TÍTULO EXECUTIVO
Sumário

I. O “Auto de Vistoria de Salubridade”, elaborado por peritos que integrem a Comissão Técnica de Vistorias de uma Câmara Municipal, não reveste a natureza de título executivo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 703.º do Código de Processo Civil Revisto.
II. Da interpretação do citado artigo 703.º podemos desde logo verificar que a lei é taxativa na enumeração dos títulos executivos, ali não se integrando o Auto aqui em apreciação.
III. Assim, a alínea a), por se reportar a sentenças condenatórias, não tem aplicação ao caso. As alíneas b) e c) reportam-se a documentos negociais, que têm a sua fonte na vontade das partes, o que também não se integra na situação em observação. Por fim, a alínea d) reporta-se a “documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva”, o que também não é o caso em apreciação por inexistir qualquer instrumento legal a conferir-lhe essa natureza.

Texto Integral

 Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I. RELATÓRIO
Manuela N. veio, por apenso aos autos de execução em que a mesma é executada, deduzir oposição à execução, suscitando a questão da inexequibilidade do título executivo.
Pugnou, a final, pela procedência da oposição e consequente extinção da execução. Para tanto, alegou em síntese, que:
- A presente execução tem como causa de pedir uma prestação de facto, que se consubstancia na execução de obras de impermeabilização do pavimento da varanda da Embargante e reparação e pintura dos revestimentos do teto e das paredes da marquise da habitação dos Exequentes, conforme auto de vistoria da Câmara Municipal do Seixal junto como Doc. n.°1 pelos Exequentes.
- A referida varanda é aberta, contrariamente a algumas varandas do prédio que se encontram fechadas (marquises), designadamente a dos Embargados.
- Sucede que, as varandas são consideradas partes imperativamente comuns do prédio, uma vez que se encontram implantadas nas paredes comuns sendo parte integrante da estrutura do prédio, no termos do disposto nos artigos 1420.° n..°1 e 1421..°, n..°1, alínea b), ambos do Código Civil.
- Pelo que as obras melhor identificadas no artigo 4.° da presente oposição e que servem de pedido são da responsabilidade do Condomínio, devendo reconhecer-se a ilegitimidade passiva da Embargante no âmbito dos presentes autos.
- Ademais, os órgãos administrativos do condomínio possuem funções executivas que se encontram enumeradas no artigo 1436.° do Código Civil, devendo ser demandados nas ações que respeitam às partes comuns do edifício designadamente no que respeita a atos conservatórios dessas partes (cfr. artigo 1437.° n..°2 do Código Civil).
- Neste caso, a Administração do Condomínio está a ser exercida pelo condómino Exequente, devendo ser contra este intentada a presente ação, na qualidade de Administrador do Condomínio.
- Por outro lado, do Documento junto como n.° 1, que serve de título executivo à presente ação, não se identifica a Embargante como sendo a pessoa responsável pela execução das obras que se encontram mencionadas no próprio documento.
- Com efeito, a execução deve ser promovida pela pessoa que no título executivo figura como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor, o que não se verifica.

- A Exequente junta como título executivo da presente ação um auto de vistoria de salubridade da Câmara Municipal do Seixal, datado de 28 de Maio de 2012 e proferido no âmbito do processo n.° 120 H/11.

- Importa referir que, o auto de vistoria de salubridade, junto como documento n.°1 é omisso na identificação do responsável pela execução das obras de impermeabilização do pavimento e reparação e pintura dos revestimentos do teto e das paredes da marquise da habitação dos Exequentes.

- A Embargante desconhece a existência e dimensão dos alegados danos da marquise dos Exequentes, bem como desconhece a sua proveniência.

- Estabelece o artigo 1422.° n.°2 do Código Civil que «É especialmente vedado aos condóminos:" prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício», e o seu n.° 3: «As obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tanto se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio».

- Para a construção da marquise não existe qualquer autorização prévia da Assembleia de Condomínios, pelo que a mesma se considera ilegal.
- Para além de que, a Embargante considera que os eventuais danos alegados possam estar relacionados com a referida construção ilegal, pois a tela de impermeabilização possivelmente foi afetada e dai que possam existir infiltrações de água, como sucede usualmente neste tipo de situações.

- Ademais, a referida construção da marquise prejudica a linha arquitectónica e o arranjo estético do edifício que é nele um elemento estranho e não pode deixar de ser invocado tal facto.

- Com efeito, a Embargante sempre deu um uso adequado e normal à varanda exterior do seu imóvel, pelo que não se justificam os alegados danos que os Embargados pretendem imputar e responsabilizar aquela.

- Pelo que, a Embargante não reconhece qualquer dever ou obrigação para com os Exequentes, ora Embargados de executar as obras que lhe estão a ser solicitadas na sua varanda, até porque a varanda é aberta e situa-se na parte exterior do imóvel de sua propriedade.

- Na propriedade horizontal cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício, sendo o conjunto de ambos os direitos incindível, pois nenhum pode ser alienado separadamente, nem é licito renunciar à parte comum como meio de o condómino se desonerar às despesas necessárias à sua conservação ou fruição, como decorre do disposto no artigo 1420.° do Código Civil.

Recebida a oposição deduzida, foi ordenado o cumprimento do disposto no artigo 732.°, n.° 2, do Código de Processo Civil.

Cumprido o disposto no citado normativo legal, a exequente apresentou contestação à oposição ali alegando, em síntese, que:

- O que está em causa é uma varanda cujo uso exclusivo pertence à fração que é sua propriedade – Cfr. al. e) do n.° 2 do art.° 1421 do CC a contrario.

- Logo não estamos perante uma parte comum mas sim de uma parte que lhe pertence sendo a mesma responsável por ela – Cfr. Acordão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.02.2012 in http://www.dgsi.pt/jtrc.

- Ademais o documento que serve de base à presente execução identifica a fração propriedade da executada – o 5.° esq.

- Ao contrário do que alega a executada, o auto de vistoria que serve de base à presente execução identifica a fração de que esta é proprietária como aquela onde existem deficiências que provocam danos na propriedade dos exequentes e que como tal devem ser reparadas.

- Ou seja o título executivo é claro quanto ao responsável das obras: o 5.° esq. propriedade da executada – Cfr. doc. 2 junto com o requerimento executivo.

- Se acaso fosse a instalação da marquise dos exequentes que provocasse deficiências na tela de impermeabilização o resultado deste auto teria que ser diferente, ou seja, teria que ser reparada a instalação da marquise dos exequentes.

- Quanto à impugnação da sanção pecuniária compulsória, peticionada pelos exequentes, por ser da responsabilidade do condómino, já se referiu de quem é o uso exclusivo da varanda e como tal o responsável pelas obras a realizar na mesma e como tal o que deve suportar tal sanção – Cfr. art.° 868 do CPC e al. e) do n.° 2 do art.° 1421 do CC a contrario.

Procedeu-se à realização de Audiência de Julgamento tendo sido proferida a seguinte decisão:

“Por tudo o exposto, julgo a presente oposição à execução parcialmente procedente determinando-se que a executada/embargante proceda à prestação de facto o qual consiste na impermeabilização do pavimento da varanda do 5.° esquerdo, sua propriedade”.

Inconformada com o assim decidido, a executada interpôs recurso de Apelação no âmbito do qua, formulou as seguintes conclusões:

1ª. A douta sentença não se pronuncia minimamente quanto à excepção invocada pela autora de manifesta falta ou insuficiência do título executivo;

2ª. O documento apresentado pelos exequentes como título executivo, sendo um auto de vistoria técnica realizado pela Câmara Municipal do Seixal, não tem força executiva para um particular, não sendo passível de utilização por um particular contra outro particular;

3ª. O Auto de Vistoria técnica emanado de entidade administrativa, só pode ser utilizado pela própria autoridade administrativa, como título executivo, se esta pretender exercer o seu poder de fiscalização e correcção da actuação ou omissão de cidadão, conforme atribuição legalmente prevista pela aplicação conjunta dos art°s 89° a 91° do RJUE. (podendo a câmara municipal tomar posse administrativa do imóvel para dar execução imediata às obras, e servindo de título executivo em processo de execução fiscal certidão, passada pelos serviços competentes, comprovativa das despesas despesas com a realização de obras coercivas).

4ª. Tal vistoria carece de qualquer força executiva em acção entre particulares, como é o caso.

5ª. A falta ou insuficiência do título executivo é de conhecimento oficioso, como resulta da aplicação conjugada dos art°s 734°, n° 1 e 726°, n° 2, alínea a), ambos do NCPC;

6ª. Ao decidir pela procedência, ainda que parcial, da presente execução, o Tribunal a quo infringiu as disposições, conjugadas, do disposto no art. 703° (a contrario) do CPC, e as que constam dos referidos artigos 734°, n° 1 e 726°, n° 2, alínea a), deste diploma.

7ª. Ao não se pronunciar sobre a questão da existência ou não de título executivo, incorreu em omissão de pronúncia, omissão que constitui nulidade, nos termos do disposto no art. 668°, n° 1, alínea d) do NCPC, uma vez que a Mma Juiz não se pronuncia sobre questões relevantes que deveria apreciar.

8ª. Conclusão segundo jurisprudência já firmada por esse douto Tribunal da Relação de Lisboa e por outros fora desta circunscrição, dando-se como exemplo um acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, o qual que se pode consultar em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/ 5320b2ccf7f08c66802 576d300324f3d?OpenDocument

9ª. Ainda que esta questão prejudicial seja determinante da extinção da acção executiva, por impossibilidade legal da lide, fazendo soçobrar todas as outras que foram colocadas a ponderação do tribunal, suscita cautelarmente a recorrente a questão, que deveria ter sido melhor esclarecida pelo tribunal a quo, da aplicação, ou não aplicação,

10ª. A exposição sobre esta matéria é confusa e decidida por remissão, e não clara e precisa nos seus termos, não se depreendendo da remissão o conteúdo da decisão

- Com o que se entende como preenchido o disposto no art° 615°, n° 1, alínea c) do NCPC, assim também se ferindo a sentença recorrida, de nulidade.

Assim,

11ª. Por inexistência de título executivo, deverá ser revogada a douta decisão de primeira instância, e substituída por outra que determine a improcedência da execução;

12ª. Ainda que tal não se entenda, porém, deverá o tribunal a quo, por violação do disposto nos art°s 668°, n° 1, al. d), 734°, n° 1 e 726°, n° 2, alínea a), todos do NCPC, proceder à reparação da sentença recorrida, no sentido de se pronunciar sobre a questão da inexistência de título executivo, que foi expressamente levantada pela Executada/Embargante, por terem os exequentes apresentado como “título executivo” um documento que é um mero auto de vistoria técnica realizado por uma Câmara Municipal, ao qual não é por lei atribuída força executiva; deverá ainda ser esclarecedoramente determinada a questão da sanção pecuniária compulsória requerida pelos exequentes, designadamente esclarecendo-se se a mesma é ou não de fixar, e em caso afirmativo em que medida, devendo sempre considerar-se que a ser devida será a partir do momento do trânsito em julgado da decisão, e não a partir do momento da citação, e devendo o seu montante ser fixado em medida razoável (que reflicta designadamente o decaimento parcial do requerimento executivo).

Só assim se fazendo JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra alegações de recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. FACTOS PROVADOS
1. Os exequentes são proprietários da fração “F”, correspondente ao 4° andar esquerdo do prédio sito na Rua..., Fogueteiro, freguesia de Amora, concelho do Seixal - Cfr. Doc. 2.
2. A executada é proprietária da fração “G”, correspondente ao 5º andar esquerdo do mesmo prédio - Cfr. Doc. 2.
3. Tendo em vista determinar a origem das infiltrações e obrigar a proprietária da fração a efetuar obras tendentes a suprimir as mesmas e a reparar os respetivos danos, os exequentes requereram uma vistoria de salubridade à Câmara Municipal do Seixal.
4. O título executivo objecto da execução é o auto de vistoria da Câmara Municipal do Seixal datado de 28 de Maio de 2012 e proferido no âmbito do processo n.° 120-H/11.
5. Do auto de vistoria da Câmara Municipal do Seixal conta que: «Existem deficiências no pavimento da varanda do piso superior (5.° esquerdo) que estão a provocar infiltrações para a marquise da habitação vistoriada (4.° esquerdo), deteriorando-lhe o teto e as paredes». - Cfr. Doc. 1.
6. No mesmo auto, a Comissão Técnica de Vistorias recomendou a impermeabilização do pavimento da varanda da executada, de forma a suprimir as infiltrações para a marquise da habitação dos exequentes - Cfr. Doc. 1.
7. Mais recomendou aquela comissão técnica a reparação e pintura dos revestimentos do teto e das paredes da marquise da habitação dos exequentes - Cfr. Doc. 1.
8. A executada foi interpelada, no início de Novembro de 2013, para dar início às obras recomendadas no auto de vistoria, no prazo de 10 dias - Cfr. Doc. 3.
9. Os exequentes estão a sofrer infiltrações na sua marquise.
10. A origem das infiltrações não decorre exclusivamente de falha de impermeabilização no pavimento da varanda do 5.° esquerdo mas, também, da má solução de utilização que foi feita da varanda do 4.° esquerdo transformada de espaço aberto em marquise.
11. Tais infiltrações estão a provocar danos no teto e paredes da marquise dos exequentes.
12. O Tribunal de 1.ª Instância apresentou a seguinte fundamentação de facto para fundar a sua Motivação:
“A convicção do Tribunal assentou na prova documental junta aos autos, na prova pericial e na prova testemunhal produzida.
Deste modo, o Tribunal levou em consideração as declarações das testemunhas Jorge F., Luís S., António R., Fernando I. e Elsa P.
As testemunhas esclareceram os factos tendo revelado conhecimento direto dos mesmos.

Por último foi relevante o relatório pericial junto aos autos a fls. 55 a 72. Do mesmo se retira, com precisão e pormenor, que a origem das infiltrações não decorre exclusivamente de falha de impermeabilização no pavimento da varanda do 5.° esquerdo mas, também, da má solução de utilização que foi feita da varanda do 4.° esquerdo transformada de espaço aberto em marquise. Os danos apurados e existentes na marquise dos exequentes/embargados têm por causa a má solução de utilização que foi feita da varanda do 4.° esquerdo transformada de espaço aberto em marquise.

De toda a prova conjugada, o Tribunal apenas apurou com certeza, pormenor e clareza, que a falta de impermeabilização da varanda da executada/embargante é causa mas não a única dos problemas registados na varanda transformada em marquise, propriedade dos exequentes/embargados. Deste modo, não foi possível apurar com exactidão qual a efectiva e concreta extensão dos danos (e concretos danos) que são da exclusiva responsabilidade da executada. Nesta medida, apenas com certeza se determinou que a falta de impermeabilização do pavimento constitui também uma causa do problema pelo que, a obrigação de prestação do facto pela executada se deve cingir a tal.

Não se consideraram quaisquer outros factos invocados pelas porquanto os mesmos não se revelam essenciais para o conhecimento da causa”.

Por se considerar relevante, procede-se à transcrição do teor do documento considerado como título executivo pelo Tribunal de 1.ª Instância e que assim se encontra referenciado no antecedente Ponto 4 destes Factos Provados:

“MUNICÍPIO DO SEIXAL CÂMARA MUNICIPAL
...

AUTO DE VISTORIA DE SALUBRIDADE

Proc. N° 120-H/11

--Ao vigésimo oitavo dia do mês de Maio de dois mil e doze , a fim de proceder à vistoria de salubridade para efeitos do disposto nos artigos 89° e 90° do D.L. 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 60/2007, de 4 de Setembro e alínea c), do n° 5, do art. 64°, da Lei 169199, de 18 de Setembro, deslocou-se à Rua ..., Fogueteiro, Freguesia de Amora, Município do Seixal, a Comissão Técnica de Vistorias de Segurança e Salubridade, nomeada por Deliberação n° 433/2009 de 20 de Novembro desta Cámara Municipal, composta por:
---a) António R. - Técnico Superior ------;
b) Elsa P. - Técnica Superior ---;
c) Fernando I. - Assistente Técnico ----;
Notificados os interessados da faculdade que a lei lhes confere para apresentarem peritos a participarem na referida vistoria, não o fizeram. ----
Pelas 11 horas e 10 minutos, a Comissão de Vistorias constatou:  -------
Nota: A primeira vistoria foi efetuada em 27 de Setembro de 2011.
1. Existirem deficiências no pavimento da varanda do piso superior (5° Esq.) que estão a provocar infiltrações para a marquise da habitação vistoriada (4° esq.), deteriorando-lhe os revestimentos do teto e das paredes. ----
Pelo exposto, recomenda-se:      
1. Impermeabilização do pavimento da varanda do piso superior (5° Esq.) de forma a suprimir as infiltrações para a marquise da habitação vistoriada.
2. Reparação e pintura dos revestimentos do teto e das paredes da marquise da habitação vistoriada, deteriorados pelas infiltrações. ----
--A Comissão Técnica de Vistorias não se pronunciou sobre a questão sanitária do imóvel.-
Os Peritos
...
III. FUNDAMENTAÇÃO
O conhecimento das questões por parte deste Tribunal de recurso encontra-se delimitado pelo teor das conclusões ali apresentadas salvo quanto às questões que são de conhecimento oficioso - desde que o processo contenha elementos que permitam esse mesmo conhecimento -, e aquelas que importem distinta qualificação jurídica – artigos 5.º, n.º 3, 635.º, n.ºs 3 a 5 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil Revisto.

O conteúdo de tais conclusões deve obedecer à observância dos princípios da racionalidade e da centralização das questões jurídicas objeto de tratamento, para que não sejam analisados todos os argumentos e/ou fundamentos apresentados pelas partes, sem qualquer juízo crítico, mas apenas aqueles que fazem parte do respetivo enquadramento legal, nos termos do disposto nos artigos 5.º e 608.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil Revisto.

Excluídas do conhecimento deste Tribunal de recurso encontram-se também as questões novas, assim se considerando todas aquelas que não foram objeto de anterior apreciação pelo Tribunal recorrido.

Encontram-se submetidas à apreciação deste Tribunal de recurso a apreciação das seguintes questões:

- nulidade da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância por omissão de pronúncia quanto à questão concretamente colocada pela executada quanto à manifesta ou insuficiência do título executivo;

- subsidiariamente pede ainda que o Tribunal se pronuncie sobre a aplicabilidade, ou não, da sanção compulsória requerida pelos exequentes.

Relativamente à primeira das questões colocadas podemos desde já afirmar que, percorrendo a sentença em apreciação podemos constatar que ocorreu omissão de pronúncia em relação à questão prévia colocada pela executada/Apelante relativamente à inexistência de título executivo que legitimasse a instauração a presente ação com o que se verifica, sem necessidade de mais e maiores explanações, a manifesta nulidade da sentença proferida nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil Revisto, o que se declara.
 
Com efeito, no âmbito do processo, fosse por despacho avulso, fosse por decisão proferida em sede de decisão final, o Tribunal não conheceu e decidiu desta concreta questão.
 
Contendo o processo todos os elementos necessários para conhecer desta questão, que foi debatida no processo - e, como tal, não importa uma nova audição das partes -, este Tribunal de recurso procederá ao seu conhecimento - artigo 665.º do Código de Processo Civil Revisto.

Relativamente à mesma e conhecendo do seu objeto, desde já se afirma que assiste total razão à Apelante quando não reconhece o título dado à execução como um título executivo.

Com efeito, estamos perante um documento intitulado “Auto de Vistoria de Salubridade”, elaborado por peritos que integram a Comissão Técnica de Vistorias de uma Câmara Municipal e que, como tal, não reveste a natureza de título executivo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 703.º do Código de Processo Civil Revisto.

Na interpretação deste citado artigo 703.º podemos desde logo verificar que a lei é taxativa na enumeração dos títulos executivos (n.º 1 desta artigo) e que estes, por terem como destinatários pessoas de direito privado, só podem ser exercidos com base em títulos dessa mesma natureza.

Procedendo à análise de cada uma das alíneas ali referidas verificamos que o documento apresentado não se integra em quaisquer umas delas, como passamos a referir.

Assim, a alínea a), por se reportar a sentenças condenatórias, não tem aplicação ao caso. As alíneas b) e c) reportam-se a documentos negociais, que têm a sua fonte na vontade das partes, o que também não se integra na situação em observação. Por fim, a alínea d) reporta-se a “documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva”, o que também não é o caso em apreciação por inexistir qualquer instrumento legal a conferir-lhe essa natureza.

Assim sendo, por não ter cabimento em quaisquer daquelas alíneas, sempre deveria o Tribunal ter liminarmente indeferido o requerimento executivo apresentado pelos exequentes, por falta de título que o sustentasse.

Tratando-se, como se trata, de uma questão de conhecimento oficioso, certo é que nem o Tribunal se pronunciou sobre a mesma, nem os exequentes indicaram em que termos equacionaram este documento como título executivo no âmbito das espécies de títulos executivos previstos na lei – artigos 703.º, 726.º, n.º 2, alínea a) e 734.º do Código de Processo Civil Revisto.

Apesar de concretamente suscitada esta questão pela executada, através de embargos de executada, certo é também que o Tribunal à mesma não deu resposta, como acima já tivemos oportunidade de referir o que determinou que o processo prosseguisse a sua tramitação com os inconvenientes daí decorrentes, nomeadamente, com a necessidade de apresentação de embargos de executado e do presente recurso, por parte da aqui executada.

Por fim, e como última nota, sempre se dirá que a simples leitura do documento apresentado como título executivo, e que acima transcrevemos, para além de não ter sido emanado por autoridade capaz de lhe conferir força executiva, não contém em si mesmo os elementos imprescindíveis sob o ponto de vista legal, para poder ser assim considerado.
Desde logo, daquele documento não se pode extrair qualquer decisão, antes, como do mesmo consta, apenas uma recomendação [“(…) pelo exposto, recomenda-se (…)”], e sem que concretamente tenham sido identificados o credor e o devedor, o que desde logo defrauda o disposto nos artigos 10.º, n.º 5 e 53.º do Código de Processo Civil Revisto o que, desde logo, também imporia o seu indeferimento inicial.
Em face desta conclusão, este Tribunal de recurso não procede ao conhecimento da segunda das questões colocadas, ferida que a mesma se encontra de inutilidade superveniente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, julgando-se procedente a Apelação, determina-se o arquivamento do processo em face da ausência de título executivo.

Custas pelos exequentes/Apelados.

Lisboa, 05 de Julho de 2018

Dina Maria Monteiro

Luís Espírito Santo

Maria da Conceição Saavedra