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PROVIDÊNCIAS CAUTELARES
CONTRADITÓRIO PRÉVIO
DEVER DE GESTÃO PROCESSUAL
Sumário
Nas providências cautelares sem contraditório prévio, o contraditório diferido é, na realidade um contraditório inexoravelmente “defeituoso”, na justa medida em que não permite ao requerido um contraditório pleno, nos moldes em que lhe seria possível exercer ao abrigo do disposto nos artigos 366º e 367º do Código de Processo Civil, o que demanda a procura de soluções interpretativas que, pese embora com reflexo na letra da lei, tendam a repor o equilíbrio das partes num procedimento cautelar sem audiência do requerido, quer ao nível dos meios de reação, quer dos meios de prova e das condições da respetiva produção, que permitam aproximar, tanto quanto possível, as condições em que se realiza a primeira audiência com aquelas em que se realiza a segunda. Tarefa que se impõe, desde logo ao juiz, designadamente no âmbito do dever de gestão processual a que alude o artigo 6º do Código de Processo Civil.
Texto Parcial
Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
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I.–RELATÓRIO:
Leonid K. intentou procedimento cautelar de restituição provisória da posse contra Alla L..., Petrs V..., Lev V... e Saava V... (sendo os últimos dois requeridos representados por sua mãe, Maria M...) solicitando que lhe sejam devolvidas a fracção autónoma designada pelas letras “CH”, inserida no bloco VIII de um prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado “Living Funchal”, sito à Rua ..., freguesia de Santa Luzia, Concelho do Funchal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o número x...-CH, e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo x..., e a fração autónoma designada pela letra “I”, inserida no bloco I de um prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado “Living Funchal”, sito à Rua ..., freguesia de Santa Luzia, Concelho do Funchal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o número x...-I, e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo x....
Decretada a providência e sendo ordenada a restituição provisória da posse, vieram os requeridos Lev V... e Saava V... deduzir oposição, alegando, em síntese, que o contrato-promessa em que o Requerente funda o seu direito é falso, por não ter sido assinado por Sergey V... e nunca este ter pretendido vender as frações em causa e que o Requerente nunca teve a posse das frações em causa, uma vez que estas eram usadas pelo referido Sergey V... para passar temporadas na Madeira com os filhos.
Mais alegam a falsidade do contrato, afirmando não ter sido assinado por Sergey V. e a nulidade do contrato, por falta de reconhecimento presencial de assinaturas nele apostas.
Por fim, alegam estar o Requerente a atuar em situação de abuso de direito – por ter aguardado mais de dois anos para exercer o seu direito - e a litigar de má-fé, por ter alterado, conscientemente, aquela que se revela ser a verdade dos factos ocorridos.
Exercendo contraditório às exceções assim deduzidas, o Requerente pugnou pela validade do contrato-promessa e salientou terem sido os contraentes quem, de forma expressa, renunciou às formalidades de reconhecimento das assinaturas, conforme cláusula nona do contrato-promessa de compra e venda. Veio então a ser proferido, em 23.03.2018, o seguinte despacho: “ Requerimentos entrados em juízo sob a Ref.ª Citius 2516188 (28136864), a fls. 281-379 e 2537106 (28258753), a fls. 386-390: No que respeita aos elementos de prova apresentados pelo Requerente, revelam-se os mesmos legalmente inadmissíveis.
Na verdade, permitindo o princípio do contraditório a dedução de articulado de resposta ao articulado de Oposição, não permite a proposição de novos meios de prova. – Neste sentido, vide António Geraldes in “Temas da Reforma do Processo Civil”, 2ª ed. Vol. III, pág. 260-261. Assim, por legalmente inadmissível, não se admite aos autos a junção dos documentos que instruem os requerimentos em causa. Assim sendo, por estranhos aos autos, desentranhe e devolva ao seu apresentante (cfr. artigo 443º, do Código de Processo Civil). Custas pela junção indevida de documentos a cargo do requerente, fixadas no seu mínimo legal admissível. *
Requerimentos entrado em juízo sob as Ref.ªs Citius 2535581 ( 28252019), a fls. 381-385 e 2555968 (28371549), a fls. 391: Através dos presentes requerimentos, pretendem os requeridos tecer considerações ao alegado pelo Requerente em sede de exercício de contraditório ao seu Requerimento de Oposição e, bem assim, aduzir novas alegações e considerações de direito e responder a documentos. Sustentam a sua apresentação no princípio do contraditório. O requerimento assim apresentado revela-se, contudo, legalmente inadmissível e não pode deixar de ser desentranhado. O princípio do contraditório, com consagração constitucional (artigo 32º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa), significa que nenhuma prova deve ser aceite em audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar. Ora, analisado o requerimento apresentado pelo Requerente, a que os Requeridos apresentaram a presente resposta, concluímos não ter aquele levantado qualquer questão nova ou adicional ao que já fora por si anteriormente referido, pelo que nenhuma situação de “indefesa” ou “surpresa” se constata estar presente nos autos. De referir que, não obstante a sua consagração constitucional, não deve banalizar-se a audição atípica e complementar das partes, não tendo o preceito em causa sido pensado para colmatar um eventual esquecimento de alegação ou reserva de argumentos escolhidos pela parte, não se devendo admitir que qualquer mutação do enquadramento determine o actuar desta audição complementar. Por outro lado, do regime instituído legalmente para o Procedimento Cautelar que consubstancia estes autos, resulta a inadmissibilidade de um quarto articulado e, bem assim, que o momento próprio para efectuar as alegações de facto e de direito se reconduzem ao Requerimento Inicial e ao Requerimento de Oposição. Os Procedimentos Cautelares configuram, precisamente, um dos casos em que o princípio do contraditório se mostra regulamentado em moldes excepcionais. Não se mostra, assim, lícito às partes que aduzam novos argumentos, em sucessivos requerimentos avulsos, sob pena de se desvirtuar aquele que foi o regime processualmente estabelecido para o Procedimento Cautelar de Restituição Provisória da Posse, não se vislumbrando que o direito ao contraditório seja, por isso, posto em causa. Assim, por consubstanciar resposta a requerimento apresentado em exercício do direito do contraditório legalmente inadmissível e, bem assim, por consubstanciar resposta a documentos cuja admissão foi indeferida, determino o desentranhamento dos referidos requerimentos e sua devolução à parte. Sem custas do incidente, face à sua simplicidade. *
Da arguida nulidade por não ter sido proferido despacho de indeferimento liminar do Requerimento Inicial: Invocam os Requeridos a existência de nulidade por, analisado o Requerimento Inicial, o Tribunal não ter proferido decisão de indeferimento liminar. Do expressamente preceituado pelos artigos 226º, n.º4, alínea b) e 590º, n.º1, alínea a), do Código de Processo Civil resulta que apenas em situações de vícios formais ou substanciais de tal modo grave que permitam antever, sem qualquer produção de prova, que jamais o processo poderá culminar numa decisão de mérito ou em que seja inequívoca a inviabilidade da pretensão apresentada pelo requerente, pode ser proferido despacho de indeferimento liminar do Procedimento Cautelar. – Neste sentido, vide Abrantes Geraldes, in Tema da Reforma do Processo Civil, III Volume, pág. 160-161. Ponderados os elementos juntos aos autos, o Tribunal proferiu despacho liminar tendo entendido, da ponderação do alegado com o acervo documental apresentado aos autos, que não estavam reunidas as condições que determinavam uma decisão de indeferimento liminar. Inexiste, assim qualquer omissão de despacho, essa sim, eventualmente, conducente a uma nulidade por omissão de pronúncia. Existindo despacho e não concordando os requeridos com o seu teor, a forma correcta de contra ele reagir seria com a apresentação de recurso. Assim sendo, considerando que, de acordo com o preceituado pelo artigo 195º, do Código de Processo Civil, apenas existe nulidade quando se pratica acto que a lei não admite, se omite acto ou formalidade de que a lei não prescinde e apenas quando a lei assim expressamente dita, concluímos – face ao alegado, aos elementos que instruem os autos e à concreta tramitação que aos mesmos foi conferida – pela inexistência de qualquer nulidade. Tudo ponderado, julga-se não verificada a arguida nulidade. *
Do requerimento probatório: Da prova documental, das informações e da prova pericial: Solicitam os requeridos que se efectue perícia à letra (tendo por objecto o contratopromessa de compra e venda), se oficie ao facebook (solicitando informações sobre logs e posts colocados naquela rede social), às entidade americanas (no sentido de aferir datas de entrada e de saída do Requerente naquele país, tendo por referência a data constante do contrato-promessa), se oficie ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal (no sentido de aferir da existência de registo de entrada, saída e/ou permanência do Requerente neste país, tendo por referência a data constante do contrato-promessa), se notifique o Requerente para que informe todas as contas bancárias que possui (no estrangeiro e em Portugal) e junte os respectivos extractos bancários, informe a identificação do seu representante fiscal em Portugal, junte aos autos os documentos de viagem que possuía em 2014 e em 2016 ( passaportes e cartões de embarque, identificando as respectivas companhias aéreas em que voou), junte aos autos o original do contrato-promessa e, bem assim, documento comprovativo da transferência do valor que alega ter pago aquando da assinatura do contrato-promessa em causa. Apreciando e decidindo. Os autos configuram Procedimento Cautelar de Restituição Provisória da Posse, o que significa que nos encontramos perante procedimento cuja prova se revela, necessariamente, indiciária e perfunctória, em que a decisão se mostra meramente instrumental e provisória e em que a tramitação se pretende célere e linear, seguindo as norma estabelecidas para os incidentes da instância (cfr. artigo 365º, n.º3, do Código de Processo Civil). É entendimento dominante, na jurisprudência e na doutrina, que nos procedimentos cautelares, atenta a necessidade de celeridade, a exigência a nível de prova, se basta com a simples verosimilhança, sendo o grau de exigência meramente «perfunctório», sendo que a decisão proferida no âmbito de um procedimento assume uma força precária que não pode influenciar, de modo algum, o juiz que vai apreciar a acção definitiva. Tendo em mente o que se deixa exposto - e cotejando-o com a circunstância de nos encontrarmos em sede de Procedimento Cautelar de Restituição Provisória da Posse [cujo pressuposto essencial é a qualidade de possuidor (que não, necessariamente, de proprietário), a existência de esbulho e de violência], entendemos que os meios de prova solicitados pelo Requerido e supra mencionados não se revelam, por um lado, consonantes com a natureza perfunctória e célere do presente procedimento cautelar e, por outro lado, não se mostram essenciais à sua boa decisão, não justificando – no confronto do direito à privacidade e ao sigilo com o direito à defesa – a devassa da privacidade do Requerente em tão longa extensão como a que se mostra requerida. Com efeito, pretendendo os Requeridos comprovar que o Requerente não se encontrava em Portugal para poder assinar o contrato em questão, mostra-se suficiente que se oficie ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras no sentido de saber se possui registo de entrada, saída e permanência do Requerente no dia em questão. As restantes informações (quer de entidades estrangeiras, de entidades oficiais portuguesas, quer do próprio Requerente) não só pela morosidade que obtê-las traria aos autos, mas também pela sua natureza, revelam-se desnecessárias pois que se mostrará, em face da informação assim veiculada, inócuo saber em que companhias aéreas o Requerente viajou, que documentos possui para viajar, se postou no facebook, o que postou no facebook e se estava nos estados Unidos (porque o que importa aferir é se estava em Portugal e essa informação poderá ser através das Autoridade Portuguesas). No que concerne às contas bancárias, sua localização e identificação, igualmente se entende que tais elementos se revelam – face ao que os Requeridos pretendem comprovar (a inexistência de pagamento) – desnecessários à decisão da causa, mostrando-se suficiente a notificação do Requerente para juntar documento comprovativo da por si alegada transferência bancária do preço. Quanto aos documentos fiscais do Requerente e cumprimento das obrigações fiscais por parte do Requerente, igualmente não se vislumbra – para aquele que configura o âmago do presente procedimento cautelar, qual seja, a prova de existência de posse, esbulho e violência – a relevância de tais elementos. Essencial, no âmbito de prova perfunctória e indiciária, é que se prove a existência (ou inexistência) de posse, esbulho e violência, sendo que aquela pode existir sem propriedade. Razão pela qual, face à natureza meramente indiciária deste Procedimento e àquele que é o seu cerne, se considera não essencial a presença de documentos comprovativos do cumprimento fiscal das obrigações decorrentes de uma compra e venda, pois que essencial é a existência de posse (e quanto a essa, tais obrigações não existiriam). No que respeita à perícia à letra, em face da morosidade que tal meio acarreta e tendo em consideração que essencial nos autos é a prova da posse (e não da propriedade), pelo que essencial se revela comprovar a traditio, entendemos que tal meio de prova se não revela essencial ao conhecimento dos autos cautelares. Indeferindo-se a prova pericial, igualmente se indefere a requisição de documentos à Conservatória, na medida em que os mesmo apenas serviriam para termos se comparação de escrita o que, face ao decidido, não será efectuado. Tudo ponderado, por se considerar como não essenciais à boa decisão do presente procedimento, por não se compaginarem com aquela que configura a natureza destes autos (célere, perfunctória, com critérios de prova de verosimilhança e com decisão de natureza provisória,) e por tais meios de prova configurarem verdadeira situação de desvirtuamento do procedimento cautelar (por estarem os requeridos a tentar carrear aos autos cautelares elementos de prova necessários ao julgamento final mas não ao julgamento cautelar, face àquele que configura o seu cerne e supra se deixou já explanado), indeferem-se os requerimentos de prova documental, de informações, com excepção dos que concernem à junção do original do contrato promessa de compra e venda, da ordem de transferência do preço e de comunicação do SEF, no que respeita à entrada, saída e permanência em território português no dia constante do contratopromessa.
Pelo exposto, determina-se:
- Se oficie ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, solicitando que informe se possuem registo de entrada e de saída do Requerente em território português durante o período de 01 de Abril a 30 de Junho de 2014 e do registo de fronteira pelo qual acedeu ao espaço Schengen;
- Se notifique o Requerente para que, em dez dias, junte aos autos o original do contrato promessa por si apresentado com o requerimento inicial e o original do comprovativo da transferência bancária realizada aquando da celebração de tal contrato. *
Da prova testemunhal: Solicitam os Requeridos a reinquirição das testemunhas ouvidas em sede de audiência final. Como expressamente resulta do preceituado pelo artigo 372º, n.º1, alínea b), do Código de Processo Civil, a oposição à decisão proferida em sede cautelar, tem por objectivo a análise e prova de novos factos, susceptíveis de pôr em causa a convicção anteriormente formada e os factos anteriormente considerados como provados. Não se trata, pois, de facultar ao mesmo tribunal a reapreciação da decisão, a partir dos mesmos elementos, mas de conferir a possibilidade de revisão da convicção anteriormente formada, através de novos meios de prova ou de novos factos com que o tribunal não pôde contar. Assim sendo, sem prejuízo de o Tribunal, se o julgar conveniente, recorrer aos depoimentos registados aquando da realização da primeira diligência, a fim de melhor ponderar a decisão e valorar os meios de prova produzidos, a segunda fase de produção de prova deve ficar limitada à audição das testemunhas ou à apreciação de outros meios de prova exclusivamente apresentados pelo Oponente. - Abrantes Geraldes, in Tema da Reforma do Processo Civil, III Volume, págs. 256 e 261. Em face do exposto, por legalmente inadmissível, indefere-se a requerida reinquirição das testemunhas ouvidas em sede de audiência final. *
Solicitam os Requeridos a possibilidade de inquirição de testemunhas para além do número máximo admitido pelo artigo 295º, do Código de Processo Civil, alegando a complexidade da questão em análise nos autos. Analisada a alegação factual em causa e aquela que efectivamente se integra como sendo o cerne factual a apurar nestes autos de Procedimento Cautelar de Restituição Provisória da Posse, entendemos que a matéria em discussão não assume especial complexidade nem apresenta extensão relevante que justifique a aplicação do preceituado pelo artigo 511º, n.º4, do Código de Processo Civil, introduzindo um regime de excepção nestes autos. Com efeito, o limite do número admissível de testemunhas regula o exercício do direito à prova e tem por finalidade garantir a obtenção de uma verdade judicial, em tempo útil, mediante a participação interessada das partes, em recíprocas condições de igualdade, perante um julgador imparcial, para que reúna, desse modo, as condições necessárias a que seja uma verdade legítima e justa. É no equilíbrio e razoabilidade dessa regulação que se conciliam os princípios do direito ao acesso à jurisdição, da tutela jurisdicional efectiva, da duração razoável e útil do processo e do processo equitativo”, não se mostrando reunidos, in casu, circunstâncias excepcionais que justifiquem o afastamento da regra geral. – Neste sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20-11-2012, com o número de processo 49/11.TVLSB-B.L1-7, disponível in www.dgsi.pt. Em face do exposto, por não se considerar existir especial complexidade que o justifique e ponderando o preceituado pelo artigo 511º, n.º 1 e 294º, n.º1, ambos do Código de Processo Civil, admite-se aos autos o rol de testemunhas apresentado a fls. 380, tendo-se por não escritos os nomes das testemunhas arroladas a partir do número seis (cfr. artigo 511º, n.º3, do Código de Processo Civil). As testemunhas deverão ser, como requerido, notificadas para comparecer. *
Das declarações de parte: Considerando o preceituado pelo artigo 453º, n.º1 do Código de Processo Civil, aplicável in casu ex vi do disposto pelo artigo 466º, n.2, do mesmo Código, cotejado com o previsto pelo artigo 15º, do mesmo Código, por legalmente inadmissível indefere-se a requerida tomada de declarações de parte aos menores Lev e Savva V. No que respeita ao pedido de declarações de parte, através da sua representante legal Maria M..., face ao preceituado pelo artigo 453º, n.º2, do Código de Processo Civil, por legal e admissível, defere-se o requerido. *
Em face da apresentação de articulado de Oposição e do expressamente previsto pelo artigo 367º, n.º1, do Código de Processo Civil, cumpre produzir a prova agora apresentada. Para esse efeito designo o dia 09 de Abril de 2018, pelas 09h30m (data mais próxima que, após conciliação interna de agendas se mostra disponível e revela ser compaginável com a realização das diligências necessárias à obtenção dos elementos probatórios requeridos). D.N., incluindo notificação dos Requeridos para que, em cinco dias, informe se se mostra necessária a nomeação de intérprete de língua russa.” *
Inconformados com esta decisão, dela apelaram os Requeridos LEV V. e SAVVA V. formulando as seguintes conclusões: (...) Concluíram que deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido e substituído por outro em conformidade com o exposto. *
O Requerente contra-alegou, apresentando, por seu turno, as seguintes conclusões: (...) Terminou pugnando pela manutenção do despacho recorrido. *
II.–QUESTÕES A DECIDIR. Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC sem prejuízo das questões de que o tribunal «ad quem» possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso, importa apreciar e decidir, se devem ser admitidos os documentos juntos com o requerimento referência 28136864 e o requerimento referência 28252019, se foi cometida a nulidade consistente na omissão de despacho liminar de indeferimento, se deve ser admitida toda a restante prova documental requerida no requerimento de oposição, a perícia, a reinquirição das testemunhas ali igualmente requeridas e se o número de testemunhas admissível é superior ao que o Tribunal recorrido decidiu admitir. *
III.–Fundamentação. III.1.-Como se referiu já, constitui o presente processo, um procedimento cautelar de restituição provisória de posse. A providência foi decretada sem audiência dos Requeridos, em conformidade com o disposto no artigo 378º do Código de Processo Civil e o despacho recorrido foi proferido no momento subsequente à apresentação da oposição e do exercício do contraditório. O presente recurso coloca em questão o problema da “desigualdade de armas” que resulta do “contraditório adiado” no âmbito dos procedimentos cautelares sem audiência do requerido. O artigo 20º, n.º 4 da Constituição estabelece que todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante um processo equitativo, em conformidade com o que estabelecem normas constantes de textos internacionais, designadamente da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), designadamente no respetivo artigo 6º e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos da ONU, no seu artigo 14º, que há muito consagraram o “fair trial” como um direito fundamental internacional ou como um princípio de direito internacional. O princípio da igualdade de armas, fundado no princípio da igualdade (artigo 13º da CRP) e no processo equitativo, e que se relaciona estreitamente com o princípio do contraditório – enquanto direito de ser ouvido e de influenciar a decisão final, com controle da admissibilidade e da produção de prova da parte contrária - exige a igualdade de tratamento das partes na distribuição de meios e deveres processuais, que assegure uma igual e efetiva possibilidade de sucesso na lide, o que implica uma igual oportunidade de exposição de razões e argumentos. Tais princípios encontram expressa consagração nos artigos 3º e 4º do Código de Processo Civil. O artigo 2º, n.º 2 do Código de Processo Civil dispõe que “a todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação”. O direito de ação expresso no normativo citado, como vimos, tem consagração constitucional no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa e seu n.º 2 permite a quem se arrogue na titularidade de um direito, solicitar a intervenção judicial no sentido de se obter o seu reconhecimento ou de alcançar a sua realização coerciva. Os procedimentos cautelares constituem um instrumento processual por excelência para a proteção eficaz de direitos subjetivos e de outros interesses juridicamente relevantes, como meios destinados a assegurar o efeito útil da atividade jurisdicional a desenvolver no âmbito do processo principal. Representam uma antecipação ou garantia de eficácia relativamente ao processo principal e assentam numa análise sumária (“summaria cognitio”) da situação de facto que permita concluir pela provável existência do direito (fumus boni juris”) e pelo receio de que tal direito seja seriamente afectado ou inutilizado se não for decretada uma determinada medida cautelar (“periculum in mora”). Dispõe o artigo 366º, nº 1 do Código de Processo Civil (aplicável diretamente ao procedimento cautelar comum, e subsidiariamente aos procedimentos cautelares nominados, por força do artigo 376º, nº 1 do mesmo diploma) que «o tribunal ouvirá o requerido, exceto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência». Em sede de procedimento cautelar, pois, a regra é a de que o requerido deve ser sempre ouvido antes de o processo avançar para a fase imediatamente posterior, para o que se procederá à sua notificação ou citação, consoante tenha ou não sido citado para a ação principal. Ao sistema processual civil português repugnam, por imposição constitucional, todas as decisões judiciais tomadas à revelia de um dos interessados. O já mencionado artigo 3º do Código de Processo Civil, que densifica o princípio do contraditório, veio a ser desenvolvido por outras disposições, nomeadamente nas que regulam a produção de prova. A contraditoriedade ao longo de todo o processo é inerente ao adágio “da discussão nasce a luz”, pois só a audição de ambas as partes interessadas no pleito e a possibilidade que lhes é conferida de controlarem o modo de decisão dos tribunais permitirão que a verdade seja descoberta e sejam acautelados os interesses dos litigantes. O princípio do contraditório, consubstanciado na possibilidade de o requerido de uma determinada providência oferecer as suas provas, de controlar as provas do adversário e de discutir sobre o valor e resultados, insere-se no direito a um processo justo ou equitativo, sendo por isso um importante instrumento de procura da verdade provável. Com efeito, o princípio do contraditório é concretizado, quer pelo direito à audição prévia da parte contra a qual foi requerida a providência judicial, quer pelo direito de resposta em relação a um determinado ato processual praticado pela contraparte ou pelo tribunal» . Assim para que possa ser dispensada a audiência prévia do requerido, e de acordo com o critério legal, importa que a mesma audiência ponha «em risco sério o fim ou a eficácia da providência». A estas situações juntam-se, naturalmente, as providências cautelares nominadas em que a lei expressamente comina (face à natureza do objeto em litígio) que, na sua fase inicial, não será ouvido o requerido, sendo as mesmas decretadas, ou indeferidas, sem esse contraditório prévio, elenco no qual consta, como é sabido, e com interesse para o processo em causa nos autos, a restituição provisória de posse (artigo 378º do Código de Processo Civil). Reconhece-se, em todas estas situações, uma compressão ou restrição aos princípios do processo equitativo, da igualdade de armas e do contraditório - admitido pelo art. 3º, nº 2 do Código de Processo Civil - e que encontra justificação na necessidade de assegurar os princípios da tutela efetiva e da celeridade, nos casos em que se verifica um “periculum in mora ao quadrado» . Considera-se nesses casos que os primeiros têm de ceder, face à necessidade de eficácia de determinadas medidas judiciais inoperantes se precedidas de audiência da parte contra quem são requeridas. Tais restrições concretizam-se na ausência de um contraditório inicial e simultâneo – que implica a possibilidade de confronto com uma decisão judicial sem que o seu principal visado tenha tido as mesmas possibilidades que a contra-parte de influir na mesma -, no modelo de alternatividade (limitativa) dos meios de defesa do requerido (recurso/oposição) e ainda na desigualdade entre as condições de produção de prova que se verificam na primeira audiência (sem a presença do requerido) e na segunda (com a presença e intervenção de ambas as partes). Na verdade, uma vez dispensado o contraditório prévio, ou sendo o mesmo interdito por lei, e não havendo motivo para indeferimento liminar da providência (artigo 590º, nº 1 do Código de Processo Civil), realiza-se a audiência final, onde será exclusivamente produzida a prova arrolada pelo requerente (artigo 367º do Código de Processo Civil). Terminada, a providência será decretada mediante sentença, desde que fiquem demonstrados os pressupostos legais de que depende esse decretamento; e será indeferida nos restantes casos (art. 368º do Código de Processo Civil). Lê-se no artigo 366º, nº 6 do Código de Processo Civil que, quando «o requerido não for ouvido e a providência vier a ser decretada, só após a sua realização é notificado da decisão que a ordenou, aplicando-se à notificação o preceituado quanto à citação». Mais se lê, no artigo 372º, nº 1 do Código de Processo Civil, que «quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no nº 6 do artigo 366º: a)- Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida; b)- Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 367º e 368º» (o destacado é nosso).
Logo, e face à clara letra da lei, é indiscutível que, o requerido terá de optar entre um, ou outro, dos meios de reação à sua disposição, isto é; ou recorre da decisão de decretamento da providência cautelar, nomeadamente sindicando o julgamento feito da matéria de facto realizado, a suficiência dos factos apurados para o decretamento da providência, ou a seleção, interpretação e aplicação feita da lei; ou deduz oposição à mesma, visando então alegar novos factos que infirmem os fundamentos do seu decretamento, ou produzir novos meios de prova que abalem a credibilidade conferida aos inicialmente considerados. A opção do requerido é, pois, sempre uma escolha limitada, pois não lhe é possível defender-se nos termos em que o poderia fazer se deduzisse oposição antes de ser decretada a providência, podendo tomar posição simultânea sobre os factos, as questões jurídicas relevantes ou nulidades suscetíveis de incluir no exame da causa – tem de optar entre meios de defesa e não pode defender-se, simultaneamente, quanto a todas as questões que se lhe ofereça suscitar, diversamente do que sucederia sob a esfera do principio da concentração da defesa. Por estas razões afigura-se acertada a conclusão de que o contraditório diferido é, na realidade um contraditório inexoravelmente defeituoso, na justa medida em que não permite ao requerido um contraditório pleno, nos moldes em que lhe seria possível exercer ao abrigo do disposto nos artigos 366º e 367º do Código de Processo Civil, o que demanda a procura de soluções interpretativas que, pese embora com reflexo na letra da lei, tendam a repor o equilíbrio das partes num procedimento cautelar sem audiência do requerido, quer ao nível dos meios de reação, quer dos meios de prova e das condições da respetiva produção, que permitam aproximar, tanto quanto possível, as condições em que se realiza a primeira audiência com aquelas em que se realiza a segunda . Tarefa que se impõe, desde logo ao juiz, designadamente no âmbito do dever de gestão processual a que alude o artigo 6º do Código de Processo Civil. É, pois, à luz deste pano de fundo, que cumpre apreciar os fundamentos do recurso. *
III.2.–Do desentranhamento dos documentos e requerimento de resposta. Os Recorrentes começam por impugnar o despacho recorrido na parte em que determinou o desentranhamento dos documentos juntos com o requerimento com a referência 28136864 e o requerimento com a referência 28252019 e dos documentos juntos com este último. O primeiro requerimento consubstancia o articulado de resposta ao articulado de oposição, o segundo, o exercício do contraditório relativamente àquele último e aos documentos com aquele juntos. Vejamos. De acordo com o artigo 362.º do Código Civil, diz-se documento qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar um facto. Na prática judiciária, o termo “documento” é associado, fundamentalmente, a documento escrito. O documento escrito (como qualquer outro meio de prova, aliás) destina-se a fazer prova de factos concretos, alegados pelas partes nos seus articulados, e atento o ónus probatório de cada uma delas. No âmbito dos procedimentos cautelares os artigos 365º, n.º 1 e 293º, n.º 1, este aplicável por força do disposto no artigo 365º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil, o limite temporal para o oferecimento da prova é estabelecido indiretamente – a prova do requerente é oferecida com a petição, a do requerido, com a oposição, sem prejuízo da possibilidade de o juiz determinar oficiosamente as provas que entender necessárias, nos termos do disposto no artigo 367º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Importa ainda considerar nesta sede, o disposto no artigo 3º, n.º 4 do Código de Processo Civil, que estabelece a possibilidade de a parte contrária poder responder às exceções deduzidas no último articulado admissível no início da audiência final. A prova não tem, em regra, restrição qualitativa, ou de natureza, podendo ser oferecida a prova documental, testemunhal, eletrónica, por confissão e pericial. Tais preceitos têm de ser conjugados com a celeridade processual que o artigo 363º do mesmo diploma imprime ao regime das providências cautelares – estamos perante medidas de urgência, que requerem rápida intervenção do tribunal na defesa do direito substantivo que se pretende acautelar. Trata-se, com efeito, de um procedimento reduzido, que visa uma apreciação sumária da situação, sendo por isso incompatível com delongas. O artigo 423º do Código de Processo Civil estabelece a regra geral, segundo a qual os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com os articulados em que se aleguem os factos correspondentes. Após o limite temporal definido, só deverão ser admitidos os documentos cuja apresentação seja realizada até vinte dias antes da audiência final, não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”, em conformidade com o que dispõe o artigo 423º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, aplicável por via do disposto no artigo 549º do Código de Processo Civil. A verificação desses requisitos compete ao juiz, sendo que no ato da apresentação tardia do documento escrito, a parte interessada deverá indicar, de forma discriminada, os factos a que tal prova escrita se destina, para além da justificação temporal, prevista nos n.ºs 2 e 3 do artigo 423.º.
Essa indicação discriminada é fundamental por dois motivos:
- Para a parte contrária poder exercer o direito ao contraditório, estatuído no artigo 427.º, e
- Para o juiz poder cumprir o determinado no artigo 443.º, n.º 1, ou seja, verificar da impertinência ou desnecessidade da junção tardia de documentos, ainda que de forma perfunctória. Ora, no caso dos autos, junta a oposição, o Tribunal convidou o Requerente da providência a antecipar a resposta à oposição. Pese embora o teor do já mencionado artigo 3º, n.º 4, do Código de Processo Civil, consideramos que o contraditório exercido por escrito é o que mais garantias confere ao requerente e que simultaneamente confere maior grau de segurança à decisão judicial, permitindo ao tribunal e às partes conhecer antecipadamente dos argumentos do requerente, e assim, à contraparte, estruturar melhor a sua defesa, e ao Tribunal, preparar a decisão. A tal convite o Requerente respondeu através do requerimento que apresentou em 07.02.2018 (ref.2813684). E foi com esse requerimento que foi requerida a junção dos documentos cuja cópia consta de folhas 146 verso a 227, pelo Requerente. Tais documentos destinam-se a provar factos nesse requerimento alegados, requerimento que, como se referiu, foi apresentado a convite do Tribunal. Tendo sido juntos documentos, à parte contrária assistia o direito ao contraditório sobre os mesmos, nos termos do disposto nos artigos 427º e 3º do Código de Processo Civil. Os documentos não são impertinentes – não respeitam a factos irrelevantes para a decisão da causa ou estranhos à mesma - nem desnecessários – não representam factos que não fossem controvertidos. Nenhuma razão se vislumbra pois, para impedir a respetiva junção, tanto mais que a providência havia já sido decretada, e o alegado periculum in mora acautelado, e que as partes estão de acordo na respetiva junção. Devem pois, ser admitidos os documentos em causa, juntos com o requerimento referência 28136864, bem como o requerimento 28252019, este na justa medida em que consubstancia o exercício do contraditório, relativamente aos aludidos documentos, devendo o Tribunal Recorrido apreciar, em face da prova entretanto produzida e do ora determinado, da pertinência das diligências de prova aí requeridas. ***
III.3.–Da alegada omissão de despacho de indeferimento liminar. Os Recorrentes impugnam o despacho recorrido na parte em que indeferiu a nulidade por não ter sido proferido despacho de indeferimento liminar do requerimento inicial. Sustentam que perante a factualidade constante dos autos, o Tribunal deveria ter indeferido liminarmente o requerimento inicial.
Apreciando.
O requerimento inicial da providência cautelar é concluso ao juiz para despacho liminar, o qual será, em regra, de citação, nos termos do disposto nos artigos 224º, n.º 4, al. b) e do artigo 366º, ns. 1 e 2 do Código de Processo civil. Nos casos em que o contraditório prévio se mostre excluído por lei, como sucede no caso dos autos, o despacho liminar será ordenatório da produção de prova, sem prejuízo de poder ser de indeferimento liminar, nos casos de manifesta inexistência dos pressupostos da providência em causa. Pode ainda ser de aperfeiçoamento, de adequação formal ou até de deferimento da providência, caso a prova documental seja suficiente para a respetiva procedência. Conforme se refere na decisão recorrida, “do expressamente preceituado pelos artigos 226º, n.º4, alínea b) e 590º, n.º1, alínea a), do Código de Processo Civil resulta que apenas em situações de vícios formais ou substanciais de tal modo grave que permitam antever, sem qualquer produção de prova, que jamais o processo poderá culminar numa decisão de mérito ou em que seja inequívoca a inviabilidade da pretensão apresentada pelo requerente, pode ser proferido despacho de indeferimento liminar do procedimento cautelar”. Por outro lado, resulta do disposto no artigo 195º do Código de Processo Civil que apenas existe nulidade quando se pratica ato que a lei não admite, se omite ato ou formalidade de que a lei não prescinde e apenas quando a lei assim expressamente o dita. Estabelece-se ainda que a irregularidade cometida apenas gera a nulidade se a prática do ato inadmissível ou a omissão da formalidade prescrita influir no exame ou na decisão da causa. Ora, no caso dos autos, apresentado o requerimento inicial a despacho liminar, foi determinada a produção da prova indicada pelo Requerente, decisão que, como se viu, era uma das processualmente admissíveis e que se terá fundado no entendimento de que os pressupostos do procedimento cautelar em causa - e que como é sabido consistem na existência de posse por parte do requerente sobre a coisa cuja restituição requer e que este tenha sido esbulhado da posse e de forma violenta – se encontravam alegados. Os Recorrentes discordam de tal despacho, por entenderem que o mesmo deveria ter consistido no indeferimento liminar da petição inicial e evidenciam também, nas alegações, de forma extensa, os fundamentos de discordância do mérito da decisão que, após a produção da prova indicada pelo Requerente decretou a restituição. Tal não consubstancia qualquer nulidade, apenas lhes conferia o direito ao recurso, a exercer na sequência da notificação da decisão que determinou a providência, direito que perderam ao optarem por deduzir oposição, em conformidade com o regime de alternativa de meios de reação previsto no artigo 372º, n.º 1 do Código de Processo Civil a que supra se aludiu. Não se verificando, pois, qualquer nulidade, necessariamente improcede o recurso nesta parte. * III.4.–Do requerimento probatório apresentado no articulado de oposição. III.4.1.-Da prova documental. Embora de forma algo vaga e genérica, os Recorrentes impugnam a decisão recorrida na parte em que indeferiu a solicitação de prova documental a diversas entidades, designadamente ao “facebook”, às entidades americanas, contas bancárias, e documentos fiscais. Importa desde já referir que os documentos cuja junção foi requerida na oposição, se afiguram, sem exceção pertinentes, porquanto adequados a demonstrar a versão dos factos apresentada pelos Requeridos. Neste ponto, porém, e ressalvado o caso dos documentos que se solicitou fossem requeridos à Autoridade Tributária, afigura-se que o Tribunal recorrido efetuou um juízo de necessidade de prova documental adequado e equilibrado, ponderando de forma correta, em conformidade com o já mencionado artigo 367º, n.º 1 do Código de Processo Civil, a utilidade dos documentos para a boa decisão da causa, com a necessidade de imprimir celeridade ao procedimento urgente, que é necessária para acautelar as posições de ambas as partes, e nesta fase, dos Requeridos. Os documentos cuja junção o Tribunal determinou quer relativamente ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, quer ao próprio Requerente, revelam, em abstrato, aptidão para demonstrar os factos que os Requeridos pretendiam demonstrar através de toda a extensa prova documental que requereram. A ausência do Requerente do território nacional na data do contrato promessa pode, com efeito, ser demonstrada com a informação solicitada ao SEF. Por outro lado, o pagamento alegado, poderá ser demonstrado através do original do comprovativo da transferência bancária realizada aquando da celebração do contrato promessa. Importa, porém, ponderar que o facto que os Requeridos pretendem demonstrar é a falta desse pagamento e bem assim, a não celebração do contrato de arrendamento. E para demonstrar tais factos afigura-se que os documentos que os Requeridos solicitaram que fossem pedidos à Autoridade Tributária, revestem toda a utilidade, ponderando-se que a respectiva obtenção não acarretará prejuízo assinalável para a rápida conclusão dos autos. Tudo isto, sem prejuízo de, em face do resultado de tais solicitações se dever ser reapreciada a necessidade de junção dos demais documentos cuja junção foi requerida. Importa, pois, revogar neste ponto, a decisão recorrida, por forma a determinar a solicitação dos elementos referidos à Autoridade Tributária, e bem assim, que em face dos documentos juntos na sequência do despacho recorrido, e da presente decisão, se reaprecie a necessidade de junção dos demais. * III.4.2.–Da prova pericial. Os Recorrentes insurgem-se contra a decisão recorrida na parte em que indeferiu a perícia à letra do contrato promessa. Entre os meios de prova processualmente permitidos conta-se a prova pericial e nenhum preceito legal, relativo aos procedimentos cautelares, exclui a possibilidade de no seu âmbito se efetuar prova pericial, de modo que esta só deverá ser rejeitada por falta de indicação do respetivo objeto ou quando se verifique ser a mesma impertinente ou dilatória (cf. artigos. 475.º, n.º 1 e 476.º, n.º 1 ambos do Código de Processo Civil). Será impertinente quando seja desnecessária face aos factos da causa ou dilatória, quando, embora respeitando aos factos da causa, o seu apuramento não requerer o meio da prova pericial, por não exigir os conhecimentos especiais que esta pressupõe. No caso dos autos, o Tribunal Recorrido indeferiu a perícia por considerar que “em face da morosidade que tal meio acarreta e tendo em consideração que essencial nos autos é a prova da posse (e não da propriedade), pelo que essencial se revela comprovar a traditio, entendemos que tal meio de prova se não revela essencial ao conhecimento dos autos cautelares. Indeferindo-se a prova pericial, igualmente se indefere a requisição de documentos à Conservatória, na medida em que os mesmo apenas serviriam para termos se comparação de escrita o que, face ao decidido, não será efectuado.” Ora, baseando os Requeridos a sua oposição, em larga medida, na falsidade do contrato promessa em que o Requerente ancora a legitimidade da sua alegada posse, e das assinaturas no mesmo constantes e tendo presente que, impugnada a assinatura de documento particular, cabe à parte que o apresentou a prova da sua veracidade, nos termos do disposto no artigo 374º, n.º 2 do Código Civil, afigura-se, porém, que tem de possibilitar-se aos Requeridos, que viram ser contra si proferida uma decisão sustentada, em parte, no aludido contrato, a demonstração da falsidade que alegam. Nesta parte, pois, não colhe o argumento da morosidade. Estando decretada a providência, a maior morosidade que poderá decorrer deste tipo de prova, e que atualmente, com a proliferação de entidades que realizam exames à escrita, não será significativa, em nada prejudicará o Requerente do procedimento cautelar, mas apenas os Apelantes, que manifestamente têm interesse na realização da perícia . O direito à prova é um dos componentes do direito de acesso ao direito e aos tribunais para defesa de direitos e interesses legalmente protegidos que está constitucionalmente consagrado no já citado artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. Este direito faculta às partes a possibilidade de utilizarem em seu benefício os meios de prova que considerem mais adequado tanto para a prova dos factos principais da causa, como também para a prova dos factos instrumentais ou mesmo acessórios. E a utilização dos meios de prova não se destina apenas à prova dos factos que a parte tem o ónus de provar, como também para pôr em causa os factos que são desfavoráveis às suas pretensões que em princípio não terão o ónus de provar. O exposto não significa que todas as diligências requeridas devam ser deferidas. Apenas o deverão ser desde que legalmente admissíveis, pertinentes e não tenham cariz dilatório. Cumpre referir antes de mais que é louvável a preocupação pela celeridade processual que é um valor importante a implementar, contudo, essa celeridade não pode ser obtida com atropelo de outros valores igualmente importantes ou até superiores como a justiça e a verdade material, pois o Tribunal não pode ficar com dúvidas ao decidir. Revelando o exame pericial aptidão para a prova do fundamento principal em que os Recorrentes sustentam a sua defesa, a mesma deverá ser deferida, até como forma de repor o equilíbrio prejudicado em face do já mencionado “contraditório adiado”. Nesta parte procede, pois, a apelação. *
III.4.3.–Da reinquirição das testemunhas inquiridas na primeira audiência. Entendem os Apelantes que as testemunhas indicadas pelo Requerente e ouvidas na fase anterior ao contraditório omitiram factos e deverão ser confrontadas com os mesmos. A decisão recorrida fundou-se no preceituado no artigo 372º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, que define o objeto da oposição subsequente ao contraditório, e a que já supra se fez referência. E de facto, do teor do referido preceito legal parece retirar-se que o contraditório subsequente permitido ao requerido não abrange o contra-interrogatório das testemunhas inquiridas inicialmente, tendo como objeto os mesmos factos sobre que depuseram. E que podendo o requerido arrolar no seu requerimento de oposição as mesmas, ou algumas, das testemunhas inquiridas inicialmente, o interrogatório que faça às mesmas terá de ter por objeto os novos factos que haja alegado (consubstanciando os mesmos impugnação motivada, ou exceções), e não consistir em mera instância ao declarado a propósito dos factos constantes do requerimento inicial (sobre o qual foram ouvidas, em sede de primeira audiência final de produção de prova). Contudo, pronunciando-se em sentido contrário, propondo uma interpretação extensiva do artigo 372º, nº 1, al. b) do Código de Processo Civil, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre entendem que onde se lê que «o requerido pode querer exercer o direito a intervir que lhe é facultado pelo art. 415 - 2, sem pretender simultaneamente alegar novos factos ou produzir novos elementos de prova», contentando-se, «por exemplo, em instar testemunhas inquiridas, de cujo depoimento adquire conhecimento pela gravação». E continuam «este direito não lhe pode ser negado, mas sendo a renovação de atos de produção de prova na Relação (art.662-2-a), poderá questionar-se se, neste ponto, a alínea b) não deve ser interpretada à letra e, consequentemente, se o meio da apelação não será o adequado a satisfazer a pretensão do requerido. Inclinam-nos para uma resposta negativa que passará por nova interpretação extensiva da al. b).» Ora, constatada a profunda desigualdade de armas imposta pela dispensa da audição prévia do requerido, e pelas desiguais condições em que se realizam a primeira e a segunda audiências finais, afigura-se que a admissibilidade da reinquirição repõe de alguma forma o equilíbrio entre as partes, aproximando a defesa do requerido daquela que lhe seria lícito deduzir caso não se verificasse a dispensa do seu contraditório . A referida interpretação extensiva afigura-se, pois, conforme aos princípios da proporcionalidade e igualdade de armas consagrados na Constituição, razão pela qual se sufraga o entendimento que a acolhe, dessa forma permitindo aos Requeridos v.g. a possibilidade de demonstrar que as testemunhas faltaram à verdade e de proceder a acareações. Conclui-se desta forma que assiste razão aos Apelantes nesta parte, razão pela qual se determinará a reinquirição das testemunhas inquiridas na primeira audiência. *
III.4.4.–Do número de testemunhas arrolado pelos Requeridos. Os Apelantes impugnam a decisão recorrida na parte em que apenas admitiu cinco das dez testemunhas indicadas pelos Requeridos, tendo por “não escritos” os nomes das testemunhas arroladas a partir do número seis, nos termos do disposto no artigo 511º, n.º 3 do Código de Processo Civil. Referem que os Requerentes são dois e se cada parte tem direito a cinco, têm direito a indicar as dez arroladas, aludindo ainda à complexidade da questão em causa nos autos. Não lhes assiste razão. O artigo 294º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável por via do disposto no artigo 365º, n.º 3 do Código de Processo Civil, estabelece o limite de cinco testemunhas por parte, e foi esse o limite que a decisão recorrida impôs. A interpretação dos Recorrentes de que sendo dois os Recorridos, têm direito a cinco cada um não colhe qualquer apoio na lei, porquanto o artigo 511º, n.º 1 do Código de Processo Civil estabelece que a limitação do número de testemunhas se aplica aos réus que apresentem uma única contestação. Aludindo o artigo 294º à “parte” e tendo os Recorrentes apresentado uma única oposição, é de cinco o número máximo de testemunhas que podem arrolar. E não se diga que a complexidade do processo impunha a aplicação do disposto no artigo 511º, n.º 4 do Código de Processo Civil. Nem as questões de facto e de direito colocadas revestem uma complexidade acrescida, nem a extensão da matéria de facto é tal que justifique um número de testemunhas superior ao máximo legal. Nesta parte a decisão é, pois, de manter. *
Resta acrescentar que esta decisão determina a anulação dos atos subsequentes que dele dependem absolutamente, designadamente, praticados a partir do despacho recorrido, (cf. o artigo 195º, n.º 2 do Código de Processo Civil). *
IV.–Decisão. Pelo exposto, acordam em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência: – Revogam o despacho recorrido:
- na parte em que indeferiu a junção dos documentos requerida com o requerimento referência 28136864 e o requerimento referência 28252019, determinando a sua substituição por outro que ;
- no ponto em que indeferiu os requerimentos de prova documental e de informações;
- no segmento em que indeferiu a realização do exame pericial requerido;
- no ponto em que indeferiu a reinquirição das testemunhas indicadas pelo Requerente e ouvidas na primeira audiência ; b)- Declaram sem efeito todo o processado subsequente que depende absolutamente dessa decisão; c)- Ordenam a baixa dos autos ao Tribunal Recorrido para aí ser proferido novo despacho que:
- admita os documentos e o requerimento referidos;
- solicite à Autoridade Tributária cópia da guia de liquidação e do pagamento do IMT e do IS relativo ao contrato promessa apresentado pelo Requerente, a indicação do representante legal do requerente, e cópia da participação do contrato de arrendamento celebrado em nome do falecido Requerido, pela testemunha que prestou depoimento nos autos, bem como os respectivos de renda, e bem assim, que em face da junção dos documentos, na sequência do despacho recorrido e desta decisão se reaprecie a necessidade/pertinência de junção dos demais documentos solicitados;
- determine a realização da perícia e as diligências necessárias à mesma, bem como a reinquirição das aludidas testemunhas. d)- Mantém no mais, o despacho recorrido. Custas pelo Apelado e pelos Apelantes, na proporção do decaimento, que se fixa em 3/5 e 2/5 , respetivamente. Registe e notifique. ***
Lisboa,2028-06-20
(Ana Isabel Mascarenhas Pessoa) (Eurico José Marques dos Reis) (Ana Maria Fernandes Grácio)