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INJUNÇÃO
RECONVENÇÃO
COMPENSAÇÃO
Sumário
· Nas ações declarativas especiais decorrentes da instauração de procedimento de injunção de valor não superior a €15.000,00, em face da celeridade e simplicidade da sua tramitação, não é processualmente admissível a reconvenção. · Por força da redação dada ao Art. 266.º n.º 2 al. c) do C.P.C. vigente, foi intenção do legislador que a compensação de créditos devesse ser operada por via de reconvenção, independentemente do valor do contracrédito. · Nas ações que correm termos sob o regime dos procedimentos aprovados em anexo ao Dec.Lei n.º 269/98 de 1/9, não é possível, nem a defesa por reconvenção, nem, por princípio, a defesa por invocação da exceção perentória de compensação. · Excecionalmente, nesses processos, poderá ser admitido o funcionamento da compensação como exceção perentória, nomeadamente se o crédito do réu for confessado sem discussão, ou quando não se coloquem questões relativas à sua certeza, liquidez ou exigibilidade, e em todos os casos em que a tramitação especial e simplificada do processo não restrinja de forma relevante, quer o exercício do direito de ação para reconhecimento desse contracrédito, quer o correspondente direito de defesa da contraparte. · Constitui restrição relevante ao exercício do direito de ação e ao exercício da defesa a constatação de que o direito indemnizatório pretendido fazer valer como contracrédito não possa ser exercido nas formas de processo previstas no Dec.Lei n.º 269/98 de 1/9, pois nesse caso verificam-se razões de inadequação formal e de diminuição de garantias de um processo equitativo que justificam que não seja admissível a defesa mediante a invocação de exceção perentória de compensação, porquanto o formalismo do procedimento seguido não garantiria uma decisão justa sobre o reconhecimento desse alegado direito de crédito. · Não cabendo o caso em nenhuma das situações excecionais mencionadas em 4., a interpretação de que a defesa por reconvenção ou por invocação da exceção de compensação de créditos não é processualmente admissível não é inconstitucional, por não violar os princípios do acesso à justiça e de tutela jurisdicional efetiva, contidos no Art. 20.º da Constituição, uma vez que o réu não está inibido de exercer o seu direito em ação própria que deve instaurar para esse efeito. . Tendo o réu autolimitado a sua defesa em conformidade com esta interpretação da lei e sem invocar a sua inconstitucionalidade, referindo logo que em processo próprio iria peticionar o seu crédito indemnizatório sobre a autora, ficou fora do objeto do processo a questão da eventual compensação relativa a esse contracrédito, mesmo que em audiência de julgamento venha a juntar prova documental destinada à prova deste.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I- RELATÓRIO
A A. intentou procedimento de injunção contra R., para obter o pagamento da quantia de €6.665,91, relativamente a faturas emitidas em resultado da prestação de serviços de assessoria técnica de formação profissional e de coordenação de projetos na área da educação, invocando que a R. não pagou a retribuição mensal devida nos meses de Março, Abril e Maio de 2017, correspondente às faturas n.º 2017/7 de 31/03/2017, n.º 2017/10 de 28/04/2017 e n.º 2017/14 de 30/05/2017, no valor de €2.196,00, cada.
A R. deduziu oposição alegando que os serviços contratados eram praticados por Margarida P. e que esta, logo no ano de 2010, passou a integrar a Direção Pedagógica do Infantário da R., sendo que no dia 20/10/2016 outorgou com a Agência Nacional para a Gestão do Programa Erasmus - Educação e Formação um contrato para implementação do projeto “Dream Makers”, assente na prestação de serviços de Margarida P., a quem competia a gestão e implementação do mesmo.
Mais alegou que no dia 29/05/2017, Margarida P. lhe comunicou que deixaria de trabalhar para si e que a A. rescindiuo contrato, com efeitos a partir de 01/06/2017.
A R. sustentou ainda que no dia 27/05/2017, Margarida P. acedeu às suas instalações e subtraiu diversos pertences do infantário relacionados com a sua atividade, dos quais só alguns foram devolvidos, o que determinou a quebra da confiança entre as partes.
Afiançou que, após a cessação da prestação de serviços, não foi prestada informação sobre os compromissos assumidos no âmbito do projeto “Dream Makers”, nem sobre os procedimentos e atividades que teriam de ser implementados na creche e no infantário, nomeadamente no que se refere à avaliação do trabalho que estava a ser implementado pelas educadoras e à própria avaliação da qualidade do trabalho prestado por estas.
Alegou também que toda a informação que estava no computador confiado a Margarida P. foi apagada e que o disco externo também desapareceu, sendo que, face à demissãosúbita, a sócia e gerente da R. teve de assegurar a representação da instituição numa reunião realizada em Cádis, tendo com isso despendido a quantia de €1.533,32, vendo-se depois obrigada a desistir do projeto “Dream Makers”.
Por último, a R. declarou que Margarida P. descurou o apoio e acompanhamento da atividade do estabelecimento (creche e infantário).
A A. respondeu à matéria de exceção perentória alegada pela R..
Realizou-se a audiência de julgamento e, finda a produção de prova, veio a ser proferida sentença que condenou a R. no pedido e, assim, a pagar à A. a quantia de € 6.588,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a data de vencimento de cada uma das faturas referidas nos factos provados, até efetivo e integral pagamento.
É dessa sentença que a R. ora recorre apresentando no final das alegações as conclusões (...). Pede que seja dado provimento ao recurso interposto, revogando-se a sentença recorrida, que deve ser substituída por outra que, declarando o incumprimento pela autora do contrato de prestação de serviços celebrado com a ré, determine o pagamento à autora da quantia de €597,69.
A A. apresentou contra-alegações (...). Pede a improcedência da apelação e a confirmação da sentença recorrida. *
II- QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 107).
Assim, em termos sucintos as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a) Os limites formais à defesa num procedimento de injunção, referentes à exceção perentória de compensação;
b) A impugnação da matéria de facto; e
c) Do crédito da A. e das exceções a ele apostas.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
A. Autora é uma sociedade anónima que se dedica (entre outras) à atividade de assessoria técnica, estudos, projetos e formação profissional, no âmbito da gestão de empresas, psicologia, pedagogia, sociologia e atividades conexas.
B. A Ré é uma sociedade comercial de responsabilidade limitada que tem o seguinte objeto social: creche, infantário, jardim-de-infância, educação pré-escolar e ensino básico.
C. Por escrito particular datado de 05/03/2010, ao qual foi dada a denominação de Contrato de Prestação de Serviços, a Autora declarou obrigar-se perante a Ré a prestar-lhe serviços de assessoria técnica no âmbito da direção pedagógica do Infantário da R..
D. Pelo mesmo escrito particular, a Ré declarou obrigar-se a colocar à disposição da Autora todos os elementos necessários para análise e efetivação dos serviços que esta se obrigou a prestar e a facultar-lhe o apoio logístico indispensável.
E. As partes declararam ainda acordar que a Autora não ficava sujeita à autoridade e direção da Ré, nem a horário determinado, sendo que pela contrapartida pelos serviços prestados a Ré pagaria à Autora, mensalmente e até ao final de cada mês, a quantia de 4.083,00 euros, acrescida de IVA, à taxa legal em vigor.
F. Da cláusula quinta do sobredito escrito particular constam os seguintes dizeres: “(n.º1) O presente contrato é celebrado por um prazo de um ano, sendo automaticamente renovável por períodos consecutivos de um ano, contando que nenhuma das partes o denuncie com a antecedência mínima de noventa dias relativamente ao termo inicial ou a qualquer uma das suas renovações. (n.º2) A vigência do presente contrato inicia-se em 5 de Março de 2010”.
G. Por escrito particular datado de 30/09/2011, ao qual foi atribuída a denominação de Adenda ao Contrato de Prestação de Serviços, as partes declararam acordar na alteração do valor da contrapartida a pagar pela Ré à Autora para 2.000,00 euros, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, com efeitos a partir de 01/10/2011.
H. Por escrito particular datado de 30/08/2013, ao qual foi atribuída a denominação de Adenda ao Contrato de Prestação de Serviços, as partes declararam acordar na alteração do valor da contrapartida a pagar pela Ré à Autora para 1.800,00 euros, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, com efeitos a partir de 01/09/2013.
I. Na sequência das atividades desenvolvidas no mês de Março de 2017, a Autora emitiu (em 31/03/2017) e remeteu à Ré a fatura n.º 2017/7, com data de vencimento em 31/03/2017, no valor de 2.196,00 euros.
J. Na sequência das atividades desenvolvidas no mês de Abril de 2017, a Autora emitiu (em 28/04/2017) e remeteu à Ré a fatura n.º 2017/10, com data de vencimento em 28/04/2017, no valor de 2.196,00 euros.
K. Na sequência das atividades desenvolvidas no mês de Maio de 2017, a Autora emitiu (em 30/05/2017) e remeteu à Ré a fatura n.º 2017/14, com data de vencimento em 30/05/2017, no valor de 2.196,00 euros.
L. A Dr.ª Margarida P., acionista da Autora, é detentora de formação e experiência científica e profissional, na área da psicologia e da educação, realidade que determinou o acordo celebrado pelas partes.
M. Os serviços que a Autora se obrigou a prestar à Ré sempre foram desenvolvidos pela Dr.ª Margarida P., que serviu de interlocutora na celebração do supra referido acordo.
N. Desde o início da vigência do acordo, a Dr.ª Margarida P. passou a exercer o cargo de Diretora Pedagógica do Infantário da R..
O. No dia 20/10/2016, a Ré acordou com a Agência Nacional para a Gestão do Programa Erasmus – Educação e Formação a implementação do projeto Dream Makers, com um financiamento máximo de 115.540,00 euros e um período de execução de 36 meses, com início em 01/09/2016 e termo em 31/08/2019.
P. A Dr.ª Margarida P. assumiu as funções de representante da Ré neste projeto, tendo, desde o seu início, definido as medidas a implementar e recebido informações/estudos e documentos de terceiros, sendo responsável pela elaboração, organização, atualização e guarda do respetivo arquivo físico, documental e informático.
Q. No dia 29/05/2017, a Dr.ª Margarida P. remeteu à Ré uma missiva com o seguinte teor: “Venho por este meio informar (…) que, por motivos pessoais, deixo de ser membro do órgão colegial Direção Pedagógica do Infantário da R., a partir da presente data”.
R. No mesmo dia, a Autora remeteu uma missiva à Ré com o seguinte teor: “(…) vimos por este meio informar V. Exas. que esta empresa rescindirá os serviços no âmbito deste contrato com efeitos a partir de 01/06/2017, inclusive”.
S. No dia 27 de Maio de 2017, a Dr.ª Margarida P. levou do Infantário da R. várias pastas (dossiers).
T. Após a saída da Dr.ª Margarida P., a Ré verificou que toda a informação constante do computador confiado àquela estava apagada e que o disco externo que estava ligado ao computador tinha desaparecido.
U. Estava programada, para os dias 12 a 16 de Junho de 2017, uma deslocação a Cádis, Espanha, no âmbito do projeto Dream Makers, a qual ia ser realizada pela Dr.ª Margarida P., que já tinha adquirido as passagens aéreas no valor de 282,59 euros.
V. Porquanto a Dr.ª Margarida Pocinha já não estaria presente, a legal representante da Ré deslocou-se a Cádis, juntamente com Sandra V., tendo despendido a quantia de 1.533,32 euros.
W. No dia 14/09/2017, a Ré comunicou à Agência Nacional para a Gestão do Programa Erasmus - Educação e Formação a sua decisão de desistir do programa Dream Makers, apresentando perante esta entidade a seguinte fundamentação: “O Infantário da R., Ld.ª procurou salvaguardar a execução do contrato, tendo-me deslocado pessoalmente à reunião realizada no passado mês de Junho em Cádis, de forma a inteirar-me do ponto de execução do projeto e contactar diretamente com os parceiros, mas conforme se atestou nos contactos posteriores e na reunião realizada na passada semana (…) constatou-se que as iniciativas realizadas estavam a desviar-se do objetivo do projeto e que a cessação da prestação da Dr.ª Margarida P. inviabilizou a sua continuidade”.
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O tribunal julgou ainda por não provados os seguintes factos (...).
Tudo visto, cumpre apreciar.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Estabelecidas que estão as questões de que cumpre tomar conhecimento, iremos então apreciar as mesmas pela sua ordem de precedência lógica, começando pelos alegados limites à defesa no processo de injunção, na estrita medida em que essa questão foi suscitada como constituindo um limite prévio, quer à fundamentação da impugnação da matéria de facto, quer ao conhecimento do mérito da causa.
· Dos limites formais à defesa por exceção no processo de injunção.
A Recorrente veio sustentar nas suas alegações de recurso que o julgamento da matéria de facto e do mérito da causa não pode ser condicionado pelas especificidades da ação especial prevista no Dec.Lei n.º 269/98 de 01/09.
Releva para o efeito que, quando contestou o pedido injuntivo contra si formulado, invocou: a resolução ilícita do contrato pela A., sem respeito da antecedência prévia contratualizada para a sua denúncia; a existência de um prejuízo no valor de €282,00, decorrente do facto da representante da A. não se ter deslocado a Cádis; a impossibilidade de manter a continuidade de execução do programa Dream Makers, financiado pela Agência Nacional do Erasmus em consequência da cessação ilícita e inopinada do contrato em causa nos autos, o que implicou a aplicação de penalização à R. de €10.948,31; e a execução defeituosa do contrato celebrado.
Refere que a A. terá defendido que a alegação da R. nunca poderia obstar à procedência do pedido, com fundamento na tese de que só por reconvenção o poderia fazer, à luz do Art. 266 n.º 2 al. c) do C.P.C., sendo que esse tipo de defesa não teria aplicação no regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 269/98 de 01/09, que não admite a dedução de pedido reconvencional nos processos de valor inferior a €15.000,00.
Ora, no entender da Recorrente, essa limitação constitui a negação do direito de defesa material da R. e será inconstitucional, na medida em que coarta a possibilidade de sustentar a defesa que apresentou.
Acresce que a oposição deduzida pela R. foi aceita pelo Tribunal e a A. até foi convidada a responder às exceções deduzidas, o que esta fez, tendo toda a matéria da oposição sido levada à instrução e sobre ela sido exercido o contraditório. Pelo que, não faria sentido admitir a defesa apresentada e permitir a discussão de todas as questões levantadas e factos alegados, para vir depois em sentença dizer que as mesmas são processualmente inadmissíveis, ignorando-se os factos resultantes dessa discussão e que se deram na sua maioria por provados.
No entender da Recorrente, no final, a sentença recorrida consagra uma injustiça e enferma de contradição grave, em face da prova produzida, seja por via da interpretação do âmbito de aplicação da al. c) do n.º 2 do Art. 266.º do C.P.C., ou do Art. 15º do Dec.Lei n.º 269/98, de 01/09, seja por via da admissão da oposição e exercício do contraditório pela A. e posterior discussão em julgamento, pois não existem constrangimentos processuais que impeçam o tribunal de conhecer toda a matéria alegada pela R. e, na aplicação do direito, de julgar relevantes todos os factos que devam ter-se por provados. Conclui assim que se mostram justificados os fundamentos e alcance da impugnação da matéria de facto provada e o pedido de reapreciação da prova produzida.
Por seu turno, a Recorrida releva que pretendeu pelo requerimento de injunção o pagamento de 3 meses da retribuição acordada no contrato de prestação de serviços que vinculava ambas as partes, tendo a R. impugnado esses factos e, apesar de acabar por reconhecer a existência do contrato e das obrigações dele emergentes, sustentou que a A. havia incorrido em “execução defeituosa”, que isso lhe conferia “o direito de não pagar as quantias reclamadas” (artigo 49º) e determinava para a A. “a perda do direito em receber a quantia definida no contrato” (artigo 51º). Mas, no final concluiu do seguinte modo: «Termos em que deve o pedido de injunção ser julgado improcedente por não provado e a requerida absolvida do pedido com as legais consequências, nomeadamente condenação em custas de parte».
Entende assim, a Recorrida, que a R., para além de não ter deduzido de forma clara, especificada e separada qualquer matéria de exceção, acabou por não formular ao tribunal qualquer pretensão creditícia, limitando-se a votar pela improcedência do pedido. Tanto assim, que o Senhor Juiz teve dúvidas sobre se a R. havia realmente suscitado matéria de exceção, concedendo, pela “jurisprudência das cautelas”, que “ainda que de forma encapotada”, ela podia ter alegado matéria “passível” de ser considerada como tal. O certo é que em lugar algum da oposição foram alegados factos configuradores de um seu crédito contra a A., muito menos se invocou qualquer crédito já reconhecido sobre esta, e menos ainda se pediu o reconhecimento de um crédito sobre a A. e/ou declarou compensação do crédito por esta peticionado, com algum crédito seu.
De facto, sustenta a Recorrida, que nada se refere na oposição relativo à aplicação ao caso do instituto da compensação. O máximo que se disse nesse articulado foi que «os factos acima descritos são imputáveis à requerente e determinam (...) obrigação de indemnizar que em processo próprio se peticionará» (artigo 51º). Ou seja, a própria R. relegou a invocação de um crédito indemnizatório, fundado nos factos que alegou, para um processo futuro.
Contrapostas as posições, parece-nos claro que a questão dos limites da defesa no âmbito do procedimento de injunção foi assumida desde o início pela própria R., nomeadamente quando apresentou a sua contestação ao requerimento injuntivo, conformando a sua defesa em conformidade e sem que então suscitasse qualquer questão da inconstitucionalidade.
É verdade que a admissibilidade da reconvenção no âmbito dos procedimentos aprovados pelo Dec.Lei n.º 269/98 de 1/9 é discutida na doutrina e tem um histórico que não pode ser ignorado.
Conforme resulta do preâmbulo do Dec.Lei n.º 269/98 de 1/9, este tipo de procedimentos especiais veio corresponder à observação de que «a par de um aumento explosivo da litigiosidade, esta se torna repetitiva, rotineira, indutora da «funcionalização» dos magistrados, que gastam o seu tempo e as suas aptidões técnicas na prolação mecânica de despachos e sentença».
Assim, um dos motores da criação destes processos especiais foi a desjudicialização de certo tipo de litígios, mas outro foi também o da simplificação do processo civil.
Como era referido por Américo de Campos Costa (in “O Processo Simplificado do Art. 464-A” - Tribuna de Justiça n.º 2 Fevereiro/Março, 1990, pág. 58) a ideia era afastar a rigidez da legalidade da forma de processo, limitar o objeto da controvérsia a determinados pontos de direito substantivo e afastar diretamente alguns atos do formalismo legalmente previsto. É, portanto, neste movimento legislativo que se insere o Regime dos procedimentos aprovados pelo Dec.Lei n.º 269/98 de 1/9.
Este diploma legal, na sua versão original, apenas se aplicava aos pedidos de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada da 1.ª instância.
Ora, no Código de Processo Civil anterior à reforma de 2013, o processo declarativo comum poderia seguir a forma ordinária, sumária ou sumaríssima (Art. 461.º do C.P.C. pretérito), sendo esta última a forma de processo comum adequada ao cumprimento de obrigações pecuniárias de valor inferior a metade da alçada do tribunal de comarca (Art. 461.º n.º 1, “in fine” do mesmo diploma).
O processo sumaríssimo era uma forma de processo mais simplificada, que compreendia apenas 2 articulados, a petição e a contestação, sendo os prazos aí estabelecidos mais curtos, os meios de prova admitidos mais limitados e não havia fase de saneamento dos autos, passando o processo logo para a fase de julgamento, com prolação imediata da sentença (Art.s 793.º a 800.º do C.P.C. pretérito).
Já então a questão da admissibilidade da reconvenção em processo sumaríssimo era discutida, havendo uma corrente, porventura maioritária, que entendia que a resposta a essa questão deveria ser negativa (Vide, nesse sentido: Alberto dos Reis in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. VI, 1953, pág. 493; Antunes Varela in “Manual de Processo Civil”, 1985, pág. 745 e 746; Lopes do Rego in “Comentários ao Código de Processo Civil” 1999, pág. 315).
Nesse sentido também seguia a jurisprudência dos tribunais superiores (Vide: Ac. R.L. de 30/3/1982 BMJ n.º 321, pág. 433; Ac. R.P. de 8/2/1983 BMJ n.º 326, pág. 536; e Ac. R.E. de 7/5/1998 BMJ n.º 477, pág. 586), sendo que os argumentos que sustentavam esse entendimento andavam sempre à volta do facto de nessa forma de processo não haver resposta à contestação, devendo logo marcar-se data para julgamento. Ou seja, a celeridade e simplicidade do processo não se compaginava com o exercício da defesa por reconvenção.
Toda essa argumentação aplica-se agora de igual modo ao regime dos procedimentos especiais aprovados pelo Dec.Lei n.º 269/98 de 1/9, que também só têm 2 articulados, a petição ou formulário de injunção e a contestação ou oposição (Art.s 1.º a 4.º e Art.s 15.º a 17.º do regime de processos anexo a esse diploma).
Daí que se continue a sustentar que a lei intencionalmente proíbe a dedução de pedido reconvencional na espécie de processos aqui em causa, sustentando-se que esta solução legal não afeta os direitos de defesa do réu, porquanto o mesmo poderá, se tiver fundamento legal para o efeito, fazer valer os mesmos em ação própria (vide, neste sentido: Salvador da Costa in “A Injunção e as Conexas Ação e Execução”, 4.ª Ed., 2004, pág. 74).
É a simplificada tramitação processual legalmente estabelecida para a ação em causa, cuja particular especificidade se centra na celeridade derivada da simplificação, que não se compatibiliza com a admissibilidade de formulação de qualquer pedido reconvencional.
A jurisprudência dos tribunais superiores também vem sustentando este entendimento (neste sentido: Ac. R.L. de 12/11/2015 – Relator: Jorge Leal – Proc. n.º 138557/14.0YIPRT.L1-2; Ac. R.P. de 30/5/2017 – Relator: Rui Moreira – Proc. n.º 28549/16.YIPRT.P1; Ac. R.C. de 7/6/2016 – Relator: Fonte Ramos – Proc. n.º 139381/13.2YIPRT.C1; e Ac. R.E. de 3/12/2015 – Relator: Bernardo Domingos – Proc. n.º 51776/15.9YIPRT.E1).
Mas há ainda que ter em conta as alterações introduzidas pelo Dec.Lei n.º 32/2003 de 17/2 quanto ao âmbito de aplicação do Dec.Lei n.º 269/98 de 1/9, as quais provocaram um entorse no sistema, porque o Art. 7.º n.º 1 daquele diploma alargou o âmbito de aplicação dos procedimentos às “transações comerciais” e “independentemente do valor da dívida”. Ao que acresce que, nos termos do n.º 2 do mesmo Art. 7.º, se estabeleceu que: «para valores superiores à alçada da 1.ª instância a dedução de oposição no processo de injunção determina a remessa para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum».
Portanto, no caso de dívidas de “transações comerciais” superiores à alçada da 1.ª instância, porque o processo passa a seguir a forma do processo declarativo comum, a oposição (contestação) pode admitir reconvenção, pois essa é a regra na forma de processo considerada (Art.s 266.º e 583.º do C.P.C. vigente) - (Neste sentido: Ac. R.P. de 15/5/2012 – Relator: José Eusébio de Almeida – Proc. n.º 176589/11.1PRT-A.P1; Ac. R.P. de 26/1/2015 – Relatora Rita Romeira – Proc. n.º 8336/14.7YIPRT-A.P1; e Ac. R.E. de 21/1/2016 – Relatora Elisabete Valente – Proc. n.º 74707/13.6IYPRT.E1).
Fora do âmbito de aplicação do Dec.Lei n.º 32/2003 de 17/2, a injunção nunca seguia a forma de processo comum. Logo, continua subordinada aos limites impostos pelos Art.s 15.º a 17.º do regime de procedimentos aprovado pelo Dec.Lei n.º 269/98 de 1/9. Ou seja, como só existem 2 articulados – o formulário de injunção e a oposição –, por força dos limites impostos pela lei, nestes procedimentos não é processualmente admissível a reconvenção.
Entretanto, o Dec.Lei n.º 32/2003 de 17/2 foi revogado pelo Dec.Lei n.º 62/2013 de 10/5, que fundamentalmente repete as mesmas regras no Art. 10.º n.º 1 e n.º 2, mas desta feita esclarece, no seu n.º 4, que as ações para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de “transações comerciais”, nos termos previstos nesse diploma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação.
Portanto, temos como regra geral que, para os processo de injunção em que o pedido é inferior a €15.000,00 (v.g. Art. 44.º n.º 1 da Lei 62/2013 de 26/8, que aprovou a Lei de Organização do Sistema Judiciário), como é o caso dos autos, em circunstância alguma a reconvenção é processualmente admissível.
Nestes casos, os princípios da simplicidade e celeridade processual, reportada à natureza dos litígios para que estes procedimentos foram criados, prevalece sobre o princípio da economia processual que justificaria a admissibilidade em geral dos pedidos reconvencionais, nos termos do Art. 266.º do C.P.C..
Esses limites impostos pelo interesse da celeridade e simplicidade em circunstância alguma prejudicam o direito de defesa do réu, porque este último não fica inibido do exercício do direito de ação, reclamando em processo próprio o crédito a que julga ter direito, não havendo por isso qualquer violação ao disposto no Art. 20.º da Constituição (neste sentido, vide: Ac. R.P. de 12/5/2015 (Proc. n.º 143043/14.5YIPRT.P1. – Relator: Rodrigues Pires); Ac. R.C. de 7/6/2016 (Proc. n.º 139381/13.2YIPRT.C1 – Relator: Fonte Ramos); e Ac. R.G. de 22/6/2017 (proc. n.º 69039/16.0YIPRT.G1 – Relatora: Ana Cristina Duarte) - todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Sem prejuízo, mesmo não sendo admissível a dedução de reconvenção, poder-se-ia sustentar que a R. ainda assim não estaria inibida de exercer o seu direito de defesa por exceção (Art. 571.º d C.P.C.), sendo que a compensação é configurável como exceção perentória na medida em que é suscetível de extinguir, no todo ou em parte, a obrigação de pagamento que era peticionada no requerimento injuntivo (Art.s 847.º e ss do C.C.).
É sabido que existia uma grande discussão doutrinária relativamente à natureza da defesa mediante a invocação de compensação de créditos, nomeadamente quando o contracrédito pretendido fazer valer pelo réu era de valor superior ao do crédito invocado pelo autor na petição inicial.
No âmbito do Código de Processo Civil anterior ao aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26/6 discutia-se se a invocação da compensação de créditos pelo réu na sua contestação deveria fazer-se sempre em reconvenção ou apenas quando o seu crédito era superior ao do autor e, na medida desse excesso, devendo ser arguida a título de exceção perentória nos restantes casos (vide: José Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1.º, 3.ª Ed. pág.s 520 e ss e Ac. STJ de 24/5/2006 in www.dgsi.pt).
Relembre-se, por exemplo, que Antunes Varela (in “Manual de Processo Civil”, 2.ª Ed., pág.s 330 a 332) defendia então que mesmo quando o crédito do réu era igual ou inferior ao crédito do autor, ainda assim, na medida em que a analogia o impunha (Art. 10.º do C.C.), deveria considerar-se que estávamos perante uma reconvenção, porque materialmente o réu não se limitava a obstar à procedência do pedido do autor, pois opunha-se a essa pretensão através da cobrança de um crédito próprio, o que importava na invocação duma relação creditícia diversa, que implicava na alegação duma causa de pedir própria e o reconhecimento duma contrapretensão autónoma.
A questão suscitava-se então no quadro do Art. 274.º do C.P.C. pretérito que estabelecida que a reconvenção era admissível quando o réu se propunha obter compensação. Entretanto, com a entrada em vigor do novo código, nos termos do Art. 266º n.º 2 al. c) do C.P.C. vigente, a reconvenção passou a ser admissível «quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.»
Dada a alteração da redação, parece que o legislador quis resolver a divergência doutrinal supra mencionada e no sentido pugnado por Antunes Varela, resultando deste novo preceito que a compensação de créditos deve ser sempre deduzida através de um pedido reconvencional, mesmo quando o valor do contracrédito é inferior ao do autor, até porque se trata de uma pretensão autónoma que ultrapassa a mera defesa (neste sentido: Ac. R.G. de 23/03/2017 (Proc. n.º 37447/15.0YIPRT.G1 – relatora: Alexandra Rolim Mendes).
Também no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8/7/2015 (Processo 19412/14.6YIPRT-A.P1, publicado em www.dgsi,pt) é defendida a tese de que «foi intenção do legislador de 2013 estabelecer que a compensação terá sempre de ser operada por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido». Portanto, nos casos em que o contracrédito do réu dependa de reconhecimento judicial para se tornar certo, líquido e exigível a sua situação jurídica, em substância, seria equiparável à da necessidade de dedução de pedido reconvencional (No mesmo sentido: Ac. R.C. de 7/6/2016 (Proc. n.º 139381/13.2YIPRT.C1 – relator: Fonte Ramos, disponível no mesmo sítio).
Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (in “Primeiras Notas ao Novo Código do Processo Civil” – Vol. I, 2ª ed., 2014, pág. 259) também concluem no mesmo sentido quando escrevem: «(…) devemos concluir que foi intenção do legislador estabelecer que a compensação terá sempre de ser operada por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido. Na falta de outra explicação para a intervenção legislativa, seria a querela acima referida a emprestar-lhe um contexto, o que obrigaria a concluir que o legislador pretendeu nela tomar posição, pondo fim a uma corrente jurisprudencial praticamente pacífica.»
Jorge Augusto Pais de Amaral (in “Direito Processual Civil”, 2015, 12ª ed., pág. 247) vai também no mesmo sentido quando escreve: «Atualmente, considerando o teor do preceito, sempre que o réu pretenda o reconhecimento do seu crédito, quer seja para obter a compensação, quer seja para obter o pagamento da parte em que o seu crédito excede o do autor, deve deduzir reconvenção. Entende-se que o pedido de compensação ultrapassa o mero pedido de defesa, pois o réu não se limita a invocar um facto extintivo do direito do autor, mas submete à apreciação do tribunal uma relação jurídica sobre o património do autor e, portanto, diferente da que foi configurada por este na ação.»
Lebre de Freitas (in Ob. Loc. Cit.) parece continuar a defender que a lei não logrou resolver o conflito anteriormente existente, ainda que no final conceda relativamente ao efeito prático apontado por Ramos Faria e Luísa Monteiro (in Ob. Loc. Cit. - anotação n.º 2.3 ao artigo 266.º) de que a supressão da réplica em resposta às exceções limita os direitos do A. ao conteúdo da nova relação jurídica invocada na contestação nos termos do Artigo 3.º n.º 3 do C.P.C., o que não é o mais conveniente para o bom desenrolar do processo. Assim, chega à conclusão de que: «Daqui se retirará que o réu passou a ter, no caso da compensação, o ónus de reconvir, formulando o pedido de mera apreciação da existência do contracrédito, com base no qual pode fazer valer, em exceção, a extinção do crédito da autor».
Efetivamente, a compensação que pressuponha o reconhecimento de um crédito, tem a natureza de uma demanda judicial com alguma autonomia relativa à instância principal inicial, tal como configurada na petição inicial, implicando a invocação de uma nova causa de pedir e de um pedido, pressupondo que a contraparte possa dispor dos meios processuais idóneos a contestar o crédito, invocando as exceções de direito substantivo pertinentes, as quais deveriam legitimar um direito de resposta que processualmente já não existe no Código de Processo Civil vigente (Vide: Ac. R.P. de 23/2/2015 – Proc. n.º 95961/13.8YIPRT.P1 – relator: Manuel Domingos Fernandes, disponível em www.dgsi.pt). Essa situação mostra-se agravada no caso dos autos, por não se coadunar com a celeridade e simplicidade do processo injuntivo subordinado à ação declarativa prevista no capítulo I dos procedimentos aprovados em anexo ao Dec.Lei n.º 269/98 de 1/9.
Em suma, à luz da atual lei processual civil e da intenção do legislador, em consonância também com o que nos parece ser o entendimento doutrinariamente maioritário, a compensação terá sempre que ser suscitada em sede de reconvenção, mesmo quando o crédito invocado pelo réu não exceda o do autor e no pressuposto de que esse crédito ainda não esteja reconhecido por decisão judicial.
Existem, no entanto, alguns casos em que os tribunais superiores têm vindo a admitir a defesa por invocação da exceção perentória de compensação, nomeadamente quando a imposição desse limite se traduza num caso de efetiva denegação de justiça material, por se coartar um meio de defesa importante e eficaz (neste sentido: Ac. R.P. de 24/1/2018 – Proc. n.º 200879/11.8YIPRT.P1 – Relator: Carlos Querido; e Ac. R.C. de 16/1/2018 – Proc. n.º 12373/17.1YIPRT-A.C1 – Relatora Maria João Areias – todos disponíveis em www.dgsi.pt).
É discutível que se possam aqui entrar em consideração critérios de oportunidade, mas mesmo assim não vemos motivo algum para deixar de admitir que a compensação possa funcionar como exceção perentória se o crédito do réu for logo aceito pelo autor sem discussão, ou quando não se coloquem questões relativas à sua certeza, liquidez ou exigibilidade, ou em todos os casos em que o processo não restrinja de forma relevante, quer o exercício do direito de ação para reconhecimento do crédito, quer o correspondente direito de defesa contra o mesmo.
Rui Pinto no seu Estudo “A Problemática da Dedução da Compensação no Código de Processo Civil de 2013”, publicado no blogue IPPC, pág. 19, opina que: «O que é importante é que o processo civil realize o direito material, independentemente do modo de expressão procedimental. Por isso, mesmo os processos especiais têm de assegurar ao devedor a possibilidade de opor ao seu credor a compensação, necessariamente fora da reconvenção. Essa possibilidade tem lugar pela contestação por exceção perentória». Mas o mesmo Autor logo de seguida cita também Miguel Teixeira de Sousa (in https://blogippc.blogspot.pt/), que é contra esta solução, opondo-lhe que a mesma seria completamente “contra legem”.
Feitas as ressalvas, diremos assim apenas que se a “expressão procedimental” do processo civil concretamente aplicável permitir o funcionamento da exceção de compensação sem prejuízo para a celeridade e simplicidade do processo e para os direitos das partes (v.g. direito de ação e direito de defesa) a solução deve ser encontrada no mesmo processo. Se não for possível obter esse desiderato, a defesa por compensação, porque em regra deve ser formulada em reconvenção, não é admissível, sem que com isso haja prejuízo de maior, tendo em atenção que o réu sempre poderá instaurar uma ação autónoma, onde terá à disposição todos os meios processuais adequados ao reconhecimento do seu direito, e ao devedor serão assegurados todos os meios de defesa.
Sucede que, polémicas à parte, no caso concreto dos autos a R. não deduziu efetivamente nenhum pedido reconvencional e, na verdade, também não resulta do seu articulado de oposição que pretendesse fazer valer um determinado contracrédito relativamente à A. nesta ação.
De facto, ao longo da contestação nada se refere sobre uma eventual intenção de exercer o direito à compensação de créditos, nem sequer se faz apelo aos normativos correspondentes, nem se especificam quaisquer valores que alegadamente estivessem em causa.
De facto, a conclusão da defesa da R. é a seguinte: «Artigo 50º - Os comportamentos acima descritos e assumidos pela requerente e a sua representante constituem violação, grosseira e grave, dos deveres contratuais específicos emergentes do contrato celebrado com a requerida e dos deveres gerais aplicáveis ao cumprimento das obrigações, nomeadamente, de agir com zelo, diligencia e com boa-fé. «Artigo 51º - Os factos acima descritos são imputáveis à requerente e determinam, para além da obrigação de indemnizar que em processo próprio se peticionará, a perda do direito em receber a quantia definida no contrato para a prestação de serviços, por incumprimento culposo do contrato. (sublinhado nosso) «Artigo 52º - Ao demandar a requerida, recorrendo ao processo de Injunção, a requerente litiga em abuso de direito, porquanto tem conhecimento de que incumpriu o contrato celebrado com a requerida e sabe dos prejuízos que o seu comportamento causou à requerida. «Artigo 53º - A presente demanda viola os deveres de boa-fé por constituir um pedido ao qual a requerente não tem direito e que não lhe deve ser concedido, exceções que expressamente se invocam, sendo vedado à requerida exercer o seu direito de defesa e de ação face à natureza e valor do processo e à sua regulamentação legal.» (sublinhado nosso).
Portanto, a R. autolimitou-se no exercício do seu direito de defesa, muito provavelmente por reconhecer a interpretação doutrinal e jurisprudencial que é feita da lei processual aplicável e, aceitando as consequências da mesma, reservou-se o direito de deduzir um pedido de indemnização contra a A. em ação que pretenderá instaurar.
Estamos assim perante um comportamento errático e contraditório por parte da defesa da R., ora Recorrente, que nos articulados assume uma defesa coerente com determinado entendimento, que não lhe permitiria a dedução de reconvenção ou a invocação da compensação de créditos, sendo que agora, em via de recurso, pretende sustentar posição diversa.
É certo que o Tribunal a quo admitiu em audiência final um requerimento probatório donde resultam vários documentos de que poderiam resultar a demonstração de despesas ou factualidade relevante para uma eventual formulação de pretensão indemnizatória contra a A.. Ainda assim, temos de ver este requerimento e a consequente produção de prova no contexto do procedimento judicial em causa.
Repita-se que uma das características desta ação declarativa é a sua celeridade e simplicidade, traduzida desde logo no facto de os meios de prova serem apresentados apenas na audiência final e haver limitação do número de testemunhas que cada parte pode apresentar (Art. 3.º n.º 1 “ex vi” Art. 17.º do regime dos procedimentos aprovados em anexo ao Dec.Lei n.º 269/98 de 1/9 – R.P.O.P.).
Assim, o requerimento probatório da R. foi apresentado no próprio dia da audiência final, dele constando 20 documentos, sem que se faça menção aos factos que com eles se pretendia provar.
Podemos constatar que a admissão desses documentos foi acrítica, sendo evidente que na ação não havia sido deduzido qualquer pedido reconvencional, tal como também não foi explicitamente invocada qualquer intenção de compensação de créditos, já que esta pressupõe declaração expressa nesse sentido, nos termos do Art. 848.º n.º 1 do C.C.. O que de facto não foi feito.
A única parte que falou em eventual “compensação”, foi apenas a A. na resposta à contestação, para aí dizer, no artigo 22.º, que: «E se é uma compensação de créditos que pretende fazer – entre os peticionados pela A. à retribuição acordada, e supostos créditos indemnizatórios por cumprimento defeituoso desta –, como poderia ela se efetivar entre um crédito certo, líquido e exigível (o da A.), e créditos ainda supostos e indeterminados (Artº 847º/1/a do C.C., a contrario?».
Neste contexto, não só não era percetível que tivesse sido invocada a exceção de compensação de créditos, como se evidencia que a A. limitou a sua intervenção probatória à prova da existência do seu crédito, pondo em dúvida os factos que a R. invocou como obstáculo à procedência da sua pretensão, que se resumia ao pedido de pagamento das mensalidades em falta emergentes do contrato de prestação de serviços, pretendendo assim provar a celebração do contrato, a prestação dos serviços no quadro do mesmo e que o preço não foi pago, arrolando e inquirindo para o efeito uma única testemunha.
Na prática, em respeito pela celeridade e simplicidade do processo em causa, a A. nem sequer se importou em discutir a eventual existência dos alegados contracréditos, assumindo uma defesa contra eles de natureza meramente jurídico-formal, tomando por boa a posição expressa nos articulados, nomeadamente na contestação, de que a R. iria instaurar uma ação com vista a obter o pagamento de indemnização pelos eventuais prejuízos por si sofridos.
A apresentação inesperada de 20 documentos em audiência final e o esforço da R. em introduzir na discussão da causa matérias que a própria tinha excluído de início, pretendendo antecipar um litígio futuro, traduziu-se num elemento de surpresa e inesperado no exercício do direito de defesa.
Acresce que esse pedido indemnizatório que a R. pretende formular em ação futura não poderá ser deduzido no quadro legal dos procedimentos previstos no Dec.Lei n.º 269/98 de 1/9. Em princípio deverá ser deduzido em processo declarativo comum, que garante melhor, quer o exercício pleno do direito de ação por parte da aqui R., quer do direito de defesa por parte da aqui A..
Veja-se que não é de excluir que a ora A. tivesse fundamento para se defender por exceção perentória relativamente ao crédito indemnizatório que a ora R. invoca. Ora, no âmbito da tramitação própria do procedimento em causa nos autos, a A. não tinha articulado próprio para o fazer, não sendo de esperar que o fizesse só perante um requerimento probatório em que a parte se limita a juntar 20 documentos.
Mas, por absurdo, vamos admitir que a A. apresentava uma defesa por exceção relativamente ao requerimento probatório da R.. Se o tivesse feito, a R. também não tinha articulado para responder a essa “contra-exceção”, ao contrário do que sucedia, por exemplo, no Código de Processo Civil pretérito, que admitia a tréplica nos casos de ter sido deduzida exceção à reconvenção (v.g. Art. 503.º n.º 1 do C.P.C. anterior).
Dito isto, assim se torna claro que os procedimentos aprovados em anexo ao Dec.Lei n.º 269/98 de 1/9 são completamente inadequados ao exercício do direito de reconvir, porque não permitem o exercício pleno dos direitos de ambas as partes.
Nestes termos, a prova produzida em audiência tinha de ficar subordinada ao entendimento expresso nos articulados e à tramitação célere do procedimento previsto no Dec.Lei n.º 269/98 de 1/9, relevando ainda que a pretensão indemnizatória da R. jamais poderia ser formulada com recurso a esta forma de processo, que efetivamente não oferece as mesmas garantias de defesa, no caso, para a A., relativamente a esse contracrédito.
Portanto, são razões de adequação formal e de garantia de um processo equitativo que justificam que, não só não seria admissível no caso a dedução de pedido reconvencional, como ainda que fosse admissível a defesa mediante a invocação de exceção perentória, no caso não seria admissível o reconhecimento de contracréditos de natureza indemnizatória, porquanto o formalismo do procedimento seguido não garantiria uma decisão justa sobre o reconhecimento desse alegado direito.
A verificação destas limitações não se traduzem em qualquer prejuízo para a R., porque não ficou por isso inibida de exercer o seu direito no momento oportuno e com as garantias de um processo justo e equitativo. Improcedem assim as conclusões que vão em sentido contrário ao ora exposto.
Sem prejuízo, mesmo não podendo ser relevados factos que apenas importem para a apreciação da “compensação” como exceção perentória, importará relevar toda a factualidade alegada pela R. na qual se sustentam alegados incumprimentos do contrato por parte da A., na medida em que possam relevar para a sua defesa.
Não poderemos deixar de relembrar que a existência de “incumprimento”, ou “cumprimento defeituoso”, corresponde ao sentido da defesa da R. expressa na oposição, pois é com esse fundamento que a mesma aí sustenta a justificação para não serem devidos os pagamentos das mensalidades aqui pretendidas cobrar pela A..
· Da impugnação da matéria de facto.
(...)
Deste modo, é alterada a redação da alínea “S” que passará a ter a seguinte redação: «S- No dia 27 de Maio de 2017, a Dr.ª Margarida P. levou do Infantário da R. vários documentos referentes ao projeto “Dream Makers” e à atividade da Direção Pedagógica da Ré.».
São ainda aditadas aos factos provados as alíneas X e Y com a seguinte redação: «X - Em consequência da desistência do projeto “Dream Makers” a ré tem de devolver à Agencia Nacional do Erasmus a quantia de 10.948,31€, dos quais 5.708,31€ foram recebidos pela ré e incorporados no seu património; 1.270,00€ foram recebidos pela Universidade de Cádis e 3.970,00€ pela Universidade de Zielonogorski.» «Y - Por conta do montante a devolver à Agencia Nacional do Erasmus, a ré pagou a quantia de 1.564,00€.»
No mais, improcede a impugnação da matéria de facto.
· Do crédito da A. e das exceções a ele apostas.
A sentença recorrida condenou a R. no pedido considerando que as partes celebraram um contrato de prestação de serviços retribuído, tal como o mesmo é definido no Art. 1154º do C.C.. O qual está supletivamente subordinado à disciplina legal do contrato de mandato (Art. 1156.º e 1157 e ss do C.C.)
Por força desse contrato a A. acordou em prestar a atividade de assessoria técnica no âmbito da direção pedagógica do Infantário da R., mediante uma remuneração mensal, que foi sendo sucessivamente revista “em baixa”, passando a partir de 1 de setembro de 2013 a ser no valor de €1.800,00, mais IVA (factos C a H).
Essa prestação era levada a cabo pela A. através da Dr.ª Margarida P., que passou a exercer as funções de Diretora Pedagógica do Infantário da R. (factos M e N).
A R. não pagou as faturas relativas aos serviços prestados pela A. relativos aos meses de março, abril e maio de 2017, os quais haviam sido oportunamente faturados (factos I, J e K).
Sucede que a Dr.ª Margarida P. remeteu uma carta, datada de 29/5/2017, a informar que, por motivos pessoais, deixaria de ser membro da Direção Pedagógica do Infantário e, no mesmo dia, a A. comunicou à R. que rescindia os serviços no âmbito do contrato, como efeitos a partir de 1 de junho de 2017 (factos Q e R).
Curiosamente, apesar de existirem faturas em dívida, não foi invocado esse facto como fundamento da decisão de rescindir o contrato.
De todo o modo, este contrato poderia ser sempre livremente revogado por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário (Art. 1170.º n.º 1 “ex vi” Art. 1156.º do C.C.), sem prejuízo de eventual direito a indemnização pelos prejuízos causados por essa decisão (Art. 1172.º do C.C.).
Em qualquer caso, quanto às prestações já vencidas na pendência do contrato e em face do caráter sinalagmático das contraprestações principais em causa, relativamente aos serviços prestados entre março e maio de 2017 era devida a correspetiva retribuição (Art. 406.º n.º 1 e Art. 1167.º al. b) “ex vi” Art. 1156.º do C.C.).
Foi isso que a sentença recorrida reconheceu, condenando a R. a pagar as 3 mensalidades em falta, tendo em atenção que, nos termos do Art. 817º do C.C., qualquer credor tem ao seu dispor a possibilidade de exigir judicialmente o cumprimento da prestação em falta, através de uma ação de condenação, sendo que, quando a obrigação tem prazo certo, há mora do devedor independentemente de interpelação (Art. 805º n.º 2, al. a) do C.C.).
Foi ainda ponderado na decisão recorrida que a R. invocou duas exceções perentórias: o “cumprimento defeituoso do contrato” e o “abuso do direito”.
Quanto ao cumprimento defeituoso, julgou-se não se ter apurado qualquer facto passível dessa conclusão, porque dos factos provados só resulta a situação relativa à desistência do projeto “Dream Makers” que apenas ocorreu depois do período a que se reporta a dívida peticionada.
Acrescentamos nós que, nestas condições, não era invocável a exceção do não cumprimento, estabelecida no Art. 428.º do C.C., não havendo fundado motivo para não pagar uma remuneração que era devida por um serviços que já havia sido prestado.
Quanto ao abuso de direito, a sentença recorrida entendeu que o direito exercido pela A., de reclamar o pagamento da retribuição pelos serviços prestados à R., não fere clamorosamente os limites impostos pela boa-fé, nem tampouco visa prejudicar ou comprometer os direito da R., pelo que não existiria abuso do direito, nos termos do Art. 334.º do C.C..
Não poderíamos estar mais de acordo com a sentença recorrida.
A única questão que alegadamente não foi apreciada, segundo a Recorrente, relaciona-se com o eventual direito da R. a ser indemnizada pela A. por força da revogação unilateral e antecipada relativamente ao termo do contrato, sem invocação de motivo justificativo.
Em causa estarão os prejuízos decorrentes da cessação abrupta da relação contratual, seja os relacionados com uma viagem planeada fazer a Cádis, seja os relacionados com a cessação do projeto “Dream Makers” e a necessidade de efetivação de reembolsos a cargo da R..
Sucede que, esta alegada omissão, tem a ver com a questão da admissibilidade do pedido reconvencional no quadro do processo de injunção e da possibilidade de ser invocada a exceção de compensação de créditos que já tivemos oportunidade de longamente apreciar no ponto 1. do presente acórdão.
Nesta parte, tal como a Recorrida sustenta, a sentença não se pronunciou sobre pedidos reconvencionais ou exceções de compensação, pela simples razão de que a R., na sua contestação, não formulou qualquer pedido reconvencional, nem declarou pretender exercer o direito à compensação de créditos.
A Recorrente, antecipando a questão, sustentou nas suas alegações de recurso que essas questões terão sido objeto de discussão em julgamento, tendo a A. tido oportunidade de responder à contestação.
Alguns arestos de tribunais superiores já se debruçaram sobre esta problemática, permitindo que excecionalmente seja discutida a relevância dessa exceção.
No sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/11/2015 (Proc. n.º 138557/14.0YIPRT.L1-2 – Relator: Jorge Leal), por exemplo, é sustentado que: «I- Em regra, não sendo admissível reconvenção na ação especial declarativa em que se tenha convolado injunção, o réu não pode invocar a compensação de crédito nela reclamado com contracrédito que não esteja já reconhecido; II- Porém, tendo o tribunal a quo concedido à autora a possibilidade de responder, em articulado próprio, à arguição de compensação e, apesar na resposta a autora ter mencionado, sucintamente embora, a inadmissibilidade de reconvenção nesta espécie processual, o tribunal a quo permitiu que a discussão se alargasse à matéria da compensação, sem reação de qualquer das partes, não deve a Relação, em sede de apelação, excluir a compensação de créditos do objeto do processo, enquanto exceção».
Na mesma linha vai o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 8/2/2018 (Processo n.º 96889/16.5YIPRT.E1 – Relator: Silva Rato) que também expressa o entendimento de que a exceção de compensação de créditos deve ser sempre deduzida por via de pedido reconvencional, em face do disposto no Art. 266.º n.º 2 al. c) do C.P.C., não sendo esta admissível no âmbito da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos destinada a obter o cumprimento de dívidas de valor inferior a €15.000,00. Mas depois ressalva: «V- No entanto, se o Tribunal a quo admitiu, implicitamente, a discussão da questão da compensação por via de exceção, o que fez caso julgado formal quanto à admissibilidade da invocação da compensação por via de exceção no processo (artigo 620.º do NCPC), o Tribunal a quo não poderia, posteriormente, vir a dizer que não é admissível a dedução de compensação por via de exceção».
Sucede que, o caso dos autos, não traduz uma situação semelhante à decidida nestes dois mencionados arestos.
Na presente ação a R. nunca invocou a compensação de créditos na contestação, como já tivemos oportunidade de realçar. Pelo contrário, a R. fez apenas tenção de deduzir uma futura ação de indemnização contra a A. (v.g. artigo 51.º da contestação).
O Mm.º Juiz quando convidou a A. a responder à contestação, não identificou nesse articulado a invocação duma exceção de compensação, porque não o poderia fazer. De facto, o despacho até é algo enigmático, referindo: «Ainda que se forma encapotada, a requerida alegou matéria passível de consubstanciar exceção perentória. Face ao exposto, determino a notificação da Autora para exercer o contraditório sobre a matéria de exceção invocada (artigos 3.º n.º 3 e 6.º do C.P.C.)» (sic - cfr. fls 14).
A A. respondeu às exceções claramente invocadas de “execução defeituosa” e “abuso de direito”, sendo que no artigo 22.º desse articulado levanta a possibilidade eventual da R. pretender uma “compensação de créditos”, para afastar a mesma por falta de certeza, liquidez e exigibilidade e indeterminabilidade de supostos direitos indemnizatórios.
Segue-se ainda o requerimento probatório apresentado em audiência final, com o qual são juntos 20 documentos, sem especificar os factos a que essa prova se destinava e no qual também não se deduz qualquer pedido reconvencional ou se formula uma pretensão clara no sentido de obter uma compensação de créditos.
É certo que a prova produzida em audiência final incidiu sobre esses documentos e dos mesmos resultam factos novos, mas complementares dos que haviam sido alegados nos Artigos 40.º e 41.º da contestação da R.. Só que da contestação não resulta que os factos assim completados ou concretizados tivessem sido alegados como fundamento duma exceção de compensação de créditos, já que aí foi logo expressa a intenção de vir a demandar a A. em ação a instaurar para esse efeito (Artigo 51.º desse articulado).
De facto, o sentido da defesa apresentada na contestação é de que esses factos deveriam ser relevados no contexto das exceções de “execução defeituosa do contrato” e de “abuso de direito”, que legitimariam o direito de não pagar as quantias reclamadas (artigos 48.º a 53.º do mesmo articulado).
Por isso, a sentença não se pronunciou sobre a “compensação de créditos”, porque essa exceção não foi alegada nos articulados, nem era pressuposto ser discutida. Essa questão só se colocou de forma clara com as alegações de recurso.
Acresce que a “compensação” prevista no Art. 847º do C.C., como causa de extinção das obrigações, depende da verificação dos seguintes requisitos: (i) serem duas pessoas reciprocamente credor e devedor; (ii) ser o crédito do compensante exigível judicialmente, sem oposição de qualquer espécie de exceção de direito material; (iii) terem as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade; (iv) a não exclusão, por força da lei, da compensação; e (v) a declaração de compensação de uma das partes à outra (vide: Acórdão da Relação de lisboa de 20/5/21014. Proc. n.º 2855128/10-8YIPRT.L1-7 – Relatora: Graça Amaral). Sendo que, pelas razões já expedidas, nós não sabemos se não é oponível ao crédito da R. qualquer exceção de direito material, porque a tramitação dos presentes autos também não permitia à A. invocar “exceções de direito material”.
De igual modo, para a compensação se tornar efetiva era preciso que uma das partes o declare perante a outra (Art. 848º n.º 1 C.C.), não sendo essa matéria de conhecimento oficioso. Ora, no caso, esses factos não foram alegados, nem foram provados.
Em suma, a sentença não poderia ter tomado conhecimento duma questão que não lhe foi suscitada (Art. 608.º n.º 2, 2.ª parte, do C.P.C.) e o Tribunal de Recurso não poderá apreciar uma questão nova que apenas é invocada de forma clara pela primeira vez em sede de recurso (Art.s 627º n.º 1, 639º n.º 1 e n.º 2 e 615º n.º 1 al. d), 2.ª parte, “ex vi” Art. 666º n.º 1, C.P.C.).
Resta apenas dizer que os factos novos aditados à matéria de facto não alteram em substância a decisão da primeira instância, porque reportam-se a comportamentos da A., e consequências da sua ação, posteriores à cessação do contrato e não justificam o alegado, mas inexistente, “direito ao não pagamento das faturas em dívida”.
O direito à compensação de créditos, a existir, deverá ser exercido em ação própria, como foi intenção expressa pela R. fazer desde que apresentou a sua contestação.
Finalmente, a pretensão formulada no sentido de reconhecer que a R. deve pagar à A. a quantia de €567,69 não tem qualquer fundamento, sendo evidente que a sentença recorrida deve ser confirmada na sua parte dispositiva, improcedendo as conclusões que sustentam entendimento diverso.
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V- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação, nos seguintes termos:
A) Julgamos a impugnação da matéria de facto provada parcialmente procedente do seguinte modo:
A1) A redação da alínea “S” dos factos provados passa a ter a seguinte redação:
«S- No dia 27 de Maio de 2017, a Dr.ª Margarida P. levou do Infantário da R. vários documentos referentes ao projeto “Dream Makers” e à atividade da Direção Pedagógica da Ré.».
A2) São aditados aos factos provados as alíneas “X” e “Y” com a seguinte redação: «X - Em consequência da desistência do projeto “Dream Makers” a ré tem de devolver à Agencia Nacional do Erasmus a quantia de 10.948,31€, dos quais 5.708,31€ foram recebidos pela ré e incorporados no seu património; 1.270,00€ foram recebidos pela Universidade de Cádis e 3.970,00€ pela Universidade de Zielonogorski.» «Y - Por conta do montante a devolver à Agencia Nacional do Erasmus, a ré pagou a quantia de 1.564,00€.»
A3) No mais improcede a impugnação da matéria de facto.
B) Julgamos manter a sentença recorrida na parte dispositiva que condenou a R. no pedido.
- Custas pela apelante (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.).
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Lisboa, 5 de Julho de 2018