PROCURAÇÃO
MANDATO
Sumário

O representado pode conferir poderes ao procurador de constituir mandato judicial desde que o explicite na procuração.

Texto Integral

Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães

Yaser A demandou Luísa O e marido João P, Virgin F e Dutch P, pedindo que sejam condenados a reconhecerem que o autor é dono de um prédio rústico que identifica na petição inicial, a pagarem-lhe uma indemnização pela sua ocupação, a entregarem-lhe a parcela de terreno que ocupam do prédio e, subsidiariamente, a decretar a resolução do contrato de arrendamento rural que tenha por objecto a parcela do prédio rústico, a entregarem-lha livre de pessoas e bens e ainda a pagarem-lhe uma indemnização correspondente ao valor da renda a partir de 1 de Janeiro de 2012, até efectiva entrega.

Alega, em síntese, a aquisição do direito de propriedade do prédio por usucapião, que estava ocupado, numa parte, pela primeira ré, aquando da sua aquisição ao anterior proprietário. O autor e a 1.ª ré fizeram um contrato de cessação do contrato de arrendamento rural obrigando-se esta a entregar a respectiva parcela de terreno, o que esta se recusou a partir de 1 de Janeiro de 2012 e permitiram que a segunda e terceira rés instalassem a sua sede na aludida parcela de terreno.

As duas primeiras rés defenderam-se por impugnação e excepções dilatórias de ineptidão da petição inicial, extinção da instância no que tange ao pedido subsidiário, e excepção peremptória.

Houve resposta do autor.

Foi realizada audiência prévia a 28 de Outubro de 2014. A 17 de Novembro de 2014 foi fixado o valor à acção em 5.674,91€.

A 29 de Janeiro de 2015 o tribunal julgou inócua e inválida, ao abrigo do disposto no a artigo 40 a 52 do CPC, a parte da procuração junta a fls. 54 a 57 e o substabelecimento de fls. 53 com base nos quais foi conferido mandato judicial ao advogado que subscreveu a petição inicial e as outra peças processuais, considerando existir falta de procuração e ordenou ao autor a junção de procuração forense com a ratificação do processado, sem prejuízo de ficar sem efeito tudo o que tiver sido praticado, ao abrigo do disposto no artigo 48 n.º 1 e 2 do CPC.

O autor não juntou a procuração com a respectiva ratificação do processado, tendo o tribunal, por despacho de 11 de Maio de 2015, declarado, ao abrigo do disposto no artigo 48 n.º 2 do CPC, que ficava sem efeito tudo o que foi praticado pelo ilustre advogado Dr. Carlos M, indo, oportunamente, os autos à conta.

O autor e o advogado Carlos M inconformados com o decidido interpuseram recurso de apelação deste despacho formulando as seguintes conclusões:
1- O substabelecimento que o mandatário ZIAD A fez ao advogado signatário da petição inicial foi com base num outro contrato: o mandato civil;
2- Não é, portanto, incompatível com o mandato que o mandatário constitua um novo mandato dependente do primeiro, que com base nos direitos que lhe advém do contrato de mandato - dito contrato base ou principal - celebre um outro contrato da mesma espécie, subordinado ao primeiro, i.e., um subcontrato de mandato;
3- O mandatário pode transferir para terceiro - que no caso do mandato forense tem, necessariamente, de ter a qualidade de advogado - os seus poderes sempre que o mandato não tenha sido celebrado intuitus personae, o mandante o tenha autorizado ou seja necessário para o bom desempenho do encargo (artº 264 nº 1 do Código Civil);
4- Os termos em que foi outorgada a procuração a Ziad A, designadamente o conteúdo da alínea s), é prática notarial desde, pelo menos, o Estatuto Judiciário (EJ), aprovado pelo Decreto-lei 44 278, de 14 de Abril de 1962;
5- Há mais de 50 anos que as procurações dos notários para administração civil ou para a gerência comercial têm cláusulas com conteúdo semelhante ao da citada alínea s) da procuração que o Yaser outorgou a favor do ZIAD a conceder-lhe poderes gerais de administração civil;
6- De resto, o mandante não sabe no momento em que outorga a procuração se vai precisar, ou não, de constituir mandatário judicial, e também não é exigível que o faça desde logo, pois que, para além de não conhecer o mandatário judicial, pode a procuração forense vir a caducar com o decorrer do tempo ou mesmo o advogado entretanto deixar de exercer (cancelamento da inscrição por desistência/reforma/falecimento);
7- Se é certo que o mandato judicial só pode ser exercido por advogado, advogado estagiário ou solicitador, também o é que não há nada na lei a impedir a redacção da al. s) da procuração, desde que quando for preciso usar os poderes seja feito o substabelecimento em profissional forense;
8- Pelo exposto, o advogado signatário da petição inicial estava habilitado com um substabelecimento (Submandato) válido e eficaz, improcedendo o douto despacho intercalar de 29-01-2015;
9- Quanto ao douto despacho intercalar de 05-02-2015, tratando-se de um requerimento em subscrição múltipla, apresentado dentro do prazo concedido no douto despacho intercalar antecedente, e tendo o Tribunal autorizado posteriormente, por duas vezes, o requerimento do advogado do Autor, devia o mesmo ter sido no sentido de autorizar a requerida suspensão da instância, mostrando as partes intenção de chegarem a um acordo para pôr termo ao litígio, acto permitido no art. 272.º, n.º 4 do CPC;
10- Quanto ao douto despacho intercalar de 13-02-2015, que incidiu sobre o pedido arguição de nulidade da não notificação do douto despacho intercalar de 29-01-2015 ao Autor e prorrogação do prazo judicial para junção da procuração com ratificação do processado, o Tribunal a quo tinha o dever de se pronunciar por estarem em causa princípios basilares do direito processual, cuja nulidade foi requerida e competindo ao Tribunal apreciá-la, havendo, assim nulidade por omissão de pronúncia;
11- Quanto ao douto despacho intercalar de 07-04-2015, o deferimento da prorrogação apenas por mais 20 dias, quando se impetrava 60 dias, torna impossível, pelos fundamentos justificativos do requerimento de 06-03-2015, a prática atempada do acto, com influência no exame e na boa decisão da causa, o que torna aquele anulável;
12- Finalmente, quanto à douta decisão final de 08-05-2015, o dever do Tribunal notificar também a parte (Autor) para efeitos do disposto no art. 48.º, n.º 2 do CPC parece pacífico, quer na jurisprudência quer na doutrina;
13- Antes de extinguir a instância, devia o Tribunal ter mandado notificar a parte da falta ou irregularidade do mandato, para, querendo, conceder nova procuração ao advogado com poderes para ratificar todo o processado;
14- No caso em apreço, os autos evidenciam claramente que o despacho recorrido, ao aplicar a cominação prevista no nº 2 do aludido artigo 48º, dando sem efeito todos os actos praticados pelo mandatário do Autor e condenando-o nas custas, não obstante a referida falta de notificação do Autor, incorporou a nulidade;
15- Quando houver actuação do advogado com procuração irregular, a notificação do despacho em que o juiz fixe o prazo para a sua regularização deve ser feita à parte e ao mandatário aparente;
16- A notificação deverá ser pessoal. Não tendo sido notificada pessoalmente a parte nos termos e para os efeitos do nº 2 do artº 48 do CPC, é nulo o despacho que absolve a R. da instância, no caso em apreço, que decreta ficar sem efeito tudo o que foi praticado pelo advogado do Autor, uma vez que a omissão cometida influi decisivamente no exame e na decisão da causa;
17- O advogado, tem legitimidade e interesse processual em impugnar as decisões intercalares e final, por ter sido condenado em custas.
18- Consideram-se violadas, entre outras, as disposições dos arts. 264.º e 1165.º do Código Civil e os arts. 48.º, n.º 2, 152.º, n.º 1, 154.º, 195.º, 199.º, 201.º, 247.º, n.º 2, 272.º, n.º 4, 547.º e 615.º, n.º 1, als. b) e d) do CPC.
19- No entender dos recorrentes as doutas decisões impugnadas deviam ter sido interpretadas e aplicadas de acordo com as conclusões 1 a 16.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V.Excias doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, proferindo-se douto acórdão a revogar as decisões intercalares e a decisão final, no sentido:
a) da anulação do douto despacho intercalar de 29-01-2015, devido à regularidade do mandato judicial do advogado que subscreveu a petição inicial com base no substabelecimento válido e eficaz;
b) da anulação do douto despacho intercalar de 05-02-2015, autorizando-se a requerida (em subscrição múltipla) suspensão da instância, mostrando as partes intenção de chegarem a um acordo para pôr termo ao litígio;
c) da anulação do douto despacho intercalar de 13-02-2015, por o Tribunal a quo ter o dever de se pronunciar sobre a arguida nulidade da não notificação do douto despacho intercalar de 29-01-2015 ao Autor, por estarem em causa princípios basilares do direito processual, cuja nulidade foi requerida e competindo ao Tribunal apreciá-la, havendo, assim omissão de pronúncia;
d) da anulação do douto despacho intercalar de 07-04-2015, prorrogando-se o prazo conforme requerimento de 06-03-2015, de modo a conduzir à prática atempada do acto;
e) da anulação do douta decisão final de 08-05-2015 que decretou ficar sem efeito tudo o que foi praticado pelo advogado do Autor, uma vez que torna-se necessária a prévia notificação pessoal do Autor, para poder pronunciar-se sobre a junção de procuração com poderes de ratificação do processado;
f) de anular-se os termos subsequentes que dependam dos actos anulados;
g) de absolver-se consequentemente o advogado do Autor das custas a que foi condenado;
h) de condenar-se os Réus nas custas e no mais legal, fazendo-se, assim, inteira e acostumada JUSTIÇA.

Não houve contra-alegações.

Não foi admitido o recurso deste despacho no que concerne à pessoa do autor que veio a ser admitido pela Relação ao abrigo do disposto no artigo 643 do CPC ao julgar procedente a respectiva reclamação, tendo sido requerida a remessa do respectivo processo, o que veio a acontecer posteriormente, para conhecimento de outro recurso, sendo solicitado fotocópias certificadas do respectivo processo, para se conhecer do recurso admitido.

Das conclusões do recurso ressalta a questão de saber se é válida a cláusula da procuração junta com a petição inicial a fls. 54 a 57 que permite ao procurador constituir mandatário judicial em nome do representado e o substabelecimento juto a fls. 53.

Damos como assente a matéria de facto acima relatada e ainda a seguinte:
1.No dia 3 de Maio de 2007, no cartório da notária Ana C, em Viana do Castelo, Yaser A declarou que “ pelo presente instrumento, constitui seu bastante procurador Ziad A, divorciado, natural da Síria, de Nacionalidade Britânica, residente na Rua Gravia, nº 109, freguesia de Carreço, concelho de Viana do Castelo, a quem confere poderes gerais de administração civil designadamente as seguintes:
a)…a r).”
s) para o representar em qualquer juízo ou tribunal, com os mais amplos poderes forenses gerais e os especiais para receber todas e quaisquer citações e notificações, para confessar, desistir e transigir, podendo substabelecer em pessoa legalmente habilitada para os exercer.
t) de um modo geral requerer, outorgar e assinar tudo o que necessário seja aos indicados fins” (fls. 54 a 57).
2. Despacho de 5/02/2015 “Uma vez que o ilustre advogado – Sr. Dr. Carlos M, não tem poderes para intervir nos autos, indefiro o requerido, renovando-se o despacho de fls. 237.
3. Despacho de 13/02/2015 “ Tal como já consta do despacho de fls. 241, o ilustre Advogado não tem poderes para intervir nos autos, designadamente para arguição de nulidades, pelo que não se conhece do requerido. Apenas se admite a prorrogação do prazo por 20 dias.
4. Despacho 7/04/2015 “ Defiro a requerida prorrogação do prazo, pela última vez, apenas pelo período de 20 dias”.
5. Despacho de 8/05/2015 “ Ao abrigo do disposto no artigo 48 n.º 2, parte final, do CPC, fica sem efeito tudo o que foi praticado pelo ilustre advogado Sr. Dr. Carlos M. Custas a cargo do ilustre Advogado Sr. Dr. Carlos M. Oportunamente vão os autos à conta”.

A questão que se coloca traduz-se em saber se alguém pode conferir poderes a alguém de constituir mandatário judicial em seu nome através de uma procuração. O tribunal recorrido considerou que é ilegal a cláusula s) da procuração de fls. 54 a 57 e o substabelecimento de fls. 53 porque o mandato judicial apenas pode ser constituído pelo mandante directamente ao mandatário que exerça profissionalmente a actividade de advogado ou solicitador, invocando, para tal, o teor dos artigos 40 a 52 do CPC. As normas invocadas enquadram-se no capítulo III do CPC – Patrocínio Judiciário. Este capítulo indica as condições em que é obrigatória a intervenção de advogado e solicitador nas acções a correr termos nos tribunais e a forma como é constituído o mandato judicial e a sua revogação. Nada refere sobre a impossibilidade de o mandato ser constituído por um procurador que tenha poderes outorgados pelo mandante, através de procuração, no sentido de constituir mandato judicial, isto é, substabelecer os poderes conferidos a um advogado ou solicitador.

Julgamos que esta questão terá de ser resolvida a nível do instituto da representação previsto no artigo 258 a 269 do Civil, conjugado com o contrato de mandato – artigo 1157 a 1184, com destaque para o artigo 1178 todos do Civil, que se refere ao mandato com representação. Pois, a constituição do mandato judicial não é iminentemente pessoal, que implique a intervenção directa do mandante. O que se exige é que o mandante confira ao mandatário os poderes que tem em constituir o mandato judicial. Este, em função dos poderes conferidos na procuração, e, em representação do mandante, escolhe o mandatário judicial a quem lhe confere os poderes que lhe foram transmitidos na procuração. Estamos perante uma procuração com poderes de substabelecimento. E que se enquadra nos fundamentos do instituto da representação, assente na solidariedade recíproca dos homens em sociedade local, regional, nacional ou internacional.

Pois, quem confere poderes de representação fá-lo porque não quer ou não pode realizar o negócio ou acto jurídico sozinho, necessita de colaboração.

No caso em apreço, o autor representado conferiu um conjunto de poderes ao representante no sentido de lhe possibilitar gerir o seu património. E, como sabia que poderia ser necessário, para atingir o objectivo da gestão, de se socorrer dos tribunais, muniu o representante (Ziad A) de poderes de neles intervir directamente e socorrer-se de técnicos especializados, profissionalmente, únicos capacitados para o fazerem em determinados casos. É o que resulta do contexto da procuração outorgada a fls.54 a 57 e do substabelecimento junto a fls. 53, sendo constituído mandatário judicial o advogado Carlos M, que subscreveu a petição inicial e outras peças processuais em nome do representado, aqui autor e apelante. Este procedimento está em consonância com o disposto no artigo 264 em conjugação com os artigos 1165 e 1178, todos do Civil.

Assim é de considerar válida a cláusula da alínea s) da procuração junta fls. 54 a 57 e o substabelecimento junto a fls. 53, pelo que é de revogar a decisão recorrida que declarou que não havia procuração forense junta aos autos a fls. 237 e datada de 29/01/2015 e todas as decisões posteriores conexas com esta, como a de fls.241 (datada de 5/02/2015) fls. 245 (datada de 13/02/2015), de fls. 248 (datada de 7/04/2015) de fls. 249 (datada de 11/05/2015).

Concluindo: 1. O representado pode conferir poderes ao procurador de constituir mandato judicial desde que o explicite na procuração.

Decisão

Pelo exposto acordam os juízes da Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogam a decisão recorrida datada de 29/01/2015 e as decisões posteriores com ela conexas datadas de 5/02/2015, de 13/02/2015, de 7/04/2015 e 8/02/2015, devendo os autos prosseguirem, considerando que a procuração de fls. 54 a 57 e o substabelecimento de fls. 53 são válidos e eficazes.
Sem custas.
Guimarães,

Apelação 1734.10.5TBVCT.G1 – 2ª
Acção Sumária
Tribunal Judicial Comarca Viana Castelo –
Relator Des. Espinheira Baltar
Adjuntos Henrique Andrade e Eva Almeida