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GESTÃO PÚBLICA
CONTRATO DE GESTÃO
GESTÃO COLECTIVA
DEMISSÃO
GESTOR
INDEMNIZAÇÃO
Sumário
I. A relação jurídica de gestão pública regulada no Estatuto do Gestor Público atualmente em vigor nasce e termina com o mandato e correlativo contrato de gestão, não existindo uma continuidade dos efeitos jurídicos dessa relação que, transversalmente, abranja todos os mandatos nos quais o gestor público anteriormente exerceu funções. II.Assim, sendo o gestor público demitido por mera conveniência, tem direito a receber a indemnização prevista no artigo 26.º, n.º 3, do Estatuto do Gestor Público, se tiver exercido, pelo menos, 12 meses seguidos de exercício de funções do mandato em curso à data da demissão, correspondente ao vencimento base que auferiria até ao final daquele mandato, com o limite de 12 meses.
Texto Integral
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO Ação Declarativa de condenação, sob a forma de processo comum. Autor GONÇALO... Ré
A..., SGPS, S.A. Pedido
Condenação da ré a pagar ao autor, a título de indemnização pela demissão por mera conveniência, a quantia total de €86.070,16, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos até integral pagamento. Causa de pedir
Exerceu funções executivas na ré, de forma ininterrupta, desde 2012.
Foi demitido por mera conveniência em 31 de Maio de 2016.
Tem direito a uma indemnização correspondente ao vencimento base que auferiria até ao final do respetivo mandato, com o limite de 12 meses, por aplicação do artigo 26.º, n.º 3, do Estatuto do Gestor Público.
À data da demissão auferia o vencimento mensal ilíquido de €4.578,20, pago 14 vezes por ano, e o abono mensal para despesas de representação de €1.831,28, pagas 12 vezes ao ano.
Da conjugação dos artigos 26.º, n.º 3, e 28.º, n.º 1, do referido Estatuto, a indemnização integra todas as referidas prestações, que correspondem ao valor anual correspondente à indemnização peticionada. Contestação
A eleição para o mandato que o autor exercia quando foi demitido ocorreu em 16/06/2015 (triénio 2015/2017).
O contrato de gestão foi assinado em 21/10/2015.
O mandato cessou em 31/05/2016, logo o exercício de funções não perfez 12 meses seguidos, como exige o artigo 26.º, n.º 3, do Estatuto do Gestor Público para concessão do direito à indemnização quando o mandato cessa por mera conveniência.
Concluiu pela improcedência da ação. Audiência Prévia
Como consta da respetiva ata (Ref.ª 369417870- fls. 120-120v), tendo-se frustrado a conciliação das partes, os IM das partes pronunciaram-se sobre a matéria de facto e de direito. Saneador- Sentença
Proferido em 17/10/2017 (Ref.ª 36975323 – fls. 121-130v).
Julgou a ação parcialmente procedente e em consequência decidiu o seguinte:
«a) condenar a Ré A... a pagar ao Autor GONÇALO... a quantia de €64.094,80 (sessenta e quatro mil e noventa e quatro Euros e oitenta cêntimos), acrescida dos juros vencidos e vincendos desde 19 de Julho de 2016 até integral pagamento, à taxa de juros estabelecida nos termos do artigo 559.° do Código Civil.
b) absolver a Ré do demais peticionado - €21.975,36 (vinte e um mil e novecentos e setenta e cinco Euros e trinta e seis cêntimos) a título de capital.» Recurso
Inconformada, apelou a ré, pugnando pela revogação da sentença, apresentando as seguintes conclusões:
I. Nos presentes autos está em causa a aferição dos efeitos decorrentes da prática do ato administrativo (em forma societária) de demissão por mera conveniência do autor através do qual se deu por terminado o contrato administrativo de gestão celebrado em 21 de outubro de 2015 entre o Estado, a Pp..., a Pc... e o autor; trata-se de aferir se o autor tem direito a receber uma indemnização que foi legalmente prevista em função dos contornos específicos que a relação jurídico-administrativa subjacente comporta, e que a afasta do regime geral das sociedades comerciais e do direito privado em geral; está, assim, em causa a aplicação de uma norma especial de responsabilidade civil administrativa por ato de gestão pública, ainda que praticado sob forma societária para cujo conhecimento o Tribunal a quo se julgou competente. Dito isto,
II. O Tribunal a quo não apreciou a questão resultante da circunstância de o contrato de gestão apenas ter sido celebrado mais de 4 meses após a eleição do autor como gestor público, o que consubstancia uma nulidade por omissão de pronúncia, o que se invoca nos termos e para os efeitos previstos no artigo 615.°, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
III. Trata-se, em todo o caso, de uma questão de conhecimento oficioso que sempre deverá ser apreciada e julgada pelo Tribunal ad quem.
IV. O Tribunal não apreciou a questão de saber se, a haver direito indemnizatório, a indemnização corresponderia a 12 vezes o vencimento base ou a 14 vezes o vencimento base (antes tendo assumido que as partes concordariam que estaria em causa o pagamento de 14 vezes o vencimento base, o que não corresponde à posição assumida na contestação), o que consubstancia uma nulidade por omissão de pronúncia, o que se invoca nos termos e para os efeitos previstos no artigo 615.°, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
V. O Tribunal não fundamentou a circunstância de não ter dado como provada variada matéria fundamental para o julgamento da causa elencada no ponto 17. Do §2.º supra, o que consubstancia uma nulidade nos termos do artigo 615.°, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
VI. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, devendo ampliar-se a matéria de facto provada de modo a abranger os factos alegados nos artigos 6.° e 9.°, 13.°, 14.°, 15.°, 16.°, 18.°, 20.° e 21.° da contestação, transcritos no ponto 19. do §3.º supra e que resultam provados através de prova documental ou que não carecem de prova por se tratar de factos públicos e notórios.
VII. A celebração do contrato de gestão mais de 4 meses após a deliberação de nomeação acarreta a nulidade da designação, nos termos do artigo 18.°, n.º 2, do EGP, pelo que, pressupondo o artigo 26.°, n.º 3, do EGP a existência de um mandato validamente constituído no decurso do qual o gestor público exerça as suas funções por período superior a 12 meses, deveria ter sido julgado improcedente a ação proposta, sob pena de violação daqueles dois normativos.
VIII. O legislador do EGP utilizou indistintamente o termo funções, mandato e mesmo cargo, pelo que o elemento literal da interpretação não permite alcançar nenhuma conclusão quanto à interpretação a dar ao artigo 26.°, n.º 3, do EGP, não servindo a significância estrita do termo "funções" aí utilizado de limite à interpretação da norma.
IX. Nos termos dos artigos 24.° a 27.° do EGP, bem como no caso de se alcançar o termo do prazo do mandato para que o gestor público é eleito, cessa o mandato e cessam as funções que até aí desempenhou, o que, de resto, encontra respaldo na cláusula 7.a do contrato de gestão celebrado com o autor em 2 de maio de 2012 (para o triénio 2012/2014): tal contrato "produz os seus efeitos desde a data da designação do [Autor] para o presente mandato identificado na Cláusula 1. a e cessa, automática e imediatamente, com a extinção, por qualquer causa, do mandato que por ele é conferido ao gestor, nos termos do disposto no Estatuto do Gestor Público ou na lei comercial".
X. Havendo lugar a nova eleição e nova designação e a novo contrato de gestão inicia-se novo mandato e novas funções.
XI. Não há, assim, lugar a exercício ininterrupto de funções quando um mandato termina e outro se inicia.
XII. Havendo mandatos distintos, não há 12 meses seguidos de exercício de funções e, logo, não se constitui o direito a perceber a indemnização à forfait prevista no artigo 26.°, n." 3, do EGP.
XIII. Na versão originária do EGP, de 2007, a questão mandato/funções não se colocava, sendo evidentemente de mandato que se tratava: “Nos casos previstos no presente artigo [de dissolução e demissão por mera conveniência], o gestor público tem direito a uma indemnização correspondente ao vencimento de base que auferiria até ao final do respectivo mandato, com o limite de um ano”; ou seja, não se contavam mandatos anteriores.
XIV. Carece de sustentação o entendimento segundo o qual, perante uma intenção assumidamente restritiva, a alteração do artigo 26.°, n.º 3, do EGP (ocorrida em 2012) acabasse por alargar o universo dos possíveis beneficiários do direito de indemnização, o qual passaria a cobrir os gestores públicos que vissem os seus mandatos anteriores cessado por decurso do tempo e, depois, de seguida, fossem novamente designados, mais introduzindo, desse modo, um fator de desigualdade entre o gestor público que estivesse num segundo ou terceiro mandato e o gestor público que estivesse no primeiro mandato.
XV. Carece de sustentação o entendimento segundo o qual uma norma (de 2012) assumidamente restritiva do regime anterior (de 2007) pudesse, afinal, resultar numa extensão da proteção, deixando de atender-se ao mandato em curso para passar a atender-se a mandatos anteriores.
XVI. A evolução histórica da norma impõe a conclusão de que os 12 meses seguidos de exercício de funções são, à semelhança do que sucedia na versão anterior do EGP e do que sucede no Código das Sociedades Comerciais, por referência ao mandato em curso que cessa (e não por referência a mandatos anteriores que cessaram no passado).
XVII. A função do artigo 26.°, n.º 3, do EGP é tutelar negativamente a confiança jurídica do gestor público.
XVIII. No momento inicial do mandato anterior a confiança protegida na conclusão do mandato era nula ou perto disso; foi aumentando até alcançar os 12 meses de exercício ininterrupto de funções e aí se manteve; mas a confiança não ultrapassa o período do mandato - terminando o mandato e as funções por decurso do prazo, o gestor público não tem direito a qualquer indemnização; restaria perguntar por que razão haveria de renascer um direito a uma indemnização máxima de 12 meses quando tem lugar uma nova eleição, e a resposta é a de que razão alguma, legal ou outra, o justifica. Alcançado o termo de um mandato e das correspondentes funções, a designação para um novo mandato é tão livre como a escolha inicial; e, logo, não pode nenhum gestor ter qualquer expectativa legítima ou confiança tutelável em vir a ser designado para o mandato seguinte, muito menos se poderá justificar que nesse momento tenha qualquer confiança em que venha a exercer o novo mandato até ao fim.
XIX. O valor da indemnização a que se refere o artigo 26.°, n.º 3, do EGP vai diminuindo ao longo do último período anual do mandato, até chegar ao momento em que, terminando o mandato, o gestor público não tem direito a qualquer indemnização, nem tendo qualquer confiança ou expectativa legítima e tutelável a ser designado para novo mandato: a confiança voltou a ser nula.
XX. Aqui chegado, sendo o gestor público designado para novo mandato, tudo se processa como inicialmente: a confiança, de nula, vai novamente crescendo até alcançar a dignidade tutelável aos 12 meses de mandato com exercício ininterrupto de funções; aí se mantém com o nível de intensidade máximo até que ocorra o termo temporal do mandato; alcançado este termo temporal, a confiança digna de qualquer tutela volta a ser nula.
XXI. Esta interpretação foi aquela que foi assumida pelas partes no contrato que celebraram em 21 de outubro de 2015, ao preverem que: “Semprejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 26.º do EGP, se a extinção deste contrato ocorrer por facto não imputável ao SEGUNDO CONTRA ENTE, e desde que este conte, pelo menos, 12 meses seguidos no exercício de funções, a AdP - Águas de Portugal, SGPS, SA fica vinculada a pagar-lhe, a título de indemnização, um valor correspondente ao vencimento de base que auferiria até ao final do respetivo mandato, com o limite de 12 meses”.
XXII. O elemento teleológico determina que o escopo da norma é o da proteção da confiança do gestor público em que cumprirá o mandato até ao seu final, e não que exista qualquer confiança trazida de anterior relação jurídico-administrativa de gestão pública que lhe permitisse confiar mais em que cumprisse o novo mandato até ao fim.
XXIII. Em especial numa circunstância de mudança política e de política como aquela que envolveu o período que decorreu entre a eleição do autor e a tardia celebração do contrato de gestão.
XXIV. Determina o artigo 9.°, n.º 1, do Código Civil, que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, devendo reconstituir o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. No caso dos autos, os elementos sistemático, histórico e teleológico apontam claramente para que o artigo 26.°, n.º 3, do EGP apenas tome em consideração o exercício ininterrupto de funções por 12 meses no mesmo mandato, excluindo, assim, o autor, cujo exercício de funções no mandato não alcançou os 12 meses.
XXV. Esta conclusão tem correspondência na letra da lei (mesmo que fosse um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa).
XXVI. Assim não concluiu o Tribunal a quo, apesar de entender que os elementos de interpretação, que não o literal, conduziriam à conclusão alcançada pela ADP, com o que incorreu em erro de julgamento e em violação do artigo 9.°, n.ºs 1 e 2, do Código Civil e em violação do artigo 26.°, n.º 3, do EGP.
XXVII. Ainda que o autor tivesse direito a uma indemnização esta corresponderia apenas ao valor do vencimento base por 12 meses, nos termos do artigo 26.°, n.º 3, do EGP, o que corresponde a €4.578,20 x 12 = €54.938,40.
XXVIII. Ao julgar que o autor teria direito ao vencimento base multiplicado por 14, o Tribunal a quo incorreu em nulidade por omissão de pronúncia, que urge suprir, ou, assim não se entendendo, incorreu em erro de julgamento, violando o artigo 263.° e os artigos 237.° e 264.° do Código do Trabalho, o artigo 28.°, n.º 1, do EGP e o n.º 13 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 12/2012, de 14 de fevereiro, e a cláusula 6.a e anexo II do próprio contrato de gestão celebrado com o autor. Resposta ao recurso
O recorrido defendeu a improcedência da apelação e a confirmação da sentença. Admissão do recurso
Por despacho datado de 01/02/2018, que igualmente se pronunciou sobre as alegadas nulidades da sentença, entendendo que as mesmas não se verificam.
II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso
O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), consubstancia-se nas seguintes questões:
- Nulidades da sentença;
- Ampliação da decisão de facto;
- Interpretação do artigo 26.º, n.º 3, do Estatuto do Gestor Público
B- De Facto
A 1.ª instância fundamentou de facto a decisão nos seguintes termos:
«Vistos os autos, estão já assentes, por terem sido admitidos por acordo ou estarem provados por documentos, os seguintes factos:
1. Por deliberação da Assembleia Geral da Ré A..., o Autor GONÇALO...foi eleito para aí exercerfunções como gestor executivo durante o triénio 2012/2014 - artigo 1.° da petição inicial.
2. Nos termos da cláusula 1.° do Contrato de Gestão, assinado em 2 de Maio de 2012, o mesmo “define os termos e as condições do exercício de funções executivas do Segundo Outorgante como vogal executivo do Conselho de Administração da A..., para o mandato de 2012/2014, para a qual foi eleito por deliberação Geral realizada em 2 de fevereiro de 2012” - artigo 2.º da petição inicial.
3. Determinado o n.° 2 da mesma cláusula que: “O presente contrato abrange também a exercício de funções do mesma natureza, para as quais o Segundo Outorgante seja eventualmente eleito, em sociedades nas quais a A... seja titular de interesses que lhe confiram direito à designação de um ou mais membros dos respectivos órgãos sociais” - artigo 3.° da petição inicial.
4. A Cláusula 2.° do contrato em questão consagra as “Obrigações de gestão”, prevendo-se, precisamente, a obrigação de “Exercer funções e cumprir obrigações da mesma natureza das referidas na alínea anterior em sociedades em relação de domínio ou de grupo com a A... para as quais possa vir a ser designado, bem como a aceitar a designação para integrar os órgãos daquelas sociedades, se e na medida em que seja essa a vontade dos respectivos accionistas” - artigo 4º da petição inicial.
5. Ainda durante o ano de 2012, em 23 de Maio, o Autor assinou o contrato de gestão que tem por objecto os termos e condições de exercício de funções não executivas do autor como vogal não executivo do Conselho de Administração da ADP ENERGIAS - ENERGIAS RENOVÁVEIS E SERVIÇOS AMBIENTAIS, S.A. para o mandato de 2012/2014, para o qual foi eleito por deliberação da Assembleia Geral realizada em 28 de Fevereiro de 2012 - artigo 5.° da petição inicial.
6. EM 28 de Junho do mesmo ano, assina novo Contrato de Gestão, referente ao exercício de funções não executivas na administração da sociedade A..., SERVIÇOS AMBIENTAIS, S.A. - artigo 6º da petição inicial.
7. Findo o triénio 2012/2014, o Autor é eleito pela Assembleia-Geral de Acionistas da Ré para aí exercer funções executivas de vogal do Conselho de Administração no triénio 2015/2017 - artigo 8.° do petição inicial.
8. OContrato é assinado em 21 de Outubro de 2015, tendo o Autor sido eleito em Assembleia Geral de Acionistas realizada em 16 de Junho de 2015 - artigo 9.° da petição inicial.
9. Este Contrato de Gestão de 2015 abrange, nos termos da Cláusula 2.°, “o exercício de funções da mesma natureza, para o Segundo Outorgante seja eventualmente eleito, em sociedades nas quais a A..., SA. participe e lhe confiram direito a designação de um ou mais membros dos respectivos órgãos social” - artigo 10.° da petição inicial.
10. O Autor celebrou um Contrato de Gestão relativo ao exercício defunções não executivas como Presidente executivo do Conselho de Administração da A..., SERVIÇOS AMBIENTAIS, S.A., para o triénio de 2015/2017, paraoqual foi eleito por deliberação da accionista única tomada no dia 30 de Junho de 2015 - artigo 11.º da peta inicial.
11. Não obstante odesempenho de funções executivas, a nível de remuneração, estabelece a Cláusula 4.°, n.° 2 deste Contrato que enquanto o Autor acumular funções de administração em outra(s) empresa(s) do grupo Águas de Portugal, auferindo por via deuma delas a sua remuneração, não poderá auferir a remuneração fixada no Contrato, à mesma renunciando - artigo 12.° do petição inicial.
12. Por força das obrigações assumidas perante a Ré, o Autor assina, em 21 de Outubro de 2015, o Contrato de Gestão que define os termos e condições do exercício de funções como vogal não executivo do Conselho de Administração da A... CL..., S.A., por deliberação do Conselho de Administração daquela sociedade de 3 de Julho de 2015 - artigo 13.°da petição inicial.
13. Pelo desempenho das funçõesde gestor não executivo, o Autor não auferirá qualquer remuneração - artigo 14.° da petição inicial.
14. No dia 31 de Maio de 2016, a Ré deliberou demitir, por mera conveniência, o Autor do cargo de Administrador, tendo sequencialmente sido demitido dos cargos que exercia nas participações A..., AMBIENTAIS, S.A. e ÁCL..., S.A. - artigo 17.° da petição inicial.
15. Deacordo com a Deliberação Social Unanime Por Escrito, no momento da eleição dos órgãos sociais da Ré foram definidas orientações estratégicas em sintonia com Programa do Governo em funções - artigo 18.º da peta inicial.
16. O Programa do XXI Governo Constitucional passa por um esforço das competências das autarquias locais, numa lógica de descentralização e subsidiariedade, o que determina, no âmbito do sector daságuas, uma alteração significativa da orientação estratégica prosseguida - artigo 19.° da petição inicial.
17. O Presidente do Conselho de Administração da Ré e os Administradores identificado na Deliberação renunciaram aos respectivos cargos, sendo necessário proceder à eleição de um novo Conselho de Administração que assegure o cumprimento das orientações definidas para o sector - artigo 20° da petição inicial.
18. Com base nesta fundamentação, o Autor é demitido por mera conveniência - artigo 21° da petição inicial.
19. Em 30 de Maio de 2016, foi aprovada em assembleia geral a seguinte proposta: “Tendo por base o acompanhamento da actividade da sociedade que a Pp efetua ao longo doano, e tendo também em atenção o Relatório do Conselho Fiscal e o relatório do Administrador não Executivo, o representante da Pp deverá propor e votar favoravelmente um voto em que reitera a confiança na forma como os membros dos órgãos de administração e de fiscalizaçãoconduziram a actividade da sociedade ao longo do exercício de 2015” - artigo 22.° da petição inicial, com as alterações do artigo 27.° da contestação.
20. O Autor dirige-se, por carta, à Ré, em 18 de Julho de 2016, nos seguintes termos:
“1. Como é do conhecimento de V Ex.as, o signatário foi eleito Vogal Executivo do Conselho de Administração dessa sociedade em 2 de Fevereiro de 2012;
2. Como igualmente é do V conhecimento, desde essa data e até 31 de Maio de 2016, data da demissão por mera conveniência, exerceu funções ininterruptamente;
3. Determina o n.° 3 do artigo 26.° do Estatuto do Gestor Público que, em caso de demissão por mera conveniência, o gestor público tem direito a uma indemnização correspondente ao vencimento que auferiria até ao final do respetivo mandato, com o limite de 12 meses, desde que conte, pelo menos, 12 meses seguidos de exercício de funções;
4. No caso, o signatário, já o dissemos, exerceu ininterruptamente funções de 2 de Fevereiro de 2012 a 31 de Maio de 2016 (cerca de 52 meses), com o que o requisito legal se encontra ampla e manifestamente preenchido. Termos em que se requer a V Ex.as que promovam os procedimentos reputados necessários para a fixação e pagamento da indemnização legal a que o signatário tem inequivocamente direito.” – artigo 23° da petição inicial.
21. Em resposta ao pedido indemnizatório, o Autor é notificado, em 7 de Novembro de 2016 da carta com o seguinte teor:
“Em resposta à V missiva de 18 de julho de 2016, e considerando:
i) O que o artigo 26.° n.° 3 do Estatuto do Gestor Público apenas confere o direito a uma indemnização ao gestor público demitido por mera conveniência quando este “conte, pelo menos, 12 meses seguidos de exercício de funções”;
ii) que o Exm.° Senhor Dr. Gonçalo... foi demitido por mera conveniência, por deliberação da Assembleia Geral da A..., a 31 de maio de 2016;
iii) que a eleição para o mandato que assim se fez cessar teve lugar a 16 de junho de 2015;
iv) e que, como tal, o Exm.° Senhor Dr. Gonçalo ... não perfazia, ao tempo da cessação de mandato, “12 meses seguidos de exercício de funções”; vem o Conselho de Administração da A.... comunicar que deliberou, na reunião de 18-10-2016, recusar o pedido de indemnização por não preenchimento do requisito exigido pelo artigo 26.° n. ° 3, do Estatuto do Gestor Público” - artigo 25.° da petição inicial.
22. À data da demissão, o Autor auferia o vencimento ilíquido de € 4.578,20 pago por 14 vezes por ano e ao abono mensal para despesas de representação de €1.831,28 pago 12 vezes ano - artigo 79.° da petição inicial.»
C- De Direito
1. Nulidades da sentença
1.1. A apelante arguiu a nulidade da sentença por violação do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, por não se ter pronunciado sobre o facto do contrato de gestão ter sido celebrado mais de 4 meses após a eleição do autor como gestor público.
Vejamos.
Decorre dos pontos 10 e 12 dos factos provados que o autor foi eleito por deliberação de 30/06/2015, para exercer funções não executivas na A..., AMBIENTAIS, S.A., para o triénio 2015-2017, e assinou o respetivo contrato de gestão em 21/10/2015.
A causa de pedir é o facto jurídico que serve de fundamentação à pretensão formulada, competindo ao autor alegar os factos essenciais integradores da mesma (artigos 581.º, n.º 3, e 552.º, n.º 1, do CPC).
Como decorre do antecedente Relatório, no caso, a causa de pedir assenta no alegado direito de indemnização do autor por ter sido demitido por mera conveniência no decurso da execução do mandato referente ao triénio 2015-2017.
A ré na contestação nada alegou, mormente por exceção, em relação ao tempo que decorreu entre a tomada da deliberação e a assinatura do contrato de gestão, invocando qualquer vício por força do decurso do prazo. E, bem pelo contrário, a ré aceitou a factualidade que veio a constar dos referidos pontos 10 e 12 dos factos provados.
Invoca, porém, em sede de recurso, que que a nulidade cominada no artigo 18.º, n.º 2, do Estatuto do Gestor Público (EGP), na versão aplicável aos autos, ou seja, Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27/03, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 8/2012, de 18/01, que republicou o referido EGP[1], é de conhecimento oficioso, pelo que a omissão da apreciação de tal questão determina a referida nulidade da sentença.
A nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, na vertente da alegada omissão de pronúncia, está diretamente relacionada com o comando do artigo 608.º, n.º 2, do mesmo Código, reportando-se ao não conhecimento das questões (que não meros argumentos ou razões[2]) alegadas relativas à consubstanciação da causa de pedir e do pedido formulado pelo autor e da reconvenção e/ou das exceções invocadas na defesa[3].
Assim, embora impenda sobre o juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, este poder cognitivo está limitado, por um lado, às questões suscitadas pelas partes e, por outro lado, às questões de conhecimento oficioso, conforme prescreve o último normativo citado CPC.
Estipula o referido artigo 18.º, n.º 2, do EGP, do seguinte modo: « 2- O contrato de gestão é celebrado no prazo de três meses contado a partir da data da designação do gestor público entre este, os titulares da função acionista e o membro do Governo responsável pelo sector de actividade, sendo nulo o respectivo acto de nomeação quando ultrapassado aquele prazo.»
Como decorre do EGP, nas empresas públicas é obrigatória a celebração de um contrato de gestão (cfr. artigo 18.º, n.º 1).
Nas situações em que os gestores públicos são eleitos – o que ocorre nas empresas públicas sob a forma societária (como sucede no caso dos autos) -, a eleição é feita nos termos da lei comercial (artigo 13.º, nº 6, do EGP).
Assim, pelo menos nestes casos, é o contrato de gestão, inserido numa fase de contratualização, que constitui a fonte imediata de direitos e obrigações, que se regem, essencialmente, por regras de direito privado.[4]
É certo que, a montante do referido contrato, a lei exija uma deliberação do órgão de gestão ou administração competente (cfr. artigos 1.º e 2.º ), existindo, assim, uma fase prévia à da contratualização que corresponde à eleição do gestor público. Porém, nas empresas públicas sob a forma societária a eleição segue as regras de direito privado (comercial) e, portanto, não se trata de uma fase pré-contratual de direito público ou regulada pelo direito público.
A referida eleição com vista ao exercício de funções do gestor público no âmbito do respetivo mandato, corresponde a uma atividade preparatória do contrato que se vai realizar, esse sim, constitutivo do nexo jurídico estabelecido entre o gestor e a empresa pública sob a forma societária.
Neste contexto, a denominada nulidade do ato de nomeação aludida na lei só pode ter o significado que, caso o contrato de gestão não seja celebrado no prazo previsto na lei, o ato de nomeação nenhum efeito produz. E se o contrato de gestão for celebrado já decorrido esse prazo, como sucedeu no caso em apreço, o que está em causa é a eficácia/validade do contrato e gestão.
No caso em apreço, assentando a causa de pedir e pedido formulado num contrato de gestão válido e eficaz, competia à ré excecionar a dita validade e eficácia do contrato de gestão invocando que a sua celebração ocorreu em momento em que o ato deliberativo já não produzia quaisquer efeitos, repercutindo-se tal sobre o próprio contrato de gestão. O que não fez. Ora, a eficácia e validade de um contrato não é matéria de conhecimento oficioso pelo Tribunal e carecia de ser invocada pela parte.
Não releva a invocação em sede de recurso da alegada nulidade do ato de nomeação, a coberto da arguição de uma nulidade da sentença que não se verifica, porquanto, fora dos casos de conhecimento oficioso, que no caso não ocorre, como já dito, os recursos ordinários não se destinam a alcançar decisões novas, mas a apenas o reexame da decisão proferidas dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal «a quo» no momento em que proferiu a decisão.[5]
Improcede, assim, a arguição da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
1.2. Invocando o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, a apelante também arguiu a nulidade da sentença por omissão de pronúncia por não ter apreciado a questão de saber se, a haver direito indemnizatório, a indemnização corresponde a 12 ou 14 vezes o vencimento base, partindo o Tribunal «a quo» do pressuposto, não verificado, que as partes concordaram em que seria aplicável o pagamento de 14 vezes.
O autor formulou o pedido de indemnização tendo como referência o vencimento base pago 14 vezes ao ano (cfr. artigos 79.º e 80.º da petição inicial).
A ré, porém, na contestação defende que, a haver direito à indemnização, o valor é calculado multiplicando o valor do vencimento base por 12 meses (artigos 264.º a 268.º da contestação).
A sentença calculou a indemnização em conformidade com o dado como provado no ponto 22, ou seja, que o autor à data da demissão auferia o vencimento ilíquido de €4.578,20 pago 14 vezes por ano.
Não existe, pois, qualquer omissão de pronúncia. O Tribunal «a quo» pronunciou-se sobre a questão controvertida que era a de saber se o autor tinha direito à indemnização e, na positiva, qual o respetivo valor, apreciando e decidindo estas questões, tendo fixado o valor da indemnização.
Se ocorreu erro de julgamento na aplicação da lei quando ao modo de cálculo da indemnização, é uma questão de direito a apreciar em termos do mérito do recurso e não de nulidade da sentença.
Improcede, assim, a arguição desta nulidade da sentença.
1.3. A apelante arguiu a nulidade da sentença prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, invocando que o «Tribunal não fundamentou a circunstância de não ter dado como provada variada matéria fundamental para o julgamento da causa elencada no ponto 17» do corpo da alegação.
Estipula o artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto (e de direito) que justificam a decisão.
No caso, foi proferida decisão em sede de saneador-sentença tendo em conta os factos admitidos por acordo ou provados por documentos (artigo 595.º, n.º 1, alínea b), do CPC). Nada mais havia a acrescentar em termos de decisão de facto, uma vez que a prerrogativa do Tribunal «a quo» relativa à emissão de pronúncia de fundo naquela fase processual pressupõe, como refere a norma, que «o estado do processa, permit[a] sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.»
Assim, são apenas os factos que permitem emitir essa pronúncia que têm inexoravelmente de ser especificados e justificados em termos probatórios. Especificar e justificar os factos não provados, por se encontrarem controvertidos, corresponderia a ato inútil, cuja prática é censurável e proibida (artigo 130.º do CPC), uma vez que, a serem essenciais ao conhecimento de mérito naquela fase, sempre o processo teria de prosseguir para a fase de julgamento e, não sendo essenciais, não resultaria daquele ato qualquer utilidade em termos de decisão.
Contudo, alega o apelante que a matéria de facto omitida é fundamental para o julgamento da causa.
Crítica que se direcionada à impugnação da decisão de facto e não propriamente à alegada nulidade da sentença.
De qualquer modo, sempre se dirá, que não temos a perceção da essencialidade daquela matéria em face da questão controvertida nos autos que se traduz, como melhor infra se dirá e analisará, em saber se o autor tem direito a ser indemnizado, não obstante ter sido demitido por conveniência de serviço quando ainda não tinha cumprido 12 meses seguidos de exercício de funções do mandato em curso no momento da demissão.
Ora, a matéria em referência é irrelevante para essa apreciação e, consequentemente, nem sequer carece de ser especificada e fundamentada, porquanto:
(i) O alegado nos artigos 6.º e 9.º da contestação reporta-se à transcrição e interpretação de uma cláusula do contrato de gestão de outubro de 2015 com idêntica correspondência no contrato celebrado em 2012, tratando-se, pois, de alegação que se refere, essencialmente, à interpretação dessa cláusula, ou seja, trata-se de matéria de direito e não de facto.
De qualquer modo, o que está em causa nestes autos é a interpretação da lei e não das cláusulas contratuais que, de resto, não podem contrariar o disposto no artigo 26.º como resulta do n.º 4 do artigo 18.º do EGP;
(ii) O alegado nos artigos 13.º , 14.º, 15.º, 16.º, 18.º, 20.º e 21.º da contestação reporta-se, como a apelante reconhece, a factos circunstanciais relacionados com a celebração do contrato de gestão e que são factos notórios e do conhecimento público por se referirem a recentes acontecimentos políticos: eleições legislativas de 04/10/205, formação do XX Governo Constitucional, moção de rejeição, empossamento do XXI Governo Constitucional, programa eleitoral do Partido Socialista em relação ao sector das águas.
Assim sendo, atenta a natureza de tais factos, também não careciam de ser especificados e fundamentados na decisão tomada.
Em face do exposto, também improcede a arguida nulidade da decisão.
2. Ampliação da decisão de facto
Invoca a apelante que ocorreu erro de julgamento da matéria de facto, devendo a decisão de facto ser ampliada, de modo a abranger os factos alegados nos artigos 6.º e 9.º, 13.º , 14.º, 15.º, 16.º, 18.º, 20.º e 21.º da contestação, por resultarem provados através de prova documental ou por não carecerem de prova por serem factos públicos e notórios.
A ampliação da decisão de facto só seria justificada se a matéria em causa fosse essencial para a decisão proferida, o que, em face do acima dito, não o é.
Não ocorre, pois, o alegado erro de julgamento de facto, nada havendo a acrescentar à decisão de facto.
3. Interpretação do artigo 26.º, n.º 3, do Estatuto do Gestor Público
Entrando, agora, no fundo da questão controvertida, defende a apelante que a sentença incorreu em erro de julgamento ao interpretar o normativo supra citado.
Como resulta da decisão recorrida, o Tribunal a quo equacionou a questão em discussão do seguinte modo: o direito à indemnização a que se reporta o preceito nasce com o exercício de funções de doze meses seguidos ou nasce pelo decurso de doze meses seguidos de mandato?
A decisão recorrida decidiu que o direito à indemnização dos gestores públicos consolida-se com o exercício seguido de 12 meses de funções independentemente do início do mandato.
A apelante contrapõe que o preceito deve ser interpretado no sentido de o direito à indemnização ser concedido ao gestor público que tenha 12 meses seguidos de exercício de funções por referência o mandato em curso no momento em que cessa funções.
Vejamos, então, qual das duas interpretações melhor corresponde ao sentido prevalecente da norma, levando em conta o momento da aplicação do preceito.
Sob a epígrafe «Dissolução e demissão por mera conveniência», estipula o n.º 1 do artigo 26.º que o gestor público pode ser «livremente demitido», independentemente dos fundamentos constantes dos preceitos anteriores.
Para além da dissolução dos órgãos (conselho de administração, comissão executiva e conselho de administração executivo) prevista no artigo 24.º, que implica cessação do mandato de todos os membros do órgão sem direito a qualquer subvenção ou compensação pela cessação de funções (n.º 3 do artigo 24.º), o artigo 25.º reporta-se à demissão do gestor público por lhe ser imputável individualmente determinadas situações relacionadas com a avaliação negativa do desempenho, violação grave, por ação ou omissão, da lei ou dos estatutos da empresa, violação das regras sobre incompatibilidades e impedimentos e violação grave do dever de sigilo profissional (alíneas a) a d) do n.º 1 do referido artigo 25.º). Também nos termos do n.º 3 do artigo 25.º, a demissão implica a cessação do mandato, não havendo lugar a qualquer subvenção ou compensação pela cessação de funções.
O n.º 2 do artigo 26.º prescreve que «A cessação de funções nos termos do número anterior [por mera conveniência] pode ter lugar a qualquer tempo e compete ao órgão de eleição ou designação.»
E no que concerne ao direito à indemnização, prescreve o n.º 3 do artigo 26.º do seguinte modo: «3- nos casos previstos no presente artigo e desde que conte, pelo menos, 12 meses seguidos de exercício de funções, o gestor público tem direito a uma indemnização correspondente ao vencimento base que auferiria até ao final do respectivo mandato, com o limite de 12 meses.»
Como amplamente foi referenciado na decisão recorrida, em face do artigo 9.º do Código Civil, na interpretação da lei, ou seja, na procura pelo intérprete do sentido decisivo da lei, intervêm, para além do elemento literal, elementos lógicos de ordem sistemática, histórica e racional/teleológica.
O elemento literal ou texto da norma é o ponto de partida da interpretação e corresponde a um limite, ou seja, não pode ser considerado pelo intérprete um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil).
O normativo interpretando, na sua estrita literalidade, faz depender o direito à indemnização da verificação dos seguintes pressupostos:
- princípio da live demissão do gestor púbico por mera conveniência;
- 12 meses seguidos de exercício de funções;
- indemnização correspondente ao vencimento base que seria auferido até ao final do respetivo mandato, com o limite de 12 meses.
Dizer-se como consta na decisão recorrida que a norma não faz a «mínima alusão a outra situação que seja, nomeadamente o “mandato”», não se afigura correta.
É inquestionável que a norma correlaciona o direito à indemnização com a livre revogabilidade do mandato, socorrendo-se ainda de dois pressupostos. Por um lado, atende à duração do «exercício de funções» por determinado período temporal (12 meses seguidos), e, por outro lado, ao «mandato», não apenas quando quantifica a indemnização em função do vencimento base auferido no «mandato», mas também quando condiciona o valor da indemnização ao vencimento base auferido em 12 meses do «mandato».
O que não resulta de forma clara da literalidade do preceito é se o «os 12 meses seguidos de exercício de funções» a que se reporta se compreende apenas e tão só no «mandato» em curso aquando da demissão ou se, tendo existido mandatos anteriores àquele, aquele tempo pode ser contado levando-os em conta.
Cremos que o sentido da norma não se pode surpreender apenas atendendo ao elemento literal com a argumentação de que o legislador exprimiu bem o seu pensamento e onde escreveu «exercício de funções» não queria dizer «mandato», como caba por enfatizar a decisão recorrida.
Efetivamente, o Tribunal a quo a coberto da invocada «interpretação declarativa» - que corresponde àquela em que o intérprete se limita a eleger um dos sentidos que o texto direta e claramente comporta –olvidou que, na verdade, a literalidade da norma não permite concluir que o sentido acolhido na decisão seja aquele que melhor corresponde ao pensamento legislativo.
Em nosso entender, o elemento literal, só por si, não permite, no caso, estabelecer qual o sentido prevalecente que há-de ser acolhido pelo intérprete. Há, pois, que atender aos demais elementos da interpretação normativa.
Assim, releva especialmente o elemento lógico consubstanciado no elemento sistemático, ou seja, a aferição da correlação que existe entre a norma a interpretar e o complexo normativo em que a mesma se insere e que, no caso, corresponde ao regime de exercício de funções do gestor público, mormente no que concerne ao regime de demissão.
A demissão do gestor público não se pode desligar da existência de uma nomeação (eleição ou nomeação- artigo 13.º) para o exercício das funções correspetivas, por um determinado período (3 anos), passível, no máximo, de 3 renovações (artigo 15.º), período esse que a lei apelida de «mandato», impondo, ainda, que o exercício dessas funções esteja a coberto de um contrato de gestão obrigatoriamente celebrado quanto estejam em causa empresas públicas (artigo 18.º).
Como já supra referido, no âmbito das empresas públicas sob a forma societária, é este contrato de gestão que constituiu a fonte de direitos e obrigações que vincula quem nomeia e quem é nomeado como gestor público.
A demissão do gestor público, seja por verificação das circunstâncias previstas no artigo 25.º, seja por mera conveniência, como prescreve o artigo 26.º, faz cessar o referido «mandato», ou seja, por outras palavras cessa o suporte jurídico que estabelecia um vínculo entre quem nomeia e quem é nomeado. O mandato, ou se quisermos, o contrato de gestão, pura e simplesmente cessa.
Na configuração da lei, o direito à live demissão do gestor público por mera conveniência encontra-se interligado com um determinado exercício de funções, ou seja, com um determinado «mandato» e correlativo contrato de gestão.
Não resulta do regime legal que o direito à referida indemnização decorre do exercício de funções no âmbito do cumprimento de mandatos que já cessaram. Donde, tem de se concluir que o cumprimento do mandato pelo decurso do tempo previsto para o mesmo, extingue a relação jurídica que existia durante a vigência do mandato. E tanto é assim que a lei exige novo ato deliberativo, para se iniciar um novo mandato.
O direito à indemnização por demissão por mera conveniência pressupõe que o mandato se encontra em curso, pois de outro modo, se já estivesse extinto, pelo cumprimento, não faria qualquer sentido a norma reportar-se ao vencimento base que o gestor «auferiria até ao final do respetivo mandato».
Esta referência indicia de forma clara e decisiva que o legislador não consagrou o direito de indemnização por demissão por mera conveniência reportando-se a mandatos já executados, mas sim àquele que se encontra em curso à data da demissão. Se o gestor já cumpriu, nesse mandato, 12 meses seguidos de exercício de funções, tem direito a receber um vencimento base, no máximo, correspondente a 12 meses. Se não exerceu as funções compreendidas no mandato/contrato de gestão em curso, durante 12 meses seguidos, não tem direito a receber indemnização.
Acresce que esta interpretação, contrariamente ao mencionado na decisão recorrida, também é a que resulta do elemento racional ou teleológico (ratio legis), ou seja, do fim visado pelo legislador ao editar a norma.
A indemnização está apenas consagrada para as situações reguladas no artigo 26.º que se abstraem do mérito do desempenho do gestor público. A mera conveniência encontra-se relacionada, senão em todas as situações, pelo menos na esmagadora maioria, com alteração da orientação política sobre a gestão de determinados setores geridos/administrados através de empresas públicas ou suas participadas.
A indemnização concedida ao gestor público quando é demitido por mera conveniência, abstrai-se da existência de motivo justificado para a cessação do mandato. A precariedade do cargo por via da livre revogabilidade do mandato e a discricionariedade subjacente à demissão por mera conveniência indicia decisivamente qual a razão subjacente à concessão da indemnização/compensação devida ao gestor público assim demitido.
Por um lado, visa compensá-lo pela perda de proveitos que iria receber com o cumprimento integral do mandato que cessa e daí que o cálculo da indemnização esteja diretamente correlacionado com o exercício de um determinado mandato e não genericamente com o exercício de funções públicas de gestão.
Veja-se que o valor da indemnização é fixado a forfait, dispensando-se o demitido de prova dos prejuízos realmente sofridos, contrariamente ao que resulta da aplicação das regras gerais sobre a cessação do mandato civil ou comercial (cfr. artigo 1172.º do Código Civil e artigo 403.º, n.º 5, do Código das Sociedades Comerciais).
Por outro lado, visa estabelecer algum equilíbrio entre a confiança e expetativa que o gestor público cria quanto ao cumprimento de todo o mandato e o princípio da livre revogabilidade do mesmo.
Sabendo-se que revogabilidade do mandato por razões de mera conveniência radica em fatores externos à relação jurídica em curso, mormente por estarem conexionados com motivações político-estratégicas, são essencialmente razões de certeza e de igualdade que estão na base da opção legislativa de fixação legal de uma indemnização.
Conclui-se, assim, que a indemnização prefigurada na lei se conexiona com o exercício de funções num concreto mandato, nada indicando que o legislador perspetivou a indemnização como sendo devida por via de uma inexistente relação jurídica continua e transversal a todos os mandatos que um determinado gestor público tenha executado.
Ademais, também em termos interpretativos, o elemento histórico indicia claramente que a indemnização prevista na lei se encontra diretamente conexionada com o mandato que cessa e não com o desempenho de funções em mandatos anteriores.
A atual redação do artigo 26.º, n.º 3, do EGP decorre do Decreto-Lei n.º 8/2012, de 18/01.
Este diploma, como é assumido no seu preâmbulo, surge no contexto de vigência do Programa de Assistência Económica e Financeira de que Portugal foi alvo recentemente.
Um dos objetivos desse Programa, assumido no dito preâmbulo, é o de «contenção da despesa pública», o que implicou alteração das regras referentes à remuneração, prémios e outros benefícios dos gestores públicos, «restringindo-se ainda o regime de indemnizações de gestores públicos».
Ora, quanto às indemnizações em caso de demissão por mera conveniência foi, então, alterada a redação do referido n.º 3 do artigo 26.º.
Na redação anterior o preceito estipulava do seguinte modo: «3- Nos casos previsto no presente artigo, o gestor público tem direito a uma indemnização correspondente ao vencimento de base que auferiria até ao final do respectivo mandato, com o limite de um ano.»
Nesta redação não seria curial defender-se que a indemnização não estava diretamente relacionada com o exercício do mandato em curso aquando da demissão, atenta a literalidade, inequívoca, do preceito.
Sendo assim, tendo-se alterado a redação do preceito com vista a restringir o direito à indemnização, através da exigência de 12 meses seguidos de exercício de funções, é vidente que a almejada restrição ficaria prejudicada se, por via interpretativa, se entendesse que o aludido exercício de funções não se encontra estritamente conexionado apenas e tão só com o mandato em curso à data da demissão, mas com o global exercício das funções de gestor. É que tal interpretação conduziria precisamente ao inverso do escopo da alteração legislativa, ou seja, determinaria um alargamento das situações cobertas pela indemnização por demissão por mera conveniência.
E, por outro lado, permitiria a concessão de indemnizações em situações em que, antecipadamente, se antevia que o mandato não iria ser cumprido. Bastando para tal que o gestor público fosse nomeado para exercer funções para um novo mandato que, consabidamente, se sabia que havia hipótese séria de não chegar ao fim. Pense-se, pois, nas situações que ocorrem após a realização de eleições e consequente empossamento de novos governantes, que acarretam, frequentemente, mudanças nos quadros das empresas públicas nomeados por razões, também, de confiança política, situações às quais os gestores públicos não são imunes, não obstante os critérios que legalmente devem presidir à sua designação (cfr. artigos 4.º, 5.º e 12.º do EGP).
A exigência de um período mínimo de exercício de funções em relação ao mandato que cessa por mera conveniência, independentemente do gestor já ter cumprido outros mandatos, salvaguarda essas situações, introduzindo um elemento de certeza e de igualdade de tratamento, com significativa relevância na interpretação da lei.
Acresce, ainda, que também não colhe o argumento esgrimido na decisão recorrida quando refere que o legislador alterou novamente o diploma em 2016 e não tocou no normativo, inferindo-se daí que a interpretação acolhida na decisão foi aquela que o legislador teve em mente.
Nada mais impreciso, a nosso ver.
O Decreto-Lei n.º 39/2016, de 28/07, alterou o artigo 1.º, n.º 2, do EGP nos seguintes termos:
«2 - O presente decreto-lei não se aplica a quem seja designado para órgão de administração de instituições de crédito integradas no setor empresarial do Estado e qualificadas como “entidades supervisionadas significativas”, na aceção do ponto 16) do artigo 2.º do Regulamento (UE) n.º 468/2014, do Banco Central Europeu, de 16 de abril de 2014.».
Esta alteração não revelapara a controvérsia destes autos, porquanto resulta do preâmbulo deste diploma de 2016 e do teor da própria alteração que o legislador interveio pontualmente apenas e tão só para excluir da aplicação do diploma os gestores das entidades acima identificados, daí não se inferindo, seja a que título for, que o legislador quis tomar partido sobre a interpretação do artigo 26.º, n.º 3.
Finalmente, importa também referir, ainda que sucintamente, que o elemento histórico nos leva a considerar que o legislador em 2012 não quis inverter um rumo que tinha traçado desde 1982 no que concerne ao modo como regula o exercício de funções dos gestores públicos.
O primeiro estatuto do gestor público foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 831/76, de 25/11.
O gestor público assumia uma carreira, celebrava um contrato de gestor público profissional, estabelecendo um vínculo jurídico com o IPE- Instituto de Participações do Estado, E.P, com o qual celebrava um contrato sem prazo. O IPE colocava os gestores, assumia o pagamento enquanto aguardavam colocação, estando a denúncia do contrato sujeito a regras restritivas, conferindo ao gestor público um direito a receber uma indemnização correspondente a um mês de retribuição por cada ano completo de serviço, não podendo ser inferior a dois meses (cfr. artigos 1.º, n.º 2, 13.º, n.º 1, 21.º, n.º 2, 45.º e 46.º do Decreto-Lei n.º 831/76).
Nesta configuração jurídica do estatuto do gestor público é evidente que havia uma relação de continuidade de funções abrangendo os mandatos que o gestor público ia executando.
Se esta fosse a lei vigente, o autor teria direito a invocar o exercício de funções ao longo dos mandatos que foi cumprindo.
Porém, este diploma foi revogado em 82, através do Decreto-Lei n.º 464/82, de 09/10.
O regime daí resultante, seguido em 2007 (Decreto-Lei n.º 71/2007), e mantido nas alterações seguintes, atualmente vigente, é totalmente diverso, sendo esse o regime aplicável ao caso em apreço, considerando que os mandatos aqui em causa correspondem aos triénios 2012/2014 e 2015-2017.
A relação jurídica de gestão pública assenta num ato de designação para um determinado mandato, com uma determinada duração, e cessa nos termos previstos na lei nos artigos 23.º a 27.º do EGP. A continuidade da relação jurídica de gestão pública inerente ao conceito «carreira» deixou de existir.
Atualmente, a referida relação jurídica carateriza-se pela precariedade, sujeita à discricionariedade de quem tem o poder de designar o gestor público e de o demitir.[6]
Assim, o direito à indemnização previsto na lei para a livre demissão por mera conveniência encontra-se, incontornavelmente, conexionado com o concreto mandato em curso aquando da demissão do gestor público.
Em face de todo o exposto, em termos de interpretação do artigo 26.º, n.º 3, do atual EGP, é de concluir que a relação jurídica de gestão pública nasce e termina com o mandato e correlativo contrato de gestão, não existindo uma continuidade dos efeitos jurídicos dessa relação que, transversalmente, abranja todos os mandatos nos quais o gestor público exerceu funções.
Por conseguinte, o exercício de funções de 12 meses seguidos a que se reporta o n.º 3 do artigo 26.º do EGP, reportam-se apenas ao mandato em curso à data da demissão do gestor público por mera conveniência.
Esta conclusão determina que a decisão recorrida não pode manter-se, uma vez que o autor, não tendo cumprido 12 meses seguidos do mandato em curso à data da demissão por mera conveniência, não tem direito à indemnização prevista no citado artigo 26.º, n.º 3, do EGP.
Por esta razão, fica prejudicada a análise das demais questões suscitadas no recurso.
Em face do exposto, procede a apelação.
Dado o decaimento, as custas nas duas instâncias ficam a cargo do autor/apelado (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.
III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar procedente a apelação, revogam a sentença na parte recorrida, e, consequentemente, absolvem a ré do pedido correspondente à condenação inserta na alínea a) da parte dispositiva da sentença.
Custas nos termos sobreditos.
Lisboa, 11 de setembro de 2018
Maria Adelaide Domingos - Relatora
Ana Isabel Mascarenhas Pessoa – 1.ª Adjunta
Eurico José Marques dos Reis - 2.º Adjunto
[1] O EGP também foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 39/2016, de 28/07, mas apenas em relação ao artigo 1.º, n.º 2, como infra melhor se dirá. [2] Cfr., entre outros, AC. STJ, de 06/05/2004, proc. 04B1409 e AC. STJ, de 27/10/2009, proc. 93/1999.C1.S2, em www.dgsi.pt [3] Cfr, entre outros, Ac. STJ, de 16/09/2008, proc. 08S321, em www.dgsi.pt [4] Neste sentido, veja-se o acórdão do STA, de 28/01/2016, proc. n.º 0510/15 e o acórdão do Pleno das Secções do STA, datado de 07/07/2016, no âmbito do mesmo processo, ambos em www.dgsi.pt. [5] AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 7.ª ed., 2006, p. 155. [6] Cfr. a este propósito, e no âmbito do Decreto-Lei n.º 446/82, o acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 99/2010, in Diário da República n.º 67/2010, Série II de 2010-04-07, no qual se pode ler: «A solução legal que se traduz na possibilidade de exoneração de gestores públicos fundada na mera conveniência de serviço foi introduzida no ordenamento jurídico nacional com a aprovação do disposto no artigo 1.º, do Decreto-Lei 356/79, de 31 de Agosto, tem sido reproduzida nos sucessivos estatutos dos gestores públicos entretanto aprovados - incluindo o mais recente aprovado pelo Decreto-Lei 71/2007, de 27 de Março - e já mereceu um juízo, negando a sua inconstitucionalidade, formulado pelo Acórdão 160/92 do Tribunal Constitucional (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 19 de Agosto de 1992), que seguiu o pensamento já anteriormente expresso pela Comissão Constitucional, no Parecer 31/80 (em Pareceres da Comissão Constitucional, 14.º vol., pág. 15), a propósito da fiscalização preventiva do Decreto 366-E/80 destinado a rever o Estatuto dos Gestores Públicos de 1976. A ampla margem de discricionariedade assim atribuída à Administração Pública quanto à manutenção de um indivíduo no exercício de um cargo (Cfr. Nuno Cunha Rodrigues, em "Breves notas em torno do estatuto do gestor público: a caminho do new public management?", in "Estudos jurídicos e económicos em homenagem ao Prof. Doutor António de Sousa Franco", pág. 403-404, do volume III, ed. de 2006, da FDUL) foi considerada materialmente justificada pelo Tribunal Constitucional no referido aresto.»