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VENDA JUDICIAL
REMIÇÃO
Sumário
Sumário (da relatora):
I - Estando em causa a venda judicial por meio de propostas em carta fechada, os titulares do direito de remição podem exercer esse direito enquanto não for emitido, pelo agente de execução, o título de transmissão do bem.
II – A prova documental da relação familiar com o executado, constitui requisito insuprível da constituição do direito de remição.
III - Ao exercer o direito de remição já após o momento de abertura das propostas em carta fechada, o requerente tem de efectuar o depósito imediato e integral do preço, de acordo com o estabelecido no artº 843 nº 2 do C.P.C., pois só assim está a exercer validamente tal direito.
IV - O depósito do preço é elemento constitutivo do direito de remição, na medida em que o mesmo nunca pode ser exercido de forma válida sem a efectivação do pagamento do preço.
Texto Integral
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I. Relatório.
Na acção executiva comum para pagamento de quantia certa, que corre termos no Juízo Central Cível de Viana do Castelo – Juiz 3 – do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, sob n.º 458/04.9TBVLN, em que agora é exequente Banco A, S.A. e executada E. D., procedeu-se à venda do imóvel penhorado nos autos.
T. G., alegando ser pai da executada, veio requerer que se anulem os actos praticados pela agente de execução quanto à emissão do título de transmissão do bem imóvel objecto de venda nos presentes autos.
Alega para tal, em síntese, que apesar de ter dado conhecimento à agente de execução de que pretendia exercer o direito de remição, a mesma não aguardou que o mesmo apresentasse a documentação que se encontrava a ser preparada, tendo agido de má-fé ao emitir o título de transmissão do dito imóvel.
Notificada a exequente veio pugnar pela falta de fundamento do requerido.
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Subsequentemente, por despacho de 12/04/2018 foi julgada improcedente a nulidade invocada, indeferindo-se o requerido, nos seguintes termos:
“… Nos termos do disposto no artigo 842.º, do NCPC: “Ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.”.
A faculdade que é concedida ao cônjuge do executado ou aos seus descendentes ou ascendentes, por esta ordem (cfr. art.º 845.º, n.º 1, NCPC), tem em vista a protecção do património da família do devedor, obstando a que dele saiam os bens penhorados, configurando como que um direito especial de preferência, assente numa relação de carácter familiar, constituindo como que uma possibilidade de resgate dos bens penhorados, cfr. entendimento uniforme na doutrina, designadamente Lebre de Freitas, in Acção Executiva, Depois Da Reforma, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2004, p. 334 e 335; Eurico Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, edição da INCM, p 660 e 661; Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum, À Face Do Código Revisto, SPB Editores, a p. 357 e Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, 2010. 13.ª Edição, Almedina, p. 392, acrescentando este autor que este direito “Reveste algumas semelhanças com o antigo direito de avoenga, que era um direito de preferência a favor dos irmãos e outros parentes, quanto aos bens herdados dos ascendentes. Através da concessão deste direito pretende-se proteger o património da família do devedor, obstando a que dele saiam os bens penhorados.
É um benefício ou favor ao executado e seus familiares próximos, por razões de ordem económica e moral, sem que daí resulte qualquer prejuízo para a execução.”.
No caso, importa começar por dizer que, o ora requerente nem sequer comprovou ainda nos autos a qualidade de pai da executada, nem sequer veio requerer ao tribunal prazo razoável para o fazer, como lhe incumbia por força do preceituado no art.º 845º, nº 3, do NCPC.
Por outro lado, e de acordo com o disposto no art.º 843º, nº 1, al. a), do NCPC:
“1. O direito de remição pode ser exercido:
a) No caso de venda por propostas em carta fechada, até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente ou no prazo e nos termos do nº 3 do artigo 825º.”. Ora, resulta da própria alegação do ora requerente que este apenas deu conhecimento à agente de execução de que pretendia exercer o direito de remição, não tendo procedido à comprovação do parentesco, nem ao depósito do preço antes de ter sido emitido o título de transmissão do bem em causa. Ou seja, o requerente não se apresentou a exercer em devido tempo o direito de remição. Mas será que a agente de execução, perante a comunicação de que o ora requerente o pretendia fazer, estava obrigada a aguardar que o ora requerente apresentasse a documentação necessária ao exercício de tal direito?
Pensamos que não.
A emissão do título de transmissão, bem como a prática de todos os actos que têm que ver com a venda, adjudicação de bens, pagamentos, liquidação e pagamentos dos créditos exequendos, é da competência do agente de execução, em conformidade com o disposto no art.º 719º, do NCPC – neste sentido, veja-se Rui Pinto, Manual da Execução E Despejo, Coimbra Editora, Agosto de 2013, p. 121.
E, nos termos do art.º 827º, nº 1, do NCPC, mostrando-se integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, os bens são adjudicados e entregues ao proponente, emitindo o agente de execução o título de transmissão a seu favor, a que se segue a comunicação da venda ao serviço de registo competente, para que se proceda ao registo do facto e cancelamento das inscrições relativas aos direitos que tenham caducado. A adjudicação assim efectuada pelo agente de execução é constitutiva dos efeitos materiais da venda e não tem que ser precedida de despacho judicial.
Com efeito, dada a supressão, com a reforma processual de 2003, do despacho de adjudicação, o direito de remição tem de ser exercido, no caso, como o presente, de abertura de propostas em carta fechada, até à adjudicação de bens, a fazer por requerimento dirigido ao agente de execução, cabendo a este informar o terceiro remidor de todas as condições da venda e no caso de proposta em carta fechada, só com a passagem do título de transmissão é que se dão, se verificam, os efeitos da venda executiva, cfr. Rui Pinto e ob. cit., p. 965. Daqui resulta, pois, que, designadamente, todos os actos relacionados com a venda, pagamentos, emissão do título de transmissão e subsequentes comunicações ao registo, são da incumbência/competência do agente de execução, não sendo este obrigado a informar um terceiro remidor de que vai praticando qualquer destes actos. Ao invés, é a este que terá de se rodear de todas as cautelas e diligência, no sentido de o exercer tempestivamente.
Como refere Amâncio Ferreira, ob. cit., p. 393 “Diversamente do que ocorre com os titulares do direito de preferência, os titulares do direito de remição não são notificados para o exercer na execução. Dependerão assim para o exercício do seu direito do conhecimento que lhes advirá da publicidade que rodear a venda ou da informação que lhe prestar o executado seu familiar, que é sempre notificado do despacho determinativo da venda.”.
No mesmo sentido propugnam Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in CPC, Anotado, Vol. 3.º, Coimbra Editora, 2003, p. 624 (em anotação ao art.º 913.º do CPC 1995, equivalente ao art.º 843º do NCPC), quando ali referem que “O titular do direito de remição não é notificado para o exercer. Não é por ele invocável o justo impedimento (…), que implicaria a necessidade de lhe dar conhecimento prévio, tal como ao preferente.”.
A nível jurisprudencial, neste sentido, se decidiu nos acs. do STJ, de 10.12.2009, Processo n.º 321-B-1997.S1 e de 13.09.2012, Processo nº 4595/10.2TBBRG.G1.S1, ambos disponíveis no respectivo sítio da dgsi, em que, no 1.º dos arestos ora citados, se refere o seguinte: “o remidor não é parte na acção executiva, detendo, antes pelo contrário, necessariamente a posição de terceiro relativamente à execução (…). Por outro lado, como titular de um «direito de preferência legal de formação processual», não é notificado para exercer tal direito, como ocorre com o preferente legal (…).
Deste estatuto processual decorre que o interessado na remição, como terceiro, não tem de ser pessoalmente notificado dos actos e diligências que vão ocorrendo na tramitação da causa, presumindo a lei de processo que o seu familiar – executado e, ele sim, notificado nos termos gerais, - lhe dará conhecimento atempado das vicissitudes relevantes para o eventual exercício do seu direito: a concordância de interesses entre os familiares atingidos patrimonialmente pela execução permite compreender a solução legal, particularmente no que se refere à dispensa de notificação pessoal dos possíveis remidores para exercerem, querendo, o seu direito visando a manutenção da integridade do património familiar. (…) Cabe, deste modo, ao executado e respectivos familiares um ónus de acompanhamento atento e diligente da execução que afecte o património familiar, com vista a exercerem tempestivamente o direito de remição, sem, com isso, porem em causa a legítima confiança que o adquirente dos bens em processo executivo depositou na estabilidade da aquisição patrimonial que realizou.”.
Assim, no caso em apreço, incumbia à executada e seus familiares interessados no exercício do direito de remição, agir de forma a saber quando teria lugar a abertura de propostas e logo que efectuada esta, exercer tal direito, bem sabendo, ou devendo saber, que o mesmo só poderia ser exercido até à emissão do título de transmissão.
Deviam, pois, usar de toda a diligência de forma a fazê-lo antes de este título ser emitido, o que não aconteceu. Logo que terminado acto de abertura da proposta apresentada, devia o requerente declarar que pretendia exercer o seu direito e juntar a documentação necessária. É que tendo a preferente pago o restante da quantia e cumprido as suas obrigações fiscais, a agente de execução estava legalmente obrigada a emitir o respectivo título de aquisição e de efectuar as competentes comunicações ao registo para cancelamento dos direitos e ónus que incidiam sobre o bem vendido, como, efectivamente, assim ocorreu. Assim, só de si se poderá queixar o ora requerente, pelo não exercício atempado do direito de remição, nada havendo a censurar à actuação da agente de execução. Pelo exposto, julga-se improcedente a nulidade invocada, indeferindo-se o requerido.”
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Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso T. G., o qual, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões:
“A- O ora recorrente apresentou requerimento, no qual fundadamente pretendia exercer o seu direito á remição num processo executivo em que a casa de uma sua filha foi vendida. B- Alegou que teve conhecimento do auto de abertura de propostas através da notificação que a filha recebeu e imediatamente por correspondência trocada entre si e o Tribunal a quo entre os dias 7 e 8 de março de 2018 declarou a sua intenção de remição C- No dia 9 de Março de 2018, pelas 12,09 horas a Senhora Agente de Execução comunicou o ora recorrente o seguinte: “ Exmº. Senhor T. G., serve o presente email para informar V. Exª que, após ter tomado conhecimento de que irá exercer o direito de remição, deverá V. Exª. remeter toda a documentação à Agente de Execução, com a maior brevidade possível. Mais se informa que, uma vez que o depósito do preço constante da proposta apresentada já foi efectuado, deverá V. Exª. juntar cheque visado no valor da proposta apresentada, acrescido de 5% para indemnização do proponente, nos termos do nº2 do artigo 843º do CPC, que corresponde a um total de € 42.065,10,” D- No dia 14 de março ás 11.13 horas o ora recorrente enviou uma email á Srº. Agente de Execução informando-a que no dia 16 de março enviaria toda a documentação e o cheque para efectuar o pagamento no valor que lhe foi notificado pela Srª. Agente de Execução. E- No dia 15 de março de 2018, ás 12.06 horas a Srº. Agente de Execução envia um email ao ora recorrente com o seguinte teor. “Em resposta ao V. email ora anexo e junto aos autos, informo que, nos termos previstos na alínea a) do nº1 do artigo 843º do C. de Processo Civil o V. direito caducou, sendo extemporâneo o seu exercício, uma vez que já foi emitido o titulo de transmissão do bem à proponente e consequente registo.” F- Inconformado o ora recorrente apresentou um requerimento no Tribunal a quo onde expunha a situação suprarreferida e solicitava que fossem anulados os actos practicados pela Srª. Agente de Execução, nomeadamente a emissão dos títulos de transmissão e competentes registos, permitir ao ora recorrente o exercício do seu direto de remição nos termos do artigo 842º e seguintes do C.PC. G- Apreciado tal requerimento decidiu o Tribunal a quo pela improcedência da nulidade invocada, indeferindo o requerido, com fundamento em que o ora recorrente não declarou que pretendia exercer o seu direito de remição e juntar a documentação necessária antes de o titulo ser emitido. H- Também de primordial importância para a avaliação da justa pretensão do ora recorrente, são os seguintes elementos que constam dos autos: No dia 9 de março de 2018, pelas 18h46m21ss, a Srª. Agente de Execução deu entrada electronicamente ao pedido de Registo nº 558102018, da aquisição do referido prédio nº ... JD da freguesia de .... No dia 12 de março de 2018 ás 10h44m22ss, a Srª. Agente de Execução deu entrada electrónicamente a uma apresentação complementar de uam certidão emitida por si. O dia de 12 de março de 2018 ás 19h44m22ss, é o dia e hora definitiva do registo daquela aquisição. I- O tribunal a quo, deu erradamente como provado que o ora recorrente não usou da diligência necessária por forma a declarar que pretendia exercer o seu direito de remição, antes de o titulo ser emitido. J- Como muito bem se refere na decisão ora recorrida “ …todos os actos relacionados com a venda, pagamentos, emissão do título de transmissão e subsequentes comunicações ao registo, são da incumbência/competência do agente de execução, não sendo este obrigado a informar um terceiro remidor de que vai practicando qualquer acto…” K- O ora recorrente declarou que pretendia exercer o seu direito á remição e a Srº. Agente de Execução aceitou tal declaração, informando-o no dia 11 de março de 2018, ás 18.43 horas, do que deveria fazer, chamando-lhe a atenção que tais actos teriam que ser practicados com a maior brevidade possível, pelo que desta notificação resulta que no dia e hora supra referidos ainda não tinha sido emitido o titulo de transmissão. L- No entanto no dia 15 de março de 2018 ás 12.06 horas la Srª. Agente de Execução estranhamente e contra tudo o que é razoável e legalmente expectável deu a conhecer ao ora recorrente que o seu direito já tinha caducado. M- Constate-se que entre o dia 11 de março de 2018 ás 18.43 horas e o dia 14 de março de 2014 ás 11.13 horas, apenas decorreram e dias, o que pode-se considerar um prazo breve solicitado pela Srª. Agente de execução. N- A Srº. Agente de Execução, depois de ter concedido a possibilidade do ora recorrente practicar a sua pretendida remição, deveria abster-se de practicar os actos que practicou posteriormente àquela comunicação. O- A Srº. agente de execução, tinha que salvaguadar um direito legalmente assegurado de remição e que ela concedeu sem reservas. P- No momento da notificação pela Srª. Agente de Execução do deferimento do pedido de remissão do ora recorrente, o seu direito não estava caducado. Q- Foram os actos posteriores da Srº. Agente que fomentaram de uma forma ilegal e contra todos os princípios legais e mesmo constitucionais a caducidade daquele direito, a que o ora recorrente não deu causa e antes pelo contrario diligentemente manteve-se interessado em mantê-lo. R- Com a practica dos actos pela Srº. Agente de Execução, subsequentes á notificação do ora recorrente, foram violados princípios constitucionais, entre os quais o principio da segurança jurídica e o da confiança do remidor. S- O ora recorrente tal como lhe competia fez prova de todos os factos constitutivos do seu direito, nomeadamente comunicação da sua pretensão de exercer o seu direito á remição, antes do titulo ser emitido, que foi aceite pela Srº. Agente de Execução. T- Deveria, pois o requerimento ser julgado procedente declarar-se nulos os títulos de transmissão e os competentes registos e dar-se a possibilidade ao ora recorrente de exercer o seu direito de remição nos termos do artigo 842º e seguintes do CPC. U- A decisão recorrida violou, nomeadamente, o disposto nos artºs. 842º a 845º do C.P.Civil. V- Bem como violou os princípios constitucionais fundamentais. W- Viola nomeadamente, a protecção conferida à família pelo artigo 67º da CRP, no âmbito da qual se inscreve o reconhecimento do direito de remição. X- Viola a garantia de um processo subordinado ao principio da igualdade, do contraditório, e do direito a um processo justo e equilibrado, previsto no artigo 20 da CRP. Y- Restringe de forma desproporcionada o direito de acesso à justiça e aos demais princípios ínsitos naquele normativo, e como tal de forma proibida, atendo o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 18 da Constituição da República Portuguesa. Z- Viola um “principio da funcionalidade e proporcionalidade dos ónus, cominações e preclusões impostas por lei às partes”
Assim, na procedência do concluído, deverá ser revogada a decisão proferida na 1ª instância e substituída por outra que admita o requerimento apresentado pelo ora recorrente para exercício do direito de remição á luz do disposto nos artigos 842º a 845º do C. P. Civil, e declare nulos o título de transmissão e os competentes registos.”.
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O exequente contra-alegou, terminando as respectivas alegações, formulando as seguintes conclusões:
“1.º O Apelante interpôs recurso do despacho proferido pelo Tribunal a quo que julgou improcedente a nulidade invocada pelo mesmo. 2.º Em suma, o Apelante invoca que, na diligência de abertura de propostas em carta fechada realizada no passado dia 20 de Fevereiro de 2018, foram apresentadas duas propostas de aquisição do imóvel penhorado nos presentes autos tendo sido aceite pelo Tribunal a quo a proposta apresentada pela preferente Patrícia. 3.º O aqui Recorrente alega ainda que no seguimento desta diligência de venda que - no dia 7 de Março de 2018 – terá comunicado ao Tribunal a quo que, na qualidade de pai da executada iria exercer o direito de remição. 4.º No seguimento da informação prestada pelo Recorrente ao Tribunal, a Ilustre Agente de Execução em funções enviou um email – a 9 de Março de 2018 ao recorrente - a solicitar ao Recorrente o envio da documentação necessária para o exercício desse direito, esclarecendo ainda que a documentação deveria ainda ser acompanhada de um cheque visado no valor da proposta apresentada acrescido de 5% para indemnização do proponente nos termos do n.º 2 do art. 843.º do CPC, uma vez que o depósito do preço do imóvel já tinha sido realizado. 5.º O recorrente alega ainda ter respondido a este requerimento apenas a 14 de Março do mesmo ano – ou seja volvidos 5 (cinco) dias do email da Sra. Agente de Execução – tendo informado a mesma que no dia 16 de Março iria enviar toda a documentação solicitada pela Agente de Execução e ainda o cheque no valor indicado. 6.º Neste seguimento, no dia 15 de Março de 2018, a Agente de Execução informou o ora Recorrente que o seu direito de remição caducou, sendo extemporâneo o seu exercício daquele direito uma vez que já tinha sido emitido o título de transmissão e realizado o consequente registo. 7.º Aqui chegados e perante a informação prestada pela Agente de Execução veio o aqui Recorrente apresentar novo requerimento junto do Tribunal a quo através do qual este solicitou que fossem anulados os actos praticados pela Agente de Execução, nomeadamente a emissão do título de transmissão e competente registo, devendo antes ser permitido ao Recorrente o exercício do direito de remição nos termos do art. 842.º e ss do CPC. 8.º Neste seguimento – e tal como já era expectável! – decidiu o Tribunal a quo pela improcedência da nulidade invocada considerando que a Sra. Agente de Execução em funções cumpriu com todos os formalismos legais exigíveis para a concretização da venda e que foi o pai da executada que não demonstrou ter exercido nenhum direito de remição junto dos presentes autos. 9.º De notar que o Recorrente defende que, no seguimento do mesmo ter declarado que pretendia exercer o direito de remição e da Sra. Agente de Execução ter aceite tal declaração, deveria esta abster-se de praticar os actos que praticou posteriormente àquela comunicação. 10.º Ou seja, o Recorrente defende que mediante a manifestação da pretensão do exercício do direito de remição e da alegada aceitação por parte da Agente de Execução desse direito, não poderia a Sra. Agente de Execução em funções emitir o competente título de transmissão. 11.º Assim, o Recorrente conclui que os actos praticados pela Sra. Agente de Execução realizados posteriormente ao Recorrente ter manifestado a sua intenção de exercer o direito de remição violaram princípios constituicionais entre os quais o princípio da boa fé, da segurança jurídica e o da confiança do remidor. 12.º Por fim, o Recorrente conclui que fez junto do Tribunal a quo prova de todos os factos constituitivos do seu direito, nomeadamente a comunicação da sua pretensão de exercer o seu direito de remição antes do título de transmissão ser emitido, pelo que requer que este Tribunal declare nulos os títulos de transmissão e os competentes registos emitidos devendo antes dar-se a possibilidade ao Recorrente de exercer o seu direito de remição nos termos do art. 842.º e seguintes do CPC. 13.º Ora, não pode o ora Exponente concordar com o supra exposto pelos motivos que adiante melhor se adiantam. 14.º O aqui Recorrente alegando ser o pai da executada veio requerer a anulação dos actos praticados pela Agente de Execução quanto à emissão do título de transmissão do bem imóvel objecto de venda nos presentes autos. 15.º Antes de mais importa esclarecer que, de acordo com o disposto no artigo 842.º do CPC: “Ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.”. 16.º A faculdade que é concedida ao cônjuge do executado ou aos seus descendentes ou ascendentes, por esta ordem (Cfr. art.º 845.º, n.º 1 do CPC), tem em vista a protecção do património da família do devedor, obstando a que dele saiam os bens penhorados, configurando como que um direito especial de preferência, assente numa relação de carácter familiar, constituindo como que uma possibilidade de resgate dos bens penhorados, Cfr. entendimento uniforme na doutrina, designadamente Lebre de Freitas, in A Acção Executiva, Depois Da Reforma, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2004, p. 334 e 335; Eurico Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, edição da INCM, p 660 e 661; Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum, À Face Do Código Revisto, SPB Editores, a p. 357 e Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, 2010. 13.ª Edição, Almedina, p. 392, acrescentando este autor que este direito “Reveste algumas semelhanças com o antigo direito de avoenga, que era um direito de preferência a favor dos irmãos e outros parentes, quanto aos bens herdados dos ascendentes. Através da concessão deste direito pretende-se proteger o património da família do devedor, obstando a que dele saiam os bens penhorados. É um benefício ou favor ao executado e seus familiares próximos, por razões de ordem económica e moral, sem que daí resulte qualquer prejuízo para a execução.”. 17.º Ora, neste caso em concreto, importa antes de mais esclarecer que o Recorrente não comprovou nos presentes autos, até à presente data, a efectiva qualidade de pai da executada, nem sequer veio requerer ao Tribunal a quo prazo razoável para o fazer, como lhe incumbia por força do preceituado no art.º 845º, nº 3, do CPC. 18.º Por outro lado, relembramos ainda que, o art.º 843º, nº 1, al. a), do CPC dispõe que: “1. O direito de remição pode ser exercido: a) No caso de venda por propostas em carta fechada, até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente ou no prazo e nos termos do nº 3 do artigo 825º.”. 19.º Ora, resulta das alegações do Recorrente que este apenas deu conhecimento à Sra. Agente de Execução de que pretendia exercer o direito de remição, não tendo nem procedido à comprovação do parentesco com executada, nem ao depósito do preço antes de ter sido emitido o título de transmissão do imóvel em causa. 20.º Assim é forçoso concluir que o Recorrente não exerceu em devido tempo o direito de remição! 21.º Aqui chegados importa ainda esclarecer este Tribunal que a Sra. Agente de Execução, perante a comunicação do Recorrente de que este pretendia exercer direito de remição, não estava obrigada a aguardar que o Recorrente apresentasse a documentação necessária ao exercício de tal direito. 22.º Isto porque, a emissão do título de transmissão, bem como a prática de todos os actos que têm que ver com a venda, adjudicação de bens, pagamentos, liquidação e pagamentos dos créditos exequendos, é da competência da Sra. Agente de Execução, de acordo com o disposto no art.º 719º do CPC. 23.º Acresce que, nos termos do art.º 827º, nº 1, do CPC, mostrando-se integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, os bens são adjudicados e entregues ao proponente, emitindo o agente de execução o título de transmissão a seu favor. 24.º Com efeito, o direito de remição tem de ser exercido, no caso, como o presente, de abertura de propostas em carta fechada, até à adjudicação de bens, a fazer por requerimento dirigido ao agente de execução, cabendo a este informar o terceiro remidor de todas as condições da venda e no caso de proposta em carta fechada, só com a passagem do título de transmissão é que se dão, se verificam, os efeitos da venda executiva. 25.º Daqui resulta, pois, que, designadamente, todos os actos relacionados com a venda, pagamentos, emissão do título de transmissão e subsequentes comunicações ao registo, são da incumbência/competência do agente de execução, não sendo este obrigado a informar um terceiro remidor de que vai praticando qualquer destes actos. 26.º Pelo contrário, deveria ser o Recorrente que se deveria rodear de todas as cautelas e diligência, no sentido de o exercer tempestivamente. 27.º Assim, no caso em apreço, incumbia à executada e seus familiares interessados no exercício do direito de remição, neste caso o seu pai, agir de forma a saber quando teria lugar a abertura de propostas e logo que efectuada esta, exercer tal direito, bem sabendo, ou devendo saber, que o mesmo só poderia ser exercido até à emissão do título de transmissão. 28.º Devia por isso o Recorrente, usar de toda a diligência de forma a fazê-lo antes de este título ser emitido, o que, face a tudo o que vem sendo exposto, claramente não aconteceu no presente caso. 29.º Aliás, logo que terminado acto de abertura da proposta apresentada, devia o Recorrente declarar que pretendia exercer o seu direito e juntar a documentação necessária para o efeito. 30.º Por outro lado acresce que tendo a preferente pago o restante da quantia e cumprido as suas obrigações fiscais, estava a Sra. Agente de Execução legalmente obrigada a emitir o respectivo título de aquisição e de efectuar as competentes comunicações ao registo para cancelamento dos direitos e ónus que incidiam sobre o bem vendido, como, efectivamente, assim ocorreu. 31.º Face ao exposto, só de si se poderá queixar o aqui Recorrente, pelo não exercício atempado do direito de remição, nada havendo a censurar à actuação da Sra. Agente de Execução. Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso, confirmando-se na integra a decisão recorrida fazendo v. exas desta forma inteira e sã justiça!”.
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O recurso foi admitido por despacho de 10 de Julho de 2018 como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal são:
1. saber se a decisão recorrida violou o disposto nos artºs. 842º a 845º do C.P.Civil. 2. saber se a decisão recorrida violou os princípios constitucionais invocados pelo recorrente.
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III. Fundamentação de facto.
Os factos materiais relevantes para a decisão da causa são os que decorrem do relatório supra.
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IV. Fundamentação de direito.
1.Delimitadas que estão, sob o n.º II, as questões essenciais a decidir, é o momento de apreciar cada uma delas. 1.1.saber se a decisão recorrida violou o disposto nos artºs. 842º a 845º do C.P.Civil.
A questão que se coloca, consiste em aferir se o recorrente exerceu atempadamente o direito de remição na venda efectuada, e se o fez, cumprindo todos os requisitos legais.
Começamos desde logo por dizer que, o requerimento apresentado pelo recorrente, sobre o qual recaiu a decisão agora sob recurso, podia e devia ser rejeitado.
Com efeito, o requerente, como se diz em tal decisão, nem sequer comprovou documentalmente ser pai da executada, sendo que essa relação familiar constitui requisito insuprível da constituição do direito de remição.
Na verdade, pese embora a sra. Agente de execução o tenha informado de que deveria juntar com a brevidade possível toda a documentação necessária, e este tenha posteriormente informado que no prazo de dois dias o faria, o facto é que nunca juntou tal documento, o qual nem agora no recurso se mostra junto, sabendo o recorrente (até porque isso era referido na decisão recorrida) que tal documento era necessário para comprovar a relação familiar invocada uma vez que se trata de um facto sujeito a registo civil obrigatório. Com efeito, os factos relativos ao estado pessoal das pessoas são factos relativos a direitos indisponíveis e que se encontram sujeitos a registo obrigatório, pelo que só podem ser provados através da competente certidão do registo civil. Haveria pois que indeferir o requerimento, por não estar demonstrado o facto que permitiria reconhecer ao requerente a titularidade do direito que pretendia exercer ou para cuja defesa formula o requerimento (cfr. neste sentido Ac. RP de 23/06/2015, disponível em www.dgsi.pt).
Bastava esta razão para, sem mais, julgar o recurso improcedente.
Contudo, mesmo partindo do pressuposto não demonstrado de que o recorrente é pai da executada, desde já podemos adiantar que se concorda na íntegra com o decidido em 1ª instância, por espelhar, em nosso entender, a decisão correcta e justa para a situação em discussão.
Com efeito, como se refere na decisão sob recurso, nos termos do disposto no artigo 842.º, do NCPC: “Ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.”.
Através da concessão deste direito pretende-se proteger o património da família do devedor, obstando a que dele saiam os bens penhorados.
É um benefício ou favor ao executado e seus familiares próximos, por razões de ordem económica e moral, sem que daí resulte qualquer prejuízo para a execução.
No caso dos autos, como bem se refere, o ora recorrente nem sequer comprovou ainda nos autos a qualidade de pai da executada, nem sequer veio requerer ao tribunal prazo razoável para o fazer, como lhe incumbia por força do preceituado no art.º 845º, nº 3, do NCPC.
Acresce que, nos termos dispostos pelo art.º 843º, nº 1, al. a), do NCPC:
“1. O direito de remição pode ser exercido:
a) No caso de venda por propostas em carta fechada, até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente ou no prazo e nos termos do nº 3 do artigo 825º.”.
… 2. Aplica-se ao remidor, que exerça o seu direito no acto de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, o disposto no artigo 824.º, com as adaptações necessárias, bem como o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 825.º, devendo o preço ser integralmente depositado quando o direito de remição seja exercido depois desse momento, com o acréscimo de 5 % para indemnização do proponente se este já tiver feito o depósito referido no n.º 2 do artigo 824.º, e aplicando-se, em qualquer caso, o disposto no artigo 827.º.”
Diz-nos Lopes do Rego, in. Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. II, pág. 51 que: “Quando porém o direito de remição seja exercido em momento ulterior ao acto de abertura e aceitação das propostas, deverá o remidor depositar logo a totalidade do preço, acrescido de 5% para indemnização do proponente que já tiver feito o depósito referido no nº 2 do artigo 897.” (actual art. 824º nº 1 do NCPC).
No caso em presença, o recorrente estaria em tempo para exercer o direito de remição, quando se apresentou a tal (desde que comprovasse a sua qualidade de pai da executada, o que não fez), por ainda não se ter procedido à emissão do título da transmissão do bem para a preferente.
Contudo, para além de não ter, como se disse, até este momento sequer comprovado ainda nos autos a qualidade de pai da executada, também não efectuou o depósito imediato do preço quando se apresentou a exercer tal direito, o que devia ter feito, de acordo com o regime legal estabelecido, uma vez que já se está num momento posterior ao da abertura das propostas.
Diz-nos o acórdão da Relação de Coimbra de 17.02.2014 in. www.dgsi.pt, que “Com efeito, ao exercer o direito de remição já após o momento de abertura das propostas em carta fechada, o requerente tem de efectuar o depósito imediato e integral do preço, de acordo com o estabelecido no artº 843 nº 2 do C.P.C., pois só assim está a exercer validamente tal direito. Pode dizer-se que o depósito do preço é elemento constitutivo do direito de remição, na medida em que o mesmo nunca pode ser exercido de forma válida sem a efectivação do pagamento do preço.
E compreende-se que assim seja. O legislador considerou o interesse do exequente e eventualmente dos credores reclamantes na celeridade e segurança na obtenção do seu crédito e terá querido obstar à possibilidade de surgirem actos dilatórios por parte de familiares dos executados, garantindo um efectivo pagamento de quem se apresenta a exercer o direito de remição.
Assim, ao não efectuar o depósito do preço no momento em que se apresentou a exercer o direito de remição o requerente não observou um dos requisitos necessários ao exercício do seu direito, pelo que não pode ter-se o mesmo como validamente praticado- vd. neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24/05/2011, in. www.dgsi.pt”.
Concordando na íntegra com o acabado de citar, dir-se-á que, resulta da própria alegação do ora recorrente que este apenas deu conhecimento à agente de execução de que pretendia exercer o direito de remição, não tendo procedido à comprovação do parentesco, nem ao depósito do preço antes de ter sido emitido o título de transmissão do bem em causa.
Ou seja, o requerente não observou dois dos requisitos necessários ao exercício do seu direito de remição, pelo que não pode ter-se o mesmo como validamente praticado.
Acresce que, como se disse na decisão recorrida, a sra. Agente de execução, perante a comunicação de que o ora recorrente pretendia fazer valer o seu direito de remição, não estava obrigada a aguardar que o ora requerente apresentasse a documentação necessária ao exercício de tal direito.
Com efeito, sendo a emissão do título de transmissão, bem como a prática de todos os actos que têm que ver com a venda, adjudicação de bens, pagamentos, liquidação e pagamentos dos créditos exequendos, da competência do agente de execução, em conformidade com o disposto no art.º 719º, do NCPC e, mostrando-se verificados todos os pressupostos do art.º 827º, nº 1, do NCPC, nada mais cabia à sra. Agente de execução que não fosse adjudicar e entregar o bem à preferente emitindo de execução o título de transmissão a seu favor, não estando a sra. Agente de execução obrigada a informar um terceiro remidor de que vai praticando qualquer dos actos que lhe competem exercer (cfr. neste sentido na doutrina Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in CPC, Anotado, Vol. 3.º, Coimbra Editora, 2003, p. 624 (em anotação ao art.º 913.º do CPC 1995, equivalente ao art.º 843º do NCPC)) e na jurisprudência os acs. do STJ, de 10.12.2009, Processo n.º 321-B-1997.S1 e de 13.09.2012, Processo nº 4595/10.2TBBRG.G1.S1, ambos disponíveis no respectivo sítio da dgsi, citados na decisão sob recurso).
De tal doutrina e jurisprudência resulta que, incumbe aos executados, e seus familiares que possam e queiram exercer o direito de remissão, actuar de forma a saber quando teria lugar a abertura de propostas e logo que efectuada esta, exercer tal direito, bem sabendo, ou devendo saber, que o mesmo só poderia ser exercido até à emissão do título de transmissão.
Ora no caso dos autos, verifica-se que o recorrente, 15 dias depois de terminado acto de abertura da proposta apresentada, declarou que pretendia exercer o seu direito de preferência, mas não demonstrou ser pai da executada, nem procedeu ao pagamento devido.
E, pese embora a sra. Agente de execução lhe tenha respondido por email que deveria juntar toda a documentação com a maior brevidade possível (pois que ainda não tinha sido emitido o título de transmissão), o facto é que, também o informou que o depósito do preço constante da proposta apresentada já tinha sido efectuado. Entretanto, a preferente e proponente enviou à sra. Agente de execução o comprovativo de pagamento das obrigações fiscais, únicos documentos em falta para a emissão do respectivo título, razão pela qual a Sra. agente de execução estava legalmente obrigada a emitir o respectivo título de aquisição e de efectuar as competentes comunicações ao registo para cancelamento dos direitos e ónus que incidiam sobre o bem vendido, como, efectivamente, assim ocorreu, nada lhe impondo que aguardasse por mais tempo que o ora recorrente viesse fazer a prova em falta de que é pai da executada, e procedesse ao depósito do valor devido (coisa que, aliás, até ao momento o recorrente não fez).
Face a tal, e como se concluiu na decisão sob recurso, só de si se poderá queixar o ora recorrente, pelo não exercício atempado e com observância de todos os requisitos legais, do direito de remição.
Donde se conclui que o recorrente não exerceu atempadamente o direito de remição na venda efectuada, e não cumpriu todos os requisitos legais que para tal lhe eram exigíveis, não sendo exigível à sra. Agente de execução a abstenção da prática dos actos que praticouposteriormente à comunicação efectuada pelo recorrente de que pretendia remir.
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2. saber se a decisão recorrida violou os princípios constitucionais invocados pelo recorrente.
Invoca o recorrente que a decisão proferida e agora sob recurso, viola a protecção conferida à família pelo artigo 67º da CRP, no âmbito da qual se inscreve o reconhecimento do direito de remição.
Mais uma vez, entendemos não caber qualquer razão ao recorrente.
A protecção da família, através da preservação do património familiar, evitando a saída dos bens penhorados do âmbito da família do executado, é o objectivo da consagração legal do direito de remição, unanimemente reconhecido pela jurisprudência e pela doutrina (cf., Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lisboa, 1998, p. 381, Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 6.ª ed., Coimbra, 2004, p. 341, José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, Coimbra, 1993, p. 272, José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, 3.º vol., Coimbra, 2003, p. 621, e J. P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Porto, 1998, p. 357).
Prevê o nº 1 do art 67º da Constituição da República Portuguesa que “A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.”
Por seu lado, as várias alíneas do nº 2 do mesmo preceito, constituem normas de natureza meramente programática dirigida ao Estado.
Ora, no caso dos autos não está em causa o exercício do direito à remição, pois que ao recorrente estava facultado exercê-lo, exercício que apenas não foi admitido por não ter o recorrente exercido atempadamente o direito de remição na venda efectuada, e não ter cumprido todos os requisitos legais que para tal lhe eram exigíveis.
Assim, não se vislumbra em que medida a decisão sob recurso tenha violado o invocado preceito constitucional.
Mais invoca o recorrente, que a decisão sob recurso viola a garantia de um processo subordinado ao princípio da igualdade, do contraditório, e do direito a um processo justo e equilibrado, previsto no artigo 20º da CRP; restringe de forma desproporcionada o direito de acesso à justiça e aos demais princípios ínsitos naquele normativo, e como tal de forma proibida, atendo o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa; e viola um “princípio da funcionalidade e proporcionalidade dos ónus, cominações e preclusões impostas por lei às partes”.
Mais uma vez não podemos concordar com o recorrente.
Com efeito, não se encontra prevista na lei a notificação para o exercício do direito de remição. Encontra-se prevista a notificação dos preferentes (artigo 800.º, n.º 2, e 819.º do novo Código de Processo Civil), mas não se encontra prevista a notificação dos familiares a que possa assistir o direito de remição.
Como se diz no Ac. R.P. de 23/06/2015, disponível em www.dgsi.pt, acima referido: “Não se trata de uma solução legal recente. Já Alberto dos Reis in Processo de execução, vol. 2.º, reimpressão, pág. 483 afirmava que “ao contrário do que sucede com os titulares do direito de preferência, os titulares do direito de remição não são notificados para o exercer; têm, por isso, de estar alerta, a fim de se apresentarem no momento próprio ou dentro do prazo legal”. Também Anselmo de Castro in A acção executiva singular, comum e especial, 3.ª ed., 1977, pág. 226, assinalava que “o remidor não é notificado para o exercício do seu direito”. Segundo esclarecia Eurico Lopes-Cardoso, in Manual da Acção Executiva, 3.ª ed., págs. 613 e 614, (referência histórica que igualmente se encontra em Alberto dos Reis, loc. cit.) só no tempo das Ordenações, quando o direito de remição era atribuído ao próprio executado e à mulher, estes eram citados para exercer esse direito, tendo essa citação sido eliminada com o Decreto n.º 24, de 16 de Maio de 1832, não voltando a constar dos textos legais.
No Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20.01.2009 (Jorge Arcanjo), processo n.º 877/2002.C1, in www.dgsi.pt, a propósito da questão de saber se o titular do direito de remição deve ser previamente notificado para exercer o respectivo direito, afirma-se o seguinte: “Alguma jurisprudência parece pressupor a obrigatoriedade da notificação, com o argumento de que, apesar de não expressamente prevista (ao contrário da preferência) ela é exigida pela finalidade do instituto, visto ser indispensável que o remidor tenha conhecimento do acerto do preço da venda, dos encargos a suportar (cf. Ac. RC de 7/11/2006, Ac RG de 5/6/2008, em www.dgsi.pt). Diz-se no Ac. RL de 29/1/2008 (disponível em www.dgsi.pt) -“ Embora a lei não contemple a notificação para o exercício do direito de remição, o regime legal aponta, indubitavelmente, no sentido de possibilitar que os familiares mais próximos do executado – cônjuge, ascendentes ou descendentes – adquiram o bem a vender em execução, pelo preço já determinado; daí que toda a intervenção judicial neste âmbito se deva pautar pela necessidade de coadjuvar a eficácia do instituto, isto é, em termos de promover que o património do executado seja o menos prejudicados possível, sem contudo, colocar em causa a satisfação do interesse do exequente”.
Deve acolher-se, por ser mais consistente, a tese da não obrigatoriedade da notificação, porque o legislador considerou ser suficiente o conhecimento dado pela publicidade que rodear a venda ou da informação prestada pelo executado, que é sempre notificado do despacho determinativo da venda (art. 886 A nº 4 do CPC), e, por outro lado, o titular do direito de remição não é parte no processo (cf. Amâncio Ferreira, loc. cit., pág.368, Anselmo de Castro, Acção Executiva, pág. 226, Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 3º, pág. 624).
O legislador afastou a notificação dos titulares do direito de remição porque, sendo eles familiares directos do executado e dada a finalidade do instituto (protecção da família), parte do princípio de que o executado lhes deu a respectiva informação necessária sobre a venda, e ser suficiente esse meio de conhecimento (cf., por ex. Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. IV, pág. 150).
Na verdade, destinando-se a remição a preservar o património do executado no seio da família, e uma vez que é também do próprio interesse do executado, recai sobre ele o ónus de informar os familiares directos e sobre estes o ónus de acompanhar a situação dos bens. É também para isso que a lei impõe a notificação ao executado da modalidade da venda e do preço (art. 886-A nº 4 do CPC). Neste contexto, é legítimo afirmar-se que, ao limitar temporariamente o exercício do direito de remição até ao momento da assinatura do título, a lei está a pressupor que o seu titular teve conhecimento prévio do ajuste, não através da directa notificação feita pelo tribunal ou obrigatória comunicação do encarregado da venda, mas pelo executado. Uma vez informado ou avisado pelo executado, recai sobre o remidor o ónus de comunicar ao encarregado da venda (na venda por negociação particular) que pretende exercer o direito de remição, devendo este informar o remidor da melhor oferta, da data e local para a celebração da escritura pública. Recai sobre o remidor o ónus de comunicar que pretende exercer o direito de remição no lapso de tempo que medeia entre o momento em que o executado seu familiar é informado da modalidade da venda (cf., por ex., Ac RL de 13/3/2008, em www.dgsi.pt). Mais exigente é a interpretação de Lopes do Rego (Comentários ao Código de Processo Civil, pág.609) para quem “o remidor tem o ónus de acompanhar a situação dos bens, de modo a poder efectivar oportunamente o seu direito, antes de consumada a alienação”.”.
Ora, considerando a factualidade em causa nos presentes autos, bem como a doutrina e jurisprudência acabada de citar, temos que concluir que, a decisão sob recurso, não viola qualquer dos princípios constitucionais referidos pelo recorrente
Com efeito, e desde logo, porque o remidor não é parte na acção executiva, detendo, antes pelo contrário, necessariamente a posição de terceiro relativamente à execução (cfr. Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 3º, pág. 621).
Por outro lado, como titular de um «direito de preferência legal de formação processual», não é notificado para exercer tal direito, como ocorre com o preferente legal.
Assim, por força deste estatuto processual de terceiro, o remidor “não tem de ser pessoalmente notificado dos actos e diligências que vão ocorrendo na tramitação da causa, presumindo a lei de processo que o seu familiar - executado e, ele sim, notificado nos termos gerais, - lhe dará conhecimento atempado das vicissitudes relevantes para o eventual exercício do seu direito: a concordância de interesses entre os familiares atingidos patrimonialmente pela execução permite compreender a solução legal, particularmente no que se refere à dispensa de notificação pessoal dos possíveis remidores para exercerem, querendo, o seu direito visando a manutenção da integridade do património familiar.
Na verdade, sendo o interesse tutelado com o instituto da remição o interesse do círculo familiar do executado, por ele, desde logo, encabeçado, - e não propriamente qualquer interesse endógeno e típico da acção executiva – considerou justificadamente o legislador que se não impunha complicar e embaraçar a normal tramitação da execução com a averiguação da possível existência de familiares próximos do executado e as diligências tendentes a permitirem a sua localização, com vista a notificá-los pessoalmente para o eventual exercício da remição: cabe, deste modo, ao executado e respectivos familiares um ónus de acompanhamento atento e diligente da execução que afecte o património familiar, com vista a exercerem tempestivamente o direito de remição, sem, com isso, porem em causa a legítima confiança que o adquirente dos bens em processo executivo legitimamente depositou na estabilidade da aquisição patrimonial que realizou” (cfr. Ac. do STJ de 10.12.2009, proc. 321-B-1997.S1, in www.dgsi.pt).
Ora, como já acima se afirmou, o recorrente não foi admitido a remir por não ter exercido atempadamente o direito de remição na venda efectuada, e não ter cumprido todos os requisitos legais que para tal lhe eram exigíveis (não demonstrando sequer ser pai da executada).
Nestas circunstâncias, é evidente que a decisão recorrida não violou qualquer dos preceitos constitucionais referidos pelo recorrente.
Por todas estas razões, o requerimento do ora recorrente não podia deixar de ser, como foi, indeferido, razão pela qual o recurso é também ele improcedente.
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V. Decisão.
Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas do recurso, pelo recorrente.
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Guimarães, 4 de Outubro de 2018
Fernanda Proença Fernandes
Heitor Gonçalves
Maria Conceição Bucho