou circunstâncias objectivas e concretas, não relevando para tanto as suspeitas tidas pelo credor, ou uma situação de medo em que este tenha caído fundada tão só numa análise subjectiva da vivência do devedor»;
- de 10-2-2009 da Relação de Coimbra [6]: «Para a comprovação do justo receio da perda da garantia patrimonial não basta o receio subjectivo do credor, baseado em meras conjecturas, já que para ser justificado há-de assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação … a fim de indagar sobre o preenchimento, ou não, do requisito geral do “justificado receio de perda de garantia patrimonial”, haverá que atender, designadamente, à forma da actividade do devedor, à sua situação económica e financeira, à sua maior ou menor solvabilidade, à natureza do seu património, à dissipação ou extravio que faça dos seus bens, à ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de não cumprir a obrigação, ao montante do crédito que está em causa e, por fim, à própria relação negocial estabelecida entre as partes»;
- de 7-3-2002 da Relação do Porto [7]: «Do simples facto de um requerido de um arresto ter posto à venda uma moradia, não se pode concluir, sem mais, que, no caso de eventual venda, o mesmo fique desprovido de património ou fontes de rendimento capazes de garantirem a satisfação do crédito do requerente».
Se a Oponente formula o pedido de revogação do arresto, o interesse em agir, ou seja, o interesse na revogação da decisão impugnada, não é um interesse meramente abstracto, interesse na correcção das decisões judiciais, mas um interesse em concreto, pelo efeito que se busca sobre a decisão em benefício do Oponente, aferindo-se esse interesse pelo sacrifício que a decisão para ele representa, no caso subjudice, o despacho ora posto em causa implica sacrifício, pelo que tem legitimidade para recorrer da decisão impugnada, que lhe impôs o arresto preventivo, na medida em que está a defender um direito afectado pela decisão (art. 410º, nº1, al. d), do CPP).
Face à actual redacção do art. 228º, nº1, do CPP, na redacção dada pela lei nº 59/98, de 25AGO a medida de garantia patrimonial de arresto preventivo, já não tem natureza subsidiária ou supletiva relativamente à caução económica, podendo ser decretada nos termos da lei civil, a requerimento do Ministério Público ou do lesado. No caso de ter sido fixada previamente caução económica e não for prestada, o requerente do arresto fica dispensado da prova do fundado receio da perda da garantia patrimonial, sendo aplicáveis as normas dos arts. 391º e segs., do Código do Processo Civil, pelo que a prova do fumus boni iuri e do periculum in mora é feita no arresto e não no processo criminal (art. 393º, do CPC).
Pretende-se deste modo combater o “periculum in mora” (o prejuízo da demora inevitável do processo) a fim de que a sentença se não torne numa decisão puramente platónica - Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 23.
Chamam-se procedimentos e não acções porque carecem de autonomia – dependem de uma acção já pendente ou que vai ser seguidamente proposta pelo requerente (ibid.)”.
Para que a providência cautelar proceda, basta que o requerente demonstre, perfunctoriamente, a existência do direito que visa acautelar - “bonus fumus juris”- e que comprove a existência de justo receio da perda ou frustração desse direito, caso a tutela que reclama não lhe seja deferida - “periculum in mora”.
Entre as providências cautelares especificadas, conta-se o arresto, que consiste numa apreensão judicial de bens do devedor, a que são aplicáveis, em princípio, as disposições relativas à penhora – artºs 622º do CCivil e 391º, nº 2, do CPCivil.
Dispõe o nº 1 do artº 619º do CCivil que “O credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei do processo”, estando por isso tal procedimento regulado nos artºs 391º a 396º do CPC.
Assim, dispõe igualmente o nº 1 do artº 391º do CPCivil, que “o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer arresto de bens do devedor”.
Examinadas as provas produzidas e mostrando-se preenchidos os requisitos legais, o arresto é decretado, sem audiência da parte contrária (artºs 392º, nº 1, e 393º, nº 1, ambos do CPCivil).
São requisitos cumulativos da providência cautelar do arresto preventivo a probabilidade da existência do crédito do requerente e o justificado receio de perda da garantia patrimonial.

Tendo em conta, não só a estrutura simplificada do procedimento cautelar do arresto, mas também a sua natureza provisória, tem-se entendido que, no que respeita ao primeiro requisito, basta uma prova indiciária ou um juízo de mera probabilidade, tal como resulta aliás, do preceituado no artº 365º nº 1 do CPC.
Ou seja, na prova dos requisitos do arresto, não pode exigir-se o mesmo grau de averiguação, de convicção e de certeza que se impõe relativamente aos fundamentos da acção principal, no caso, o inquérito, bastando que se conclua pela probabilidade séria da existência do crédito do requerente, que se reconduz à mera aparência do respectivo direito.
Por outro lado, a oposição ao arresto por parte do requerido, que tem lugar depois do seu decretamento, destina-se à alegação de factos ou à produção de provas que possam afastar os fundamentos da providência, de forma a obter a sua revogação. (cfr artº 372º nº 1 do CPC).

Verifica-se que das alegações e da prova produzida na oposição em apreço, não resulta qualquer facto que tenha a virtualidade de afastar os fundamentos da providência.
 
Com efeito, continuamos a entender que se mostra verificado, fundado receio de perda da garantia patrimonial, chamado periculum in mora, que resulta do tipo de crime indiciado e os valores envolvidos e, bem assim, dos indícios invocados pelo M.º P.º que supra se deram por reproduzidos, não tendo sido produzida prova suficiente para abalar, minimamente, o já consignado a este respeito, no despacho que decretou o arresto e que aqui se dá por reproduzido, por mera economia processual.

Entendemos, que a eventual dissipação dos bens apreendidos poderá levar a que o Estado fique impossibilitado de cobrar os impostos e demais encargos resultantes da actividade criminosa dos arguidos.

Também, no tocante à existência do direito que visa acautelar - “bonus fumus juris”, verifica-se que se mostra indiciado no Inquérito, a prática dos indicados crimes objecto da investigação e o elemento dano mostra-se indiciado para a prova, para a consistência ou para a manutenção do arresto.

Ainda sobre a legitimidade, importa referir o seguinte:

Dispõe o art.º 30.º do CPC, que: ”

1. O autor é parte legitima quando tem interesse directo em demandar; o reu é parte legitima quando tem interesse directo em contradizer.
2. O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção; o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3. Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.”

Como se refere no CPC anotado de Abilio Neto, não há que olvidar o seguinte:
1.Com a actual redacção dada ao n.º 3 deste art.º 26.º, pelo art.º 1.º do DL n.º 180/96, de 25-9, foi intenção do legislador, claramente assumida no relatório do respectivo diploma, «tomar expressa posição sobre a “vexata questio” do esclarecimento do critério de determinação da legitimidade das partes, visando a solução legislativa proposta contribuir para pôr termo a uma querela jurídica-processual que, há várias décadas, se vem interminavelmente debatendo na nossa doutrina e jurisprudência, sem que haja até agora alcançado um consenso.
»Partiu-se, para tal, de uma formulação da legitimidade semelhante à adoptada no Decreto-Lei n.º 224/82 – e assente, consequentemente, na titularidade da relação material controvertida, tal como a configura o autor, próxima da posição imputada a Barbosa de Magalhães, na controvérsia que historicamente o opôs a Alberto dos Reis.
»Circunscreve-se, porém, de forma clara, tal problemática ao campo da definição da legitimidade singular e directa – isto é, à fixação do «critério normal» de determinação da legitimidade das partes, assente na pertinência ou titularidade da relação material controvertida – e resultando da formulação proposta que, pelo contrário, a legitimidade extraordinária, traduzida na exigência do litisconsórcio ou na atribuição de legitimidade indirecta, não depende das meras afirmações do autor, expressas na petição, mas de efectiva configuração da situação em que assenta, afinal, a própria legitimação dos intervenientes no processo. (…)»
2.A aferição da legitimidade das partes em função da alegada titularidade do objecto do processo – que, como já se referiu, o legislador pretendeu agora consagrar no direito positivo vigente -, foi a posição adoptada por BARBOSA DE MAGALHÃES, legitimidade das Partes, na CRL, 32.º, 1919, pág. 275, por PALMA CARLOS, Projecto…, em BMJ, 102 – 59, por CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, 2.º-208 e ss., e na actualidade, por M. TEIXEIRA DE SOUSA, A Legitimidade Singular em Processo Declarativo, em BMJ, 292.º-53 e ss., a As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, 1995, págs. 48 e s., o qual escreve a propósito, neste último lugar acabado de citar:
«A legitimidade processual é apreciada por uma relação da parte com o objecto da acção. Essa relação é estabelecida através do interesse da parte perante esse objecto: é esse interesse que relaciona a parte com o objecto para aferição da legitimidade. É claro que os titulares do objecto do processo são sempre titulares desse interesse, mas não se podem excluir situações em que a esses titulares não pode ser reconhecida a legitimidade processual e em que a certos sujeitos, que não são titulares desse objecto, possa ser reconhecida essa legitimidade.
»Deste modo, a relação da parte com esse interesse pode ser de vários tipos. Nalguns casos, a parte é titular do objecto processual e tem um interesse directo e pessoal na sua apreciação – é o que se designa por legitimidade directa. Exemplo dessa legitimidade directa é a que é reconhecida ao credor e ao devedor na acção de cobrança de dívida, porque o titular activo do direito de crédito e o devedor o seu titular passivo. Excepcionalmente, todavia, o titular do direito pode não possuir legitimidade processual. Por exemplo: a declaração de falência implica a perda pelo falido do poder de administração e de disposição dos seus bens (art. 147.º, n.º 1, CPEREF), pelo que esse falido não possui legitimidade para qualquer acção a esses bens.
»Noutras hipóteses, a parte não é titular do objecto do processo, mas possui um interesse indirecto na apreciação de certo objecto – a essa legitimidade chama-se legitimidade indirecta ou substituição processual. Como exemple de substituição processual pode invocar-se a sub-rogação do credor ao devedor na acção proposta contra terceiro (art. 606.º, n.º 1, CC): o autor da acção (que é o credor sub-rogante) não é titular do direito invocado (que é o credor sub-rogado), mas tem legitimidade para exigir o cumprimento da prestação pelo terceiro devedor.
»Quando a legitimidade processual é reconhecida à parte que é titular do objecto do processo, essa legitimidade coincide com um aspecto, mais ou menos amplo, do mérito da causa . Assim, há que concluir que, sempre que o tribunal reconhece a inexistência do objecto da acção ou a sua titularidade (activa ou passiva) por qualquer das partes, a decisão de improcedência daí decorrente consome a apreciação da ilegitimidade da parte. Por exemplo: se o tribunal conclui que o autor não é o titular activo do direito de crédito alegado ou que o réu não é o seu titular passivo, a acção condenatória termina necessariamente com uma decisão de improcedência.
»A mera afirmação ou alegação pelo autor de que ele próprio e a parte demandada são os titulares do objecto do processo não tem, deste modo, qualquer relevância para a aferição da legitimidade das partes. O que se verifica nessa situação é que, de acordo com o principio da auto-suficiência do processo, as partes são consideradas legítimas até se analisar e apreciar a sua legitimidade.»
3. A legitimidade «tem de ser apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da acção possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como apresenta o autor» (M. TEIXEIRA DE SOUSA, A Legitimidade Singular…, BMJ, 292.º - 105).
4. A identificação da legitimidade processual com a titularidade efectiva do objecto do processo, ou seja, com a relação material controvertida, teve como seu inicial defensor o autor do CPC/1939 – ALBERTO DOS REIS, designadamente em escritos publicados no BFDC, 8.º -83 e na RLJ, 79.º-305 – e é, de igual modo, o entendimento indefectivelmente perfilhado por ANTUNES VARELA quer no Manual de Processo Civil, 2.ª ed., págs. 134 e ss., quer em várias anotações e jurisprudência, publicadas na RLJ, 114.º-133 (ao Ac. STJ, de 30.4.1980), 115.º-282 (aos Acs. STJ, de 22.2.1980 e de 25.6.1981) e 116.º-14 (ao Ac. STJ, de 16.7.1981), quer ainda ao DL n.º 224/82, de 8-6 (RLJ, 115.º-158, nota 2).» (fim de cit.).  

Na esteira do que já corroborámos entendemos, assim, que o requerente, no caso o M.º P.º, tem legitimidade para intentar o procedimento.

Nos termos do artigo 227º número 2 do Código do Processo Penal, o pedido de indemnização cível pode e deve ser intentado não só contra o responsável simultaneamente cível e criminal, mas também contra o responsável cível que não seja criminal.

O que é fundamental neste processo é que o facto ilícito gerador de obrigação de indemnizar seja o facto que está a ser objecto de apreciação no processo-crime.

No fundo o fundamental que justifica a instauração do arresto no processo-crime é exactamente a circunstância de os factos ilícitos geradores da obrigação de indemnizar serem exactamente os mesmos que estão em investigação no processo-crime.

As normas do Processo Civil só são aplicáveis quando o processo penal não contiver qualquer regulamentação concreta sobre esta questão.

E tal regulamentação, surge no art.º 77º do Código de Processo Penal, porque, primeiro, o arresto do processo penal não esta dependente de uma acção autónoma que se pudesse instaurar ou fosse por apenso ou fosse nos tribunais cíveis, o arresto está dependente do pedido de indeminização cível formulado em processo penal.

Portanto, o caso é o prazo da acusação, é o prazo que o assistente ou que o Ministério Público terá exactamente para deduzir a acusação.

Só depois da acusação é que é possível pedir indemnização, na medida em que como disse, o pedido de indemnização assenta em factos ilícitos imputados pelo Ministério Público ou pelo assistente conforme os casos, exactamente na acusação.

Face aos factos apurados nada se alterou quanto aos fundamentos de facto em que assentou a decisão inicial.

Está a ser escrutinada a factualidade ilícita, não estando excluída, do ponto de vista do JIC signatário, a comparticipação delituosa da requerida.

Tratando-se de uma providência cautelar, bastará alegar factualidade que, comprovadamente, aponte para a aparência da existência do direito, no caso sub judice.
A este propósito ensina-nos o Ac. STJ, de 01.06.2000: Sumários 42.º-28:
(…) O procedimento cautelar de arresto depende da verificação cumulativa de dois requisitos: Probabilidade da existência do crédito e justo receio da perda da garantia patrimonial.
A probabilidade da existência do crédito verifica-se quando se alegue factos que, comprovados, apontem para a aparência da existência desse direito.
O justo receio de perda da garantia patrimonial verifica-se sempre que o requerido adopte, ou tenha o propósito de adoptar, conduta (indiciada por factos concretos) relativamente ao seu património que coloque, objectivamente, o titular do crédito a recear ver frustrado o pagamento do mesmo. (…)
Neste tocante veja-se ainda o Ac. STJ, de 23.07.1981: BMJ, 309.º-300.
(…) o arresto preventivo depende da verificação de duas circunstâncias – Probabilidade da existência do crédito e justo receio da perda da garantia patrimonial.  II – A oposição ao arresto pode ter lugar por meio de embargos ou através de agravo quando, respectivamente, se pretenda demonstrar não serem verdadeiros os fundamentos em vista dos quais foi decretado ou não estarem verificados os requisitos legais para o deferimento do pedido.  III – Na fase de declaração do arresto o ónus da prova impende sobre o arrestante; na fase dos embargos é ao embargante que pertence o ónus de alegar e de provar os factos que se destinem a infirmar os fundamentos com que o arresto foi decretado. (…)

Por outro lado, afigura-se que o valor a acautelar é incomparavelmente superior ao valor do património identificado, existindo fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento do valor das vantagens do crime.

A este propósito, veja-se o douto  Ac. do Tribunal da Relação do Porto, Pº 0846632, de 26-01-2009:
(…) Para que seja legítimo o recurso ao arresto, que é um meio conservatório da garantia patrimonial, é necessário a concorrência de duas circunstâncias: a aparência da existência de um direito de crédito e o perigo da insatisfação desse direito.
O justo receio de perda da garantia patrimonial verifica-se sempre que o devedor tenha o propósito de adoptar ou adopte uma conduta, indiciada por factos concretos, relativamente ao seu património susceptível de fazer temer pela sua solvabilidade do devedor para satisfazer o direito do credor. (…)

Face a tudo o que aqui se expôs, forçoso é concluir que na nossa doutrina e jurisprudência, as teses que acabamos de expor são maioritárias.

Ora, em sede de assunção desta convicção, não podemos deixar de nos louvar na brilhante síntese contida no Ac. do T. R. do Porto, Pº 93/10.2TBMAI.P1, de 25-11-2010:
(…) Não são as convicções do credor, nem os seus próprios e meros receios ou as conjecturas que porventura formule, nem os demais juízos subjectivos que sustente, nem a mera recusa de cumprimento da obrigação, nem mesmo os juízos subjectivos do Juiz que têm virtualidade para sustentar a existência do justo receio de perda da garantia patrimonial, mas antes a alegação e prova, ainda que indiciária, de factos ou de circunstância que, de acordo com as regras da experiência, façam antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do provável crédito já constituído. (…)

Neste tocante, realça-se ainda o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, Pº 42404/08.7YIPRT-A.C1, de 13-04-2010:
(…) Atenta a sua natureza provisória e carácter de urgência, a respectiva aplicação basta-se com o bónus fumus iuris, um juízo perfunctório com base na aparência.
Contudo, as providências cautelares são também dominadas pelo principio da proporcionalidade; desde logo não deverão ser concedidas quando o prejuízo delas resultante exceda consideravelmente o dano que se pretende evitar. (…)

Assim, face ao que tudo aqui se disse e, concordando, na íntegra, com o doutamente promovido pelo titular da acção penal, supra transcrito, ao qual me arrimo por ilustrar com suficiência de argumentos o entendimento que partilhamos e aqui dou por reproduzido, não por falta de avaliação e ponderação própria da questão, mas por simples economia processual, julgamos procedente o pedido de arresto, por se verificarem cumulativamente os requisitos que exige a invocação de factos que revelem a provável existência do crédito:
- A probabilidade da existência do crédito;
- O justo receio da perda da garantia patrimonial.
Conclusivamente, mantem-se, por ora, o arresto decretado, julgando improcedente a oposição deduzida.
Notifique e DN.”
5.3 O dever de fundamentação das decisões penais num Estado de Direito, além de constituir uma das fontes de legitimidade da jurisdição em geral, constitui um direito e garantia fundamental do cidadão contra a arbitrariedade no exercício do poder público.
Como se escreveu no acórdão do Tribunal Constitucional (TC) n.º 55/85, citando Michele Taruffo (em “Notte sulla garanzia costituzionale della motivazione”, estudo publicado no B.F.D.U.C., vol. LV, e que impulsionou a introdução do dever de fundamen­tação no nosso texto constitucional), “a fundamentação dos actos jurisdicionais em geral, cumpre duas funções:
a) uma, de ordem endoprocessual, afirmada em leis adjectivas, e que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente;
b) e outra, de ordem extraprocessual, que apenas ganha evidência com a referência, a nível constitucional, ao dever de motivação e que procura acima de tudo tornar possí­vel um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão”. (disponível in www.tribunalconstitucional.pt,,
Ou no mesmo sentido, como afirma Germano Marques da Silva,
“A validade da sentença não resulta assim exclusivamente da autoridade jurisdicional de que está investido o tribunal, resulta do exercício dessa autoridade em conformidade com a lei. A sentença não vale, pois, pela autoridade de quem a profere, pela vontade pessoal do juiz ou tribunal, mas porque a vontade funcional do juiz traduz a vontade da lei: vale porque declara o direito no caso concreto em conformidade com a lei geral e abstracta.
Lendo a decisão recorrida, facilmente se conclui que a decisão recorrida se limita a uma longa transcrição dos argumentos, raciocínio e conclusões da autoria do Exmº magistrado do Ministério Público em funções junto do TCIC, aqui e ali, interrompidas apenas por meros juízos opinativos e conclusivos de afirmação de “corroboração” e de concordância na íntegra com o promovido pelo titular da acção penal.
O Tribunal Constitucional tem concluído que o procedimento de fundamentação de decisões proferidas pelo juiz de instrução por remissão para a promoção do Ministério Público não atinge de forma intolerável o dever de fundamentação das decisões judiciais imposto no artigo 205º da Constituição e o princípio da reserva de juiz, consagrado no artigo 32.º, n.º 4, da Constituição, fundamentalmente por razões de economia processual e tendo ainda em conta que em processo penal, o Ministério Público “é mais propriamente um órgão de justiça que uma parte” (neste sentido os Acórdãos nº 223/98, 189/99, 396/2003, 391/2015 e 684/15, todos acessíveis in www.tribunalconstitucional.pt ).
Contudo, interessa ter presente os pressupostos que o TC tem enunciado para a conformidade constitucional.
Nos acórdãos nº 391/2015 e 684/15, o Tribunal considerou os seguintes argumentos  (transcrição):
“A tutela preventiva dos direitos fundamentais que o Juiz de Instrução Criminal desempenha impõe seguramente que ele ajuíze, de forma crítica e autónoma, as razões de facto e de direito invocadas pelo Ministério Público para promover a medida de prisão preventiva. Na verdade, só uma decisão que resulte de uma ponderação própria dá conteúdo material efetivo à reserva de juiz.
A satisfação, em grau máximo, desta exigência, só se dá quando o juiz ‘subjetiva’ a fundamentação da prisão preventiva [a decisão que estava em causa neste Acórdão n.º 391/2015], formulando, através de palavras suas, a convicção, que o determinou, de que qualquer outra das medidas de coação é inadequada e insuficiente. Quando assim é, fica patente aos olhos de todos, sem margem para qualquer dúvida, que estamos perante uma decisão pessoal do juiz, cujo conteúdo é da sua responsabilidade e não ‘preformatado’ pelo requerimento do Ministério Público. Como se deixou escrito no Acórdão n.º 189/99 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt): «(…) É óbvio que o despacho, que melhor espelha a responsabilização pessoal do juiz pela ordem de prisão que dá, é aquele em que o juiz enuncia, ele próprio, os motivos de facto da decisão tomada, em vez de se remeter para as razões invocadas pelo Ministério Público».
Mas a circunstância da fundamentação da decisão que coloca um arguido em prisão preventiva, proferida por um juiz, remeter para anterior promoção do Ministério Público, não permite, só por si, retirar a conclusão que ela não traduz uma opção livre, autónoma e independente do seu subscritor, uma vez que o quadro em que é feita a remissão pode revelar que a decisão tomada não deixou de ser o resultado duma ponderação própria. A adoção de tal técnica na exposição dos motivos que fundamentam a escolha dessa medida de coação pode significar que o seu autor considerou boas as razões que o Ministério Público invocou para fundamentar a sua proposta de decisão, pelo que as acolheu e fez suas, não tendo visto necessidade de recorrer a outras linhas de fundamentação ou de as expor em redação própria.
Só em concreto se poderá avaliar se a decisão proferida, neste ou em qualquer outro processo, pelo Juiz de Instrução Criminal é suscetível de originar dúvidas sobre se a mesma transmite um juízo autónomo e pessoal do seu subscritor ou representa um simples «’ir atrás’ do Ministério Público» (Acórdão n.º 189/99). E esse é um juízo que cabe exclusivamente às instâncias, não tendo o Tribunal Constitucional competência para o formular.
Quanto à observância do dever de fundamentação, o artigo 205.º da Constituição impõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente devam ser fundamentadas na forma prevista na lei.
Como é consabido e tem sido referido em variados arestos deste Tribunal, o cumprimento do dever de fundamentação das decisões judiciais pode assumir, conforme os casos, uma certa geometria variável, sendo entregue ao legislador ordinário a tarefa de definir as formas e o grau de fundamentação exigível.
Constitucionalmente é exigível que na fundamentação seja visível uma racionalização dos motivos da decisão, revelando-se aos sujeitos processuais e à comunidade o conhecimento das razões que subjazem ao concreto juízo decisório, devendo, para isso, a fundamentação revelar uma aptidão comunicativa na exteriorização das premissas que presidem à sua conclusão, assim como o respetivo juízo de valoração, de modo a transmitir, como condição de inteligibilidade, a intrínseca validade substancial do decidido. E numa decisão como a que decreta a prisão preventiva de uma pessoa, dado estar em causa a aplicação de uma medida que restringe de uma forma particularmente intensa o direito à liberdade do detido, a necessidade de observância daqueles requisitos faz-se sentir de uma forma mais intensa.
Contudo, tais exigências não ficam materialmente prejudicadas quando uma decisão que decrete a prisão preventiva, perante uma pronúncia anterior fundamentada sobre a questão a decidir emitida por um dos intervenientes processuais, designadamente o Ministério Público, remeta para as razões aí invocadas, subscrevendo um juízo que se considera totalmente adequado. Na verdade, nada impede que o resultado de uma avaliação crítica efetuada com total autonomia pelo julgador acabe por conduzir ao acolhimento integral dos argumentos explicitados previamente pelo Ministério Público, remetendo-se a fundamentação da decisão, por economia de meios, para aquela pronúncia, o que não deixa de permitir aos interessados e à comunidade o cabal conhecimento das razões determinantes do que se decidiu. Elas são as que foram avançadas pelo Ministério Público na sua promoção e que o juiz acolheu e declarou fazê-las suas, constituindo uma fundamentação cognoscível da decisão tomada.

E se é verdade que, estando em causa a aplicação de uma medida que restringe severamente o direito à liberdade, as exigências de explicitação da fundamentação são maiores, também é verdade que a necessidade dessa decisão ser proferida imediatamente ao termo do interrogatório do arguido e após audição dos intervenientes processuais, sem demoras nem hiatos que acarretem uma dilação desrazoável da decisão (vide acórdão n.º 135/2005, deste Tribunal, acessível em www.tribunalconstitucional.pt), justifica que se recorra a técnicas de fundamentação que privilegiem uma economia de meios.
Ou seja, o Tribunal não deixou de realçar que a verificação de uma ponderação própria e de um juízo autónomo e pessoal do juiz são essenciais para a conformidade constitucional da fundamentação do despacho judicial proferido em sede de instrução.
No caso em apreço, não está em causa nenhuma situação em que se imponha a celeridade processual própria da aplicação e manutenção da prisão preventiva, sendo inquestionável que o Ministério Público desempenha no arresto um papel distinto e, em princípio, conflituante com a entidade requerida e “objecto” da medida de garantia patrimonial.
Assim, sendo inequívoco o relevo de tutela dos interesses conflituantes de um incidente de arresto, aqui se incluindo as exigências da perseguição criminal, mas também, por outro, o direito de propriedade das pessoas visadas, o juiz não pode estar limitado nem vinculado apenas às afirmações produzidas na promoção do Ministério Público, nem mesmo por qualquer um dos restantes sujeitos processuais, devendo formar uma convicção própria dos elementos que lhe são apresentados.
Como se salientou no acórdão do TRL de 27-05-2016, proc. 324/14.0TELSB-S.L1-5, relator Vieira Lamim, in www.dgsi.pt,

Ao tribunal incumbe assegurar a defesa de direitos e interesses legalmente protegidos, no caso interesses patrimoniais relevantes (nº2, do citado art.202, da CRP), do que os destinatários poderão não ficar suficientemente convencidos com a simples adesão do julgador aos argumentos da parte contrária, por daí poderem resultar dúvidas sobre a independência constitucionalmente garantida (art.203, CRP).

Por outro lado, tal procedimento suscita, ainda, dúvidas sobre a efectiva garantia de um processo equitativo (art.20, nº4, CRP), o qual pressupõe, no âmbito jurisdicional, igualdade de armas, ou seja, paridade de condições entre as partes que reclamam justiça, o que não acontece quando o julgador adere acriticamente à posição de uma das partes, segundo as suas próprias palavras "…à qual me arrimo…", deixando sem resposta os argumentos aduzidos pela parte contrária.
Apesar da evidente complexidade dos problemas suscitados, designadamente quanto ao apuramento da factualidade relevante, formação da convicção, enquadramento jurídico, aqui se incluindo a opção sobre a aplicação da Lei no tempo, vemos que a decisão em apreço não contém uma apreciação autónoma do juiz sobre algum dos (muitos) fundamentos de facto e de direito invocados pela Massa Falida da R. Investments no requerimento da oposição.
Salvo melhor entendimento, é mesmo possível afirmar que não existe no despacho judicial uma afirmação sustentada que revele um raciocínio próprio do Exmº juiz de instrução quanto a qualquer um dos argumentos expostos pela Oponente ou, por outro lado, em que ele ajuíze, de forma crítica e autónoma, as razões de facto e de direito invocadas pelo Ministério Público. Aconteceu aqui o que não devia acontecer, ou seja, nas palavras do acórdão do TC 189/99, um mero “ir atrás” da posição expressa pelo Ministério Público.
Com a circunstância agravante de não ter havido exercício do direito ao contraditório pela Opoente perante a extensa e complexa argumentação do Ministério Público no despacho de 14 de Março de 2018.
Dir-se-á ainda o seguinte:
Como já exposto e por força do preceituado no artigo 97º nº 5 do Código de Processo Penal, todos os actos decisórios têm de ser fundamentados, entendendo-se expressamente que a fundamentação tem de conter a especificação dos motivos de facto e de direito em que se baseia a decisão.
Assim, embora sem ter de observar as exigências próprias de uma sentença, o despacho judicial que conhece a oposição ao arresto deve conter a enunciação, ainda que sucinta mas perceptível e completa, dos factos provados e não provados, bem como a exposição das razões em que se motivou a decisão de facto e a indicação das disposições legais em que se fundamenta, bem como a afirmação de um juízo autónomo sobre todas as questões suscitas na oposição.
No caso concreto, mesmo que considerando agora a “fundamentação” limitada à posição expressa pelo Ministério Público, temos de assinalar que se omitiu a análise dos documentos apresentados pela oponente e sempre haveria falta de fundamentação também porquanto se omitiu a fixação dos factos provados, a indicação dos eventos alegados pela oponente e não provados, a motivação da convicção, aqui incluindo o motivo da total irrelevância do teor dos depoimentos das três testemunhas inquiridas.
Afigura-se-nos que o procedimento de fundamentação por mera remissão para a posição expressa pelo Ministério Público e sem a formulação de um juízo autónomo e próprio pelo juiz, não permite supor que a oposição ao arresto tenha sido efectivamente examinada de forma equitativa por um tribunal independente e imparcial, com respeito pelos princípios da efectividade da defesa dos interesses da aqui oponente, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas, ínsitos no principio do processo equitativo e previstos nos artigos 20 nº 1 e nº 4 da CRP e 10º da DUDH.
O que leva a concluir que o despacho judicial de 12 de Julho de 2018 padece de irregularidade por desrespeito da obrigação de fundamentação. A irregularidade afecta a validade do acto praticado e foi suscitada em tempo (artigos 97º, nº 5, 123º nº 1, ambos do Código de Processo Penal).
Em consequência, merecendo provimento o recurso, deve ser revogado o despacho irregular e anulados os actos subsequentes dele dependentes, o que necessariamente tem de conduzir à revogação do despacho proferido em 24 de Setembro de 2018.
III - DISPOSITIVO
6. Pelos fundamentos acima expostos, acordam os juízes desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso de Massa Insolvente da Sociedade R. Investments S.A. e, em consequência, anulam o despacho de 12 de Julho de 2018, que deverá ser substituído por nova decisão, contendo a enunciação, ainda que sucinta, mas perceptível e completa, dos factos provados e não provados, a exposição das razões em que se motivou a decisão de facto e a indicação das disposições legais em que se fundamenta e a afirmação de um juízo autónomo sobre todas as questões suscitadas na oposição, incluindo a apreciação do relevo e o exame dos factos alegados pela Oponente e as provas juntas com a oposição ao arresto.
Ainda em consequência, fica anulada a decisão de 24 de Setembro de 2018 e prejudicada a apreciação das questões enunciadas em II.2 sob os nºs 4 a 8.
Sem tributação.

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2019.
Texto elaborado em computador e revisto pelos juízes desembargadores que o subscrevem.
                       
João Lee Ferreira
Nuno Coelho