EXPROPRIAÇÃO
DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA
ANULAÇÃO
RESTITUIÇÃO
Sumário

I- A anulação do acto de declaração de utilidade pública da expropriação tem como efeito a devolução de tudo o que foi entregue, devolução que apenas se consolida quando: sejam restituídos aos expropriados os bens expropriados ou valor equivalente; seja devolvido à entidade expropriante o valor entregue e depositado por esta.
II- Não deve ser ordenada a restituição do depósito à entidade expropriante, sem que, ao mesmo tempo, não se ordene a devolução aos expropriados do bem atingido pela DUP anulada.

Texto Integral

Rel. nº 67/06- 793
Procº 7161/06-2ª
Agravo
Porto - ..ªV-Pº ….-A/2002


Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

Relatório

A Câmara Municipal do Porto teve em curso processo de expropriação por utilidade pública urgente contra
B………………. e C…………………
na qualidade de proprietárias, e de
D……………………… e
E………………………,
na qualidade de arrendatários, com vista à execução do empreendimento denominado “F……………………..”.
Por despacho de 08/10/2002 considerou o Mm.º Juiz mostrarem-se depositadas à ordem do Tribunal as quantias determinadas como correspondendo aos valores arbitrados aos interessados, adjudicando à entidade expropriante a propriedade da parcela.
Houve recurso da arbitragem, pelo que os autos prosseguiram com a avaliação.
Entretanto corria nos Tribunais Administrativos a impugnação do acto que havia declarado a utilidade pública da expropriação, que veio a culminar com Acórdão tirado no Pleno do STA, que declarou a anulação do despacho da declaração de utilidade pública (d.u.p.) datado de 2000.
Desse Acórdão do STA foi interposto recurso pela Câmara Municipal do Porto para o Tribunal Constitucional.

Em função dessa actividade jurisdicional paralela, ordenou o Mmº Juiz do 5.º Juízo Cível a suspensão da instância.
O Tribunal Constitucional veio a negar provimento ao recurso, pelo que se considerou transitado em julgado o Acórdão do Pleno do STA que anulou o acto de declaração de utilidade pública ao abrigo do qual corria a presente expropriação.
O Mmº Juiz do ..º Juízo Cível do Porto declarou então cessada a suspensão e julgou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide.
Convidados a pronunciarem-se sobre as consequências dessa extinção veio o E……………….. alegar que lhe assistia o direito de reversão, em conjunto com outros interessados também expropriados, mas que a última palavra deveria competir à entidade expropriante, pelo que ficava a aguardar a sua iniciativa e decisão. - fls. 186.
Por seu turno, as expropriadas B…………………… e C………………….. pronunciaram-se no sentido da nulidade de todo o processo. - fls.189
A Câmara Municipal do Porto limitou-se a pedir o reembolso de todas as importâncias por si depositadas à ordem do Tribunal - fls. 194.
Em contraponto às posições assumidas, o E…………….. apresentou então um novo requerimento, onde chamou a atenção para o facto de a Câmara Municipal do Porto não se haver pronunciado sobre o pedido de reversão (que ele mesmo havia formulado) e, não obstante, pedir a Câmara o reembolso das quantias depositadas sem garantia de devolução da parcela no estado em que a mesma se encontrava e da do pagamento de indemnização em virtude da injusta desapropriação a que foram submetidos os expropriados.
As expropriadas B……………… e C………………….. sustentaram que extinta a instância esgotou-se o poder jurisdicional do Juiz, não podendo ordenar-se a entrega à entidade expropriante das quantias por ela depositadas até porque sinalagmaticamente as expropriadas estão sem as parcelas de terreno que se encontravam em expropriação, de que o Município tomou posse, transformando-as como quis, criando uma enorme alameda situada na zona oriental da cidade, o que causou já e continua a causar enormes prejuízos financeiros e de outras naturezas às expropriadas, não sendo neste processo que podem reivindicar as suas propriedades ou pedir uma indemnização.
A Câmara Municipal do Porto, por sua vez, continuava a sustentar que lhe assistia o direito de lhe ver reconhecido de imediato o reembolso, devendo no entanto todas as outras questões ser discutidas noutros processos. – fls. 199- ou julgar-se desde logo improcedente o pedido de reversão formulado pelo expropriado E………………... - fls. 207.
Quanto ao direito de reversão entendeu o Mmº Juiz que tal questão é da competência dos Tribunais Administrativos ( art. 5º e 74º do C. Expropriações )
Quanto à pretensão de imediato reembolso por parte da Entidade expropriante foi de igual modo indeferido o requerido, por se ter julgado extinto o poder jurisdicional do Tribunal com a decisão final que declarara extinta a instância (art. 666, nº1 do Código Processo Civil como serão todas as outras disposições legais infra citadas de que se não faça menção especial )
Com esta decisão não se conformou a Câmara Municipal do Porto que interpôs recurso que foi admitido como de agravo a subir imediatamente e nos próprios autos.
Alegou a Câmara Municipal do Porto tendo para o efeito nas alegações oportunamente apresentadas aduzido a seguinte matéria conclusiva que passamos a reproduzir:
1. No âmbito dos autos de expropriação a correr termos no tribunal a quo, a aqui Recorrente efectuou, como lhe competia, o depósito dos montantes arbitrados na Caixa Geral de Depósitos à ordem daquele tribunal.
2. Assim dando cumprimento ao disposto no n.º 1 do art, 51.°, do Código das Expropriações (CE), o qual foi aprovado pela Lei n.o 168/99, de 18 de Setembro.
3. Por Acórdão transitado em julgado proferido a 18 de Maio de 2004 pelo Supremo Tribunal Administrativo(1), foi anulado, por erro nos pressupostos, o despacho que declarou a utilidade pública urgente das parcelas constantes da denominado da planta cadastral do empreendimento F…………………..
4. Nas quais, se inclui, justamente, a parcela expropriada objecto dos autos de expropriação em primeira instância.
5. Desaparecido o elemento-chave da expropriação, bem esteve o juiz do douto tribunal a quo ao julgar de imediato extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide.
6. O objecto do presente recurso prende-se, nestes termos, com as consequências que advêm da extinção da instância relativamente ao processo expropriativo, designadamente na esfera jurídica da aqui Recorrente e ali Expropriante.
7. Nomeadamente, no que toca ao destino a dar aos valores já por esta depositados à ordem do tribunal a quo a título de indemnização a atribuir aos expropriados.
8. Saber se o montante depositado pela Expropriante lhe deve ser integralmente restituído ou antes deve permanecer à ordem do tribunal recorrido, é algo que se encontra intimamente relacionado com o apuramento dos efeitos da anulação contenciosa definitiva da declaração de utilidade pública.
9. Ora, a este respeito não restam dúvidas que a anulação do acto administrativo que declarou a utilidade pública urgente da expropriação acarreta a produção de efeitos retroactivos ou ex tunc.
10. Ficando assim sem efeito todos os actos praticados ab initio no processo judicial de expropriação.
11. Anulou-se pois, com efeito retroactivo, o aludido acta de depósito de valores indemnizatórios arbitrados efectuado pelo Expropriante à ordem do douto tribunal a quo.
12. A jurisprudência dos tribunais superiores já decidiu, com efeito, que “[d]esde que a instância se extinguiu, por impossibilidade (...) da lide, todos os actos processuais praticados, mesmo pelo juiz e transitados em julgado, ficam sem efeito, têm de ser eliminados, bem como os efeitos, pois sendo o processo a execução do acta administrativo, a sua validade e eficácia estavam dependentes do resultado do recurso directo de anulação interposto”.
13. Extinta a expropriação, nenhum sentido resta à manutenção do depósito efectuado pelo aqui Recorrente à ordem do tribunal a quo para garantia do pagamento da indemnização expropriativa, pois que o direito de indemnização devido pura e simplesmente desapareceu.
14. Não há assim razões plausíveis para sustentar que o referido montante se deve conservar à ordem do tribunal a quo nos cofres da instituição bancária depositária, sendo certo que tais valores não pertencem quer ao tribunal quer aos expropriados.
15. Já o Tribunal, noutra ocasião se pronunciou num sentido favorável relativamente a idêntica pretensão da formulada pelo aqui Recorrente, envolvendo os mesmos expropriados e a mesma área abrangida pela DUP anulada.
16. Basta recordar a sentença recentemente proferida no processo n.o 87/2002, a correr termos na 4.a Vara Cível, 3.a Secção do Porto, na qual se propalou que assiste inteira razão à entidade expropriante, devendo ser-lhe restituída a quantia depositada nos autos a título de indemnização pela expropriação.
17. A douta sentença proferida pelo tribunal recorrido, porém, indefere idêntica pretensão ali deduzida pelo aqui Recorrente, com o fundamento de que" extinta a instância, a consequência em termos processuais é a de que o poder jurisdicional do Tribunal se extingue de igual modo (art. 666, n.º 1 do CPCivil)".
18. Ora, a matéria da causa em relação à qual se extingue o poder jurisdicional do tribunal recorrido já se encontra inteiramente resolvida e decidida e não se ousa aqui contraditar o sentido de tal pronúncia.
19. Já se anulou a declaração de utilidade pública e consequentemente já se extinguiu a instância por impossibilidade superveniente da lide.
20. O que se discute neste momento são, antes, as consequências meramente de factum a extrair justamente da decisão - firme e final - proferida pelo douto tribunal recorrido.
21. Aliás, recorde-se que o despacho de fls.. de 19 de Abril último, proferido pelo juiz a quo, ordena as partes, justamente, para se "pronunciarem sobre as consequências dessa extinção, requerendo o que tiverem por conveniente".
22. Sendo certo que, de acordo com o artigo 289.°, n.º 1, do Código Civil, "tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado (...)"
23. Não pode o juiz do tribunal a quo eximir-se de ordenar essa restituição das prestações decorrente da extinção da instância, sob pena de cair na total inobservância do preceito citado.
24. Em boa verdade ainda, tal como se decidiu na douta sentença acima citada proferida pela 4.ª Vara Cível, 3.a Secção do Porto, "o dinheiro do depósito à ordem destes [daqueles] autos não pertence ao Tribunal nem aos expropriados, devendo ser restituído a quem de direito".
Termina requerendo que seja revogado o douto despacho recorrido, e se ordene o reembolso à Recorrente do saldo indemnizatório constante do depósito efectuado na Caixa Geral de Depósitos à ordem do tribunal a quo.
Contra-alegaram os expropriados E……………. (arrendatário) e B…………………… e C………………….. (proprietárias).
Correram os vistos legais dos Exmºs Juízes Adjuntos pelo que importa apreciar e decidir.

THEMA DECIDENDUM
A delimitação objectiva do recurso é feita pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal decidir sobre matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso, art. 684 nº3 e 690 nº1 e 3.
Da leitura das conclusões elencadas supra, há uma única questão a decidir que se traduz em saber se:
Em consequência da anulação pelos tribunais administrativos do acto de declaração de utilidade pública da expropriação, por que forma e em que condições deve a entidade expropriante reaver as quantias por si depositadas à ordem do Tribunal Comum com o objectivo de pagar aos ex-expropriados a justa indemnização

DOS FACTOS E DO DIREITO
Os factos a ter em consideração são os já supra indicados no Relatório.
Vejamos.
Como primeira observação importa reter que quer o processo de expropriação a correr no ..º Juízo Cível quer o processo de anulação da d.u.p. que correu termos nos tribunais administrativos se encontram findos.
No entanto, o processo do …º Juízo Cível findou como consequência da anulação da declaração de utilidade pública expropriativa.
De acordo com o disposto no art. 289.º nº1 do Código Civil “Tanto a declaração de nulidade como a anulação de negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.”
Há, portanto, neste tipo de obrigação um sinalagma:
Assim, “a devolução de tudo quanto fora entregue” só se consolida quando se verificarem simultaneamente as condições seguintes:
a) Sejam restituídos aos ex-expropriados e interessados os bens ex-expropriados ou valor equivalente.
b) Seja devolvido à entidade ex-expropriante o valor entregue e depositado por esta para dar pagamento aos ex-expropriados e demais interessados.
No caso em presença pretende a Câmara Municipal reaver o dinheiro depositado à ordem do Tribunal (efectuado para garantia de pagamento aos ex-expropriados), mas nada diz quanto à devolução aos ex-expropriados dos bens cuja titularidade ou fruição foram desapossados, e que ela mesma já transformou, modificando estruturalmente a sua função, de tal forma que a antiga parcela já não existe pois está hoje integrada numa Alameda da cidade.
Também não diz que vai renovar o pedido de d.u.p., nem sequer refere por que forma pretende restituir e quando o valor equivalente.
Nesse condicionalismo, e a ser deferida a pretensão, continuaria a Câmara Municipal a desfrutar de um bem que não sendo seu, (e que quisera integrar no seu património pela expropriação – sem o conseguir até ao momento), negando ao mesmo tempo, às ex-expropriadas e interessados a garantia de pagamento de indemnização, dada pelo depósito efectuado.
Pois bem:
Estatui o art 2º do CE/1999 que:
“Compete às entidades expropriantes e demais intervenientes no procedimento e no processo expropriativo prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos expropriados e demais interessados, observando, nomeadamente, os princípios da legalidade, justiça, igualdade, proporcionalidade, imparcialidade e boa fé.
Esses princípios seriam postos em causa se porventura fosse reembolsada a Câmara Municipal da quantia que depositou em garantia da indemnização pela expropriação, mantendo-se os expropriados e interessados privados do bem e a recolher deles as suas vantagens.
É certo que o dinheiro depositado não é pertença do Tribunal e também se não pode considerar como sendo já propriedade dos ex-expropriados e interessados, mas é uma garantia que foi dada aos então expropriados de pagamento de indemnizações tempestivas a que teriam direito pela perda do direitos sobre o bem e seus cómodos.
A cessação dessa garantia só deve consumar-se após devolução do bem no estado em que se encontrava (o que no caso parece impossível ou inviável), ou se porventura vier a verificar-se uma das seguintes situações:
a) for incluída em acordo ou decisão de direito privado quanto à aquisição do bem ou disposição desse montante;
b) for a parcela objecto de nova d.u.p. e procedimento expropriativo, operando-se então, em caso de litigiosidade, a transferência dessa importância para o novo processo.
O que não se pode, salvo o devido respeito, é ordenar a restituição do depósito à Câmara Municipal sem que ao mesmo tempo se não ordene a devolução aos ex-expropriados e interessados do bem atingido pela declaração de utilidade pública anulada.
Mas isso não pode ser ordenado porque não foi pedido.
E daí que seja inviável, no actual contexto, o deferimento da pretensão.
O que não nos parece válido é o argumento utilizado pelo M.º Juiz, assente no facto de a instância expropriativa se encontrar extinta.
A instância extinta estava ainda na fase declarativa, e o problema que nos é colocado punha-se ao nível da execução da decisão anulada.
Em face do exposto, embora por razões não coincidentes com as invocadas no despacho recorrido, o agravo terá de ser negado.

DELIBERAÇÃO
Nestes termos em face do que vem de ser exposto nega-se provimento ao agravo consequentemente se mantendo a decisão recorrida.
Custas pela Agravante

Porto 09 de Outubro de 2007
Augusto José B. Marques de Castilho
Henrique Luís de Brito Araújo
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
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(1) Acórdão do Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do recurso nº 47.693/02-20.