EXTRADIÇÃO
AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE
CASO JULGADO
PRORROGAÇÃO DO PRAZO
Sumário


«1. O prazo de 45 dias previsto no nº 4 do artigo 13º da Convenção de Extradição entre Estados Membros da CPLP é improrrogável.
2. A verificação de uma das situações previstas no nº 5 do mesmo preceito implica unicamente a sua comunicação ao outro Estado Contratante e a possibilidade de se acordar uma nova data de entrega da pessoa reclamada, mas sempre dentro do prazo de 45 dias a contar da notificação pelo Estado requerido ao Estado requerente da definitividade da decisão que concedeu a extradição».

Texto Integral

                        Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA, representado por advogado, requereu a providência de habeas corpus, nos termos que se transcrevem:

«1. No dia 9 de Janeiro de 2018, foi averbada na Conservatória do Registo Civil a cidadania portuguesa originária do Peticionante (Doc. n.º 1), facto que impede a sua extradição para o Brasil, porque a Constituição Brasileira proíbe a extradição de nacionais de origem − exigência constitucional de reciprocidade consagrada no artigo 33.º, n.º 3 da C.R.P.

2. Nos termos da certidão emitida pelo Tribunal Constitucional e que se encontra a fls. 2538 dos autos a decisão de extradição transitou em julgado, nesse mesmo, dia 9 de Janeiro de 2018.

3. Resulta de todas as decisões proferidas nos autos que: i) a exigência de reciprocidade, pressuposto da concessão da extradição, só se deu por verificada nas diversas decisões proferidas nestes autos em virtude de a Constituição da República Federativa do Brasil permitir a extradição de cidadãos naturalizados, por factos anteriores à aquisição da nacionalidade, e que ii) a exigência de reciprocidade não se verifica, em relação a cidadãos de origem.

4. Por despacho proferido em 24 de Janeiro de 2018 o Juiz Desembargador Relator ordenou a emissão de mandados de detenção do Peticionante, com vista à sua entrega ao Estado Requerente, para execução da decisão de extradição.

5. O Peticionante foi detido no dia 3 de Fevereiro de 2018, em execução deste mandado.

6. No dia 4 de Fevereiro de 2018 o Peticionante interpôs pedido de Habeas Corpus, o qual foi indeferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão proferido em 14 de Fevereiro de 2018.

7. No dia 5 de Fevereiro de 2018, a Procuradoria-Geral da República, enquanto autoridade central portuguesa, solicitou à Directora do Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, pelo Ofício n.º 43500.18 de 05-02-2018, que “se digne informar a Embaixada da República Federativa do Brasil, em Lisboa, de que a decisão de extraditar AA, proferida no âmbito do processo de extradição n.º 483/16.7YRLSB, transitou em julgado e que, por despacho de 24-01-2018 do referido Tribunal, foi ordenada a emissão de mandados de detenção com vista à sua entrega às autoridades brasileiras” (Doc. n.º 1, a que só agora teve acesso, por constar do processo de extradição, no Brasil).

8. Em cumprimento do solicitado, o Ministério do Negócios Estrangeiros entregou na Embaixada da República Federativa do Brasil, no dia 9 de Fevereiro de 2018, o ofício com a Ref.ª 20553/2018, com data de 8 de Fevereiro de 2018, pelo qual a República Federativa do Brasil, enquanto Estado requerente, foi notificada de que a decisão que concedeu a extradição do Requerente havia transitado em julgado (Doc. n.º 2, a que só agora teve acesso, por constar do processo de extradição, no Brasil).

9. Este ofício já fora enviado, no dia 7 de Fevereiro, por e-mail, pela Autoridade Central portuguesa (a P.G.R), para a Autoridade Central Brasileira (Doc. n.º 3, a que só agora teve acesso, por constar do processo de extradição, no Brasil).

10. No dia 14 de Fevereiro de 2018 foi apresentado, no Tribunal da Relação de Lisboa, recurso extraordinário de revisão da decisão que concedeu a extradição do Requerente, dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, recurso que deu origem a um apenso com n.º 483/16.7TYRLSB-E, no processo de extradição.

11. O fundamento desse recurso era, no essencial, a necessidade de revogação da decisão que concedeu a extradição do Peticionante, em virtude de o mesmo ter obtido a nacionalidade portuguesa originária, por decisão de 9 de Janeiro 2018, facto impeditivo da sua extradição, por implicar a inexistência de reciprocidade, tendo em conta a proibição absoluta de extradição de cidadãos originários, constante da Constituição da República Federativa do Brasil.

12. Na sequência da interposição daquele recurso foi proferido despacho pelo Juiz Desembargador relator, no dia 15 de Fevereiro de 2018, determinando a libertação do Requerente, de modo a que aguardasse o desfecho do referido recurso, sujeito a duas apresentações semanais, no posto da PSP mais próximo da sua residência.

13. Fez-se constar deste despacho que esta medida (as apresentações) foi tomada, atenta “a decisão transitada, de extraditar o arguido AA, se manter válida”.

14. No dia 27 de Fevereiro de 2018 o Ministério Público recorreu do despacho proferido em 15 de Fevereiro de 2018, que determinou a libertação do Peticionante, invocando que não existiam razões para que aguardasse em liberdade o desfecho do recurso de revisão pendente e pedindo a sua detenção, para entrega imediata ao Estado requerente da extradição, tendo em conta o trânsito em julgado da decisão respectiva.

15. No dia 12 de Abril de 2018, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu acórdão pelo qual julgou inadmissível o recurso de revisão interposto pelo Peticionante, com o fundamento de que a lei processual portuguesa não admitiria o recurso de revisão da decisão final que concedeu a extradição, porque estaria em causa uma decisão meramente processual e não uma sentença condenatória.

16. No mesmo dia, 12 de Abril de 2018, foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça que julgou procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, revogando a decisão que havia determinado a libertação do Requerente, de modo a que aguardasse em liberdade o desfecho do recurso extraordinário de revisão.

17. No dia 13 de Abril de 2018, o Exmo. Desembargador Relator ordenou a prisão/detenção do Requerente, para entrega às autoridades brasileiras, em cumprimento da decisão de extradição, a qual foi executada no próprio dia, mantendo-se até hoje.

18. Entre 15 de Fevereiro de 2018, data da sua libertação, e 13 de Abril de 2018, data da sua detenção, o Peticionante cumpriu à risca a ordem de comparência, duas vezes por semana, no posto da PSP, tendo estado sempre à disposição das autoridades.

19. Perante estes factos, é a todos os títulos evidente que estão há muito ultrapassados e violados os prazos dentro dos quais seria possível a entrega do Requerente, em execução da decisão de extradição, o que torna a sua privação da liberdade claramente ilegal, quer por aplicação do art. 13.º da Convenção de Extradição entre os Estados membros da CPLP, quer por aplicação do art. 60.º da Lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal (Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto), como se demonstrará.

20. Nos termos do artigo 3.º da Lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal (Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto), as suas disposições só são aplicáveis na falta de tratado, convenção ou acordo internacional que vincule o Estado Português.

21. O pedido de extradição do Peticionante foi formulado e a decisão de extradição foi proferida por aplicação da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP, cujas disposições prevalecem, nos termos do referido preceito legal, sobre a Lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal (Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto), a qual tem papel subsidiário em relação à Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP na falta de elementos desta.

22. De acordo com o artigo 13º da Convenção de Extradição entre os Estados membros da CPLP, “O Estado requerido comunicará sem demora, ao Estado requerente, a sua decisão com respeito à extradição” (nº 1) e “Se no prazo de 45 dias seguidos, contados a partir da data de notificação, o Estado requerente não retirar a pessoa reclamada, esta será posta em liberdade, podendo o Estado requerido recusar posteriormente a extradição pelos mesmos factos.” (nº 3).

23. Resulta claramente deste preceito que o início da contagem do prazo para entrega do Extraditando tem lugar da data da notificação da decisão de extradição ao Estado requerente.

24. Como se viu, a notificação da decisão de extradição ao Estado requerente foi efectuada, no dia 9 Fevereiro (Doc. nº 2, constante do processo de extradição no Brasil, a que o Requerente só agora teve acesso), pelo que o prazo de 45 dias terminou, no dia 26 de Março, ou seja, há um mês atrás.

25. Não foi comunicada ao Estado requerente a existência de caso de força maior, devidamente comprovado, que impedisse a entrega do Requerente.

26. Nem tal facto de força maior alguma vez ocorreu, uma vez que o STJ decidiu expressamente, na p. 10 do acórdão proferido no Apenso E, que julgou inadmissível o recurso de revisão, que o mesmo não tinha efeito suspensivo da decisão que determinou a extradição do Peticionante.

27. De resto, como o acórdão proferido neste apenso foi no sentido de a decisão que concede a extradição, por não ser uma sentença condenatória, não admitir, sequer, recurso de revisão, nunca a sua pendência poderia constituir obstáculo à entrega do Peticionante.

28. Por seu lado, na p. 7 do acórdão proferido no Apenso F, que julgou procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e determinou a detenção do Requerente para ser de imediato entregue ao Estado requerente, o STJ decidiu expressamente que “encontrando-se transitada em julgado a decisão que determinou a extradição para a República Federativa do Brasil de AA, não existia fundamento legal para determinar a substituição da detenção do requerido por qualquer medida de coacção não detentiva, razão pela qual deve ser revogada a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que determine a detenção do extraditando para o mesmo ser entregue ao Estado Requerente”.

29. Em síntese, este egrégio Tribunal decidiu, pelos acórdãos proferidos no dia 12 de Abril de 2018, que o recurso de revisão interposto pelo Peticionante não era admissível e que o mesmo não tinha efeito suspensivo da decisão de extradição, bem como que esta havia transitado em julgado e era de imediato exequível, desde o trânsito, justificando-se a detenção do Peticionante para esse efeito, ainda que na pendência do referido recurso.

30. É assim manifesto que, para além de não ter sido proferida qualquer decisão que atestasse a existência de caso de força maior que impedisse a entrega imediata do Peticionante, este nunca ocorreu, pelo menos desde 14 de Fevereiro de 2018, data em que foi indeferido o pedido de Habeas Corpus por si apresentado.

31. Sendo certo que o Peticionante esteve sempre à disposição das autoridades portuguesas e brasileiras, desde 3 de Fevereiro, data em que foi detido, tendo cumprido à risca a sua obrigação de apresentações semanais, entre 15 de Fevereiro, data em que foi libertado, e 13 de Abril, data em que voltou a ser detido/preso para ser entregue ao Estado requisitante.

32. As causas que permitem a ultrapassagem dos prazos de entrega são apenas as expressamente previstas no artigo 13.º da Convenção de Extradição entre os Estados membros da CPLP, sendo manifesto, como se viu, que não ocorreram.

33. Fica assim demonstrado que o prazo máximo de entrega do Peticionante ao Estado requerente está largamente ultrapassado, por terem decorrido mais de 45 dias desde a data em que correu a notificação do trânsito em julgado da decisão de extradição ao mesmo, sem que tenha ocorrido facto de força maior que impedisse a sua entrega.

34. Os próprios representantes do Estado requerente estão plenamente conscientes de que o prazo de detenção/prisão para entrega há muito foi ultrapassado e violado, conforme decorre dos ofícios que ora se juntam, em que os mesmos comunicam abertamente às autoridades portuguesas que o prazo para entrega terminou no dia 23 de Março.

35. Com efeito, consta expressamente do Ofício expedido pelo Ministério da Justiça do Estado requerente, datado de 20 de Fevereiro de 2018 e dirigido ao Chefe de Divisão de Cooperação Jurídica Internacional, com o n.º 366/2018/EXT/CETPC/DRCI/ISNJ-MJ (Doc. nº 4, a que só agora teve acesso, por constar do processo de extradição, no Brasil):

“4. Relembro que o Governo Brasileiro foi cientificado em 7/02/2018 que a decisão que deferiu a extradição do nominado transitou em julgado. Assim, a data limite para a retirada do mesmo dar-se-á em 23/03/2018.

5. Os expedientes processuais utilizados pela defesa do extraditando, além de ser de validade muito discutível, não suspendem os efeitos da extradição, já transitada, tampouco o recurso de revisão. A lei afasta o efeito suspensivo, não devendo, assim, ser atribuído”.

36. Como se viu, a privação da liberdade do Peticionante tem como única finalidade a sua entrega ao Estado requerente, para execução da decisão de extradição.

37. Sucede que, nos termos expressos do n.º 4 do artigo 13.º da Convenção de Extradição entre os Estados membros da CPLP, “se no prazo de 45 dias seguidos, contados a partir da data da notificação, e Estado Requerente não retirar a pessoa reclamada, esta será posta em liberdade, podendo o Estado requerido recusar posteriormente a extradição pelos mesmos factos”.

38. Deste modo, sendo evidente e manifesto que este prazo se encontra largamente excedido, a privação de liberdade do Peticionante é manifestamente ilegal, impondo-se a sua libertação imediata.

39. Ainda que fossem aplicáveis as disposições da Lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal (Lei nº 144/99, de 31 de agosto) a solução seria precisamente a mesma.

40. Na verdade, nos termos do seu artigo 61.º, n.º 1, por remissão para o n.º 2 do artigo 60.º, do artigo anterior, o prazo limite para a entrega do extraditando é de 20 dias após o trânsito em julgado da decisão de extradição.

41. Resulta claramente deste preceito legal que o início da contagem do prazo de entrega tem lugar na data do trânsito em julgado da decisão de extradição.

42. Como se viu, de acordo com as decisões do Tribunal da Relação, do STJ e do TC, proferidas neste processo, a decisão de extradição transitou em julgado no dia 9 de Janeiro de 2018, pelo que já passaram 105 dias a contar da data do trânsito em julgado, ou seja, o prazo limite para a entrega do Peticionante, previsto na Lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal foi já superado em mais de 5 vezes (?!).

43. Ainda que se pretenda que o início da contagem deste prazo só teve lugar na data em que o Peticionante foi detido, ou até a partir da data em que foi proferida decisão de indeferimento do Habeas Corpus anterior, o que sucedeu no dia 14 de Fevereiro de 2018, é manifesto que o referido prazo máximo de 20 dias já decorreu.

44. Não foi proferida qualquer decisão de prorrogação deste prazo por mais 20 dias, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 3 do mesmo artigo 60.º, mas ainda que o tivesse sido já teriam também decorrido os 20 dias suplementares pelos quais pode ter lugar esta prorrogação, uma vez que decorreram 105 dias desde o trânsito em julgado da decisão de extradição, 77 dias desde a detenção do Peticionante e 69 dias desde a data em que foi indeferido o Habeas Corpus.

45. Os motivos que permitem a prorrogação do prazo de entrega são apenas os previstos neste preceito legal, sendo evidente que os mesmos não ocorreram.

46. É assim manifesto que já decorreram os prazos máximos de entrega do Peticionante ao Estado requerente, para execução da decisão de extradição, quer por aplicação do artigo 13.º da Convenção de Extradição entre os Estados membros da CPLP, quer por aplicação dos artigos 60.º e 61.º da Lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal (Lei nº 144/99, de 31 de Agosto).

47. Em face da referida Decisão do STJ, que (contrariando o alegado pelo Peticionante) considerou inadmissível o recurso de revisão e que a interposição do mesmo não suspende a execução da decisão de extradição, não pode agora, sob pena de contradição flagrante e imprópria de um Supremo Tribunal, considerar-se que, afinal, a contagem dos referidos prazos estaria suspensa durante o período de tempo em que estiver pendente o recurso de revisão...

48. As normas jurídicas dos artigos 13.º da Convenção de Extradição entre os Estados membros da CPLP, e dos artigos 60.º e 61.º da Lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal (Lei nº 144/99, de 31 de Agosto) são ainda inconstitucionais, por violação do princípio da reciprocidade consagrado no artigo 33.º, n.º 3 e da Constituição, quando interpretadas no sentido de que um cidadão português de origem pode ser detido/preso, para ser entregue a Estado cuja Constituição proíbe a extradição de nacionais de origem, quando foram superados os prazos legais previstos nessas normas e o Extraditando se manteve à disposição das autoridades, para a realização da entrega, durante esses prazos legais.

49. As normas jurídicas dos artigos 13.º da Convenção de Extradição entre os Estados membros da CPLP, e dos artigos 60.º e 61.º da Lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal (Lei nº 144/99, de 31 de Agosto) são ainda inconstitucionais, por violação dos artigos 30º, nº 1, e 33º, nº 3, da C.R.P, quando interpretadas no sentido de que um cidadão português de origem pode ser detido/preso, para ser entregue a Estado cuja Constituição proíbe a extradição de nacionais de origem, quando foram superados os prazos legais previstos nessas normas, o Extraditando se manteve à disposição das autoridades, para a realização da entrega e não há qualquer prazo definido nem previsto para essa entrega.

50. A superação e violação evidente dos prazos convencionais e legais, dentro dos quais o Peticionante poderia ser entregue em cumprimento da decisão de extradição resultou do facto de a extradição ser, desde o dia 9 de Janeiro (dia em que foi averbada a nacionalidade de origem do Peticionante, no registo civil), claramente proibida pela exigência constitucional de reciprocidade (artigo 33º, nº 3, da C.R.P.), o que foi afirmado pelo Digmº Procurador Geral Adjunto, junto deste Tribunal, e pelo Exmº Senhor Juiz Conselheiro Presidente da 3ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça, em declaração de voto formulada no acórdão proferido no dia 14 de Fevereiro 2018, em petição de Habeas Corpus apresentada pelo Peticionante − de resto, os únicos Magistrados judiciais que, até hoje, se dignaram pronunciar sobre a possibilidade de extraditar o Peticionante, à luz da sua nacionalidade portuguesa de origem.

51. E isto é o que verdadeiramente importa: os prazos em causa foram superados e violados, porque, desde o dia 9 de Janeiro, a extradição e entrega do Recorrente é flagrantemente violadora do artigo 33º, nº 3 da C.R.P.!

52. Como se viu, o STJ decidiu não admitir o recurso de revisão (por entender que as decisões de extradição não admitiriam recurso de revisão, uma vez que não seriam sentenças condenatórias) e, consequentemente, revogou a decisão de sustar a detenção/prisão para entrega do Peticionante, considerando-a ilegal.

53. É importante sublinhar que nos referidos acórdãos o STJ sequer se pronunciou sobre a superação dos prazos de detenção/prisão para entrega, nem sobre a possibilidade de extraditar o Peticionante, à luz da sua nacionalidade de origem.

54. É também evidente que a não concretização da entrega, dentro dos prazos legais, não é de forma alguma imputável ao Peticionante, que: i) agiu estritamente nos limites de seus direitos, limitando-se a interpor recurso de revisão da decisão de extradição - de resto julgado inadmissível e desprovido de efeito suspensivo da decisão que ordenou a extradição, contra a alegação do próprio Peticionante – para fazer valer a proibição constitucional de extradição de um português de origem, para Estado que recusa extraditar nacionais de origem (art. 33º, nº 3, da C.R.P.); ii) cumpriu à risca a sua obrigação de apresentações semanais, no posto da PSP, tendo estado sempre à ordem das autoridades.

55. Os prazos previstos nos artigos 13.º, n.ºs 1 e 3, da Convenção sobre extradição da CPLP, e no artigo 60.º da Lei n.º 144/99 (também) têm fundamento na protecção dos direitos e dignidade do Extraditando, que após o trânsito da decisão de extradição não pode ficar sujeito à possibilidade de ser privado da sua liberdade para ser entregue às autoridades estrangeiras, por tempo indeterminado.

56. E têm também o seu fundamento na tutela da própria justiça da decisão de extradição, em relação a circunstâncias supervenientes, que a podem vir a tornar errada e injusta. É também por isso que a decisão de extradição deve ser executada em curto prazo, através da detenção para entrega, nos prazos legais, protegendo-se o Estado requerido e o Extraditando contra a execução de uma decisão que, entretanto, se tornou injusta, inconstitucional e/ou ilegal.

57. Ora, não há dúvida de que esta “ratio legis” dos referidos prazos legais está aqui inteiramente presente: já após o trânsito em julgado (no próprio dia do trânsito, 9 de Janeiro), a decisão de extradição tornou-se injusta, por frontalmente inconstitucional (artigo 33.º, n.º 3, da C.R.P.), pelo que o Estado requerido não deve nem pode executar essa decisão, privando o Peticionante da sua liberdade para a sua entrega, (muito) após o termo dos prazos previstos nos artigos 13.º, n.ºs 1 e 3, da Convenção da CPLP sobre extradição e 60.º da Lei n.º 144/99.

58. Nem o Peticionante pode ser sujeito a este poder discricionário e ilegal de estar preso para entrega ao Estado requerente em execução da decisão de extradição, muito após o termo do prazo previsto na Lei para o efeito e sem que haja qualquer previsão para a realização dessa entrega.

59. É esta, aliás, a única interpretação das normas que prevêem os referidos prazos de entrega em conformidade com a C.R.P., na medida em que a extradição e entrega de um nacional português de origem para Estado que proíbe a extradição de nacionais de origem constitui uma flagrante violação do artigo 33.º, n.º 3, da C.R.P.

60. Seria a todos os títulos inaceitável (seria mesmo inacreditável), que este STJ viesse agora contrariar tudo o que acabou de decidir, quanto à exequibilidade imediata da decisão de extradição, desde o trânsito em julgado, e à ausência de efeito suspensivo do recurso de revisão, e optasse por forçar a interpretação das normas que prevêem os prazos de entrega, para atingir um resultado que é manifestamente inconstitucional: a primeira extradição de um português de origem, para o Brasil (!?).

61. Repare-se que este facto, só por si e independentemente da evidente superação dos prazos de entrega, já tornaria a detenção/prisão para extradição ilegal, nos termos do artigo 222.º, n.º 2, alínea b), na medida em que o artigo 33.º, n.º 3, da C.R.P. não permite a detenção/prisão de um nacional português de origem, para entrega em processo de extradição a Estado cuja Constituição proíbe a extradição de nacionais de origem.

62. Aliás, o artigo 222.º, n.º 2, alínea b), do CPP é inconstitucional, por violação do artigo 20.º, números 1 e 5, do artigo 31.º, do artigo 32.º, números 1 e 2, e do artigo 33.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, se for restritivamente interpretado no sentido de excluir a possibilidade de concessão da providência de habeas corpus contra a prisão de um cidadão português para extradição ilegal e violadora da exigência de reciprocidade consagrada na Constituição; como é (o artigo 222.º, n.º 2, alínea b), do CPP) ainda inconstitucional, pelas mesmas razões, se interpretado no sentido de não admitir a concessão da providência de habeas corpus para obstar à prisão para entrega de um cidadão português originário em processo de extradição requerido por Estado cuja Constituição proíbe a extradição de nacionais de origem.

63. Por outro lado, o artigo 222.º, n.º 2, alínea c) do CPP é inconstitucional, por violação do artigo 20.º, números 1 e 5, do artigo 31.º, do artigo 32.º, números 1 e 2, e do artigo 33.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, se for restritivamente interpretado no sentido de excluir a possibilidade de concessão da providência de habeas corpus contra a prisão de um cidadão português de origem para entrega em processo de extradição requerido por Estado cuja Constituição proíbe a extradição de nacionais de origem, quando já se encontram excedidos os prazos legais de entrega; como é ainda inconstitucional (o artigo 222.º, n.º 2, alínea c) do CPP), pelas mesmas razões, se não admitir a concessão da providência de habeas corpus para obstar à prisão para entrega de um cidadão português originário em processo de extradição, quando já se encontram superados os prazos de entrega.

64. A privação da liberdade do Peticionante para entrega, com base na decisão transitada em julgado em 9 de Janeiro − a detenção para extradição de um português de origem, como se fosse um simples português naturalizado (?!) −, só podia ter sido efectuada até aos dias 23 de Março (nos termos do artigo 13.º, n.ºs 1 e 3 da Convenção da CPLP), o que é reconhecido em documentos oficiais, pelo próprio Estado Requerente, ou 29 de Janeiro ou 24 de Fevereiro (nos termos do artigo 60.º da Lei n.º 144/99).

65. Uma vez que se encontram largamente ultrapassados e violados os prazos legais para a sua entrega em execução da decisão de extradição é evidente que é ilegal a actual privação de liberdade do Peticionante, com essa única finalidade.

66. Violados os prazos legais, aplica-se o disposto no artigo 13.º, n.º 3, da Convenção da CPLP: “a pessoa reclamada será posta em liberdade”.

67. Pelo que deve este STJ devolver o Peticionante imediatamente à liberdade, pondo um ponto final definitivo numa extradição que viola, de forma flagrante, a nossa C.R.P. (artigo 33.º, n.º 3).

Termos em que deve ser julgado procedente o presente Habeas Corpus, nos termos da als. b) e c) do n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal, por ser manifesto e evidente que a C.R.P. não admite a prisão para extradição e entrega de um nacional português de origem a Estado cuja Constituição proíbe a extradição de nacionais de origem e que o prazo máximo de entrega do Peticionante já decorreu, devendo determinar-se a sua libertação imediata, sem prejuízo de o Estado requerente poder formular novo pedido de extradição, nos termos dos preceitos convencionais e legais acima citados».

O juiz desembargador relator do processo na Relação, ao abrigo do artº 223º, nº 1, do CPP, informou o seguinte:

«Na qualidade de juiz titular e relator do processo nº 483/16.7YRLSB, em que é arguido/extraditando, AA, a pedido da República Federativa do Brasil, em conformidade com o disposto no artº 223º nº 1 do Cód. Proc. Penal, cumpre informar e fazer o ponto da situação, nomeadamente a referente à detenção ordenada, com vista à sua entrega às autoridades do país requerente.

Este é o quarto Habeas Corpus interposto, referente ao extraditando, AA, sendo que um primeiro foi INDEFERIDO por esse Venerando Tribunal em 14.Fevereiro.2018, conforme documento que se junta, quanto ao segundo, foi julgada a inutilidade do mesmo por se terem alterado as medidas coactivas e relativamente ao terceiro entrado em 16.04.2018, após as Douta decisão desse Venerando Tribunal que rejeitou o pedido de revisão de sentença e ordenou a detenção imediata para entrega ao Estado requerente, veio o arguido AA a desistir, para hoje ter apresentado novo pedido.

A estratégia é simples e insere-se naquilo que tem sido o uso abusivo e sistemático dos direitos consagrados no ordenamento jurídico português e nos tratados internacionais a que aderimos, por parte do extraditando, através dos múltiplos advogados que o representam.

Após as decisões transitadas e a detenção para entrega (em 13.04.2018) ao país requerente, Brasil, (proferidas pelo STJ em 12.04.2018), o extraditando intentou uma providência cautelar no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que visou retardar e obstar a tal entrega, com o singelo fundamento de que "não há condições nas cadeias do Brasil para o receber, alegando, maus tatos, tortura etc...".

Com tal providência, a entrega foi suspensa até dia 02.05.2018.

Considerando os prazos relativamente curtos para a entrega, previstos na Lei 144/99 e Convenção da CPLP, o arguido visando esgotar esses prazos, não tem olhado a meios para o conseguir, é nossa legítima convicção de que a desistência do Habeas Corpus interposto no dia 16, para logo interpor outro em 26.04.2018, tem precisamente esse objectivo.

Os fundamentos agora invocados de que os prazos estão esgotados não têm o menor cabimento. Tem sido o arguido com todos os expedientes que já utilizou, que tem precisamente obstado ao cumprimento da decisão transitada em julgado, sabendo de antemão, que muitos dos incidentes suscitados eram ab initio desprovidos de fundamento.

Breve histórico da situação processual:

O processo de extradição de AA cumpriu todas as formalidades legais exigidas desde o início, como pela análise do mesmo se poderá aquilatar, aplicando aos factos a lei vigente, tendo as decisões o seguinte desfecho:

Por acórdão datado de 7 de Dezembro de 2016, este Tribunal da Relação de Lisboa, determinou a extradição do arguido AA, nos termos dele constantes, e com as limitações objectivas assinaladas, (cfr. fls. 1201 a 1329).

Nesta data (07.12.2016) a Lei 9/2015 que invoca, não estava ainda em vigor.

Realce-se que o arguido era à data da prolação do nosso acórdão, cidadão brasileiro naturalizado português. Todos os factos a que se reporta o pedido de extradição, respeitam a um período em que o arguido era exclusivamente cidadão brasileiro. O tribunal deferiu a extradição com as limitações constantes do acórdão, ou seja, apenas poderia ser julgado por factos cometidos até à obtenção da nacionalidade portuguesa ocorrida em 14.12.2011.

Inconformado, o arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual veio a confirmar integralmente a nossa decisão por douto acórdão de 7 de Setembro de 2017, (cfr. fls. 1839 a 1915).

 Reclamou o arguido desse douto acórdão, onde veio a invocar a aplicação da lei nova, tendo tal reclamação sido indeferida por decisão daquela instância (STJ) em 28 de Setembro de 2017 (cfr. fls. 2033 a 2037).

Da confirmação da decisão de extraditar o arguido AA, emanada do Supremo Tribunal de Justiça, recorreu o arguido para o Tribunal Constitucional nos termos do artº 70 da Lei 28/82 de 15.09, onde, basicamente, argumentava que face à aplicação da Lei 9/2015 não poderia ser extraditado.

Por decisão sumária datada de 6 de Novembro de 2017, o Tribunal Constitucional decidiu nos termos do artº 78º-A nº 1 da LTC não conhecer do objecto do recurso, (cfr. fls. 2019 a 215).

Reclamou o arguido para a conferência, vindo o Tribunal Constitucional por acórdão datado de 12.12.2017, a confirmar a decisão sumária proferida e indeferir a reclamação, (cfr. fls. 2345 a 2358).

Voltou o arguido AA a reclamar do acórdão e suscitar sucessivos incidentes, vindo o Tribunal Constitucional a indeferi-los todos, ordenar a extracção de certidões e remeter o processo ao Tribunal "a quo" (STJ) que por sua vez o remeteu a este Tribunal da Relação de Lisboa.

Respondendo ao nosso ofício de 18.01.2018, (cfr. despacho de fls. 2506), o Tribunal Constitucional remeteu o expediente que se junta, onde confirma e certifica que o trânsito em julgado do acórdão ocorreu a 09.01.2018.

Paralelamente, ainda no mês de Dezembro de 2017, coincidente com as decisões desfavoráveis do Tribunal Constitucional, o arguido deixou de fazer apresentações na PSP - medida coactiva que estava obrigado semanalmente a fazer. Em sua representação, o seu Advogado, BB, justificou a falta com um atestado médico, ao mesmo tempo que garantia que o "arguido se encontrava em casa, doente, onde pernoitava e tomava as refeições".

Como as faltas se sucederam, este Tribunal solicitou uma mera averiguação e informação à PSP no sentido de informar se efectivamente o arguido estava doente em casa. A resposta foi a constante do documento que se anexa. Isto é, a esposa informou o agente que o marido (AA) não estava em casa, não sabia onde estava e que perguntasse ao seu Advogado fornecendo o número de telefone deste. Sabedor deste episódio, o arguido através do seu mandatário, remeteu ao Tribunal da Relação mais um requerimento e atestado médico, atestando que o seu cliente estava na morada do TIR.

O arguido não voltou a fazer qualquer apresentação na PSP.

A convicção do Tribunal foi então a de que preparava a sua fuga.

Perante este cenário e com a informação do Tribunal Constitucional de que o trânsito em julgado ocorrera em 09.01.2018, face ao disposto no artº 60º da Lei 144/99, a este Tribunal apenas se impunha executar a decisão transitada.

Por despacho de 24.01.2018, decidimos, "(...) ordenar a emissão de mandados de detenção e condução ao Estabelecimento Prisional do arguido, AA, com vista à sua entrega às autoridades do país requerente, Brasil, devendo após a sua detenção, ser tida em conta as suas condições de saúde, caso se encontrasse doente''.

A Polícia Judiciária fez a sua averiguação e vigilância durante dias, foi à sua residência com mandados de detenção por nós emitidos e não conseguiu localizar o arguido. Apenas 10 dias depois, a 03.02.2018, o veio a localizar, alegadamente "escondido numa casa na zona do Sardoal, que seria -pertença de uma Advogada colaboradora do escritório do seu mandatário BB", (este detalhe de informação, sobre quem o abrigava, veio na imprensa diária e não podemos a atestar a sua veracidade).

O pedido de "reapreciação da extradição" com base na entrada em vigor da Lei 9/2015 de 29.07, em Julho de 2017 e a aquisição de nacionalidade equiparada a português de origem, por força da alteração ao artº 1º nº 1, al. d) da Lei nº 37/81 de 03.10, foi indeferido por mero despacho do juiz titular, tendo em conta os seguintes factores:

A existência de uma decisão transitada em julgado que ordenava a extradição e cujos recursos se haviam esgotado, não tendo nenhum deles concedido provimento ao requerido.

O imperativo legal de dar execução à decisão, em estrito cumprimento do que a mesma ordenava e o respeito pelos acordos de cooperação judiciária com o Brasil.

 - Quando o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, proferiu o Douto Acórdão, já vigorava a referida lei, mas apesar de considerar em sede de reclamação pelo arguido, que a questão da aplicação da lei nova, não era objecto do thema decidendum do recurso, sempre apontou para o disposto nos arts 11º, "efeitos da atribuição de nacionalidade" e 12º, "efeitos das alterações de nacionalidade" da Lei da 37/81.

- A questão foi levada pelo recorrente ao Tribunal Constitucional, nos mesmos termos em que a colocou de novo a este Tribunal, requerendo "uma reapreciação do pedido de extradição", face à entrada em vigor da nova lei.

- Aquela Douta instância, sobre quem impende a análise de eventuais violações da Lei fundamental, nem sequer conheceu da questão. Não cremos que, se fosse patente uma "flagrante violação dos direitos fundamentais do extraditando", ou "uma ofensa à Constituição da República Portuguesa", (como alega), aquele Douto Tribunal deixasse de se pronunciar. Se o não fez, ainda que oficiosamente pudesse abordar a temática, parece-nos salvo melhor opinião, foi porque aí não viu qualquer violação dos princípios e direitos fundamentais constitucionalmente consagrados que o requerido invoca repetitivamente.

- Tendo o processo de extradição normas específicas, delas não consta que o Tribunal possa fazer uma segunda reapreciação do pedido, após a decisão ter transitado em julgado e os recursos terem sido todos esgotados. A aceitar-se tal pretensão, seria, em nossa modesta opinião, uma clara violação do princípio da estabilidade da instância, da segurança jurídica das decisões judiciais e tornar irrelevante o caso julgado consagrado no artº 29º nº 5 da CRP.

- Finalmente, aquele que consideramos um último argumento, não menos importante, mas que o requerido agora invoca como fundamental.

É que a simples entrada em vigor da Lei 9/2015, não confere automaticamente ao extraditando o seu estatuto equiparado a português de origem, impõe-se fazer prova dos requisitos a que alude o art 1º al. d) da Lei da Nacionalidade, na redacção conferida pela Lei 9/2015.

Ora em nossa opinião até mesmo este argumento é insusceptível de obstar à extradição transitada, uma vez que o documento a certificar a sua equiparação a "português de origem" foi entregue em data posterior ao trânsito em julgado.

É manifesto que a pretensão do recorrente desde que perdeu todos os recursos, é claramente fazer voltar o processo ao seu início, como se este não existisse, não olhando a meios, nem argumentações (que consideramos duvidosas e até atentatórias da boa fé e lealdade processual) para atingir esse objectivo.

O artº 11º da Lei da Nacionalidade (Lei 37/81 de 03/10) diz-nos que "atribuição da nacionalidade portuguesa produz efeitos desde o nascimento, sem prejuízo da validade das relações jurídicas anteriormente estabelecidas com base em outra nacionalidade".

Por seu turno o artº 12º refere que "os efeitos das alterações de nacionalidade só se produzem a partir da data do registo dos actos ou factos de que dependem",

Por outro lado, nos termos do artº 49º nº 3 da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em matéria penal, este processo só admite recurso da decisão final. O arguido esgotara esse recurso em todas as instâncias possíveis, as quais lhe negaram provimento.

No entanto o arguido veio a interpor recurso de REVISÃO DE SENTENÇA, com vista a obstar à extradição para o Brasil.

Admitido tal recurso, em face dos prazos a que a Lei 144/99 sujeita o regime de entrega dos detidos, procedeu-se à alteração da medida de prisão, para a de apresentações semanais, tendo em função desse recurso e no interesse exclusivo do arguido, sido suspenso o procedimento de entrega.

Desta alteração das medidas coactivas recorreu o Ministério Público para o Supremo tribunal de Justiça, por entender que o extraditando AA deveria continuar preso para ser entregue.

Os dois recursos foram decididos no passado dia 12.04.2018, por esse Venerando Tribunal tendo sido decidido o seguinte:

- Recurso de revisão

«Em face do exposto, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça negam a revisão.

E condenam o requerente no pagamento das custas, fixando em 4 UC a taxa de justiça».

-Recurso da decisão que colocou o arguido em liberdade mediante duas apresentações semanais:

 

«Face ao exposto, acordam os Juízes da 5ª secção deste Supremo Tribunal em, julgando procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, revogar a decisão que substituiu a detenção de AA por medidas não detentivas, a qual deve ser substituída por outra que determine a sua detenção para ser entregue ao Estado requerente.

Sem custas».

A detenção do arguido foi agora ordenada em estrito cumprimento da decisão desse Venerando Tribunal, para ser entregue às autoridades do país requerente, Brasil, contando-se o prazo a partir do dia 13.04.2018.

O arguido só não foi entregue em Fevereiro, devido à interposição do recurso de revisão, o qual foi negado por esse Tribunal em 12.04.2018, inexistindo agora, em nosso modesto entender, qualquer outro obstáculo ou fundamento para não cumprir a decisão transitada.

A providência cautelar interposta para o TEDH nos termos do artº 39º do regulamento daquele tribunal, visando obstar à sua extradição por alegada falta de condições das cadeias brasileiras é no mínimo insólita, tendo em conta que a República Federativa do Brasil é um Estado democrático e até se encontra a cumprir pena de prisão um ex-presidente daquele país.

O trânsito em julgado da decisão ocorreu em 09.01.2018 e o documento sobre o qual sustenta toda a sua tese foi entregue em 10.01.2018 no Tribunal ou seja, após o trânsito em julgado.

O requerente não pode ignorar nem apagar o passado. A extradição ordenada versa apenas sobre factos indiciadores de crimes graves reportados a um período em que era exclusivamente cidadão brasileiro. A decisão transitada fundamentou-se na lei vigente ao tempo do pedido e à data da prolação. Quanto a nós, o estatuto agora obtido, não altera as decisões proferidas que determinaram a sua extradição. Elas vigorarão para futuro, mas são inaplicáveis ao caso concreto, (cfr. artº 11º e 12º da Lei da Nacionalidade).

A extradição baseia-se em factos verificados num período em que AA nem naturalizado português era e esses pressupostos mantêm-se, a nova lei não os pode modificar, porquanto o seu novo estatuto de cidadão português chegou depois de transitada essa decisão.

 

A pretensa reapreciação do caso, fazendo voltar todo o processo ao seu início como se estes autos e as decisões de três tribunais não existissem, colide frontalmente com os mais elementares princípios constitucionais sobre o qual assenta o Estado de Direito. Transformaria as decisões judiciais transitadas, em algo incerto e faria com que uma qualquer lei, mais conveniente ao extraditando, tornasse irrelevante tal princípio constitucional. O caso assumiria neste particular uma maior relevância negativa para a Justiça Portuguesa, na medida em que estão em causa tratados internacionais em matéria de cooperação judiciária como o da CPLP.

Pelo exposto, entendemos que a detenção foi legal, ordenada para execução de uma decisão transitada em julgado e cumprindo uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça datada de 12.04.2018.

Nenhum prazo se encontra esgotado. O arguido foi detido a 13.04.2018; o prazo de entrega não poderá exceder os 20 dias nos termos do artº 60 nº 2 da Lei 144/99, e nos termos do artº 13º da Convenção sobre Extradições entre os países da CPLP (aplicável ao caso) não poderá ir além dos 45 dias.

Perfilhamos o entendimento de que este quarto pedido de Habeas Corpus, tal como os anteriores, devem ser rejeitados, no entanto Vªs Exªs, melhor decidirão, conforme a Lei e a Justiça».

Procedeu-se à realização da audiência, cumprindo decidir.

Fundamentação:

1. Em face dos documentos juntos ao processo, consideram-se provados os seguintes factos:

a) A Relação de Lisboa, por acórdão de 07/12/2016, deferiu o pedido de extradição do requerente para o Brasil

b) Essa decisão foi confirmada por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/09/2017.

c) O ora requerente reclamou dessa decisão, tendo a reclamação sido indeferida por acórdão de 28/09/2017.

d) O requerente recorreu então para o Tribunal Constitucional, que, por decisão sumária de 06/11/2017, não conheceu do recurso.

e) O requerente reclamou para a conferência, tendo a reclamação sido indeferida por acórdão de 12/12/2017.

f) Na sequência desse acórdão, o requerente apresentou dois novos requerimentos.

g) Apreciando-os, o Tribunal Constitucional, em acórdão de 09/01/2018, considerou que o teor de ambos apontava claramente no sentido de se estar perante “incidentes pré-decisórios manifestamente infundados” e ordenou que o “processo prosseguisse os seus termos no tribunal recorrido”, sem aguardar a decisão sobre aqueles requerimentos, sobre os quais seria proferida decisão no traslado a extrair, nos termos dos artºs 670º do CPC e 84º, nº 8, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.

h) Apreciando mais um requerimento do ora requerente, o Tribunal Constitucional, em novo acórdão, com o nº 106/2018, esclareceu que a aplicação do artº 670º do CPC no acórdão de 09/01/2018 abrange o seu nº 5, o que implicava, para todos os efeitos, o trânsito em julgado, nessa data, do acórdão do mesmo tribunal de 12/12/2017.

i) O requerente foi detido para ser entregue às autoridades judiciárias do Brasil em 03/02/2018.

J) A solicitação da Procuradoria-Geral da República, o Ministério do Negócios Estrangeiros entregou na Embaixada do Brasil, no dia 9 de Fevereiro de 2018, um ofício notificando esse Estado de que a decisão que deferiu a extradição do requerente havia transitado em julgado.

l) Porque o requerente interpôs recurso extraordinário de revisão, a Relação de Lisboa, por meio de despacho do relator, em 15/02/2018, substituiu a detenção do requerente por medidas de coacção não detentivas.

m) A revisão da decisão que deferiu o pedido de extradição foi negada por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/04/2018.

n) Na mesma data, este Supremo Tribunal proferiu outro acórdão que, julgando recurso interposto pelo MP do despacho da Relação que, em 15/02/2018, substituiu a detenção do requerente por medidas de coacção não detentivas, revogou essa decisão, a fim de ser substituída por outra que determinasse a detenção daquele para ser entregue ao Estado requerente.

o) O requerente foi de novo detido em 13/04/2018, situação em que se mantém.

2. Nos termos do nº 2 do artº 222º do Código de Processo Penal, o pedido de habeas corpus, relativamente a pessoa presa, tem de fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de: «a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial».

O requerente pretende que se verificam os fundamentos de habeas corpus das alíneas b) e c).

O primeiro estaria em que, sendo o requerente cidadão português de origem, é constitucionalmente proibida a sua detenção/prisão para ser extraditado para o Brasil, cuja Constituição não permite a extradição de cidadãos brasileiros de origem, sendo inconstitucional, por violação dos artºs 20º, nºs 1 e 5, 31º, 32º, nºs 1 e 2, e 33º, nº 3, da Constituição, a norma da alínea b) do nº 2 do artº 222º, interpretada no sentido “de excluir a possibilidade de concessão da providência de habeas corpus contra a prisão de um cidadão português para extradição ilegal e violadora da exigência de reciprocidade consagrada na Constituição” ou “no sentido de não admitir a concessão da providência de habeas corpus para obstar à prisão para entrega de um cidadão português originário em processo de extradição requerido por Estado cuja Constituição proíbe a extradição de nacionais de origem”.

Mas esta questão já foi apreciada e decidida em perspectiva substancialmente igual a esta no acórdão deste Supremo Tribunal de 14/02/2018, que julgou anterior pedido de habeas corpus do requerente, fundado na alínea b) do nº 2 do artº 222º, tendo-se sobre ela formado caso julgado.

O segundo fundamento, da alínea c), verificar-se-á, no entender do peticionante, na medida em que decorreu o prazo máximo da sua entrega ao Estado requerente, aplique-se o artº 61º da Lei nº 144/99 ou o artº 13º da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP, sendo ilegal a detenção depois do esgotamento desse prazo.

Nesta parte, assiste-lhe razão.

Nos termos do artº 3º, nº 1, da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, o processo de extradição rege-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e, na sua falta, pelas disposições daquele diploma.

Dos artºs 60º e 61º da Lei nº 144/99 resulta que, após o trânsito em julgado da decisão que ordenar a extradição, a pessoa procurada deve ser entregue ao Estado requerente no prazo de 20 dias a contar do trânsito, sendo esse prazo prorrogável até ao limite máximo de 20 dias, em caso de força maior, designadamente doença.

Todavia, sobre esta última matéria, o artº 13º da Convenção de Extradição entre Estados Membros da CPLP dispõe diferentemente, prevalecendo por isso as suas disposições, de acordo com o nº 1 daquele artº 3º.

  Nos termos conjugados dos artºs 13º desta Convenção e 60º da Lei nº 144/99, transitada em julgado, a decisão sobre o pedido de extradição será comunicada ao Estado requerente. Sendo concedida a extradição, será acordada entre os Estados requerente e requerido a data e o local da entrega da pessoa reclamada. O Estado requerente deve retirar esta do território do Estado requerido no prazo de 45 dias seguidos a contar da notificação da decisão àquele. Se o não fizer, a pessoa reclamada será libertada.

Ocorrendo caso de força maior ou de enfermidade grave, devidamente comprovadas, que impeçam ou sejam obstáculo à entrega da pessoa reclamada, o outro Estado Contratante será informado dessa circunstância antes de esgotado aquele prazo de 45 dias, podendo acordar-se nova data para a entrega.

Mas a verificação de uma dessas situações não implica a prorrogação do prazo de entrega, pois não se encontra aqui contemplada, ao contrário do que sucede com o artº 61º da Lei nº 144/99. Do texto da lei não se colhe qualquer indicação no sentido da prorrogação, que desde logo não prescindiria de determinação do respectivo prazo, que inexiste. E não se vê que seja caso de aplicação subsidiária do regime de prorrogação do artº 61º da Lei nº 144/99. Por um lado, não se detecta no artº 13º da Convenção qualquer incompletude, mas somente o propósito de aí se estabelecer um regime diferente do previsto naquele artº 61º, e, por outro lado, não se vê como se poderiam harmonizar os dois regimes relativamente à prorrogação, pois partem de prazos diferentes: a prorrogação seria de 20 ou de 45 dias?

A ocorrência de uma daquelas situações, no regime do artº 13º da Convenção, implica unicamente a comunicação do facto ao outro Estado Contratante e a possibilidade de se acordar uma nova data para a entrega, mas sempre dentro do prazo improrrogável de 45 dias a contar da notificação pelo Estado requerido ao Estado requerente da decisão definitiva que concedeu a extradição.

A improrrogabilidade do prazo justifica-se, face à extensão deste, que, sem prorrogação, é superior ao prazo previsto naquele artº 61º, com prorrogação.

De qualquer modo, não se mostra no processo que tenha existido caso de força maior ou de enfermidade grave que impedissem ou fossem obstáculo à entrega do requerente à República Federativa do Brasil no prazo de 45 dias a contar da data em que esta foi notificada do trânsito em julgado da decisão que deferiu o pedido de extradição.

Neste regime, a pessoa reclamada, não sendo removida pelo Estado requerente do território do Estado requerido no prazo de 45 dias a contar da notificação da definitividade da decisão que ordenou a extradição, é libertada. Independentemente do período de duração da detenção e das razões pelas quais não foi feita a remoção, podendo estas eventualmente relevar para o Estado requerido recusar ou aceitar posteriormente a extradição pelos mesmos factos. Esse prazo de 45 dias é o prazo para a retirada pelo Estado requerente da pessoa reclamada. Mas o seu esgotamento sem que a pessoa a extraditar seja removida do território do Estado requerido tem como consequência a sua libertação, se estiver detida, como deverá estar.

No caso, o Estado requerente foi notificado do trânsito em julgado da decisão que decretou a extradição, pelo menos, em 09/02/2018 [facto da alínea j)]. Contando-se a partir dessa data, aquele prazo de 45 dias completou-se em 26/03/2018, estando há muito ultrapassado. Logo, a detenção do requerente mantém-se para além do prazo limite fixado pela lei, preenchendo-se desse modo a previsão da alínea c) do nº 2 do artº 222º do CPP.

É, assim, fundado o pedido de habeas corpus.

Com esta solução, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento da alegação de inconstitucionalidade desta última disposição, interpretada no sentido de “excluir a possibilidade de concessão da providência de habeas corpus contra a prisão de um cidadão português de origem para entrega em processo de extradição requerido por Estado cuja Constituição proíbe a extradição de nacionais de origem, quando já se encontram excedidos os prazos legais de entrega” ou “se não admitir a concessão da providência de habeas corpus para obstar à prisão para entrega de um cidadão português originário em processo de extradição, quando já se encontram superados os prazos de entrega”.

Decisão:

Em face do exposto, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça, deferindo a petição de habeas corpus, declaram ilegal a detenção do requerente e determinam a sua libertação imediata, devendo ser emitido o respectivo mandado.

Não há lugar ao pagamento de custas.

Envie de imediato cópia desta decisão à Relação de Lisboa.

                                   Lisboa, 03/05/2018

Manuel Braz (Relator)

Isabel São Marcos