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REGISTO DE AÇÕES
REGISTO PROVISÓRIO
CANCELAMENTO
Sumário
1. O registo provisório por natureza das ações é um registo essencialmente cautelar que, como a maior parte das inscrições desse tipo, constitui uma reserva de inscrição para o futuro, com a qual se salvaguardam os direitos não admissíveis imediatamente a registo definitivo. 2. O carácter cautelar do registo da ação, implica que a partir do momento desse registo, nenhum interessado possa prevalecer-se, contra o autor da ação, dos direitos que sobre o prédio venha depois a adquirir do réu, ou a registar se já adquiridos entretanto. 3. Assim, ao mesmo tempo que salvaguarda os interesses do autor, o registo da ação visa igualmente proteger eventuais interessados, informando-os para o facto de a titularidade registral a favor do réu, ou a existência ou inexistência tabulares de um direito sobre o prédio inscrito em nome deste, poderem vir a ser prejudicadas pela procedência da ação. 4. Por conseguinte, o registo da ação é como que a antecipação do registo da própria sentença transitada, em caso de procedência da pretensão do autor, e na medida dessa procedência. 5. A identificação entre o pedido do autor e a decisão final é de tal forma evidente que a procedência da ação não determina a abertura de uma nova inscrição registral, antes se procedendo ao averbamento de conversão em definitivo do registo inicial, tal como a improcedência leva ao cancelamento do registo. 6. É, aliás, através da conversão que o registo da ação conserva a prioridade que tinha como provisório. 7. Consequentemente, o cancelamento do registo provisório de uma ação apenas pode ocorrer se tiver por base um facto provocador da extinção da instância, como ocorrerá, nomeadamente quando: - o juiz conhece do mérito da causa, negando provimento à pretensão do autor; - o autor desiste do pedido; - as partes põem termo à causa por acordo, transigindo sobre o objeto do litígio; - o autor desiste da instância; - o juiz julga verificada alguma exceção dilatória determinante da absolvição do réu da instância; - o jui declara extinta a instância por deserção.
Texto Integral
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO:
António interpôs no Tribunal Judicial da Comarca da M, tendo sido distribuído pelo Juiz …, recurso do seguinte despacho da Conservadora do Registo Predial do F, datado de 15 de junho de 2016:
«O registo a que se refere a ap. 2534 de 2016.06.08 vai recusado nos termos do disposto no artigo 69 n.º 1 b) e 59.º n.º 5 do C. Reg. Predial.
Mantêm-se os motivos que determinaram a recusa do registo da ap. 2083 de 2016/05/04 com referência às fracções AS, BV, BW, BF e SN do prédio descrito sob o n° 000 da freguesia da S, concelho do F, com excepção dos relativos ao facto de ter sido, então, peticionado com referência ao prédio correcto.
Como então foi referido, o pedido apresentado consiste no cancelamento do registo da acção da ap. 28 de 2007/10/26 o qual foi inicialmente objecto de recusa, posteriormente lavrado provisoriamente por natureza nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 92.º do C. Reg. Predial e por dúvidas, em consequência da decisão proferida em sede de recurso hierárquico (processo R.P. …/… SJC-CT) e contencioso, e finalmente removidas as dúvidas ao abrigo da ap. 3208 de 2011/03/04.
Não obstante o teor da resposta à notificação para suprimento de deficiências, o pedido de cancelamento da acção não pode ser efectuado uma vez que o título apresentado consiste no despacho saneador, cujo conteúdo não consubstancia uma decisão de absolvição do réu do pedido ou da instância, nem tão pouco julga extinta a acção (como exige o acima citado n° 5 do artigo 59), o qual, manifestamente, não titula o registo peticionado.
Acresce que o pedido recebido por correio registado neste serviço na data supra referida, veio apenas acompanhado da importância de 50€ e o apresentante, apesar de notificado para o efeito, não entregou a quantia emolumentar em falta, o que igualmente determina a recusa do acto~ nos termos do artigo 69° n° 1 g)».
Alega o recorrente, em suma, que é «manifesta a ilegalidade do ato impugnado, por violação da força, eficácia e autoridade do caso julgado, dos despachos do TAF F, de 2015.06.17 e de 20115.12.22, bem como do acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa, de 2010.03.11, de normas e princípios constitucionais».
Conclui assim, o recurso interposto daquele despacho:
«Deve ser reparada a decisão constante do despacho da Senhora Conservadora do Registo Predial do F que recusou o “pedido de registo requerido pela apresentação n.º 2534, de 2016.06.08, referente o prédio 000 – freguesia da S (...), como confiadamente se espera, ou se assim se não entender, deve ser concedido procedimento à presente impugnação judicial, nos termos do disposto nos arts. 140.º e segs. do CRP, ordenando-se o cancelamento da Ap. 3208, de 2011.03.04 e consequente requalificação da Ap. 28, de 2007.10.26, como provisória por dúvidas».
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A Conservadora sustentou a decisão de recusa, alegando, em síntese, que o decidido sob o ponto VIII do despacho saneador referido na sua decisão de 15 de junho de 2016, não se enquadra em nenhuma das alíneas do n.º 1 do art. 89.º do CPTA, sendo, pois, uma decisão interlocutória, sem interferir no conflito de interesses entre as partes e, como tal suscetível de ser impugnada no recurso que venha a ser interposto da decisão final, nos termos do art. 142.º, n.º 5, do CPTA.
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O Ministério Público pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.
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Na subsequente tramitação dos autos, foi proferida sentença que julgou improcedente o recurso de impugnação judicial interposto contra o supra identificado despacho da Conservadora do Registo Predial do F, que recusou o pedido de cancelamento do registo relativo à Ap. 3208, de 2011.03.04, requerido pela Ap. 2534, de 2016.06.08.
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O recorrente não se conformou com essa decisão de dele interpôs o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações:
A – DOS ERROS DE FACTO E DE DIREITO
1ª. Pelo requerimento a que se refere a AP. 2534, de 2016.06.08, o ora recorrente apenas peticionou na Conservatória do Registo Predial do F o “cancelamento do registo relativo à Ap. 3208, de 2011/03/04”, pelo qual se procedeu à “remoção das dúvidas apostas ao registo da Acção – Ap. 28 de 2007.10.26” (v. Doc. 18, junto com a p.i.) – cfr. texto n.º s 1 e 2;
2ª. Contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, por remissão para o que erradamente consta do despacho de recusa impugnado, o ora recorrente não deduziu assim qualquer pedido de “cancelamento do registo da acção da ap. 28 de 2007/10/26” (v. fls. 10 da sentença), como bem se salientou no douto parecer do Ministério Público, de 2016.11.15, tendo a decisão impugnada desconsiderado por completo o sentido e teor literal da declaração formal que consta do referido requerimento (v. Doc. 18, junto com a p.i.; cfr. arts. 236º e 238º do C. Civil) – cfr. texto n.º s 1 e 2;
3ª. As pretensões formuladas por EW no requerimento apresentado no TAF F, em 2010.03.11, e que foi por este utilizado para remover as dúvidas apostas ao registo da acção (v. Docs. 7 e 8, juntos com a p.i.), foram expressamente indeferidas pelo douto despacho do TAF F, de 2015.06.17, já transitado em julgado (v. Doc. 18, junto com a p.i.) – cfr. texto n.º s 3 e 4;
4ª. Dado que foi definitivamente indeferido o referido requerimento, de 2011.03.02 (v. Doc. 7, junto com a p.i.), este não produz actualmente quaisquer efeitos jurídicos e é absolutamente insusceptível de “completar a acção, na parte que respeita ao pedido, que só pode acontecer no Tribunal donde dimana, de modo a que o registo tenha pleno sucesso” (v. Ac. Rel. de Lisboa, de 2010.03.11 - Doc. 6, junto com a p.i.), inexistindo quaisquer razões que justifiquem e permitam a manutenção do “registo relativo à Ap. 3208, de 2011/03/04”, pelo qual se procedeu à “remoção das dúvidas apostas ao registo da Acção – Ap. 28 de 2007.10.26” (v. arts. 619º e segs. do NCPC e art. 59º/5 do Cód. Reg. Predial) – cfr. texto n.º s 3 e 4;
5ª. A douta sentença recorrida, ao reproduzir e assumir os fundamentos invocados no despacho da Senhora Conservadora do Registo Predial do F, de 2016.06.15, que recusou o “pedido de registo requerido pela apresentação n.º 2534, de 2016.06.08, referente ao prédio 000 – freguesia da S” (v. fls. 10 e segs. da sentença), enferma assim de manifestos erros de julgamento, tendo violado frontalmente os arts. 20º e 205º da CRP, os arts. 619º e segs. do NCPC, os arts. 236º e segs. do C. Civil e os arts. 59º/5 e 140º e segs. do Cód. Reg. Predial – cfr. texto n.º s 1 a 5;
B – DA VIOLAÇÃO DO CASO JULGADO
6ª. As pretensões formuladas por EW no requerimento apresentado, em 2011.03.02 (v. n.º 9 dos FP e Doc. 7, junto com a p.i.), na sequência decidido no douto Ac. do Trib. da Rel. de Lisboa, de 2010.03.11, já transitado em julgado (v. Doc. 6, junto com a p.i.), e que foi utilizado pelo mesmo interessado para remover as dúvidas apostas ao registo da acção (v. n.º 10 dos FP e Doc. 8, junto com a p.i.), foram expressamente indeferidas pelo douto despacho do TAF F, de 2015.06.17, também já transitado em julgado (v. n.º s 9 a 13 dos FP e Docs. 9 a 12, junto com a p.i.; cfr. arts. 619º e segs. do NCPC) – cfr. texto n.º s 6 e 7;
7ª. No caso em análise não subsistem assim quaisquer efeitos do pretenso “aperfeiçoamento do petitório, na concretização dos registos a que se reportam os cancelamentos, dada a insusceptibilidade de serem publicitados”, conforme foi expressamente imposto pelo douto acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, de 2010.03.11 (v. Doc. 6, junto com a p.i.), sendo o requerimento apresentado por EW, em 2011.03.02 (v. Doc. 7, junto com a p.i.), que foi definitivamente rejeitado, absolutamente ineficaz e insusceptível de “completar a acção, na parte que respeita ao pedido, que só pode acontecer no Tribunal donde dimana, de modo a que o registo tenha pleno sucesso” (v. Doc. 6, junto com a p.i.) – cfr. texto n.º s 7 e 8;
8ª. A douta sentença recorrida, ao manter os efeitos registrais anteriormente produzidos pelos requerimentos apresentados por EW, em 2011.03.02 e em 2011.03.04 – remoção das dúvidas da Ap. 28, de 2007.10.26 (v. Docs. 7 e 8, juntos com a p.i.) –, violou assim a autoridade e eficácia do caso julgado do douto despacho saneador do TAF F, de 2015.06.17, e do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2010.03.11, e as premissas ou pressupostos fundadores do respectivo silogismo judiciário e decisão, neutralizando por completo o resultado material dos referidos arestos (v. arts. 20º, 205º e 268º/4 e 5 da CRP, arts. 173º e segs. do CPTA e arts. 619º e segs. do NCPC) – cfr. texto nº. 9;
9ª. A norma do art. 59º/5 do C. Reg. Predial, invocada na douta sentença recorrida para fundamentar a decisão proferida, sempre seria inaplicável in casu, máxime com o sentido e alcance normativos que lhe foram atribuídos, na medida em que impediria o “cancelamento do registo relativo à Ap. 3208, de 2011/03/04”, pelo qual se procedeu à “remoção das dúvidas apostas ao registo da Acção – Ap. 28 de 2007.10.26” e à consequente requalificação desta inscrição registral, não permitindo dar cumprimento e execução a decisões judiciais transitadas em julgado, violando frontalmente o disposto nos arts. 20º e 205º da CRP (cfr. art. 204º da CRP) – cfr. texto n.º s 10 e 11;
C – DOS EMOLUMENTOS DEVIDOS
10ª. Nos arts. 36º a 36º da p.i. e no articulado superveniente apresentado, em 2016.12.13, o ora recorrente invocou expressamente os fundamentos de facto e de direito que demonstram a ilegalidade do despacho de recusa impugnado, relativamente à questão do valor dos emolumentos que foram ilegalmente fixados, pelo que a douta sentença recorrida violou frontalmente o disposto nos arts. 140º e segs. do C. R. Predial e no art. 608º/2 do NCPC – cfr. texto n.º s 12 e 13;
11ª. O despacho de recusa impugnado sempre deverá ser revogado na parte em que decidiu que “o pedido recebido por correio registado neste serviço na data supra referida, veio apenas acompanhado da importância de 50€ e o apresentante, apesar de notificado para o efeito, não entregou a quantia emolumentar em falta, o que igualmente determina a recusa do acto, nos termos do artigo 69º n.º 1 g)” (v. Doc. 1, junto com a p.i.), pois:
iii. O pedido apresentado, em 2016.06.03, apenas tem por objecto o “cancelamento do registo relativo à Ap. 3208, de 2011/03/04”, pelo que é manifesto que, contrariamente ao decidido no despacho impugnado, o ora recorrente procedeu ao pagamento integral do emolumento devido pela prática do acto requerido, tendo o despacho sub judice violado o disposto no art. 21º do RERN, aprovado pelo DL 322-A/2001, de 14 de Dezembro, e no art. 69º/1/g) do Cod. Reg. Predial;
iv. No quadro da aplicação das mesmas normas – art. 21º do RERN – à mesma situação de facto, a Conservatória do Registo Predial do F exigiu ao requerente da Ap. 3208, de 2011.03.04, apenas o valor de € 100,00, como era devido, pretendendo cobrar ao ora recorrente, pelo cancelamento do mesmo registo, o valor de € 30.000,00, pelo que as condutas assumidas pela Conservatória do Registo Predial do F violam frontalmente os arts. 13º e 266º da CRP, os arts. 3º e 6º do NCPA, e o art. 21º do RERN – cfr. texto n.º 14.
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II – ÂMBITO DO RECURSO:
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objeto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Assim, perante as conclusões da alegação do apelante, neste recurso importa decidir se há lugar ao cancelamento da Ap. 3208, de 2011.03.04 e à consequente requalificação da Ap. 28, de 2007.10.26, como provisória por dúvidas.
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III – FUNDAMENTOS:
3.1 – Fundamentação de facto:
A sentença recorrida considerou provada a seguinte factualidade:
1. Em 2007.10.24, EW propôs ação popular no Tribunal Administrativo e Fiscal do F formulando os seguintes pedidos:
“I - declarar a nulidade do ato administrativo consubstanciado no alvará de licença de construção n.º …/….
II - Ainda que assim não se entenda, o que se admite mas sem nunca conceder, deverá ser decretada a sua anulação;
III - Em consequência, deverá ser ordenada a demolição de todo o edificado ilegalmente construído, denominado de “FC”, situado em F (S), bem como a reposição do local no seu estado originário;
IV - Ordenar o cancelamento de todos os registos incompatíveis com a procedência das pretensões que antecedem, nomeadamente o registo do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do F com o n.º …/…, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de F (S), com o n.º …, que resulta da anexação dos prédios descritos sob os n.ºs 71, 315, 316, 317, 318 e 1161 da referida Conservatória”.
2. EW requereu a inscrição registral da ação, na Conservatória do Registo Predial do F, através da Ap. 28, de 2007.10.26.
3. O requerimento de inscrição registral apresentado por EW foi objeto de despacho de recusa, do então Senhor Conservador do Registo Predial do F.
4. Não se conformando com o referido despacho de recusa, EW dele interpôs recurso hierárquico.
5. Por despacho do Senhor Presidente do Instituto dos Registos e Notariado, de 2008.06.30, foi homologado o parecer do Conselho Técnico, de 2008.06.25, concedendo-se provimento parcial ao recurso hierárquico interposto por EW do referido despacho de recusa e ordenando-se que a ação popular fosse inscrita provisoriamente por natureza e por dúvidas.
6. Não se conformando com o referido despacho do Senhor Presidente do Instituto dos Registos e Notariado, de 2008.06.20, EW dele interpôs recurso jurisdicional, que foi julgado improcedente pela douta sentença do Tribunal Judicial da Comarca do F, de 2009.07.17.
7. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2010.03.11, já transitado em julgado, foi julgado improcedente o recurso interposto por EW e confirmada a sentença do Tribunal Judicial da Comarca do F, de 2009.04.17.
8. No referido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2010.03.11 decidiu-se expressamente o seguinte: “No parecer do Conselho Técnico homologado, em 30 de Junho de 2008, pelo despacho do Senhor Presidente do Instituto dos Registos e Notariados e que mereceu o assentimento da douta sentença ora impugnada, a registabilidade da acção administrativa especial foi encarada como sendo subsumível à Lei (art. 3°, n.º 1, b) do C. R. Civil), atento pedido deduzido sob a alínea c). Todavia. Por não concretização dos registos a que se reportavam os cancelamentos, era a mesma efectuada por dúvidas (arts. 70° e 73° do C. R. Civil). Ora, não se pode afirmar. in casu, que a questão debatida no vertente recurso configura uma lacuna na Lei a precisar de analogia. A Lei existe e a sua aplicabilidade também. Há necessidade, porém, de aperfeiçoamento do petitório, na concretização dos registos a que se reportam os cancelamentos, dada a insusceptibilidade de serem publicitados. Mas isto não entra na substância (causa petendi) ou viabilidade da lide. Trata-se, por assim dizer de completar a acção, na parte que respeita ao pedido, que só pode acontecer no Tribunal donde dimana, de modo a que o registo tenha pleno sucesso, designadamente, nos cancelamentos a efectuar se tiver vencimento”.
9. Em 2011.03.02, na sequência da referida decisão judicial, para “afastar as dúvidas suscitadas pela Conservatória do Registo Predial do F” EW apresentou um requerimento no processo judicial pendente no TAF F, no qual declarou pretender proceder ao “esclarecimento e concretização do pedido formulado no ponto IV da petição inicial”, nos seguintes termos: “… o cancelamento de todos os registos incompatíveis com a procedência das pretensões que antecedem respeita, nomeadamente, ao cancelamento do averbamento de anexação (Ap. 10 de 2006/11/09) dos prédios n.ºs 71/19860806; 315/19940207; 316/19940207; 317/19940207; 318/19940207 e 1161/20010517, todos da Freguesia da S, F e que deu origem ao prédio actualmente descrito sob a ficha n.º 000 da S e à inutilização da descrição genérica (000 da S), das descrições anteriormente existentes e das descrições subordinadas, com o consequente cancelamento do registo da propriedade horizontal (Ap. 9/20071228), das inscrições hipotecárias (Ap. 62/20030703; Ap. 2/20070713; Ap. 7/20070109; Ap. 11/20061109; Ap. 35/20071109) e ainda de todos os registos dos direitos de propriedade que incidem sobre as fracções autónomas entretanto constituídas e demais registos lavrados por referência a essas descrições subordinadas”.
10. Através da Ap. 3208, de 2011.03.04, EW requereu e obteve na Conservatória do Registo Predial do F a “remoção das dúvidas apostas ao registo da Acção - Ap. 28 de 2007.10.26”, com base no “requerimento remetido no passado dia 2 de Março corrente, via SITAF, para o Tribunal Administrativo e Fiscal do F”.
11. Pelo despacho saneador do TAF F, de 2016.06.17, proferido no âmbito do Proc. …/…, foi indeferido o requerimento apresentado por EW, em 2011.03.02, com base nos seguintes fundamentos: “… Por requerimento entrado a 2 de Março de 2011 o Autor veio esclarecer e concretizar o pedido formulado em IV do seu articulado, nos termos seguintes: (...) que o cancelamento de todos os registos incompatíveis com a procedência das pretensões que antecedem respeita, nomeadamente, ao cancelamento do averbamento de anexação (Ap. 10 de 2006/11/09) dos prédios n.º s 71/19860806; 315/19940207; 316/19940207; 317/19940207; 318/19940207 e 1161/20010517, todos da Freguesia da S, F e que deu origem ao prédio actualmente descrito sob a ficha n.º 000 da S e à inutilização da descrição genérica (000 da S), das descrições (6) anteriormente existentes e das descrições subordinadas, com o consequente cancelamento do registo da propriedade horizontal (Ap. 9/2007 1228), das inscrições hipotecárias (Ap. 62/20030703; Ap. 2/20070713; Ap. 7/20070109; Ap. 11/20061109; Ap. 35/20071109) e ainda de todos os registos dos direitos de propriedade que incidem sobre as fracções autónomas entretanto constituídas e demais registos lavrados por referência a essas descrições subordinadas.
Invoca o Autor que o pedido de registo da presente acção foi parcialmente deferido, lavrando-se o registo como provisório. por Comarca da M Juízo Local Cível do F - …ª Secção Palácio da Justiça, Rua Marquês do F 9004-548 F Telef: 291213400 Fax: 291213499 Mail: F.judicial@tribunais.org.pt Proc.Nº …/… natureza e dúvidas, uma vez que não se concretizam os registos a que se reputa.
Para afastar as dúvidas colocadas é mister esclarecer e concretizar o pedido formulado no ponto IV da petição inicial (...) Esclarece que faz o esclarecimento do pedido indicado em IV do petitório nos termos do art. 273° n°2 do CPC (...)
(...) Atendendo ao que se referiu a concretização ou o desenvolvimento do pedido referido em IV, não tem razão de ser. De qualquer modo o pedido tal como está formulado/concretizado sempre seria inadmissível por não configurar uma concretização do pedido inicial.
Indefere-se a ampliação do pedido.”
12. Por requerimento remetido ao TAF F, em 2015.09.18, EW interpôs recurso jurisdicional da referida decisão singular.
13. Por despacho do TAF F, de 2015.12.22, já transitado em julgado não admitiu o recurso e procedeu além do mais à fixação do objeto do litígio nos seguintes termos: declarar-se a nulidade ou anulação do alvará de licença de construção n.º …/… e ordenada a demolição de todo o edificado ilegalmente construído, denominado de “F Centrum”, situado em F, ordenando-se a reposição do local no seu estado em que se encontrava e bem assim o cancelamento de todos os registos incompatíveis com a pretensão deduzida.
14. Pelo requerimento que deu origem à Ap. 2534, de 2016.06.08, foi peticionado o cancelamento do registo relativo à Ap. 3208, de 2011.03.04, tendo sido junta “cópia do requerimento de ampliação do pedido apresentado pelo A., EW, no Proc. …/…, em 2011.03.02, bem como certidão do despacho saneador do TAF F, de 2015.06.17, com nota de trânsito em julgado, proferido naquele processo”.
15. O despacho de “recusa do pedido de registo requerido pela apresentação 2534, de 2016.06.08, referente ao prédio 000 — freguesia da S”, apresentou os seguintes fundamentos: “O registo a que se refere a ap. 2534 de 2016.06.08 vai recusado, nos termos do disposto no artigo 69 n.º 1 b) e 59° n.º 5 do C. Reg. Predial.
Mantêm-se os motivos que determinaram a recusa do registo da ap. 2063 de 20 16/05/04 com referência às fracções AS, BV, BW, BF e SN do prédio descrito sob o n.º 000 da freguesia da S, concelho do F, com excepção dos relativos ao facto de ter sido, então, peticionado com referência ao prédio incorrecto.
Como então foi referido, o pedido apresentado consiste no cancelamento do registo da acção da ap. 28 de 2007/10/26 o qual foi inicialmente objecto de recusa, posteriormente lavrado provisoriamente por natureza nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 92° do C. Reg. Predial e por dúvidas, em consequência da decisão proferida em sede de recurso hierárquico (processo R.P. …/… SSC-GG) e contencioso, e finalmente removidas as dúvidas ao abrigo da ap. 3208 de 2011/03/04.
Não obstante o teor da resposta à notificação para suprimento de deficiências, o pedido de cancelamento da acção não pode ser efectuado, uma vez que o titulo apresentado consiste no despacho saneador, cujo conteúdo não consubstancia uma decisão de absolvição do réu do pedido ou da instância, nem tão pouco julga extinta a acção (como exige o acima citado n.º 5 do artigo 59°), o qual, manifestamente, não titula o registo peticionado.
Acresce que o pedido recebido por correio registado neste serviço na data supra referida, veio apenas acompanhado da importância de 50€ e o apresentante, apesar de notificado para o efeito, não entregou a quantia emolumentar em falta, o que igualmente determina a recusa do acto, nos termos do artigo 69° n.º 1 g)”.
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3.2 – Do mérito do recurso:
No dia 4 de março de 2016, ASH requereu na CRPF o «cancelamento do registo relativo à Ap. 3208, de 2011/03/04», requerimento esse que fez acompanhar dos seguintes elementos: “Cópia do requerimento de ampliação do pedido apresentado pelo A., EW, no Proc. …/…, em 2011.03.02, bem como certidão do despacho saneador do TAF F, de 2015.06.17, com nota de trânsito em julgado, proferido naquele processo”.
No referido requerimento apresentado na CRPF, de 4 de março de 2016, consta ainda, além do mais, o seguinte:
«O referido despacho[1] indeferiu definitivamente o requerimento de ampliação do pedido apresentado pelo A. naquela acção, EW, com base no qual aquele mesmo interessado obteve o registo da acção, através da Ap. 3208, de 2011/04/04».
Sobre esse requerimento que deu origem à inscrição «Ap. 2534 de 2016/06/08», recaiu o seguinte despacho da Conservadora do Registo Predial do F, datado de 8 de junho de 2016:
«O registo a que se refere a ap. 2534 de 2016.06.08 vai recusado, nos termos do disposto no artigo 69 n.º 1 b) e 59° n.º 5 do C. Reg. Predial.
Mantém-se os motivos que determinaram a recusa do registo da ap. 2063 de 2016/05/04 com referência às fracções AS, BV, BW, BF e SN do prédio descrito sob o n.º 000 da freguesia da S, concelho do F, com excepção dos relativos ao facto de ter sido, então, peticionado com referência ao prédio incorrecto.
Como então foi referido, o pedido apresentado consiste no cancelamento do registo da acção da ap. 28 de 2007/10/26 o qual foi inicialmente objecto de recusa, posteriormente lavrado provisoriamente por natureza nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 92° do C. Reg. Predial e por dúvidas, em consequência da decisão proferida em sede de recurso hierárquico (processo R.P. …/… SSC-GG) e contencioso, e finalmente removidas as dúvidas ao abrigo da ap. 3208 de 2011/03/04.
Não obstante o teor da resposta à notificação para suprimento de deficiências, o pedido de cancelamento da acção não pode ser efectuado, uma vez que o título apresentado consiste no despacho saneador, cujo conteúdo não consubstancia uma decisão de absolvição do réu do pedido ou da instância, nem tão pouco julga extinta a acção (como exige o acima citado n.º 5 do artigo 59°), o qual, manifestamente, não titula o registo peticionado.
Acresce que o pedido recebido por correio registado neste serviço na data supra referida, veio apenas acompanhado da importância de 50€ e o apresentante, apesar de notificado para o efeito, não entregou a quantia emolumentar em falta, o que igualmente determina a recusa do acto, nos termos do artigo 69° n.º 1 g)».
Este despacho foi judicialmente impugnado nos termos dos arts. 140.º e segs. do CRP, nos termos que os presentes autos documentam, nos quais foi proferida a sentença ora recorrida, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Pelo exposto, nos termos e fundamentos que antecedem o Tribunal julga improcedente o recurso de impugnação judicial, mantendo a decisão proferida pela Srª Conservadora do Registo Predial do F que recusou o pedido de cancelamento do registo relativo à Ap. 3208 de 2011.03.04 requerido pela Ap. 2534 de 2016.06.08».
A inscrição Ap. 3208 de 2011.03, tem o seguinte teor:
«AVERB. – AP. 3208 de 2011/03/04 (...) – Remoção de Dúvidas
(...)
Da APRESENT. 28 de 2007/10/26 – Acção
** Removidas as dúvidas mantendo-se a provisoriedade por natureza da alínea a) do n.º 1 art. 92.º.
Pedido: Que seja declarada a nulidade do acto administrativo consubstanciado no alvará de licença de construção n.º …/… e, caso assim se não entenda, que seja decretada a sua anulação. Em consequência, que seja ordenada a demolição de todo o edificado ilegalmente construído, denominado de “F Centrum”, bem como o cancelamento do averbamento de anexação (Ap. 10 de 2006/11/09) dos prédios 71/19860806 e 1161/20010517 da freguesia de SP… e 315/19940207, 316/19940207, 317/19940207 e 318/19940207 da freguesia da S, que deu origem ao actual n.º …/… S, e a inutilização da respectiva descrição genérica e das descrições subordinadas, com o consequente cancelamento do registo de propriedade horizontal (Ap. 09/20071228) das inscrições hipotecárias (Ap. 62/20030703); Ap. 02/20070713; Ap. 07/20070119; Ap. 11/20061109; Ap. 35/22071109) e ainda de todos os registos dos direitos de propriedade que incidem sobre as fracções autónomas entretanto constituídas e demais registos lavrados por referência a essas descrições subordinadas».
O art. 59.º, n.º 5, do CRP tem a seguinte redação:
«O cancelamento do registo provisório de ação e de procedimento cautelar é feito com base em certidão da decisão transitada em julgado que absolva o réu do pedido ou da instância, a julgue extinta ou a declare interrompida, ou em comunicação efetuada pelo tribunal, preferencialmente por via eletrónica, acompanhada de cópia daquela decisão e indicação do respetivo trânsito em julgado».
Sobre o cancelamento do registo provisório de ações, escrevem Rui Januário/António Gameiro, que «o autor pretende obter uma decisão de mérito. Se a obtém e é favorável, o registo provisório é convertido em definitivo. Se decai - se o réu é absolvido do pedido -, o registo deverá ser cancelado. Contudo, a instância pode ter um fim precoce face à pretensão do autor, e o juiz não chegar a conhecer do mérito da acção, absolvendo o réu da instância, que não do pedido, findando aquela. Como era nessa instância que assentava o registo da acção, este a priori não poderá subsistir, devendo ser cancelado. É certo que a absolvição da instância não obsta a que o autor proponha outra acção com o mesmo objecto. Nesse caso, é, todavia, uma nova acção, com uma outra causa, e, consequentemente, uma nova instância, que autoriza um novo, e outro, registo. Isto, em linhas gerais»[2].
Ainda sobre o cancelamento do registo provisório de ações, resulta das palavras de Jorge Seabra Magalhães, que o registo provisório por natureza das ações corresponde a um registo essencialmente cautelar. Como a maior parte das inscrições desse tipo, constitui uma reserva de inscrição para o futuro, com a qual se salvaguardam os direitos não admissíveis imediatamente a registo definitivo. O carácter cautelar do registo da ação, que não é senão o da pretensão do autor, implica que, a partir do momento desse registo, nenhum interessado possa prevalecer-se, contra o mesmo autor, dos direitos que sobre o prédio venha depois a adquirir do réu, ou a registar se já adquiridos entretanto. Deste modo, ao mesmo tempo que assegura os interesses do autor, o registo da ação tende igualmente a proteger eventuais interessados, alertando-os para o facto de a titularidade registral a favor do réu, ou a existência ou inexistência tabulares de um direito sobre o prédio inscrito em nome deste, poderem vir a ser prejudicadas pela pretensão do autor, caso obtenha ganho de causa. O registo da ação mais não é que a antecipação do registo da própria sentença transitada com a condição, claro, de que esta acolha o pedido do autor e dentro dos limites em que o acolher. A identificação entre o pedido do autor e a decisão final é tão manifesta que a procedência da ação não determina a abertura de uma nova inscrição, procedendo-se tão-somente ao averbamento de conversão em definitivo do registo inicial, tal como a improcedência leva ao cancelamento do registo. É, de resto, através da conversão que o registo da ação conserva a prioridade que tinha como provisório[3].
Temos, assim, que o cancelamento do registo provisório de uma ação apenas pode ocorrer se tiver como pressuposto um facto provocador da extinção da instância, como ocorrerá, nomeadamente, quando o juiz conhece do mérito da causa, negando provimento à pretensão do autor; quando o autor desiste do pedido; quando as partes põem termo à causa por acordo, transigindo sobre o objeto do litígio; quando o autor desiste da instância; quando o juiz julga verificada alguma exceção dilatória determinante da absolvição do réu da instância; quando o juiz declara extinta a instância por deserção.
Ora, no caso concreto, não resulta demonstrado que no Proc. n.º …/…, pendente no TAF do F tenha ocorrido algum daqueles factos, sendo certo que, contrariamente ao alegado pelo recorrente, não se coloca aqui a questão da extensão da autoridade do caso julgado decorrente do decidido no acima mencionado e parcialmente transcrito Ac. da R.L. de 11 de março de 2010.
Duas palavras, por isso, sobre o caso julgado material!
Dispõe o art. 202º da CRP que na administração da justiça «incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados», impondo o nº 2 do artigo 205º a obrigatoriedade das decisões judiciais para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades».
Como principal corolário da obrigatoriedade e da prevalência das decisões dos tribunais, surge o instituto do caso julgado, decorrendo da Constituição a exigência de que as decisões judiciais sejam, em princípio, aptas a produzir caso julgado.
Esse imperativo constitucional concretiza-se no «caso julgado material», que o art. 671º, nº 1, do CPC define desta forma: «Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º».
A definitividade na resolução do conflito de interesses, decorrente da força do caso julgado atribuída à decisão judicial que já não admite recurso ordinário ou reclamação, desdobra-se em duas vertentes:
a) por um lado, a questão decidida não pode ser de novo reapreciada (trata-se do campo próprio de atuação da exceção dilatória de caso julgado ou do efeito negativo do caso julgado);
b) por outro lado, o respeito pelo conteúdo da decisão anteriormente adoptada implica que não possa haver decisão posterior que a contrarie (o que se traduz a denominada autoridade do caso julgado ou o efeito positivo do caso julgado).
Na esteira do ensinamento de Alberto dos Reis[4], Manuel de Andrade[5] traça a fronteira entre as figuras da exceção e da autoridade do caso julgado, nestes termos: «O que a lei quer significar [nos arts. 500º e 501º do CPC/2013, correspondentes aos arts. 497º e 498º do CPC/95-96] é que uma sentença pode servir como fundamento de exceção de caso julgado quando o objeto da nova ação, coincidindo no todo ou em parte com o da anterior, já está total ou parcialmente definido pela mesma sentença; quando o Autor pretenda valer-se na nova ação do mesmo direito (...) que já lhe foi negado por sentença emitida noutro processo – identificado esse direito não só através do seu conteúdo e objecto, mas também através da sua causa ou fonte (facto ou título constitutivo). Esta interpretação permite chegar a resultados positivos bastante parecidos com aqueles a que tende uma certa teoria jurisprudencial, distinguindo entre a excepção do caso julgado e a simples invocação pelo Réu da autoridade do caso julgado que corresponde a uma sentença anterior, e julgando dispensáveis, quanto a esta 2.ª figura, as três identidades do artigo 498 (...)».
Posteriormente, a distinção entre os conceitos de «caso julgado» e «autoridade de caso julgado» veio a ser objeto de aprofundado estudo por parte de Teixeira de Sousa, cujas conclusões se sintetizam com a transcrição de dois pequenos trechos desse trabalho: «(…) A excepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a exceção de caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objeto duas vezes de maneira diferente (Zweierlei), mas também a inviabilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objeto duas vezes de maneira idêntica (Zweimal). (…) Quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de ação ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição da decisão antecedente. (…)»[6].
A distinção doutrinária entre os conceitos de «caso julgado» e «autoridade de caso julgado», veio a merecer o acolhimento do S.T.J. nos seguintes arestos: Ac. de 26.01.1994, BMJ, 433º, 515; Ac. de 19.02.1998, BMJ, 474º, 405; Ac. de 12.11.2009, proferido no Processo nº 510/09.4YFLSB, 6ª Secção; e ainda que lateralmente, no acórdão de 4.03.2008, proferido no Processo nº 07A4620.
Em suma, a fronteira entre as duas figuras define-se pelos seguintes fatores:
a) com a «exceção do caso julgado» visa-se evitar o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito, ao passo que a figura da «autoridade do caso julgado» tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda - o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida;
b) com a «exceção do caso julgado» visa-se evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior, ao passo que na «autoridade do caso julgado», o caso julgado material manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada[7].
Como consta da citação transcrita supra de Manuel de Andrade[8], a teoria que faz a distinção entre a exceção do caso julgado e a autoridade do caso julgado, considera «(...) dispensáveis, quanto a esta segunda figura, as três identidades do artigo 498 (...)». Esta tese tem tido acolhimento na jurisprudência, como se ilustra com o Ac. do S.T.J. de 13.12.2007[9], onde lapidarmente se decidiu: «A autoridade de caso julgado da sentença transitada e a excepção de caso julgado constituem efeitos distintos da mesma realidade jurídica, pois enquanto que a excepção de caso julgado tem em vista obstar à repetição de causas e implica a tríplice identidade a que se refere o artº 498º do CPC (de sujeitos, pedido e causa de pedir), a autoridade de caso julgado de sentença transitada pode atuar independentemente de tais requisitos, implicando, contudo, a proibição de novamente apreciar certa questão».
No mesmo sentido, veja-se o acórdão do STJ de 3.12.2009[10], onde se decidiu: «São realidades jurídicas distintas a exceção dilatória do caso julgado, que pressupõe a repetição de uma causa com identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (art. 498º do CPC) e a chamada excepção inominada da preclusão da dedução da defesa, que não exige tal identidade». No mesmo sentido, vejam-se os Acs. do S.T.J. de 6.03.2008[11] e da R.G. de 12.07.2011[12].
Serve a antecedente narrativa para se compreender que, efetivamente, a autoridade do caso julgado formado pela decisão do Ac. da R.L. de 11 de março de 2010, não se estende à situação ora em apreço.
O decidido nesse acórdão, desde logo, não configura nenhum dos pressupostos de que o art. 59.º, n.º 5, do CRP faz depender o cancelamento do registo provisório de uma ação.
E sem a verificação de qualquer um dos factos previstos nesse preceito, comprovado por certidão que ateste o respetivo trânsito em julgado, determinante do trânsito em julgado da respetiva instância, não pode colher a pretensão de cancelamento do registo provisório da ação.
A decisão recorrida, não merece, assim, qualquer censura, devendo ser mantida.
*
IV – DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso, confirmando, em consequência, a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Lisboa, 19 de fevereiro de 2019
Relator
José Capacete
Adjuntos
Carlos Oliveira
Diogo Ravara
[1] Reporta-se à decisão vertida no saneador datado de 17 de junho de 2018, proferido no Proc. n.º …/…, pelo TAFF. [2]Direito Registral Predial, Quid Juris, 2016, p. 219. [3]Estudos de Registo Predial e o Registo das Acções: a identidade registral do prédio, Almedina, 1986, pp. 24-25. [4] Cfr. Alberto dos Reis, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 80.º, p. 393 [5] Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, p. 320 [6]O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, in BMJ 325º, pp. 49 e ss. [7] Cfr. Teixeira de Sousa, ob. cit., pp. 49 e ss.. [8]Noções cit., p. 320. [9] Proferido no Proc. nº 07A3739, acessível em http://www.dgsi.pt. [10] Proferido no Proc. nº 8870/03.4TVLSB.L1.S1, acessível em http://www.dgsi.pt. [11] Proferido no Proc. nº 08B402, acessível em http://www.dgsi.pt. [12] Proferido no Proc. nº 4959/10.1TBBRG.G1, acessível em http://www.dgsi.pt.