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CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
ARGUIDA
AFASTAMENTO DA SALA
PRESTAÇÃO DE DEPOIMENTO
Sumário
Justifica-se o afastamento da arguida da sala da audiência durante a prestação de depoimento da ofendida, se se imputa àquela o crime de violência doméstica, praticado durante a menoridade da ofendida e se está objectivamente justificada a inibição da testemunha, ainda menor, de livremente responder sobre as perguntas atinentes a essa matéria na presença da mesma arguida.
Texto Integral
Processo n.º 406/15.0GAVFR-D.P1
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO:
No âmbito do processo comum, com intervenção do tribunal singular, do qual foi extraída a certidão que integra os presentes autos, no decurso da audiência de julgamento, no dia 25-01-2018, foi proferido despacho judicial que determinou o afastamento da arguida da sala de audiências durante a prestação de depoimento da ofendida.
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Inconformada com tal decisão, a arguida interpôs o presente recurso, rematando a respetiva motivação nos termos seguintes:
CONCLUINDO:
1ª Ao contrário do processo civil, a presença do arguido na audiência de julgamento é um requisito lógico ante a natureza do sistema de justiça de que se trata e com ele compatível numa unidade indissociável;
2ª Como meio adestrado a garantir ao arguido a perceção da prova que vai desfilar ante o pretório, aquela que o poderá incriminar e aquela de onde poderá resultar a sua exculpação, tudo lhe proporcionando a oportunidade de sobre isso formar um juízo e, em nome do contraditório, intervir, fazendo consignar a sua posição;
3ª Como poderá alguém que não o próprio, cujos actos estão sujeitos a julgamento percecionar, até ao limite do pormenor relevante, o que é dito pelos coarguidos - tantas vezes propensos a exonerarem-se sobrecarregando no ausente - pelos ofendidos, pelas testemunhas, o que está nos documentos, o que é, em sede de prova pericial tida como verdade oponível autoritariamente ao próprio poder de julgar?
4ª Como poderá um defensor consciente sentir-se confortável ante factos ou alegados factos que atingem aquele que assiste sem ter consigo quem sobre eles possa dar-lhe o arrimo de uma versão, um comentário, uma sugestão quanto à forma de os contraditar?
5ª Não é a perceção de um tribunal prudente que, tendo diante de si o próprio arguido, pode fazer funcionar, nos seus rigorosos termos, a regra da imediação probatória, que não é um princípio atinente à forma do processo, mas meio instrumental essencial para se alcançar a íntima convicção, a qual é critério reitor da aferição da prova, consoante o artigo 127º do CPP?
6ª Como, sem a presença do próprio, medir a reação, até fisionómica, que a prova produz naquele contra quem ou a benefício de quem é produzida?
7ª Todo e qualquer ato decisório tem de ser fundamentado, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão (n.º 5 do art.º 97.ºdo CPP);
8ª Não obstante a indicação no despacho ora censurado da existência de "razões sólidas”, “razões sérias”, “razões pelas quais o Tribunal ordena o afastamento da arguida da sala de audiências”, as mesmas não foram especificamente indicadas, ficando-se assim sem se saber quais as razões (de facto) que justificaram a conclusão de que a testemunha ficaria inibida de declarar a verdade e, assim sendo, determinar-se o afastamento da arguida da sala de audiência;
9ª Não sendo suficiente, no nosso entender, o carater da matéria em discussão nos autos, porquanto, se tal fosse o caso, a mera determinação do afastamento da arguida só porque se trata de um caso de violência doméstica, demonstraria uma antecipação de julgamento da própria matéria em discussão por parte do tribunal;
10ª A referida testemunha, de acordo com a informação dos autos, desde, pelo menos, 24 de junho de 2015, já não reside com a arguida, pelo que a sua inquirição, em audiência de julgamento, ocorre mais de 2 anos depois;
11ª A arguida nunca foi condenada por qualquer crime, de acordo com o CRC de 18/01/2018 junto aos autos;
12ª Durante todas as sessões de julgamento a arguida sempre pautou a sua postura em audiência com elevada educação;
13ª Não existe qualquer informação nos autos de que, após a saída da testemunha da residência que ocupava juntamente com a arguida e restante agregado familiar, tenham havido quaisquer situações de conflito geradoras de preocupações acrescidas ou outros temores;
14ª De acordo com o que resulta da ata de audiência de julgamento do referido dia, a referida testemunha declarou que “preferiria que a arguida não estivesse presente” sem contudo, esclarecer o tribunal das razões dessa sua “preferência”: medo, temor, ansiedade, frustração, etc...;
15ª O pressuposto legal não é "a preferência" da testemunha;
16ª Mesmo essa declaração da testemunha não é sequer indicativa de que a presença da arguida a “inibe de dizer a verdade” pressuposto legal do afastamento! na medida em que, não se tendo sequer iniciado a sua inquirição quanto à matéria em discussão, gerou-se uma impossibilidade objetiva e antecipada de, concretamente, aquilatar das razões dessa “inibição”;
17ª A posição do Tribunal é contraditória e confusa, porquanto, por um lado, indefere o requerimento da arguida no sentido de que seja vedada a publicidade da audiência argumentando que tal será objeto de apreciação no "caso concreto" e, por outro lado, ainda sem estarmos em plena inquirição da testemunha relativamente à matéria em discussão, determina o afastamento da arguida sem qualquer razão de facto que, concretamente, o justificasse;
18ª Deveria o M.º P.º ou a testemunha em causa, igualmente suposta vítima com vista a garantir um depoimento sem constrangimentos, caso assim o entendessem, socorrer-se do mecanismo previsto no art.º 32.º da Lei n.º 112/2009, de 16/09, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 129/2015, de 03/09, o que não aconteceu;
19ª Não tendo sido requerida a prestação de depoimento por videoconferência da testemunha, mecanismo legal obrigatório (lei especial) para salvaguardar/garantir depoimentos desinibidos, é injustificado, ilegal e excessivo o afastamento da arguida da sala durante a prestação do depoimento da indicada testemunha, suposta “vítima”;
20ª Ao não ter sido requerida a realização de videoconferência, foi porque se entendeu que não existiam razões para crer que o depoimento não seria desinibido;
21ª Mostram-se violados os artigos 97.º e 352º al. a) do CPP e art.º 32.º da Lei n.º 112/2009, de 16/09;
22ª Deverá ser concedido provimento a este recurso, declarando a nulidade do despacho em causa, bem como de todos os actos subsequentes e determinar a audição da referida testemunha na presença da arguida,
FAZENDO-SE ASSIM INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!
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O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, na qual pugnou pelo não provimento, terminando com a formulação das seguintes
Conclusões:
1.- Nas conclusões aduzidas pela recorrente e limitativas do âmbito do presente recurso, esta reconduz a sua discordância à decisão de afastamento da arguida da sala de audiências durante a prestação de depoimento pela testemunha B….
2.- Resulta claro do referido despacho que o tribunal a quo considerou que atenta a natureza dos crimes pelos quais a arguida se encontrava acusada, violência doméstica em concurso aparente com dois crimes de maus tratos, e as declarações da testemunha B… de que preferia prestar depoimento na ausência da arguida, aquela se sentiria inibida na sua liberdade de prestar depoimento na presença da arguida para depor com verdade.
3.- O afastamento do arguido da sala de audiências pelo tempo necessário para as testemunhas prestarem depoimento, encontra-se legalmente previsto, determinando a Lei, no artigo 332°, n° 7, do C.P.P., precisamente para salvaguarda dos seus direitos de defesa, que o mesmo seja resumidamente instruído pelo presidente do que se tiver passado na sua ausência, sob pena de nulidade.
4.- Não obstante a Lei n° 112/2009, de 16/09 prever o recurso à inquirição das vítimas através de videoconferência, a requerimento destas ou do Ministério Público, não é menos certo que não tendo tal sido requerido previamente seja porque a testemunha se julgava capaz, seja por desconhecimento, não fica precludido, caso tal não tenha sido requerido, o direito a esse requerimento no início da audiência de julgamento, como sucede na demais criminalidade.
Desta forma, entende-se não assistir razão à recorrente.
TERMOS EM QUE se nos afigura dever o presente recurso ser julgado improcedente e confirmado o douto despacho proferido.
Todavia, V. Exas. farão, como habitualmente, inteira e sã JUSTIÇA.
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Nesta instância o Ministério Público emitiu parecer, no qual pugnou pela improcedência do recurso.
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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código Processo Penal, foi apresentada resposta, na qual a recorrente manifestou discordância relativamente ao parecer e reiterou o alegado na motivação do recurso.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
* II – FUNDAMENTAÇÃO: 1. Despacho recorrido:
(Transcrito em súmula, na ata da audiência de julgamento do dia 25-01-2018) No que respeita ao afastamento do arguido decide-se o seguinte: atendendo ao teor da acusação pública, afigura-se claro que estando a arguida acusada de crime de violência doméstica em concurso aparente com dois crimes de maus tratos, sendo uma das ofendidas aora testemunha, há razões sólidas para crer que - face às declarações de B… - que esta efectivamente se sente inibida na sua liberdade de prestar depoimento na presença da arguida, há assim, razões sérias para o Tribunal concluir que a presença da arguida inibe a declarante de dizer a verdade, razões pelas quais o Tribunal ordena o afastamento da arguida da sala de audiências durante a prestação de declarações desta testemunha - art.º 352º CPP.
* 2. Elementos processuais relevantes:
a) Na acusação deduzida no dia 01-03-2016 o Ministério Público imputa à arguida o cometimento em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de dois crimes de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea d), 2, 4 e 5, em concurso aparente com dois crimes de maus tratos, p. e p. pelo artigo 152.º-A, n.º 1, alíneas a) e c), do Código Penal, sendo ofendidos B…, nascida a 25 de fevereiro de 1999, e D…, nascido a 16 de fevereiro de 2005[1].
b) Por despacho proferido em audiência de julgamento no dia 19-12-2017, foi determinada a inquirição presencial da ofendida B…, por se entender relevante para a descoberta da verdade material, considerando que, ouvidas as declarações para memória futura pela mesma prestadas, subsistem questões que devem ser colocadas e factos que devem ser averiguados com maior profundidade.
c) Na audiência de julgamento realizada nodia 25-01-2018, após identificação da testemunha B… e prestação de juramento, a Mma Juíza questionou a ofendida sobre se sentia inibição em prestar declarações na presença da arguida, ao que a testemunha respondeu afirmativamente acrescentado que preferia que a arguida não estivesse presente[2].
d) Após ter sido concedida a palavra sucessivamente ao Ministério Público, ao Mandatário da ofendida e ao Mandatário da arguida para se pronunciarem sobre o afastamento da arguida durante a prestação de depoimento por parte da ofendida, foi proferido o despacho recorrido.
** 3. Apreciação do Recurso:
De acordo com jurisprudência assente, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso.
No presente recurso a questão que se suscita consiste em saber se o ordenado afastamento da arguida durante a prestação de depoimento por parte da ofendida, nas concretas circunstâncias do caso, carece de fundamento legal.
A decisão recorrida baseou-se na ponderação dos factos imputados à arguida em conjugação com as afirmações produzidas pela testemunha quando questionada sobre a sua liberdade ou inibição de prestar depoimento na presença da arguida, e invocou como suporte legal a norma do artigo 352.º, n.º1, alínea a), do Código Processo Penal.
Decorre da situação processual descrita que a inquirição presencial da testemunha em audiência de julgamento foi ordenada com vista ao esclarecimento e aprofundamento de questões de facto referentes à matéria da acusação, surgidas após a audição, no decurso da audiência, do depoimento da mesma prestado nos autos para memória futura.
Neste contexto, encontrando-se todos os sujeitos processuais informados do teor do depoimento prestado pela testemunha em fase processual anterior, o tribunal decidiu indagar se a presença da arguida durante a prestação de depoimento na audiência constituía obstáculo ou inibição para a ofendida responder com verdade às questões que lhe viessem a ser colocadas, ou seja, o tribunal pretendeu assegurar que o depoimento fosse prestado livre de qualquer constrangimento ou inibição decorrente da assistência da arguida, procedimento justificado face à imputação criminal vertida na acusação e atenta a idade da testemunha.
Perante a resposta dada pela ofendida à interpelação que lhe foi dirigida o tribunal a quo, beneficiando da imediação, obteve a perceção de que efetivamente a presença da arguida era suscetível de interferir com a liberdade da depoente responder com verdade às perguntas sobre os factos descritos na acusação.
Tal avaliação realizada pelo tribunal a quo não merece censura porquanto se considera que a ofendida pretendeu exteriorizar a sua inibição ao responder afirmativamente e ao acrescentar que preferia prestar depoimento na ausência da arguida, caso tal fosse admissível. O modo como a ofendida se expressou não retira eficácia ou firmeza à resposta positiva dada à pergunta sobre se a presença da arguida era inibidora para depor livremente, mas antes indica que a testemunha desconhecia a admissibilidade legal de prestar depoimento na ausência da arguida.
Além disso, tendo em conta que a acusação se reporta a factos que consubstanciam a imputação à arguida de crimes de violência doméstica, na pessoa da ofendida, durante a sua menoridade, mostra-se justificada objetivamente a inibição da testemunha de livremente responder sobre perguntas atinentes a essa matéria na presença da arguida, tanto mais atendendo à idade da ofendida aquando da inquirição.
Assim sendo, o ordenado afastamento da arguida da sala de audiência enquadra-se na previsão do artigo 352.º, n.º1, alínea a), do Código Processo Penal, verificando-se os pressupostos exigidos por tal norma legal.
Ademais, carece de sentido convocar o disposto no artigo 32.º da Lei n.º 112/2009 de 16-09, a que se reporta a recorrente, porquanto não institui regime especial quanto à matéria em causa que derrogue o regime previsto no Código Processo Penal.
Por conseguinte, improcede a pretensão recursiva.
* III – DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, e, em consequência, confirmam o despacho recorrido.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
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Comunique, de imediato, a presente decisão à 1.ª instância.
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Porto, 12-09-2018
Maria dos Prazeres Silva
William Themudo Gilman
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[1] Cf. Artigo 3.º da peça acusatória.
[2] Conforme se verifica na gravação da audiência (vd. 04:05 a 05:03), que foi ouvida, a Mma Juíza indaga se B… se sente inibida ou se o seu depoimento não é livre ou não é totalmente livre por estar presente a C… (vd. minuto 04:05); questiona se B… se sente inibida na sua liberdade de expressãopor ela estar presente (vd. minuto 04:45) ao que a mesma responde: sim, se não for contra ... (vd. minuto 04:47), depois de explicação dada pela Mma Juíza, a testemunha repete: Sim. E acrescenta: eu prefiro que num …que não esteja na presença (vd. minuto 05:02).