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RESPONSABILIDADE MÉDICA
OBRIGAÇÃO DE MEIOS
PRESUNÇÃO DE CULPA
Sumário
· Embora no contrato de prestação de serviços definido no art. 1154.º do Código Civil se consagre a obrigação de uma das partes proporcionar à outra certo resultado, no contrato de prestação de serviços médico-cirúrgicos com colocação de implantes, o médico assume e uma obrigação de meios quanto à aplicação da mesma no organismo do paciente segundo as «leges artis». · O médico não responde pela falta de obtenção do resultado visado com a cirurgia, cura ou melhoramento do estado de saúde, visto que a aceitação ou rejeição pelo organismo daquele corpo estranho escapa ao seu controlo. Assim, o que legitima o recurso à presunção de culpa no incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato, prevista no artigo 798.º do Código Civil, é a prática de algum erro no que respeita aos meios e técnicas de tratamento adotados de harmonia com as «leges artis».
Texto Parcial
Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I. RELATÓRIO. S. DE MIRANDA intentou a presente ação declarativa sob forma comum, contra ANTÓNIO R. pedindo a condenação do Réu no pagamento da quantia global de €191.855,00, sendo € 180.000,00 a título de ressarcimento de danos patrimoniais, bem como no pagamento de todas as despesas futuras, de natureza médica e medicamentosa e com exames complementares, até integral recuperação da Autora, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento. Alegou, em síntese que contratou os serviços do Réu como médico-cirurgião, para a reparação de uma assimetria das mamas, através de uma mamoplastia com aplicação de implante de qualidade superior, que o Réu apresentou-se como especialista em cirurgia plástica e reconstrutiva, mas sendo especialista em cirurgia geral, tendo convencido a Autora a realizar uma mamoplastia de aumento, uma correção da assimetria mamária e uma lipoaspiração (de que a A. não carecia) e que, na sequência da cirurgia realizada em 23/7/2013, onde o Réu aplicou modelos mais baratos de implantes, a Autora ficou com palidez do complexo areolo mamilar que evoluiu em necrose, sofreu de dor excessiva e desconforto no local afetado, equimoses e libertação de pus, ficando com os tecidos mamários comprometidos e com um mamilo destruído, assim perdendo a possibilidade de amamentar com o mesmo, para além da deformidade de ambos os seios, a par da assimetria e diferença de volume mamário, e sem que o Réu alguma vez lhe houvesse comunicado que o resultado pretendido poderia não ser exatamente o desejado e que, para além disso ainda ficou, em consequência da lipoaspiração, com o umbigo disforme, com uma prega de pele descaída que antes não tinha, com altos dolorosos na barriga, onde o Réu aplicava injeções extremamente dolorosas e que a incapacitavam para as tarefas diárias. Acrescentou que o Réu prontificou-se à realização de uma nova cirurgia para reparar os danos causados no corpo da Autora, o que esta aceitou, tendo decorrido da mesma o agravamento das lesões, com cicatrizes espessas, visíveis e inestéticas, com mais de 30 centímetros e atravessando toda a largura do peito, e com mais dores e traumas, para além da continuação da disparidade do volume e da assimetria mamária, ficando a Autora totalmente incapaz de amamentar, por ter perdido a sensibilidade nos mamilos e por ter dores agudas no local das cicatrizes. Referiu que em consequência da atuação do Réu a Autora sente repulsa e desprezo pelo seu corpo, com distúrbios alimentares, restrições da vida social e sexual e fazendo com que não engravidasse, e tendo de ter acompanhamento psicológico, para além de ter despendido € 350,00 em despesas médicas e medicamentosas, e que tendo-se o Réu prontificado para a realização de uma terceira cirurgia, que a Autora recusou, em razão do trauma vivido pelas experiências anteriores, carecendo porém, de uma nova cirurgia, com um custo de € 11.505,00, para correção da cicatriz quelóide, através da diminuição da visibilidade da mesma. Citado o Réu, o mesmo contestou, impugnando os factos alegados pela Autora, alegando que foi esta quem solicitou os seus serviços para a colocação de implantes mamários porque queria ter mamas maiores, tendo-lhe também pedido a lipoaspiração, sendo que as dores são inerentes à realização da cirurgia, decorrendo a intensidade das mesmas da capacidade da Autora de as suportar, e sendo que as cicatrizes e deformidades decorrem da anatomia e do tipo de pele da Autora, tendo-se a mesma recusado a deixar que efetuasse os procedimentos necessários à sua correção, antes optando por procurar outro médico. Invocou a existência de um contrato de seguro, pelo qual transferiu a sua responsabilidade por danos causados a terceiros no exercício da sua atividade como médico, assim alegando que a seguradora com a qual contratou será igualmente responsável em caso de condenação, pedindo, em consequência, a intervenção principal da mesma, Pugnou pela improcedência da ação. Foi admitida a intervenção principal requerida, sem oposição da Autora, tendo a Ré sido citada e apresentado contestação onde, para além de confirmar a existência do contrato de seguro, acompanhou a defesa por impugnação do Réu, concluindo pela improcedência da ação, com a sua absolvição do pedido.
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Teve lugar a audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, tendo sido identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova, sem reclamação.
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Procedeu-se à realização da audiência final, vindo a ser proferida sentença que julgando a ação improcedente, absolveu os Réus do pedido formulado pela Autora.
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Inconformada com esta decisão, dela apelou a Autora, formulando as seguintes conclusões: (...)
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Os Réus contra-alegaram, apresentando, por seu turno, as seguintes conclusões: (...) Terminou pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
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II. QUESTÕES A DECIDIR. Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, impõe-se conhecer das questões colocadas pela Apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sendo o julgador livre na apreciação e aplicação do direito, nos termos do disposto no artigo 5º, n.º 3 do Código de Processo Civil. Assim, no caso concreto, importa apreciar e decidir: - se procede a impugnação da matéria de facto; e - se se mostram verificados os pressupostos de responsabilidade civil do Réu em que a Autora funda a sua pretensão e se devem os Réus e em que termos, ser condenados a pagar à Autora o montante pela mesma peticionado.
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III. FUNDAMENTAÇÃO. III.1. O Tribunal Recorrido considerou provados os seguintes factos: 1. O 1º R. exerce profissionalmente a atividade de médico, na especialidade de cirurgia geral. (acordo) 2. Enquanto cirurgião geral o 1º R. obteve competência em cirurgia plástica e reconstrutiva, tendo sido responsável, entre 1999 e 2007, pela equipa de reconstrução mamária (após mastectomia por cancro da mama) no serviço de cirurgia do Hospital de Cascais, integrado no SNS. (acordo) 3. Em Junho de 2013 a A. procurou o 1º R., pretendendo uma mamoplastia de aumento, com correcção da assimetria das mamas. 4. A assimetria das mamas da A. era visível a olho nu. (acordo) 5. A A. foi acompanhada pelo 1º R. ao longo de vários meses, deslocando-se ao consultório médico deste para as consultas de pré-cirurgia, tendo o 1º R. comunicado à A. a intenção de realizar uma mamoplastia de aumento, com correcção da assimetria mamária, e uma lipoaspiração abdominal. (acordo) 6. Nas referidas consultas o 1º R. foi prestando alguns esclarecimentos, nomeadamente a localização das cicatrizes, a localização dos implantes e o tamanho mais adequado dos mesmos, tudo factores que contribuíram para o estabelecimento de uma relação de confiança entre a A. e o 1º R. (acordo) 7. Nessas consultas a A. manifestou ao 1º R. o seu receio de que o procedimento cirúrgico não corresse bem, partilhando com o mesmo que a sua irmã teve uma má experiência com uma cirurgia electiva, ao que o 1º R. a tranquilizou. (acordo) 8. Na sequência dessas consultas, em 23/7/2013 a A. assinou um documento intitulado “consentimento informado” e com o seguinte teor: “Para os devidos efeitos a Sra. Dª S. de Miranda declara que foi informada pelo Dr. António R. sobre o procedimento que vai ser realizado (Mamoplastia de aumento e lipoaspiração). A Sra. Dª S. Miranda declara ter sido suficientemente informada e que todas as informações prestadas pelo Dr. António R. foram perfeitamente entendidas e aceites, tendo sido esclarecida de eventuais complicações imediatas e tardias”. 9. Ao assinar tal documento e ao aceitar submeter-se ao procedimento cirúrgico aí identificado a A. estava confiante que alcançaria o objectivo de melhorar o seu aspecto físico, com o aumento das mamas, e de ultrapassar a assimetria das mesmas, tudo por via da colocação dos implantes mamários. 10. Nessa mesma data de 23/7/2013 a A. foi submetida a uma mamoplastia de aumento e a uma lipoaspiração abdominal, ambas realizadas pelo 1º R. (acordo) 11. A mamoplastia de aumento é um procedimento cirúrgico já considerado usual na classe médica, com reduzidos riscos inerentes a todas as intervenções cirúrgicas, e da qual raramente decorrem complicações. (acordo) 12. Após a cirurgia de 23/7/2013 a A. sofreu de desconforto no local afectado. (acordo) 13. Após a mamoplastia de aumento um dos pontos abriu e drenou durante algum tempo uma serosidade. 14. Em consequência da lipoaspiração abdominal, e apesar de não ter sido realizada pelo 1º R. qualquer incisão na área circundante do umbigo, a A. ficou com uma prega de pele descaída, que não tinha antes. (acordo) 15. Em consequência da lipoaspiração abdominal a A. ficou com altos dolorosos na barriga, tendo o 1º R. aplicado tratamentos de mesoterapia, que correspondem a injecções, que para a A. eram extremamente dolorosas. (acordo) 16. Após a cirurgia de 23/7/2013 a assimetria das mamas da A. continuava a ser visível a olho nu. 17. A continuação da assimetria das mamas da A. após a colocação dos implantes mamários decorreu de um prolongamento axilar da A. mais desenvolvido à direita que à esquerda, que impediu a subida da prótese do lado direito. 18. O 1º R. propôs à A. a realização de uma nova cirurgia, destinada a corrigir a assimetria das mamas da mesma, bem como a eliminar a prega de pele descaída, que a A. não tinha antes da cirurgia de 23/7/2013. 19. Tendo a A. aceite a proposta do 1º R., em 15/4/2014, foi submetida a uma correcção mamária com colocação de próteses assimétricas, bem como a uma mini-abdominoplastia superior com incisão infra-mamária, ambas realizadas pelo 1º R., para correcção da assimetria mamária e do excesso de pele supra umbilical pós lipoaspiração. 20. Antes da realização desta cirurgia a A. assinou um documento intitulado “declaração de consentimento informado”, onde declarou ter sido esclarecida pelo 1º R. sobre a sua situação clínica, mais declarando ter-lhe sido explicados quais os meios ou formas de tratamento possíveis, que lhe foram propostos os procedimentos cirúrgicos que vieram a ser realizados (correcção mamária com colocação de próteses assimétricas e mini-abdominoplastia superior com incisão infra-mamária), e que lhe foram dados a conhecer em pormenor os seus objectivos, benefícios e possível complicações, mais declarando ter entendido perfeitamente a intervenção referida e declarando ainda dar o seu acordo à mesma. 21. A incisão infra-mamária deixou uma cicatriz horizontal atravessando toda a largura do peito. 22. Tal cicatriz horizontal mostra-se espessa, visível e inestética, devido à formação de quelóide. 23. Tal formação de quelóide decorreu da anatomia e do tipo de pele da A. 24. O 1º R. prontificou-se perante a A. a realizar uma terceira intervenção cirúrgica, para correcção de tal cicatriz com formação de quelóide, o que a A. recusou. 25. Em 20/11/2014 a A. foi a uma consulta de cirurgia plástica com o Dr. C. Johnsson, que lhe propôs a realização de uma cirurgia com retirada dos implantes e troca por tamanhos mais pequenos, com o acerto das aréolas, com a revisão das cicatrizes com a finalidade de simetrizá-las, com a aplicação de corticóide na união da cicatriz das mamas (sobre o esterno) um mês antes da cirurgia, e com pequena lipo com a finalidade de colher gordura para ser enxertada nas depressões acima do umbigo e abaixo da parte central das mamas, mais orçamentando o custo total da mesma em €11.505,00. 26. A “revisão das cicatrizes” proposta pelo Dr. C. Johnsson corresponde ao mesmo procedimento cirúrgico que o 1º R. se prontificou perante a A. a realizar através de uma terceira cirurgia, para correcção da cicatriz com formação de quelóide, minimizando a sua visibilidade. 27. Em 13/1/2015 a A. despendeu a quantia de € 200,00 com uma ressonância magnética mamária. 28. Em 5/2/2015 a A. despendeu a quantia de € 15,00 com um acto médico. 29. Em 10/3/2015 a A. despendeu a quantia de € 15,00 com uma consulta de ginecologia-obstetrícia. 30. Em 24/3/2015 a A. despendeu a quantia de € 30,00 com uma consulta de cirurgia plástica. 31. Entre o 1º R. e a 2ª R. foi celebrado e encontra-se em vigor um contrato de seguro do ramo responsabilidade civil profissional – médicos, titulado pela apólice nº 0084.05.946832, cujo início teve lugar a 1/4/1994, e garantindo, desde 1/1/2005, a responsabilidade civil extracontratual em que pudesse incorrer o 1º R. em virtude da sua actividade médica, até ao montante de € 300.000,00, uma vez que o capital da anuidade (€ 600.000,00) fica limitado, em cada sinistro, a 50% do respectivo valor, sendo aplicada a cada sinistro, relativamente a danos patrimoniais, uma franquia de 10% do valor reclamado, com um mínimo de € 125,00. (acordo e documento)
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Na mesma decisão foram considerados não provados os seguintes factos: · A reparação da assimetria das mamas pretendida pela A. só poderia ser realizada mediante uma mamoplastia com aplicação de implantes; · O 1º R. apresentou-se à A. como médico da especialidade da cirurgia plástica e reconstrutiva e com elevados conhecimentos e experiência na área da cirurgia plástica e reconstrutiva; · Ao empregar a expressão “especialista” o 1º R. dá a ideia que se trata de um médico inscrito nos quadros dos Colégios de Especialidade da Ordem dos Médicos e que possui o reconhecimento da subespecialidade ou competência que menciona; · A especialização de um médico em cirurgia geral não atribui competências específicas na área da cirurgia plástica e reconstrutiva; · O 1º R. omitiu conscientemente à A. que no seu internato complementar não fez estágios de cirurgia plástica e reconstrutiva, incluindo a cirurgia da mão, maxilo-facial e crânio maxilo-facial, de tratamento de queimados e cirurgia estética; · A A. foi exposta a um risco consideravelmente agravado pelo facto do 1º R. não ter qualificações atribuídas por uma especialização em cirurgia plástica reconstrutiva e estética; · Nunca havia ocorrido à A. realizar a lipoaspiração referida em 5. mas o 1º R. convenceu-a que seria melhor realizar este procedimento, bem como a mamoplastia de aumento, através da qual seria corrigida a assimetria mamária; · Aquando da manifestação dos receios da A. referida em 7. o 1º R. assegurou à A. que nada correria mal; · A A. aceitou a realização da cirurgia de 23/7/2013 como forma de solucionar a assimetria das mamas; · A assimetria das mamas da A. afectava-a a nível da sua auto-estima, vida pessoal e relação conjugal. · Após a cirurgia de 23/7/2013 foi notada palidez do complexo aréolo-mamilar, tendo o mesmo evoluído em necrose; · Após a cirurgia de 23/7/2013 a A. sofria de dor excessiva, equimoses e libertação de pus pela ferida, devido aos tecidos necrosados; · Após a cirurgia de 23/7/2013 os tecidos mamários que recobrem o implante estavam fortemente comprometidos, com problemas de cicatrização, aparência infectada e inflamada; · Foram aplicadas algumas medidas para atenuar os efeitos que a A. estava a sentir, mas estas apenas evoluíram para sofrimento em todos esses procedimentos e insucesso total, culminando na perda da possibilidade de amamentar com o mamilo destruído; · Depois de todos os danos causados pela cirurgia, incluindo tratamento hospitalar, a dor física durante o tratamento e, logo após, a repulsa, frustração e a angústia sofridas pela A., da cirurgia de 23/7/2013 decorreu a deformidade irreparável de ambas as mamas da mesma, ficando as próteses com diferentes alturas e os mamilos geometricamente desalinhados, desnivelados e com as aréolas mamárias descentradas, bem como diferença de volume mamário; · Relativamente ao ponto cirúrgico que abriu e drenou durante algum tempo uma serosidade, tal ocorreu em consequência da incorrecção da técnica utilizada pelo 1º R. para a realização do procedimento cirúrgico em questão; · Relativamente à assimetria das mamas da A. que continuava a ser visível a olho nu após a cirurgia de 23/7/2013, tal ocorreu em consequência da incorrecção da técnica utilizada pelo 1º R. para a realização do procedimento cirúrgico em questão; · Relativamente à lipoaspiração abdominal, a A. ficou com o seu umbigo disforme; · Relativamente à prega de pele descaída com que a A. ficou em consequência da lipoaspiração abdominal, tal ocorreu em consequência da incorrecção da técnica utilizada pelo 1º R. para a realização do procedimento cirúrgico em questão; · Relativamente aos altos dolorosos na barriga com que a A. ficou em consequência da lipoaspiração abdominal, tal ocorreu em consequência da incorrecção da técnica utilizada pelo 1º R. para a realização do procedimento cirúrgico em questão; · Em consequência dos tratamentos de mesoterapia referidos em 15. a A. ficava impossibilitada de realizar quaisquer tarefas domésticas e até de tomar conta da sua filha menor; · Quando a A. contactou o 1º R. após a cirurgia de 23/7/2013 apenas pretendia que este a auxiliasse nos tratamentos e cuidados médicos necessários para as dores insuportáveis que estava a sentir; · O 1º R. reconheceu perante a A. que lhe havia causado danos nas mamas com a cirurgia de 23/7/2013, propondo-se corrigir e suavizar tais danos através de uma nova cirurgia; · O 1º R. nunca comunicou à A. que haveria possibilidade de se manter o desalinhamento das mamas; · A A. solicitou ao 1º R. a colocação de um implante de qualidade superior, com menor probabilidade de rejeição, pedido que o 1º R. não respeitou, colocando um modelo mais barato; · Com a cirurgia de 15/4/2014 o 1º R. não reparou qualquer um dos danos causados à A. pela cirurgia de 23/7/2013; · Com a cirurgia de 15/4/2014 o 1º R. agravou as lesões da A. provocadas pela cirurgia de 23/7/2013, mantendo-se a disparidade do volume mamário e as assimetrias dos mamilos, bem como cicatrizes grosseiras e visíveis nos seios, decorrentes da falta de mestria do 1º R. nos procedimentos cirúrgicos realizados; · A cicatriz referida em 21. tem mais de 30 centímetros de comprimento; · O aspecto referido em 22. da cicatriz referida em 21. decorre da falta de mestria na técnica cirúrgica utilizada pelo 1º R., não correspondendo às técnicas actuais utilizadas para aplicações de implantes mamários, que deixam cicatrizes de tamanho muito reduzido; · A prestação do 1º R. em cada uma das duas cirurgias foi inconsciente e descuidada; · Após a recusa referida em 24., a A. procurou auxílio junto de outros médicos e especialistas, visando obter tratamentos que minimizassem as dores e infecções resultantes das cirurgias, bem como atenuassem as deformidades nas suas mamas; · A A. realizou vários exames na Clínica de Santo António, que vieram comprovar as disformidades nas suas mamas; · Em consequência das cirurgias realizadas pelo 1º R. a A. ficou totalmente incapaz de amamentar, por ter perdido toda a sensibilidade nos mamilos e por sentir dores agudas no local das cicatrizes; · Para a sua recuperação a A. nunca obteve ajuda do 1º R., contando somente com o apoio dos familiares; · A A. sentiu pânico quando constatou o estado em que o seu corpo se encontrava após a cirurgia; · Por força das complicações verificadas no pós-operatório e causadas pelo 1º R., advieram dores e mal-estar à A.; · O sentimento de repulsa e frustração da A. levou-a a frequentar regularmente consultas da especialidade da psicologia; · O sentimento da A. de angústia e desprezo pelo seu corpo é tão preocupante que a levou a distúrbios alimentares, resultando em flutuações de peso, sem contar as restrições à vida social, nomeadamente, a vergonha em colocar trajes de banho, dificuldade para realizar actividades físicas e prejuízo na vida sexual do casal; · O complexo com tal situação reflectiu-se no relacionamento com seu marido e com a sua filha, fazendo inclusivamente com que não engravidasse com o medo de não poder amamentar; · A A. não vive em paz com o seu corpo, não sendo capaz de gostar de si mesma, o que acarreta forte pressão sobre a sua vida íntima; · Actualmente a A. sente-se uma pessoa menos atraente, com dificuldades em olhar para o seu reflexo no espelho, por se sentir insatisfeita com a imagem que vê, conduzindo a uma vida de insatisfação e frustração; · Os danos causados à A. pelas cirurgias efectuadas pelo 1º R. decorrem do facto deste não ter qualificações atribuídas por uma especialização em cirurgia plástica reconstrutiva e estética; · Os gastos referidos em 27. a 30. destinaram-se ao tratamento dos danos decorrentes das cirurgias efectuadas pelo 1º R.
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III.2. Da impugnação do julgamento da matéria de facto. (...) Improcede, pois, a impugnação da matéria de facto. A decisão da matéria de facto mantém-se inalterada, pelo que nos dispensamos de a voltar a reproduzir.
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III.3. Os factos e o direito. Mantendo-se inalterada a factualidade provada, afigura-se de manter o enquadramento jurídico feito pelo Tribunal recorrido. Ali se considerou que entre Autora e Réu estabeleceu-se uma relação contratual, caraterizada como contrato de prestação de serviço, tipificado no artigo 1154º do CC, que o define como «aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição» e que, no âmbito do contrato de prestação de serviços médicos, em geral, não recai sobre o médico o dever de promover a cura do doente com quem contrata ou a obrigação de lhe restituir a saúde, mas somente a obrigação de empreender todos os meios adequados à obtenção de tal resultado, considerando-se que a obrigação do médico é uma obrigação de meios, e não de resultado. Porém, como também se referiu na decisão recorrida, em casos como o dos autos, em que está em causa uma cirurgia estética ou reconstrutiva, que se destinava a corrigir um determinado defeito físico e a melhorar a aparência ou a imagem da ora Autora, a dimensão do resultado assume maior relevância. Neste tipo de casos, se é certo que a obrigação do médico não é uma obrigação de resultado, com o médico a comprometer-se “em absoluto” com a melhoria estética desejada, prometida e acordada, tem vinco a ser entendido que se trata de uma obrigação de quase resultado porque é uma obrigação em que “só o resultado vale a pena”, e em que a ausência de resultado ou um resultado inteiramente desajustado são a evidência de um incumprimento ou de um cumprimento defeituoso da prestação por parte do médico devedor. Afigura-se que não está liminarmente afastada a possibilidade de qualificar determinado ato médico contratado, como consubstanciador de uma “obrigação de resultado”, como sucede, por exemplo no caso de uma análise clínica. Já assim não pode suceder quando se trata de intervenções cirúrgicas, maxime de cirurgias precedidas de procedimentos anestésicos, mesmo que se trate de cirurgias gizadas por objetivos puramente estéticos. Em todas essas circunstâncias um qualquer médico consciencioso, cumpridor dos seus deveres legais e deontológicos e ciente das vicissitudes de qualquer operação cirúrgica, apenas se pode comprometer seriamente com a utilização dos meios que, em concreto, se ajustarem à respetiva situação, cumprindo a sua obrigação quando, depois de esclarecer devidamente o doente dos riscos associados à intervenção cirúrgica, emprega os conhecimentos e as técnicas ditadas pelas leges artis da especialidade, usando para o efeito de toda a diligência, profissionalismo, dedicação ou perícia que as concretas circunstâncias exigirem. Recentemente, o Acórdão do STJ de 26/04/2016, proferido no processo n.º 6844/03.4TBCSC.L1.S1, considerou que no contrato de prestação de serviços médico-cirúrgicos com colocação de prótese, o médico assume uma obrigação de resultado quanto à elaboração da prótese adequada à anatomia do paciente, e uma obrigação de meios quanto à aplicação da mesma no organismo do paciente segundo as leges artis. Ali pode ler-se que “em matéria de aplicação de próteses, no entanto, como explica Rute Teixeira Pedro in “A responsabilidade civil do médico”, pág. 100, existe uma especificidade que leva a que, em regra, seja apresentada como exemplo de uma intervenção em que o médico se vincula à consecução de um resultado. Trata-se, porém, de uma atividade complexa, em que o profissional médico assume obrigações de vária natureza, sendo necessário fazer uma distinção entre a atividade de elaboração da prótese e a de aplicação da mesma no organismo do paciente. No que se refere à primeira, o médico compromete-se a elaborar um dispositivo que se adeque à anatomia do concreto doente, de acordo com regras técnicas precisas, assumindo nessa medida uma obrigação de resultado. Mas no que respeita à segunda, na medida em que a aceitação ou rejeição de um corpo estranho pelo organismo depende de um conjunto de fatores que o profissional não consegue controlar, a obrigação assumida deverá qualificar-se como obrigação de meios. Ou seja, no contrato de prestação de serviços médico-cirúrgicos, com exceção da elaboração de prótese ou de outros casos restritos como a cirurgia plástica, o cirurgião assume, em geral, uma obrigação de meios, ficando sujeito à obrigação de aplicar, em todas as fases da sua intervenção, as leges artis adequadas. E, considerando-se a obrigação do médico uma obrigação de meios, não se pode afirmar que tenha deixado de cumprir o contrato se não logrou atingir a finalidade de cura, ainda que entendida esta como a eliminação ou diminuição do sofrimento do paciente mantendo este, ou melhorando, as suas anteriores capacidades, visada por meio do tratamento adotado. Daí que, no domínio da responsabilidade contratual, a menos que a obrigação assumida pelo médico seja precisamente de resultado, não seja a falta de obtenção do resultado – cura ou melhoramento do estado de saúde – pretendido que significa incumprimento e determina o recurso à presunção de culpa acima aludida. O que legitima o recurso a essa presunção é, antes, a prática de algum erro no que respeita aos meios e técnicas de tratamento adotados, o qual se verifica quando ocorra uma falha profissional, não intencional, no que se refere aos instrumentos ou técnicas de intervenção utilizados, por não se encontrarem de acordo com as leges artis. Ou seja, considerando-se a obrigação do médico uma obrigação de meios, sobre ele recai o ónus da prova de que agiu com a diligência e perícia devidas, e portanto sem culpa, se se quiser eximir à sua responsabilidade decorrente de incumprimento, o que pressupõe que se demonstre que, previamente ao funcionamento da presunção, tenha havido e ficado provado o incumprimento. A responsabilidade no âmbito do contrato de prestação de serviços depende da prova duma situação que traduza incumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação. E, tratando-se, como é o caso, de prestação de serviços médicos, a responsabilidade médica, por negligência, por violação das leges artis, tem lugar quando, por indesculpável falta de cuidado, o médico deixe de aplicar os conhecimentos científicos e os procedimentos técnicos que, razoavelmente, face à sua formação e qualificação profissional, lhe eram de exigir: a violação do dever de cuidado pelo médico traduz-se precisamente na preterição das leges artis em matéria de execução da sua intervenção. Na sua maioria, os contratos de prestação de serviços médicos integram, como se referiu, uma obrigação de meios, não implicando, assim, a não obtenção do resultado final visado com os tratamentos e intervenções, a inadimplência contratual, cabendo por isso ao paciente provar a falta de diligência do médico, a falta de utilização de meios adequados de harmonia com as leges artis, o defeito do cumprimento, ou que o médico não praticou todos os atos normalmente considerados necessários para alcançar a finalidade desejada: é essa falta que integra erro médico e constitui incumprimento ou cumprimento defeituoso. E só depois dessa prova funcionará, no domínio da responsabilidade contratual, a dita presunção de culpa.” No caso dos autos, em que a cirurgia programada acordada entre as partes implicava a colocação de implantes mamários, embora se situe no campo da cirurgia estética, competência adquirida pelo Réu no âmbito da sua experiência profissional de cirurgião geral, não podemos deixar de entender que a obrigação do Réu não pode deixar de ser qualificada como uma obrigação de meios – a de colocar à disposição da ora Autora os seus melhores conhecimentos cirúrgicos tendo em vista a pretendida alteração estética – o aumento mamário, a correção da correção da respetiva assimetria e redução da gordura localizada no ventre. Não podia, porém, o Réu, pela natureza do procedimento, garantir a ausência de reação adversa do organismo aos implantes, a inexistência de processos inflamatórios pós-operatórios, decorrente da reação do organismo a corpos estranhos e ao próprio procedimento cirúrgico, ou do sofrimento físico inerente a todo o processo. Não podia, como se diz na decisão recorrida, garantir que “nada corria mal”. E se é certo que não se demonstrou terem sido atingidos exatamente os resultados pretendidos mencionados na decisão recorrida, designadamente a cicatriz infra mamária invisível, ou o menos visível possível, não se demonstrou o incumprimento pelo Réu da «leges artis», não se tendo demonstrado lesão não consentida pela Autora, nem qualquer outro ato ilícito de que decorra a obrigação de indemnizar. A Autora foi sempre esclarecida dos atos médicos a realizar e autorizou a realização dos mesmos através dos documentos de que os de folhas 34 e 34 verso. Demonstrou-se, por outro lado, que o Réu se prontificou sempre a realizar os procedimentos necessários a efetuar as correções relativas aos resultados indesejados que acabaram por ocorrer, tendo a Autora recusado o destinado à reparação da cicatriz infra-mamária, que se formou por motivo alheio aos procedimentos do Réu, o que impossibilitou o Réu de dar cumprimento à obrigação contratual assumida e torna impossível imputar ao Réu o cumprimento defeituoso de tal obrigação. Consequentemente, tem de concluir-se pela improcedência da apelação e confirmação da sentença recorrida.
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IV. Decisão. Em face do exposto, acordam em julgar parcialmente improcedente a apelação, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida. Custas pela Recorrente – artigo 527º do Código de Processo Civil. Registe e notifique.
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Lisboa, Ana Isabel Mascarenhas Pessoa Ana Maria Fernandes Grácio
DECLARAÇÃO DE VOTO
PROC. Nº 3784/15.8T8CSC.L1
Concordo com o decretado no presente acórdão no que respeita à declaração de improcedência da impugnação da matéria de facto deduzida pela apelante, logo com a inexistência de prova quanto a vários dos danos invocados por essa litigante para justificar a fixação do quantum indemnizatório por ela peticionado.
Todavia, tendo em conta que o Réu/apelado admitiu que os resultados das operações cirúrgicas estéticas dependem “do tipo de pele das pacientes” (minuto 27:00 e seguintes da gravação do depoimento do Réu) e que o tecido mamário da Autora e o prolongamento axilar de um lado que a mesma possui “não é comum” e "é muito mais exuberante" do que é habitual (idem - minuto 36:30 e seguintes até ao 41:00)- "a foto mostra tudo... há um maior cavamento do lado esquerdo" -, constituem situações que deveriam tê-lo levado, exactamente por causa dessas especiais características, a actuar com cuidados adicionais no tratamento dessa sua cliente.
Cuidados que, manifestamente, o apelado não teve, quando é certo que, com um elevado grau de probabilidade [o filósofo e matemático alemão Gottfried Wilhelm Leibniz, que viveu entre 1646 e 1716, demonstrou inequivocamente que não existem certezas absolutas mas tão só certezas probabilísticas], essa actuação mais cuidada e ponderada teria sido a posta em prática porum/a normalediligentede bom pai/boa mãe de família, instituto jurídico que constitui a corporização ficcionada (mas judiciariamente operante) dos Valores ou Princípios Éticos estruturantes e conformadores da Comunidade inscritos nos artºs 334º e 335º do Código Civil.
Daí que, em linha com o acórdão do STJ, de 17/02/2009 (relator: Pires da Rosa) citado na sentença recorrida, entenda que a obrigação contratual de quase resultado a que o Réu estava vinculado mercê do acordo de vontades que firmou com a Autora não foi por ele integralmente cumprida.
E, por estas razões, voto vencido no que tange à confirmação do sentenciamento absolutório proferido em primeira instância que está contida no decreto judicial lavrado no presente acórdão, porquanto, em minha opinião, deveria ser atribuída uma indemnização à Autora correspondente aos danos [materiais, incluindo os estéticos, mas sobretudo aos não patrimoniais] por ela sofridos mercê do parcial incumprimento contratual ocorrido no caso dos autos.
Lisboa, 12/06/2018
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(Eurico José Marques dos Reis)