Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CONDOMÍNIO
OBRA NOVA
ABUSO DO DIREITO
Sumário
I- A colocação de uma marquise na varanda, construída em alumínio e vidro, após retirada de duas portas e janela contígua e duas pequenas paredes onde estas se apoiavam, constitui obra nova que afecta a linha arquitectónica do prédio e o arranjo estético do mesmo. II- Essa obra, levada a efeito sem autorização, viola o estatuto real do condomínio, ficando o seu autor obrigado à reconstituição natural. III- Porém, exigindo o condomínio a reposição apenas ao autor dessa obra e não aos demais condóminos que possuem no imóvel construções idênticas, também realizadas sem autorização, age com abuso do direito, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé.
Texto Integral
Processo nº 3390/07-2
Apelação
..º Juízo Cível do Porto –..ª secção - proc. ……/05.9 TJPRT
Recorrente – Condomínio da Rua B……………… nºs …. A…., Porto
Recorrido – C…………………..
Relator – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. Antas de Barros
Desemb. Cândido Lemos
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I – O condomínio da Rua B…………….., ….. a …., no Porto, representado pelo seu administrador, intentou nos Juízos Cíveis do Porto, a presente acção declarativa com processo sumário, contra C………………, pedindo que o réu fosse condenado a:
1. retirar a marquise que construiu;
2. reerguer as paredes que derrubou, impermeabilizando-as;
3. e a pagar uma quantia pecuniária nunca inferior a 100,00 € por cada dia de atraso no cumprimento da sentença.
Alega o autor para tanto e em síntese que o réu que é proprietário da fracção “BH” e durante o 2º semestre de 2004, sem autorização da Assembleia de Condóminos, derrubou paredes exteriores da fracção; construiu uma marquise na varanda da sala com estrutura em alumínio e vidro.
Que, por via de tais, obras foram eliminadas, pelo menos, duas paredes exteriores que delimitavam a varanda da sala; que com tal operação foi afectada, obviamente, a tela de impermeabilização e que tal facto poderá vir a provocar infiltrações de água e humidade, com os inerentes prejuízos para o condomínio.
Finalmente, tal marquise prejudica a linha arquitectónica e o arranjo estético do edifício, que nele é um elemento estranho.
*
O réu foi pessoal e regularmente citado e veio deduir oposição ao pedido formulado pedindo a sua absolvição do mesmo.
Para tanto alega que se limitou a repor as condições de habitabilidade da sua fracção, gravemente afectada pelo ruído automóvel proveniente da VCI; a exemplo de outros condóminos que, pelos mesmos motivos, taparam as suas varandas ou substituíram as caixilharias das suas janelas e portas exteriores por outras de vidro duplo ou por janelas duplas e que tapar a varanda com uma superfície vidrada foi a solução mais adequada para atenuar o ruído da circulação automóvel na VCI.
Mais alega que o guarda corpos da varanda, em tubos de ferro com 25 anos de idade, também estava podre e solto, com evidente perigo para os usufruidores da varanda.
Que se limitou à retirada de duas portas e janela contígua em vidro e respectiva caixilharia e bandeiras que davam acesso à varanda; colocação no parapeito dessa varanda, coberta pela lage e pala do piso superior, de uma superfície envidraçada numa estrutura metálica que tem o recorte das janelas exteriores do prédio e se insere perfeitamente na fachada deste.
Finalmente, invoca o réu, ainda, o abuso de direito por parte do autor, uma vez outros condóminos têm marquises e caixilharia dupla nas janelas; e que as grades colocadas nas lojas são todas diferentes.
*
O autor respondeu à matéria do alegado abuso de direito dizendo que não se verifica qualquer situação de abuso, pois a varanda do réu está na fachada oposta à VCI e todas as janelas e portas exteriores que existem estão voltadas para a VCI. Nunca nenhum condómino se atreveu a mexer numa parede exterior e que as grades das lojas existem por razões de segurança e são todas em cor preta e executadas em materiais análogos sempre em homenagem à harmonia estética do edifício.
*
Foi proferido despacho saneador e julgada simples a matéria controvertida nos autos foi dipensada a elaboração da listagem dos factos assentes e da base isntrutória.
*
Foi realizado o julgamento da matéria de facto com gravação em audio dos depoimentos nele prestados, após o que foi proferida a respectiva decisão que não mereceu qualquer censura das partes.
*
Finalmente foi proferida sentença onde se julgou a acção totalmente improcedente, por não provada, e consequentemente foi o réu absolvido do pedido contra ele formulado.
*
Inconformado com tal decisão dela recorreu o autor, pedindo que a sua revogação, e tendo junto aos autos as suas alegações, nelas formula as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem por objecto a reapreciação da prova gravada pretendendo-se, por isso, impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto no Tribunal recorrido.
2. Salvo melhor opinião, não houve correcta indicação, interpretação e aplicação do Direito aos factos considerados provados.
3. No presente recurso impugna-se a decisão sobre a matéria de facto, por se considerarem incorrectamente assentes os factos constantes dos pontos nºs 8, 11, 12, 13 e 16, todos dos factos provados.
4. E outros factos deveriam ter sido considerados provados e não o foram.
5. Os documentos juntos aos autos e os depoimentos prestados em audiência de julgamento impunham decisão diversa daquela que foi proferida sobre a matéria de facto.
6. A matéria dada como assente no ponto 8 engloba duas afirmações que não encontram sustentação em parte alguma dos autos.
7. Por um lado, não fundamenta a Meritíssima Juiz a quo por que razão considera que a construção não se encontrava preparada para o ruído provocado pelo volume e intensidade do tráfego naquela via.
8. Não há quaisquer documentos nos autos que atestem essa conclusão, nem tal resultou dos depoimentos prestados em audiência de julgamento.
9. Ao contrário, é do conhecimento geral que o prédio em causa foi construído pela “D………………” - como se vê até da certidão do registo predial junta aos autos (documento na 2 junto à petição inicial) - empresa sobejamente conhecida pela sua alta qualidade de construção.
10. Também não se encontra explicação para o facto de, alegadamente, o ruído provocado pelo volume e intensidade do tráfego naquela via atingir valores muito acima do máximo estabelecido no Regulamento Geral do Ruído.
11. De facto, várias questões se levantam: Qual o nível do ruído do tráfego? O que são “valores muito acima do máximo”? E qual é o máximo estabelecido no Regulamento Geral do Ruído?
12. Pelas razões expostas, a matéria constante do ponto 8 dos factos provados não deveria aí ter sido incluída, por absoluta falta de sustentação probatória e pela sua formulação conclusiva.
13. A respeito do facto do ponto 11, refere a Meritíssima Juiz a quo (a fls. 190 dos autos) que “não posso deixar de salientar que consta da acta de fls. 18 que: «O condámino da fracção 212 solicitou que ficasse registado em acta que o guarda corpos da sua varanda estava solto, deteriorado e, portanto, haveria perigo que se soltasse e caísse, podendo causar grave dano a quaisquer passante». Daí que alicerçado ainda noutros depoimentos tivéssemos acreditado que o da varanda dos réus também estivesse”.
14. Conclui-se do exposto que aquela ilustre julgadora deu como assente a matéria do ponto 11 por sugestão.
15. Na verdade, da prova gravada, não se vislumbra quais são aqueles outros mencionados depoimentos - ao contrário, por exemplo, a testemunha E………………… (Cassete nº 1, Lado B, nº 2284 a 2548, e Cassete nº 2, Lado A, nº 0005 a 0637) refere não se recordar do guarda-corpos da fracção do Apelado em concreto e a testemunha F…………….. (Cassete nº 2, Lado A, nº 1293 a 1902) não conhecia sequer a fracção antes das obras.
16. Por tais motivos, também a matéria constante do ponto 11 dos factos provados não deveria aí ter sido incluída, por não provada.
17. Nenhuma das testemunhas ouvidas ou dos documentos juntos aos autos apontam qualquer melhoria em termos de isolamento térmico em consequência da construção da marquise.
18. Por outro lado, e no que respeita à alegada diminuição do ruído na fracção, o certo é que o Relatório de Ensaio, realizado pelo Instituto Electrotécnico Português e junto aos autos pelo apelado, refere, quanto a este aspecto, que “não foi possível avaliar o impacto da VCI nas condições iniciais”.
19. Aquele relatório apenas estabelece a “comparação dos níveis sonoros com as janelas e marquise fechadas e abertas” o que “permite concluir que a medida de mitigação de ruido implementada permitiu obter uma atenuação considerável dos níveis sonoros existentes no local”.
20. E se a preocupação do recorrido fosse realmente a melhoria das condições térmicas e de ruído, então a solução mais eficaz passaria sempre pela manutenção da estrutura interna da varanda, que funcionaria como uma segunda protecção.
21. Pelos motivos apontados, deverá excluir-se a matéria constante do ponto 12 dos factos provados, por não provada.
22. A Meritíssima Juiz a quo baseia a inclusão da matéria do ponto 13 nos factos assentes em razão das testemunhas arroladas pelo recorrido terem afirmado que “a obra realizada não prejudica em nada a impermeabilização e que pode até beneficiar porque assim não se acumulam - não entram sequer - águas na varanda”.
23. Ou seja, fundamenta-se uma questão absolutamente técnica, e para a qual são necessários conhecimentos especiais - de arquitectura ou de engenharia civil - apenas em prova testemunhal leiga.
24. Por tal razão, a matéria constante do ponto 13 dos factos provados deverá daí ser retirada, por indevidamente sustentada.
25. O vertido no ponto 16 dos factos provados teve origem na matéria alegada pelo ora recorrido nos artigos 31º e 38º da sua contestação - que foram impugnados pelo recorrente.
26 Sobre tal assunto, não logrou o ora recorrido fazer qualquer tipo de prova - quer testemunhal, quer documental ou outra.
27. Por esse motivo, a matéria constante do ponto 16 dos factos provados deverá daí ser retirada, por não provada.
28. No artigo 10º da sua resposta, o ora apelante alegou que na fachada em que o recorrido levou a efeito as obras, nenhum outro condómino efectuou semelhantes alterações.
29. Tal afirmação foi confirmada por todas as testemunhas, até pelas arroladas pelo apelado - como consta da decisão quanto à matéria de facto em que se diz que estas últimas “foram unânimes em afirmar que existem outras marquises (não na fachada da fracção do réu, mas noutras fachadas) “.
30. As testemunhas G……………., H………………, I………………. e F………………. - únicas que se pronunciaram sobre esta matéria confirmaram aquela alegação.
31. Assim sendo, e por se tratar de matéria de facto relevante para a boa decisão da causa, deveria ter sido dado como provado que: Na fachada em que o recorrido levou a efeito as obras, nenhum outro condómino efectuou semelhantes alterações.
32. Na sua resposta (artigos 26º e 27º), o recorrente afirma que, após a realização das obras, o apelado solicitou que as mesmas fossem submetidas à apreciação da assembleia de condóminos.
33. Tal afirmação é suficientemente comprovada pelo teor do documento nº 4 junto à p.i. - carta do apelado dirigida ao mandatário do recorrente.
34. Com esse comportamento, o recorrido reconheceu - ainda que a posteriori - que as obras que realizou necessitavam da autorização da assembleia de condóminos.
35. Por tal motivo, e por se tratar igualmente de matéria de facto relevante para a boa decisão da causa, deveria ter sido dado como assente que: Após a realização das obras, o apelado solicitou que as mesmas fossem submetidas à apreciação da assembleia de condóminos.
36. Não obstante as apontadas incorrecções existentes na douta decisão sobre a matéria de facto, o certo é que, mesmo assim - com a matéria existente a douta sentença deveria ter tido um desfecho diametralmente oposto.
37. Há, pois, uma inédita e incorrecta indicação, interpretação e aplicação do Direito aos factos dados como provados.
38. Dá-se por reproduzida a matéria de facto dos pontos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 12, 13, 14 e 16, com relevância para boa decisão da causa.
39. A propriedade horizontal assenta no concurso de dois direitos: um de propriedade plena e exclusiva de cada condómino relativamente à sua fracção e outro de com propriedade de todos os condóminos sobre as partes comuns.
40. Nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 1.421º, do Código Civil, são, imperativa e forçosamente, comuns as paredes-mestras do edificio.
41. No que concerne às paredes exteriores, muito embora possam não ter uma função de aguentar cargas, têm de considerar-se também paredes-mestras.
42. De facto, paredes-mestras são também as que delimitam o perímetro da construção, dando-lhe corpo - por todos, referido Acórdão da Relação de Coimbra; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18.05.1999, in Colectânea de Jurisprudência do S.T.J., Tomo Il, a páginas 99 e seguintes; e Acórdão da Relação do Porto, de 17.01.2000, in Colectânea de Jurisprudência, Tomo I, a páginas 189 e seguintes.
43. É especialmente vedado aos condóminos prejudicar com obras novas a segurança, a linha arquitectónica ou arranjo estético do prédio - artigo 1.422º, nº 2, alínea a), do Código Civil.
44. E impõe a Lei que, para a realização de obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, seja necessária a obtenção da prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio – nº 3 do referido artigo 1.422º.
45. O Regulamento do Condomínio aqui em causa estatui, no seu artigo 11º, nº 1, que é proibido aos condóminos “proceder a trabalhos ou obras nas partes comuns (...) sem aprovação da assembleia de condomínio”.
46. Sendo igualmente proibido aos condóminos “alterar ou suprimir elementos da estrutura do edificio situados no interior de cada fracção ou, de algum modo, afectar o seu modo originário de construção” - conforme artigo 13º, nº 1, alínea f), do referido Regulamento.
47. No caso sub iudice, o recorrido alterou a disposição física da fracção, derrubando e mexendo em paredes e construindo a marquise.
48. Ficou provado (ponto 4 da matéria assente) que, com tal obra, o apelado aumentou a área da sua sala, que agora inclui também a zona anteriormente ocupada pela varanda.
49. Ora, as varandas são componentes da própria fachada do edificio em que se inserem, funcionando como autênticas paredes exteriores e delimitando o perímetro da construção.
50. Sem elas, quando existem, o edifício não está completo e retirá-las não pode qualquer dos condóminos, já que isso alteraria a estrutura do próprio prédio.
51. O facto de a varanda ser utilizada pelo condómino da fracção autónoma a que está directamente ligada não significa que a varanda - como tal esteja ao serviço exclusivo dele, visto que, sendo parte comum da própria fachada está, também, ao serviço de todos os outros condóminos.
52. Com a alteração introduzida, o recorrido aumentou a área útil da sua fracção e provocou uma desconformidade com a descrição predial e matricial - a fracção “BH” já não inclui uma varanda.
53. E a supressão da varanda não encontra qualquer justificação plausível nos autos - a implantação da marquise podia ser feita sem tal ablação.
54. A expressão linha arquitectónica, referida a um prédio urbano, significa o conjunto dos elementos estruturais de construção que, integrados em unidade sistemática, lhe conferem a sua individualidade própria e específica - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20.07.1982, in Boletim do Ministério da Justiça, 319-301.
55. Intervenções prejudiciais para o arranjo estético serão aquelas que afectam a beleza ou que prejudicam a unidade sistemática do imóvel.
56. E o facto de a noção de arranjo estético ter vindo a evoluir - como defende a Meritissima Juiz a quo e até se aceita - não significa que se adulterem obras do passado.
57. Qualquer criação artística terá de ser enquadrada pelo seu próprio tempo e criador e não pode ser vista à luz dos nossos dias.
58. Neste contexto, e salvo melhor opinião, a falada marquise prejudica a linha arquitectónica e o arranjo estético do edifício.
59. Isto porque ofende visualmente a unidade sistemática do conjunto, que foi previsto e projectado sem esse elemento.
60. O que levanta uma questão de violação do direito de autor do projectista do edifício - aspecto especialmente regulado pelo Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos e que impede, em traços gerais, que se introduzam alterações numa obra sem consulta prévia ao autor do projecto.
61. Na verdade, o edificio não foi concebido com esta marquise, que nele é um elemento estranho.
62. A Lei não faz sequer distinção entre as várias partes do edificio - v.g., entre as traseiras ou a frente - relevando apenas e só a alteração fisica, volumétrica e estética do prédio encarado e perspectiva do no seu todo arquitectónico.
63. Neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela (“Código Civil Anotado”, III, a página 371) e António Visco (“Le case in condominio”, I, a página 304) e referidos Acórdão da Relação de Lisboa, de 25.01.1996, e Acórdão da Relação do Porto, de 17.01.2000.
64. Quanto à questão da insonorização - e como já se disse - não sena necessário proceder à supressão da varanda para solucionar tal problema.
65. Como é do conhecimento geral - e todas as testemunhas confirmaram a insonorização da fracção poderia ter sido garantida mantendo a traça original.
66. Em conclusão, deveria o ora recorrido ter sido condenado a repor o statu quo ante, ou seja, a retirar a marquise que construiu, a repor a varanda que supnrmu e a reerguer as paredes que derrubou, impermeabilizando-as.
67. A douta decisão recorrida violou as disposições constantes dos artigos 516º, 653º, nº 2, do Código de Processo Civil, dos artigos 342º, nº 1, 1.421º, nº 1, alínea a) e 1.422º, nº 2, alínea a), do Código Civil, e dos artigos 56º, 59º, 60º e 198º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.
*
O réu/recorrido contra-alegou pugnando pela confirmação da sentença recorrida ou, a não se entender assim, ser julgada a acção improcedente com base no abuso de direito.
II – Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Da 1ª instância chega-nos assente a seguinte matéria de facto:
1. O réu é proprietário da fracção “BH” do condomínio autor, a que corresponde a habitação 51.
2. No segundo semestre de 2004 o réu efectuou na sua fracção obras, designadamente:
- colocou nova canalização de águas; instalação eléctrica nova;
- revestimento em azulejo das paredes da cozinha e copa; revestimento em marmorite dos quartos de banho e substituição das peças sanitárias;
- colocação de chão em madeira de parquet;
- substituição das janelas por outras que possibilitam a colocação de vidros duplos;
- e marquise na varanda de acordo com as fotografias de fls. 110, 182 e 183, cujos teores aqui dou por integralmente reproduzido; onde se constata o uso de vidro e alumínio da mesma cor das restantes janelas existentes no prédio.
3. Na zona da varanda (onde agora se encontra implantada a marquise) a obra consistiu na retirada de duas portas e janela contígua em vidro e respectiva caixilharia, bandeiras e duas pequenas paredes (com não mais de 20 em cada uma) onde tais estruturas se apoiavam e que davam acesso da sala à varanda; na colocação de parapeito nessa varanda, coberta pela laje e pala do piso superior de uma superfície envidraçada numa estrutura metálica que tem o recorte das janelas exteriores do prédio, tudo conforme fotografias de fls. 110, 182 e 183 dos autos.
4. Tal obra permitiu ao réu aumentar a área da sala, que agora inclui também a zona anteriormente ocupada pela varanda.
5. Recentemente o condomínio havia realizado nas paredes exteriores do prédio uma obra tendente à impermeabilização.
6. O réu não pediu prévia autorização à Assembleia de Condóminos para efectuar qualquer das obras que realizou.
7. O prédio onde se insere a fracção do réu é muito próxima da VCI (que não existia aquando da construção do prédio com cerca de 25 anos) que se encontra praticamente encostada à fachada poente do prédio; situando-se a fracção do réu na fachada Sul.
8. O ruído provocado pelo volume e intensidade do tráfego naquela via, para a qual a construção não se encontrava preparada atinge valores muito acima do máximo estabelecido no Regulamento Geral do Ruído.
9. No prédio do condomínio autor, designadamente naquela fachada poente, outros condóminos taparam as suas varandas e substituíram as caixilharias das suas janelas e portas exteriores por outras de vidro duplo ou por janelas duplas.
10. Como se constata pelas fotografias de fls. 182 e 183 as janelas formadas pela estrutura metálica da “marquise” têm o mesmo desenho e dimensões das restantes janelas da fracção e da fachada onde se insere.
11. O guarda corpos de protecção da varanda, em tubos de ferro com 25 anos de idade, estava podre e solto.
12. A marquise construída pelo autor melhora o isolamento térmico e diminui o ruído na fracção.
13. Bem como melhora a impermeabilização da fracção e da fachada do edifício, evitando infiltrações de água ou de humidade (como aconteceu em 2002 com a habitação situada no piso superior e que acabou por atingir a fracção do réu).
14. Nas outras fachadas do prédio foram construídas marquises semelhantes à da fracção do réu, sem que para tal tenha existido autorização da assembleia de condóminos.
15. Nas fachadas Nascente e Norte existem janelas com caixilharia dupla.
16. Na zona comercial as fracções apresentam grades no exterior, divergentes de loja para loja; e numa das fracções foi introduzida uma janela de correr.
17. (16-A) Nenhuma das marquises, janelas de caixilharia dupla, grades e janela de correr obteve autorização da Assembleia de Condóminos.
III – O âmbito do recurso é definido pelas conclusões das alegações, não podendo o tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que se trate de questões de conhecimento oficioso, cfr. artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do C.P.Civil, sendo ainda certo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, é o seu objecto delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida, pelo que são três as grandes questões a decidir nos autos:
1ª - Saber se houve erro manifesto, ou notório, na apreciação da prova no que concerne à decisão dos factos: 8º, 11º, 12º, 13º e 16º-A - provados, e 10º, 26º e 27º da resposta à contestação - não provados ?
2ª – Saber se, perante os factos assentes, o Direito foi correctamente aplicado na decisão recorrida ?
3ª – Saber se a actuação do autor constitui abuso de direito ?
*
No que concerne à modificabilidade da decisão da matéria de facto e tendo-se em atenção a situação concreta dos autos, dispõe-se no artº 712º do C.P.Civil que:
1. A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 690º-A, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
2. No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações do recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento a decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
De tal normativo resulta que, como refere F. Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 2ª ed., 2001, pág. 127, que «... o direito português segue o modelo de revisão ou reponderação ...», ainda que não em toda a sua pureza, porquanto comporta excepções, as quais se mostram referidas pelo mesmo autor na obra citada.
Ora, os recursos de reponderação, no ensinamento do Prof. Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudo Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 374, « ... satisfazem-se com o controlo da decisão impugnada e em averiguar se, dentro dos condicionalismos da instância recorrida, essa decisão foi adequada, pelo que esses recursos controlam apenas - pode dizer-se - a “justiça relativa” dessa decisão».
Por isso, havendo gravação da audiência de julgamento, como no presente caso ocorreu, temos que, nos termos do disposto no artº 712º nº 1 al. a) e nº 2 do C.P.Civil, o tribunal da Relação pode alterar a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto, desde que, em função dos elementos constantes dos autos (incluindo, obviamente, a gravação), seja razoável concluir que aquela enferma de erro.
Não nos podemos esquecer de que ao reponderar a decisão da matéria de facto, que, apesar da gravação da audiência de julgamento, esta continua a ser enformada pelo regime da oralidade (ainda que de forma mitigada face à gravação) a que se mostram adstritos, entre outros, o princípios da concentração e da imediação, o que impede que o tribunal de recurso apreenda e possa dispor de todo o circunstancialismo que envolveu a produção e captação da prova, designadamente a testemunhal, quase sempre decisivo para a formação da convicção do juiz; pois que, como referem A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed. pág. 657], a propósito do “Princípio da Imediação”, «...Esse contacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar. ...».
*
Posto isto, importa, agora, averiguar das razões do apelante quanto à pretendida alteração da decisão sobre a matéria de facto.
Em 1ª instância julgaram-se provados os seguintes factos:
- “8 - O ruído provocado pelo volume e intensidade do tráfego naquela via, para a qual a construção não se encontrava preparada atinge valores muito acima do máximo estabelecido no Regulamento Geral do Ruído”. – correspondente ao artº 8º da contestação;
- “11 - O guarda corpos de protecção da varanda, em tubos de ferro com 25 anos de idade, estava podre e solto”. – correspondente ao artº 13º da contestação;
- “12 - A marquise construída pelo Autor melhora o isolamento térmico e diminui o ruído na fracção”. – correspondente a parte do artº 15º da contestação;
- “13 - Bem como melhora a impermeabilização da fracção e da fachada do edifício, evitando infiltrações de água ou de humidade (como aconteceu em 2002 com a habitação situada no piso superior e que acabou por atingir a fracção do Réu)”. – correspondente ao restante artº 15º da contestação;
- “16-A - Nenhuma das marquises, janelas de caixilharia dupla, grades e janela de correr obteve autorização da Assembleia de Condóminos”. – correspondente ao alegado nos artºs 31º a 38º da contestação;
- o apelante entende que todos eles deveriam ser tidos por não provados, já que sobre os mesmos não foi produzida qualquer prova, e designadamente, sendo o facto nº 8 de formulação conclusiva; o facto nº 11, face à respectiva fundamentação, sido julgado provado “por sugestão” e o facto nº 13 por ser uma questão de natureza técnica nunca poderia ter sido julgado provado com base no depoimento de uma testemunha leiga na matéria.
*
Por outro lado, alega o apelante que os factos que alegou sob os artºs 10º, 26º e 27º da sua resposta à contestação devem ser julgados como provados; designadamente, o 1º com base nos depoimentos das testemunhas – G……………..; H………………….; I…………………….. e F…................, - e os segundos com base no teor do documento nº4, junto pelo autor com a p. inicial.
*
No artº 10º do referido articulado alegou o autor que: “Na fachada onde o réu levou a efeito as obras, nenhum outro condómino efectuou semelhantes alterações”. E nos artºs 26º e 27º alegou o autor que: “É verdade que o réu tenha solicitado que a obra por si realizada fosse submetia à apreciação da assembleia de condóminos, mas tal só sucedeu derpois de a obra ter sido executada, as paredes exteriores derrubadas e a marquise colocada”.
*
Em 1ª intância fundamentou-se do seguinte modo o julgamento da matéria de facto, designadamente no que concerne aos pontos que o apelante diz terem sido erradamente tidos por provados: “Para a formação da nossa convicção que está espelhada na decisão que acima ficou exarada, tivemos em atenção as fotografias de fls. 182, 182 e de fls. 110; os teores das cartas de fls. 28 a 32 que não foram impugnadas e espelham muito bem tudo quanto se passou e qual a obra realizada pelo Réu.
Tivemos ainda em conta, com leitura atenta, o teor das actas das assembleias de condóminos que se encontram a fls. 8 a 19, 145 a 159 (não podendo deixar de salientar a "lição de direito" contida na última acta junta).
Não posso também deixar de salientar que consta da acta de fls. 18 que: «O condómino da fracção 212 solicitou que ficasse registado em acta que o guarda corpos da sua varanda estava solto, deteriorado e, portanto, haveria perigo que se soltasse e caísse, podendo causar grave dano a qualquer passante». Daí que alicerçado ainda noutros depoimentos tivéssemos acreditado que o da varanda dos Réus também estivesse.
No que tange à prova testemunhal não podemos deixar de salientar o depoimento contido dizendo inicialmente que só existia a marquise do Réu; depois emendou falando daquela fachada e, depois ainda, que as marquises e caixilharias duplas que existem no prédio já existiam antes de ele para lá ir.
(...)
A testemunha H………………. que vive na fracção imediatamente inferior à do Réu (...) confirmou que existem outras marquises já feitas ... mas que não sabia quando haviam sido construídas.
As testemunhas arroladas pelo Réu (com excepção de J…………….), seus amigos e colegas, que conheceram a casa antes e depois da realização das obras, foram unânimes em afirmar que existem outras marquises (não na fachada da fracção do réu, mas noutras fachadas); (...); que havia mais ruído antes das obras do que existe agora; e que conhecem o prédio há cerca de 23 anos (testemunhas I……………….. e E………………..).
(...)
Por seu turno a testemunha J……………. que elaborou o estudo de ruído junto aos autos afirmou que a fracção nunca ficaria tão bem isolada colocando apenas vidros duplos na porta e janela que existiam na varanda, porque pela caixa de ar entraria sempre ruído.
*
No que respeita aos factos que o apelante quer agora ver julgados - provados temos que em 1ª instância foi assim fundamentada o seu julgamento como não provados: “Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa (....). Não se provou que todas as marquises e caixilharias de janelas e portas duplas se encontrem na fachada virada para a VCI”.
*
Ouvida, cuidadosamente, a gravação de todos os depoimentos prestados em audiência, intuindo dos silêncios, das frases incompletas, das indecisões, das contradições, dos diversos níveis das vozes, que resultam bem audíveis de todos os depoimentos gravados, julgamos que assiste alguma razão ao recorrente, pois a decisão de alguns factos em apreço, encontram-se eivadas de manifesto erro.
No que concerne ao facto alegado sob o artº 8º da contestação e dado por provado, na decisão recorrida, sob o nº 8, temos que o mesmo encerra duas questões: 1ª a de saber se “o ruído, provocado pelo volume e intensidade do tráfego na VCI e que chegava ao imóvel antes das obras realizadas pelo réu, atingia valores muito acima do máximo estabelecido no Regulamento Geral do Ruído?” e 2ª, a de saber se “a construção (o prédio autor) foi erigida de forma a poder coexistir, em termos adequados à habitação, com aquele ruído?”
Ambas as questões são de natureza técnica e não podem ser respondidas neste ou naquele sentido porque “assim parece assim ser ...”, ou porque “ o declarante é mais ou menos sensível...” ou porque “assim julga ser ...”.
Ora, na verdade e no que concerne ao nível de ruído produzido pelo tráfego da VCI, e que chegava à residência do réu antes da realização das obras, nada foi apurado nos autos, pois que o estudo do ruído junto aos autos foi apurou-o, ou no exterior do edifício, ou dentro da residência do réu com janelas e marquise abertas.
Logo, não se apurou o que se questionava, ou seja, qual o nível de ruído proveniente da VCI que chegava ao interior da fracção do réu quando esta estava dotada das portas e da janela existentes na varada do imóvel e datadas da construção do mesmo. Pelo que se não pode concluir também que esse nível de ruído está ou não muito acima do máximo estabelecido no Regulamento Geral do Ruído.
Por outro lado, não foi feito qualquer estudo específico, nem dos autos resulta assentes factos suficientes para se poder concluir que a construção do imóvel em apreço não está preparada para suportar, isolando, devidamente, para o seu interior, o ruído existente no exterior.
Pelo que, este facto – artº 8º da contestação - facto 8º dos factos assentes - tem de ser julgado por não provado.
O facto alegado sob o artº 13º da contestação e dado por provado sob o nº 11 na decisão recorrida, também não pode ser tido por provado.
Ao estado em que se encontraria o guarda-corpos existente na varanda do réu se referiu expressamente a testemunha E……………… declarando que: ... tinha guarda-corpos, mas não soube referir em que estado o mesmo se encontrava antes das obras levadas a cabo pelo réu...., e continuando, esclareceu que: ...os que lá estão agora (ou seja, os que existem nas demais fracções do prédio autor) estão todos podres ... . E também pela prova produzida nos autos, não ficou seguro qual a idade da construção do prédio autor, logo desconhece-se também qual a idade do referido guarda-corpos.
Por outro lado, não é possível ao julgador, como fez a 1ª instância “ in casu” dar por provado que o guarda-corpos da varanda do réu, tinha aquela idade e se encontraria podre e solto, porque em 21.02.2005, o condómino da fracção 212 fez consignar em acta (fls 8 a 19) que o guarda-corpos da sua varanda (fracção 212) se encontrava solto.
Destarte e sem necessidade de outros considerandos, o facto articulado sob o nº 13 da contestação – facto 11º da decisão recorrida – tem de ser julgado por não provado.
No que respeita ao facto alegado sob o artº 15º da contestação e dado por provado sob o nº 12º dos factos assentes, temos que em face da prova produzida nos autos, ninguém se pronunciou sobre se a marquise construída pelo réu melhora ou não o isolamento térmico da fracção, contrariamente ao sucedido relativamente à questão da diminuição do ruído, já que quanto a tal, várias testemunhas o declararam verificado.
No entanto, pode-se reputar tal facto como sendo de conhecimento geral. Ou seja, tendo sido fechada uma varanda com estrutura em alumínio e dotada de vidros duplos, a qual outrora apenas se encontrava separada do exterior do edifício por portas e janela, também em alumínio, mas dotadas de vidros simples, é do conhecimento da generalidade das pessoas que o vidro duplo tem muito e melhores capacidades isolantes, do ponto de vista térmico, impedindo muito mais eficazmente que o mero vidro simples, as trocas de temperatura existentes no interior e no exterior da fracção. Pelo que se mantém provado o facto alegado sob o artº 15º da contestação - facto 12º dos factos assentes.
Quanto ao facto alegado, também, sob o artº 15º da contestação e dado por provado sob o nº 13 da decisão recorrida, atento o que acime ficor referido quanto à questão do isolamento térmico, julgamos que o mesmo tem de ser reduzido à parte em que tem por assente que “(a marquise construída pelo réu) melhora a impermeabilização da fracção, já que por idênticas razões, a dita marquise dotada de vidros duplos, está como é do conhecimento da generalidade das pessoas, oferecerá um melhor isolamento em termos das possíveis entradas de humidade para a fracção do réu, do que era oferecido pela existência das antigas portas e janela dotadas de vidros simples.
No entanto, impermeabilização não se pode, legitimamente, estender à fachada do imóvel, pois não se vê como é que uma marquise o poderá fazer, quanto muito poderá proprocionar e melhores condições de isolamento à varanda que se situa por debaixo dela, o que é diverso do que foi tido por provado. Destarte, o facto 13º assente nos autos deve ser reduzido ao seguinte : “Bem como melhora a impermeabilização da fracção”.
Finalmente e no que respeita ao facto 16º-A da matéria assente e que se reporta aos factos articulados sob os artºs 31º a 38º da contestação, temos que visto o articulado resposta do autor, este aceita tacitamente que, à excepção das obras alegadamente realizadas na fracção “B”, as demais invocadas pelo réu não tiveram, para a sua realização, qualquer autorização da assembleia de condóminos.
Ora, dos autos resulta como foi consignado em 1ª instância que não se provou que as alterações efectuadas na fracção “B” tivessem sido autorizadas pela assembleia de condóminos, logo nenhum reparo há a fazer ao facto dado por provado sob o nº 16º-A que assim se mantém assente nos autos.
*
Vejamos agora os factos que o apelante diz terem resultado provados pela prova produzida nos autos e que por erro na apreciação dessa prova não vieram a ser julgados provados em 1ª instância.
Alegou o autor sob o artº 10º da resposta que: “Na fachada onde o réu levou a efeito as obras, nenhum outro condómino efectuou semelhantes alterações”.
Pelos depoimentos produzidos em audiência, designadamente os proferidos por G……………., H………………….e I……………….., os dois primeiros condóminos do autor e o 3º colega e visita de casa do réu, resulta manifesto que a varanda onde o réu levou a efeito a colocação da marquise se situa na fachada sul do imóvel (fachada oposta à VCI) e que nessa mesma fachada apenas existe construída a marquise do réu. No entanto, também foicou assente que noutas fracções viradas para essa mesma fachada foram feitas outro tipo de obras/alterações, como sejam, a colocação de vidros duplos e respectivos caixilhos....
Razão pela qual se pode dar por provado o seguinte facto: “Na fachada onde o réu levou a efeito as obras, nenhum outro condómino colocou marquise a fechar qualquer varanda. – facto nº 17º.
Por fim alega o apelante que os factos que alegou sob os artºs 26º e 27º da sua resposta se encontram assentes nos autos pelo teor do documento nº4 junto pelo autor com a sua p. inicial.
Visto o teor do referido documento e ainda o do junto a fls.145 a 159 dos autos, não nos restam dúvidas, nem tal é posto em crise pelo réu, que ele apenas em momento posterior à realização das obras solicitou à assembleia de condóminos a autorização/ratificação das mesmas.
No entanto, tal facto é totalmente inócuo para a decisão da questão em apreço nos autos, razão pela qual se indefere o solicitado pelo apelante.
Por tudo o acima exposto, procedem, parcialmente, as respectivas conclusões do apelante (1ª a 38ª) e consequentemente decide-se:
1. o facto alegado sob o artº 8º da contestação - facto 8º dos factos assentes – é suprimido dos factos assentes por ser julgado - não provado.
2. mantém-se provado nos autos o facto alegado sob o artº 15º da contestação - facto 12º dos factos assentes.
3. altera-se, por redução, o facto 13º assente nos autos, o qual passa a ser: “Bem como melhora a impermeabilização da fracção”.
4. mantém-se nos autos o facto assente sob o nº 16º-A.
5. adita-se o seguinte facto: “Na fachada onde o réu levou a efeito as obras, nenhum outro condómino colocou marquise a fechar qualquer varanda. – facto nº 17º.
*
Perante os factos assentes nos autos, com as alterações acima decididas, vejamos qual a solução de Direito.
Com interesse para a decisão, estão assentes nos autos, além do mais, os seguintes factos:
1. O réu é proprietário da fracção "BH" do condomínio autor, a que corresponde a habitação 51.
2. No 2º semestre de 2004, o réu efectuou na sua fracção obras, designadamente:
-colocou nova canalização de águas; instalação eléctrica nova;
-revestimento em azulejo das paredes da cozinha e copa; revestimento em marmorite dos quartos de banho e substituição das peças sanitárias;
-colocação de chão em madeira de parquet;
-substituição das janelas por outras que possibilitam a colocação de vidros duplos; -e marquise na varanda de acordo com as fotografias de fls. 110, 182 e 183, cujos teores aqui dou por integralmente reproduzido; onde se constata o uso de vidro e alumínio da mesma cor das restantes janelas existentes no prédio.
3. Na zona da varanda (onde agora se encontra implantada a marquise) a obra consistiu na retirada de duas portas e janela contígua em vidro e respectiva caixilharia, bandeiras e duas pequenas paredes (com não mais de 20 em cada uma) onde tais estruturas se apoiavam e que davam acesso da sala à varanda; na colocação de parapeito nessa varanda, coberta pela laje e pala do piso superior de uma superfície envidraçada numa estrutura metálica que tem o recorte das janelas exteriores do prédio, tudo conforme fotografias de fls. 110, 182 e 183 dos autos.
4. Tal obra permitiu ao réu aumentar a área da sala, que agora inclui também a zona anteriormente ocupada pela varanda.
5. O prédio onde se insere a fracção do réu é muito próxima da VCI (que não existia aquando da construção do prédio com cerca de 25 anos) que se encontra praticamente encostada à fachada poente do prédio; situando-se a fracção do réu na fachada sul.
6. Como se constata pelas fotografias de fls. 182 e 183 as janelas formadas pela estrutura metálica da “marquise” têm o mesmo desenho e dimensões das restantes janelas da fracção e da fachada onde se insere.
7. A marquise construída pelo autor melhora o isolamento térmico e diminui o ruído na fracção, bem como melhora a impermeabilização da fracção.
8. O réu não pediu prévia autorização à Assembleia de Condóminos para efectuar qualquer das obras que realizou.
*
Segundo o que se dispõe no artº 1422º nº2 al. e nº 3 do C.Civil que estabelece limitações ao exercício do direito dos condóminos, nas relações entre si - «É especialmente vedado aos condóminos:" prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício».
E «As obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tanto se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio».
Como anotam Pires de Lima e A. Varela in “C.Civil Anotado”, vol. III, pág. 366: o “nº 2 estabelece uma série de limitações aos poderes dos condóminos, cuja explicação se encontra, não nas regras sobre a compropriedade, mas antes no facto de, estando as diversas fracções autónomas integradas na mesma unidade predial, como propriedades sobrepostas ou confinantes, haver entre elas e no respectivo uso especiais relações de interdependência e de vizinhança. Desta última conexão deriva para cada um dos condóminos o direito de, em certas circunstâncias, obrigar os demais a realizar certas obras ou a abster-se da prática de determinados actos”.
Por “linha arquitectónica do edifício” deve entender-se o “conjunto de elementos estruturais e sistematizados que conferem à construção a sua individualizada específica”, aquela, “enquanto elemento individualizador de uma construção”, saindo, como é apodíctico, prejudicada pelas alterações ou inovações que coloquem em risco o equilíbrio visual, ou seja a aparência externa, ocorram elas na fachada do edifício onde se inserem, ou tenham sido levadas a cabo nas traseiras daquele, “pois a lei não faz qualquer distinção entre as diversas zonas ou áreas do edifício para tal fim”, cfr. Ac. do STJ de 25.05.2000, in CJ/STJ, Ano VIII, tomo II, págs. 80 e segs.
Está assente na nossa Jurisprudência que a “linha arquitectónica” a que se refere o artº 1422º do C.Civil, e as inovações a que se refere o artº 1425º do mesmo diploma, se reportam ao desenho inicial do prédio, ou seja, ao prédio tal como foi projectado, licenciado e construído, e não às situações de facto eventualmente existentes à data em que as alterações foram praticadas.
A expressão “arranjo estético de um edifício” como é defendido por Aragão Seia, ”refere-se, em especial, ao conjunto das características visuais que conferem unidade sistemática ao conjunto”, os novos elementos da fracção autónoma que podem afectar o arranjo estético do edifício tendo de “possuir visibilidade do exterior”, in “Propriedade Horizontal - Condóminos e Condomínios”, pág. 101).
Atentas as obras realizadas pelo réu na sua fracção, e designadamente a colocação de uma marquise na varanda, construída em alumínio e vidro, após a retirada de duas portas e janela contígua em vidro e respectiva caixilharia, bandeiras e duas pequenas paredes (com não mais de 20 em cada uma) onde tais estruturas se apoiavam e que davam acesso da sala à varanda, dúvidas não nos restam de que se tratam de obras feitas em parte comum do imóvel, ou seja, que atingiram uma parte comum deste – a sua fachada sul, cfr. artº 1421º al. a) do C.Civil.
Conforme foi referido no Ac.do STJ de 16.07.74, in BMJ 239-199, “será de considerar nova a obra que, apreciada em si mesma ou objectivamente, altere a edificação no estado em que foi recebida pelos adquirentes...». Ou, mais claramente, como se escreve no Ac. do STJ de 19.01.2006, in www.dgsi.pt: “ao projecto inicial do edifício é que há que atender!... Não ao “traçado arquitectónico” do edifício, filho da feitura de obras novas ilegais ...”.
No caso concreto dos autos, na fachada sul do imóvel, onde havia um vão que constituía a varanda da fracção, passou a existir uma a área coberta por uma estrutura de alumínio e vidro, tapando totalmente e rente à fachada do imóvel o referido vão.
Dúvidas não subsistem pois de que o réu realizou obra nova.
Sendo ainda evidente que a marquise ali e assim colocada pelo ré, afecta a linha arquitectónica do prédio e o arranjo estético do mesmo e nisso consiste o “prejuízo” a que se refere a al.a) do nº2 do artº 1422º do C.Civil. A fachada sul do imóvel passou a ter aspecto diverso ou passou a apresentar uma diferente configuração, relativamente à que tinha à data da sua construção.
Como se escreveu no Ac. desta Relação de 14.04.93, in CJ, Ano XVIII, Tomo 2, pág. 42 “prejuízo para a linha arquitectónica de um prédio existirá sempre desde que ela seja modificada”. Ou seja, qualquer modificação arquitectónica de um edifício, desde que não prevista no respectivo projecto, prejudica, em princípio, a linha arquitectónica do mesmo.
Pelo exposto é manifesto concluir, contrariamente ao que sucedeu em 1ª instância, que o fechamento da varanda da fracção do réu pela colocação de uma marquise feita em alumínio e vidro, tratando-se de uma inovação que, sendo realizada no interior de uma fracção autónoma, sem dúvidas que afecta partes comuns do edifício, prejudica a linha arquitectónica do imóvel autor, principalmente a sua fachada sul, onde se encontra implantada, assim como o arranjo estético do mesmo.
Como se viu as obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada pela maioria representativa de 2/3 do valor total do prédio, cfr. nº3 do artº 1422º do C.Civil.
No caso dos autos está assente que o réu não solicitou, previamente à realização de tais obras, e junto da assembleia de condóminos do edifício, autorização para as realizar.
O condomínio, como é patente por via da instauração da presente acção, não se conforma com a existência de tais obras, nem as ratificou, posteriormente.
Como vem sendo entendimento corrente na nossa Jurisprudências, as limitações impostas aos condóminos pelos artºs 1422º e 1425º do C.Civil, que constituem o chamado “estatuto real do condomínio”, quando violadas, só através da reconstituição natural podem ser repostas, ou seja, a violação de tais normas não pode ser substituída pelo pagamento de uma indemnização.
Assim, escreve Aragão Seia, in “Propriedade Horizontal”, pág. 106 que: “A sanção correspondente à realização das referidas obras novas é a destruição delas, isto é, a reconstituição natural, que não pode ser substituída por indemnização em dinheiro, ao abrigo do princípio da equidade estabelecido nos artº 566º nº 1 e 829º nº 2, porque este princípio só vale para o não cumprimento das obrigações em geral e não para a violação do estatuto real do condomínio em que estão em jogo regras de interesse e ordem pública atinentes à organização da propriedade, que bolem com os interesses de todos os condóminos do prédio”.
Pelo que no caso dos autos, deverá, em princípio, ser o réu obrigado, contrariamente ao decidido em 1ª instância, a retirar, às suas custas, a marquise em apreço e voltar a colocar a varanda da sua fracção no estado em que se encontrava antes da realização das obras.
Assim, procedem as respectivas conclusões das alegações do apelante.
*
Finalmente, vejamos a questão do alegado abuso de direito por parte do autor/apelante.
Como vem sendo vulgarmente qualificado, a figura do abuso de direito apresenta-se como válvula de segurança do nosso ordenamento jurídico.
Ora, segundo o disposto no artº 334º do C.Civil: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costume ou pelo fim social ou económico desse direito.”
Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil anotado”, vol. I, pág. 299, “o exercício de um direito só poderá ser ilegítimo quando houver manifesto abuso, ou seja, quando o direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça, traduzindo uma clamaorosa ofensa ao sentimento jurídico socialmente dominante.”
Segundo o Prof. Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, Tomo 1, pág, 241 e segs., “o abuso de direito representa a fórmula mais geral de concretização do princípio da boa fé, constituindo um excelente remédio para garantir a supremacia do sistema jurídico e da Ciência do Direito sobre os infortúnios do legislador e as habilidades das partes, mas com aplicação subsidiária, desde que não haja solução adequada de Direito estrito que se imponha ao intérprete aplicar”.
E segundo o Prof. Baptista Machado, in “Obra dispersa” vol I, págs. 415 a 418,
“o efeito jurídico próprio do instituto só se desencadeia quando se verificam três pressupostos:
1. Uma situação objectiva de confiança; uma conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura;
2. Investimento na confiança: o conflito de interesses e a necessidade de tutela jurídica surgem quando uma contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos se a confiança legítima vier a ser frustrada;
3. Boa fé da contraparte que confiou: a confiança do terceiro ou da contraparte só merecerá protecção jurídica quando de boa fé e tenha agido com cuidado e precaução usuais no tráfico jurídico”.
A figura do abuso de direito pode apresentar-se, na prática, em quatro formas-padrão ou modalidades de violação do princípio da boa fé, traduzidas: 1. na proibição de tomar, dolosamente, posições processuais ou “exceptio doli”; 2. a proibição de “venire contra factum propprium”; 3. a proibição de abuso de poderes processuais e 4. a dupla formada pela “surrectio” e pela “suppresio”.
E mais em pormenor :
O “venire contra factum propprium” acontece, por exemplo, quando uma situação de aparência jurídica é criada, em termos tais, que cria nas pessoas a legítima confiança ou expectativa de que a posição jurídica contrária não será actuada.
A “surrectio” ou surgimento, como oposto que é da “suppresio” ou neutralização, acontece quando uma pessoa, por força da boa-fé da outra parte, vê surgir na sua esfera jurídica uma possibilidade que, de outro modo, não lhe assistiria, cfr. Menezes Cordeiro, in obra citada, pág. 241 e segs.
A “suppresio” consiste na situação em que uma pessoa incorre quando, tendo suscitado noutra, por força de um não exercício prolongado, a confiança de que a posição em causa não seria actuada, não pode mais fazê-lo, por imposição da boa fé, implicando a demonstração, ainda que mínima, que da inactividade do lesado resultou uma expectativa fundada de que o direito não seria exercido .
*
Depois destas considerações gerais, vejamos o caso dos autos.
Ora, com interesse para a presente questão estão assentes nos autos os seguintes factos:
- No prédio do condomínio autor, designadamente na fachada poente, outros condóminos taparam as suas varandas e substituíram as caixilharias das suas janelas e portas exteriores por outras de vidro duplo ou por janelas duplas.
- Nas outras fachadas do prédio foram construídas marquises semelhantes à da fracção do réu, sem que para tal tenha existido autorização da assembleia de condóminos.
- Nas fachadas nascente e norte existem janelas com caixilharia dupla.
- Na zona comercial as fracções apresentam grades no exterior, divergentes de loja para loja, e numa das fracções foi introduzida uma janela de correr.
- Nenhuma das marquises, janelas de caixilharia dupla, grades e janela de correr obteve autorização da assembleia de condóminos.
Assim sendo, consistirá a presente actuação do condomínio-autor numa situação de “venire contra factum propprium” ?
Resulta dos factos assentes que o condomínio-autor quer perante o surgimento no edifício de várias marquises, semelhantes às do réu, erigidas em diversas zonas das suas fachadas, quer perante e perante a substituição de diversas caixilharias das janelas do prédio e de portas exteriores por outras de vidro duplo ou por janelas de vidro duplo, quer ainda pelo surgimento de grades no exteriores de lojas; obras essas que foram realizadas sem qualquer autorização da assembleia de condóminos, teve, objectivamente, no passado, uma actuação permissiva, inactiva, que legitimamente podia ser (e foi) entendida como uma tomada de posição em relação a qualquer situação idêntica e futuro.
Perante tal situação objectiva, criada pelo próprio autor, surgiu no réu a confiança legítima de que se eregesse na sua fracção, como fez, uma marquise idêntica às pré-existentes no imóvel, mesmo sem solicitar, para o efeito, prévia autorização à assembleia de condóminos, o condomínio não iria exercer, contra si, os direitos de acção consubstanciados no nº 3 do artº 1422º do C.Civil. E assim sendo, o réu decidiu investir na realização da tais obras, cuja demolição lhe acarretará naturais danos.
È patente que o réu ao assim confiar, agiu de boa-fé e com os cuidados e precuação que, no caso, lhe eram exigíveis.
Por tudo isto, não nos repugna considerar que o condomínio-autor ao exigir, apenas do réu, e não aos demais condóminos que possuem no imóvel construções idênticas à sua e realizadas também sem qualquer autorização da assembleia de condóminos, está a agir em abuso de direito, ou seja, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa-fé, na modalidade de “venire contra factum propprium”, o que obstaculiza o exercício do seu direito, pelo que se julga a acção improcedente e absolve-se o réu do pedido contra ele formulado.
IV – Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem esta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, por não provada, confirmando-se a improcedência da acção por razões diversas das insertas na sentença recorrida.
E assim, considerando que o apelante está a agir em abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum propprium”, julga-se a acção improcedente, absolvendo-se o réu/apelado do pedido contra ele formulado, revogando-se consequentemente, e pelas razões acima expostas, a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Porto, 2007.10.09
Anabela Dias da Silva
António Luís Caldas Antas de Barros
Cândido Pelágio Castro de Lemos