ACÇÃO EXECUTIVA
COIMA
EXTINÇÃO
Sumário

– As causas de extinção da coima não são equivalentes às causas de extinção da acção executiva (art.º 849.º, do CPC) destinada à sua cobrança.

– Não há nenhuma norma legal - não sendo o caso dos citados artigos 82.º, n.ºs 1 e 2 e 90.º, n.º 3, ambos do RGCO - que condicione a extinção da acção executiva à extinção da coima.

– E a remessa para o arquivo não impede que a coima seja executada, pois, o arquivamento condicional, nos termos do n.º 7 do art.º 35.º do RCP, tal como a extinção da acção executiva nos termos do artigo 750.º, n.º 2, do CPC, põem fim à acção executiva, com a particularidade apenas de a mesma poder ser reiniciada ou renovada se forem conhecidos bens após averiguações do exequente neste caso do Ministério Público.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5.ª Secção da Relação de Lisboa.


I.1Inconformado com a decisão judicial proferida, em 04/04/2018, pela Exma. Juiz do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, recorreu o Ministério Público, apresentando motivação com as seguintes conclusões:

I.Constitui objecto do presente recurso a decisão judicial de 04/04/2018, através da qual se indeferiu que os autos aguardassem por três meses informação e apresentação de requerimento por parte do Ministério Público, e, se considerou que "o arquivamento condicional [previsto no art.º 35.° n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais], tal como a extinção da ação executiva nos termos do artigo 750.º. n.º 2. do Código de Processo Civil (CPC). Põem fim à ação executiva" e que os autos estão em condições para serem remetidos para o arquivo.
II.Por decisão condenatória do Banco de Portugal, tornada definitiva em 12/01/2016. L.M. foi condenado, além do mais, numa coima única de 125.000 € pela prática de 16 contra-ordenações.
III.O condenado L.M. não efectuou o pagamento da coima única e das custas administrativas, motivo pelo qual o Banco de Portugal remeteu o processo de contra-ordenação ao MP para instauração de acção executiva, o que veio a suceder em 05/05/2016.
IV.Não obstante as diversas diligências encetadas não se logrou identificar quaisquer bens ao condenado/executado (de nacionalidade brasileira), estando os presentes autos arquivados condicionalmente desde Fevereiro de 2017.
V.Em Março/2018, a secretaria (serviços judiciais) efectuou pesquisas com vista à identificação de bens do executado, as quais resultaram infrutíferas.
VI.O prazo prescricional das 16 coimas parcelares é de 5 anos, cujo termo só ocorrerá no ano de 2021.
VII.Ao promover a execução da coima, o MP age na prossecução de um interesse público que lhe está confiado por lei. Em concreto, o normativo legal é o art. 89.° n.° 2 do RGCO, e, o interesse público "é o mesmo que preside ao desígnio da contra-ordenação e à aplicação da respectiva coima e de que o Ministério Público é particular garante".
VIII.O interesse público no cumprimento das coimas não desaparece, não diminui nem se altera com a instauração de acção executiva para cobrança coerciva das mesmas, havendo que se desenvolver todas as diligências e se envidar todos os esforços com vista ao cumprimento coercivo da sanção.
IX.O insucesso na cobrança coerciva de uma coima, não significa apenas o não arrecadar de receitas para o Estado e/ou para entidades públicas, mas também a impunidade de quem violou um dever imposto por lei (que se sentirá motivado para reincidir) e a subsequente perda de confiança da comunidade na validade e na força de vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico. Por seu turno, a perda de confiança na validade e na força de vigência das normas conduz quer a sentimentos de insegurança quer ao aumento dos prevaricadores.
X.Não basta aplicar a coima, é imperioso que a mesma seja cumprida.
XLE é igualmente esse interesse público que justifica que o legislador - ao contrário do que sucede actualmente nas demais execuções para pagamento de quantia certa - tenha determinado (e mantido) a maior intervenção do juiz nas execuções por coima - cfr. decorre do art. 91.° do
RGCO.

XII. É ainda esse interesse público que impõe que a aplicação subsidiária de normas de processo civil seja sempre efectuada com a necessária ponderação e adaptação, e, caso tal aplicação contrarie as finalidades da coima, terá mesmo de ser afastada. A aplicação de disposições previstas no CPC à execução por coima resultante de uma sucessiva aplicação subsidiária de normas (vd. art. 89° n.° I do RGCO, art. 491 ° n.° 2 do CPP e art. 35.° n.° 5 do RCP) - tem de ser efectuada com muita cautela.
XIII. O Banco de Portugal remeteu ao MP os originais do Processo de Contra-Ordenação n.° 64/12/CO para instauração de execução.
XIV. Diversamente do que acontece na cobrança coerciva de coimas aplicadas por um tribunal, a execução de uma coima aplicada por uma autoridade administrativa não corre por apenso a uns autos principais.
XV. Um processo executivo para cobrança de coima aplicada por autoridade administrativa tem especificidades próprias que obrigam a uma tramitação que respeite tais especificidades, não podendo existir uma aplicação subsidiária cega de normas processuais civis.
XVI. Tais especificidades são as ligadas às finalidades das coimas, ao facto das causas de extinção das coimas terem um elenco legal taxativo, e, à circunstância de tal tipo de execução não correr por apenso a um processo principal.
XVII. As coimas não se extinguem com um arquivamento condicional, pelo que, nos casos em que a execução tem por base uma decisão definitiva da autoridade administrativa -em, que, portanto, não existem uns autos principais ou outro suporte material para tomar posição quanto à responsabilidade contra-ordenacional do condenado/executado - não se concebe que se possa remeter um processo para o Arquivo sem que as coimas estejam extintas.
XVIII. Salvo o devido respeito, tal configura uma demissão inaceitável da obrigação que recai sobre o Tribunal a quo de realizar a justiça, saindo prejudicados os interesses e a confiança da comunidade. Como se explica ao Povo, em nome do qual os tribunais administram a justiça (cfr. art.º 202. ° n.º 1 da CRP), que um tribunal determine a remessa de um processo para o Arquivo sem que uma coima única de 125.000 € - aplicada pela prática de 16 contra-ordenações - esteja extinta?
XIX. O interesse público no cumprimento das coimas não se compadece nem é compaginável com preocupações meramente estatísticas / de redução de pendências e/ou de organização/libertação de espaço nos serviços judiciais e/ou outras preocupações similares.
XX. O Tribunal a quo encara o arquivamento condicional da acção executiva previsto no RCP como uma causa extintiva da execução. Contudo, o mesmo não constitui uma causa extintiva da execução, mas uma figura atípica de suspensão da execução.
XXI. E, sendo uma mera causa de suspensão da execução, não permite considerar findos os autos executivos, motivo pelo qual não podem serem remetidos para o Arquivo.
XXII. Erra pois o Tribunal a quo na interpretação e aplicação do art. 35.° n.° 7 do RCP.
XXIII. Embora o art. 142.° n.° 1 al. b) da LOSJ só se refira aos processos penais em sentido estrito (pois que só alude a penas e a medidas de segurança), as razões que justificam tal regulamentação são as mesmas que justificam a aplicação analógica de tal regra às execuções para cobrança coerciva de coimas aplicadas por autoridades administrativas. Em ambas as situações o interesse público impõe que não se remeta para o Arquivo processos com sanções não extintas.
Assim, como não se remete para o Arquivo um processo crime com uma pena de prisão não extinta ainda que não se saiba do paradeiro do condenado, também não se pode remeter para o Arquivo um processo com uma coima de 125.000 € não extinta ainda que não se conheçam (por ora) bens penhoráveis ao condenado.
XXIV. Ao declarar que os presentes autos executivos - com 16 coimas parcelares não extintas - estão em condições para serem remetidos para o Arquivo, o Tribunal a quo violou o art. 142.º n.° 1 al. b) da LOSJ, aplicável por analogia ao caso dos autos nos termos do art. 10.°n.s 1 e 2 do Código Civil.
 
Nesta conformidade, deverão Vas. Exas. revogar a decisão judicial na parte de que ora se recorre, declarando que o arquivamento condicional não constitui uma causa extintiva da execução e que os autos não se encontram findos para efeitos de remessa para o Arquivo, e, determinar que os autos aguardem informação e apresentação de requerimento por parte do MP.

2.
O recurso foi regularmente admitido.

3.
Não foi apresentada resposta ao recurso.

4.
Nesta Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta lavrou Parecer acompanhando a argumentação recursiva apresentada pelo Ministério Público em 1.ª instância.

5.
Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP., não foi apresentada resposta.

6.
Colhidos os vistos realizou-se a conferência.

II.
O despacho recorrido é do seguinte teor:

CONCLUSÃO - 04-04-2018
Ref.ª 32081 :
Proceda-se à extração da certidão requerida pelo Ministério Público.
*
Mais requer o Ministério Público que os autos aguardem por três meses: (i) a informação que o Ministério Público irá prestar nos autos referente à averiguação de bens que irá efetuar nesse prazo; e (ii) a apresentação de requerimento de retoma da execução (caso logre identificar bens), ou, de requerimento de “reinício para efeitos de averiguação de bens por não conseguir obter, por meios próprios, a informação necessária para o efeito”.

Cumpre apreciar e decidir.

Os elementos factuais, de natureza processual, relevantes para a presente decisão são os seguintes:
- a presente ação executiva destina-se à cobrança de coima e custas;
- por inexistência de bens penhoráveis foi arquivada condicionalmente;
- em 20.03.2018, o Ministério Público promoveu que, decorrido um ano, se voltasse a averiguar da eventual existência de bens do executado ref.ª, 197852;
- por despacho de 21.03.2018 tal pedido foi decidido nos seguintes termos: "Em face do exposto, indefere-se o pedido de averiguação da eventual existência de bens da executada, decorrido um ano, devendo a ação executiva manter-se arquivada condicionalmente, sem prejuízo de ser renovada caso sejam indicados bens à penhora ou caso o Ministério Público requeira, de forma, fundamentada, o reinício para efeitos de averiguação de bens por não conseguir obter, por meios próprios, a informação necessária para o efeito" -
cf. Ref.ª 197995.

Vejamos.

Em primeiro lugar, as causas de extinção da coima não são equivalentes às causas de extinção da ação executiva destinada à sua cobrança. Efetivamente, não há nenhuma norma legal - não sendo o caso dos citados artigos 82.º, n.ºs 1 e 2 e 90.º, n.º 3, ambos do RGCO - que condicione a extinção da acção executiva à extinção da coima.
Em segundo lugar, concorda-se inteiramente com o Ministério Público no sentido de que não basta aplicar a coima, sendo igualmente essencial que seja cumprida e executada.
Contudo, nem a decisão que indeferiu o pedido de averiguação de bens decorrido um ano, nem a não remessa do processo para o arquivo impedem esse objetivo final.
Em terceiro lugar, o arquivamento condicional, tal como a extinção da acção executiva nos termos do artigo 750.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), põem fim à acção executiva, com a particularidade apenas da mesma poder ser reiniciada ou renovada, in casu, nas hipóteses indicadas no despacho com a ref.ª 197995. E quando tal se verificar o processo será recuperado do arquivo.
Assim, não se encontra nenhuma justificação para que, estando a acção executiva arquivada condicionalmente, a mesma se mantenha na Secção de processos.
Termos em que, se indefere o requerido.
Notifique.

III.
Apreciando.

O objecto do presente recurso, tal como é delimitado pelas conclusões da motivação- art. 412.º, n.º 1, do CPP- consiste em saber se a acção executiva para cobrança de coima e custas deverá ser arquivada condicionalmente, nos termos do art.º 35.º, n.º 7, do RCP., sem prejuízo de ser renovada caso o Ministério Público obtenha por meios próprios informações da existência de bens penhoráveis.

Artigo 35.º do Regulamento das Custas Processuais.
1– Não tendo sido possível obter-se o pagamento das custas, multas e outras quantias cobradas de acordo com os artigos anteriores, é entregue certidão da liquidação da conta de custas ao Ministério público, para efeitos executivos, quando se conclua pela existência de bens penhoráveis.
2– A certidão de liquidação, juntamente com a sentença transitada em julgado, constitui título executivo quanto à totalidade das quantias aí discriminadas.
3– Quando se trate de custas relativas a actos avulsos que não se venham, previsivelmente, a integrar em qualquer processo, é emitida pela secretaria certidão de liquidação autónoma, com força executiva própria, a qual serve de suporte à execução a instaurar pelo Ministério Público.
4– O Ministério Público apenas instaura a execução quando sejam conhecidos bens abstendo-se de a instaurar quando a dívida seja de montante inferior aos custos da actividade e às despesas prováveis da execução.
5– A execução instaurada pelo Ministério Público é uma execução especial que se rege pelo disposto no presente artigo e, subsidiariamente, pelas disposições previstas no Código de Processo Civil para a forma sumária do processo comum para pagamento de quantia certa.
6– Quando, estando em curso a execução, se verifique que o executado não possui mais bens penhoráveis e que os já penhorados não são suficientes para o pagamento das custas, o juiz, a requerimento do Ministério Público, dispensa o concurso de credores e manda proceder à imediata liquidação dos bens para serem pagas as custas.
7– Verificando-se que o executado não possui bens, é a execução imediatamente arquivada, sem prejuízo de ser retomada logo que sejam conhecidos bens seus.
8– Compete ao Ministério Público promover a execução por custas face a devedores sediados no estrangeiro, nos termos das disposições de direito comunitário aplicáveis, mediante a obtenção de título executivo europeu

As quantias a que o preceito se refere podem emergir de ação cível, processo penal ou contraordenacional, ação administrativa ou tributária.
Relativamente à competência para tramitar a acção executiva.
No que concerne à reforma global da acção executiva pode ver-se o Acórdão da Relação de Lisboa
De 15-12-2011, Relatora Maria Amélia Ameixoeira, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
(…) … o legislador, através do DL 38/2003, procedeu a uma reforma global da acção executiva, introduzindo as seguintes alterações legislativas, todas elas tendentes a atribuir aos juízos de execução a competência que anteriormente andava dispersa pelos diversos tribunais (de competência genérica, especializada ou específica) em matéria executiva:
a- Em alteração ao art. 96.º da LOFTJ, previu-se a possibilidade de criação de juízos de execução, de competência específica. Uma vez que, desde o início, era propósito confesso do legislador atribuir a estes competência executiva abrangente da anterior competência executiva dos vários tribunais de competência especializada e específica, cível ou penal (e mesmo dos tribunais de competência genérica, conforme referido na anterior alínea), o legislador adoptou aquela denominação, não os denominando juízos cíveis de execução, como teria, por certo, feito se tivesse pretendido cingir a sua competência à execução de títulos anteriormente da competência das varas cíveis, dos juízos cíveis e dos juízos de pequena instância cível.
b)- Aditando o art. 102.º-A à LOFTJ, preceituou que compete aos juízos de execução exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil. Entendeu o legislador, na prossecução do propósito confesso acima expresso, que não deveria estabelecer, quanto à competência dos juízos de execução, qualquer distinção no tocante à origem e natureza dos títulos executivos. Assim, desde que se trate de um processo executivo regulado, na sua tramitação, pelo Código de Processo Civil, as competências jurisdicionais previstas em tal Código no âmbito desse processo passam a incumbir ao juízo de execução (podendo o título executivo ser uma sentença condenatória proferida em processo civil ou penal, um título extrajudicial, a certidão de uma conta ou de uma liquidação de custas ou de multa aplicadas em processo de qualquer natureza, ou uma decisão que aplica uma coima).
c)- Em alteração ao art. 77.º-n.º1-c) da LOFTJ (Lei 3/99, de 13 de Janeiro), determinou que os tribunais de competência genérica teriam competência para exercer as competências previstas no CPC, no âmbito do processo de execução, mas apenas onde não houver juízos de execução. Daqui decorre que, caso seja criado um juízo de execução na respectiva circunscrição, o tribunal de competência genérica deixa de exercer as competência previstas no CPC em matéria executiva, mesmo para execução das suas próprias decisões, sejam elas proferidas no âmbito de uma acção cível ou de um processo de outra natureza. Note-se que o âmbito desta alínea abrange, claramente, toda a competência executiva, tramitada sob as fórmulas do Código de Processo Civil, independentemente da origem e da natureza do título executivo, e não apenas a competência executiva no âmbito de processos de natureza cível. Tal, para além de ser o propósito confesso do legislador, depreende-se do respectivo contexto, pois que a antecedente alínea a) do mesmo preceito abrange, outrossim, inequivocamente, toda a competência cível, penal e laboral do tribunal de competência genérica, com exclusão das matérias executivas reguladas, na sua tramitação, pelo Código de Processo Civil.
d)- Em alteração ao art. 103.º da LOFTJ, estabeleceu-se que nas circunscrições não abrangidas pela competência dos juízos de execução, os tribunais de competência especializada e de competência específica são competentes para exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil, quanto às decisões que hajam proferido. Trata-se de norma paralela à do art. 77.º-1-c) da LOFTJ, no tocante aos tribunais de competência genérica. Assim, desde que na respectiva circunscrição exista um juízo de execução, os tribunais de competência especializada (uma vez que o legislador não distingue, haverá que se concluir que este se refere a todos os previstos no art. 78.º: tribunais de instrução criminal, de família, de menores, do trabalho, de comércio, marítimos e de execução de penas) e os de competência específica (serão todos os previstos no art. 96.º: varas cíveis e criminais, juízos cíveis e criminais, juízos de pequena instância cível e criminal) deixarão de ser competentes para exercer, no âmbito do processo de execução (independentemente da origem e natureza do título executivo) as competências previstas no Código de Processo Civil. É totalmente improcedente qualquer tentativa de procurar limitar o âmbito do artigo 103.º da LOFTJ aos casos de execuções anteriormente da competência das varas cíveis, juízos cíveis e juízos de pequena instância cível, por forma a só essas passarem a ser da competência dos juízos de execução. Com efeito, tal preceito, na redacção anteriormente em vigor, regulava a competência executiva, em matéria de decisões judiciais, de todos os tribunais de competência especializada e específica, e não apenas a dos tribunais de competência específica cível. E, após a alteração decorrente da Lei 38/2003, o seu âmbito de aplicação é exactamente o mesmo, como claramente se depreende da respectiva letra. Qualquer outra interpretação esbarraria com dois obstáculos incontornáveis: se o actual art. 103.º da LOFTJ, ao contrário da anterior redacção, somente pretendesse regular os casos da competência executiva das varas cíveis, dos juízos cíveis e dos juízos de pequena instância cível quanto à execução das respectivas decisões, atribuindo-a aos juízos de execução, então passaria a LOFTJ a conter, nessa área, uma lacuna enorme, em matéria de competência executiva relativa a todos os outros tribunais de competência específica e de competência especializada, o que seria de todo indefensável; por outro lado, se a ratio do preceito fosse apenas a de atribuir aos juízos de execução a competência executiva anterior de alguns tribunais de competência específica (varas, juízos e juízos de pequena instância cível), como se compreenderia o facto de, nesse mesmo preceito, se fazer alusão expressa aos tribunais de competência especializada? Seria uma incongruência legislativa inadmissível!!!... Não pode, pois, ser outra a interpretação a extrair deste preceito: todas as execuções de decisões judiciais, com tramitação regulada pelo Código de Processo Civil, que seriam da competência de qualquer tribunal de competência especializada ou específica, seja ele qual for, passam a ser da competência do juízo de execução, desde que este exista na circunscrição respectiva (à semelhança do estabelecido para o tribunal de competência genérica).
e)- Em alteração ao art. 90.º-n.º 3 do CPC, estabeleceu-se que a execução que se funde em decisão proferida por tribunais portugueses só fica a ser da competência do tribunal que a proferiu nas comarcas em que não haja tribunal com competência executiva específica (isto é, juízo de execução), caso em que a execução correrá por apenso ao processo em que a decisão foi proferida – alínea b). Caso contrário, a execução não correrá por apenso a tal processo, sendo o mesmo da competência do juízo de execução (art. 102.º-A da LOFTJ), correndo termos «no traslado» (isto é, sendo instruída com certidão das peças pertinentes do processo em que foi proferida a decisão). Assim se harmonizou tal preceito com o disposto nos arts. 77.º-1-c), 102.º-A e 103.º da LOFTJ.
f)- Em alteração ao art. 92.º do CPC, estabeleceu-se que para a execução por custas, multas ou pelas indemnizações referidas no art. 456.º e preceitos análogos é competente o tribunal do lugar em que haja corrido o processo em que tenha tido lugar a notificação da respectiva conta ou liquidação, observando-se o n.º 3 do art. 90.º. Assim, tais execuções, caso não exista na circunscrição juízo de execução, correrão por apenso ao processo em que teve lugar a notificação da conta ou liquidação. Caso exista juízo de execução, passarão a ser da competência deste (art. 102.º-A da LOFTJ), correndo termos «no traslado» (isto é, sendo instruídas com certidão das peças pertinentes do processo respectivo, designadamente certidão da conta ou liquidação). Assim se harmonizou tal artigo com os arts. 77.º-1-c), 102.º-A e 103.º da LOFTJ. Por outro lado, com a alteração a tal artigo, deverá ter-se por derrogado o n.º 1 do art. 117.º do Código das Custas Judiciais, o qual apenas se manterá em vigor para o caso das comarcas em que não exista juízo de execução. Existindo este, a regra a aplicar será a decorrente do art. 92.º do CPC, com remissão para o art. 90.º-n.º 3 do mesmo Código.
Em face do novo regime legal, decorrente da reforma global da acção executiva, e conforme propósito expresso previamente publicitado pelo legislador, os juízos de execução passaram a abranger a anterior competência executiva dos diversos tribunais, fossem de competência genérica, de competência especializada ou de competência específica, apenas se excluindo dessa regra os casos excepcionais expressamente consagrados na LOFTJ.
O quadro legal, nessa matéria, passou, em síntese, a ser o seguinte, no tocante a circunscrições em que existam juízos de execução instalados (caso, presentemente, da comarca de Lisboa):
1) As execuções fundadas em decisão judicial, que anteriormente eram da competência do tribunal que as havia proferido, e que corriam por apenso ao respectivo processo, passam, em regra, a ser da competência dos juízos de execução, por força do disposto no art. 102.º-A e 103.º da LOFTJ. Assim, as sentenças condenatórias proferidas pelos diversos tribunais de competência especializada (e.g., Tribunal Marítimo, Tribunal do Comércio), e de competência específica (varas, juízos e juízos de pequena instância cível e criminal), cuja execução siga a tramitação consignada no Código de Processo Civil, passam a ser da competência dos juízos de execução, correndo «no traslado» (art. 90.º-3 do CPC), isto é, sendo instruídas com certidão das peças pertinentes do processo em que a decisão foi proferida. Assim, quer as execuções de sentenças proferidas em processos declarativos de natureza cível, quer as de sentenças proferidas em acção cível enxertada em processo penal, que seguem a tramitação do processo comum de execução regulado no Código de Processo Civil, passam a correr termos nos juízos de execução.
2) As execuções por custas, multas processuais e indemnizações referidas no art. 456.º do CPC e preceitos análogos, que seguem a forma do processo comum de execução regulado no Código de Processo Civil, e que anteriormente corriam por apenso ao processo onde havia sido notificada a conta ou a liquidação, passam a ser da competência dos juízos de execução (regra geral decorrente do art. 102.º-A da LOFTJ), independentemente do tribunal ou do processo em que tal notificação teve lugar, correndo termos «no traslado» (arts. 92.º e 90.º-n.º 3 do CPC). Assim, quaisquer custas ou multas processuais aplicadas e notificadas nos processos em curso nos tribunais de competência especializada (de Instrução Criminal, de Família, de Menores, do Trabalho, de Comércio, Marítimo e de Execução de Penas) ou específica (Varas, Juízos e Juízos de Pequena Instância Cível e Criminal), passam a ser executadas nos juízos de execução, sendo as execuções respectivas instruídas com certidão das peças pertinentes do processo em que as custas e multas foram aplicadas e notificadas ao devedor (assim se considerando derrogado o disposto no art. 117.º-n.º1 do CCJ pelo disposto nos arts. 102.º-A da LOFTJ e 92.º e 90.º-3 do CPC no tocante às circunscrições em que existam juízos de execução instalados, embora mantendo-se em vigor quanto às circunscrições restantes).
3) As execuções patrimoniais de multas criminais, que seguem a tramitação do processo comum de execução previsto no Código de Processo Civil, à semelhança das execuções por custas (para cuja tramitação o CPP remete), e que eram anteriormente instauradas por apenso aos processos penais respectivos, passam, por força da regra geral decorrente do art. 102.º-A da LOFTJ, a ser da competência dos juízos de execução, correndo termos «no traslado», por aplicação conjugada do disposto nos arts. n.ºs 491.º-n.ºs 1 e 2 do CPP e 92.º e 90.º-n.º3 do CPC.

4) As execuções por coimas, que anteriormente incumbiam ao tribunal que seria competente para apreciar o recurso da decisão da autoridade administrativa que as aplicou, e que, por força do disposto no art.º 89.º-n.º 2 do DL 433/82, do art.º 491.º-n.ºs 1 e 2 do CPP e do art.º 117.º-n.º1 do CCJ, seguem os termos do processo comum de execução regulado no Código de Processo Civil, passam, por força da regra geral decorrente do art.º 102.º-A da LOFTJ, a ser da competência dos juízos de execução. Tendo sido propósito confesso e inequívoco do legislador o de, através do DL 38/2003, proceder à reforma global do regime da acção executiva, designadamente em matéria de competência, a regra decorrente do art.89.º-n.º 1 do DL 433/82 deverá considerar-se implicitamente derrogada pelo disposto no art.º 102.º-A da LOFTJ, no tocante a circunscrições em que esteja instalado juízo de execução, mantendo-se apenas em vigor no tocante às restantes circunscrições em que tais juízos de execução se não encontrem em funcionamento. Não faria, na verdade, qualquer sentido o legislador estar a retirar aos tribunais competentes para apreciar o recurso das decisões das autoridades administrativas a competência executiva quanto às suas próprias decisões e em matéria de custas, multas processuais, indemnizações e multas criminais, e a mantê-la em matéria de execução por coimas, execução esta que segue, exactamente, a tramitação processual civil prevista para todas aquelas outras execuções. A intenção inequívoca do legislador foi a de retirar a tais tribunais, sempre que exista juízo de execução, toda a competência executiva no tocante às execuções cuja tramitação vem regulada no Código de Processo Civil, deixando aos mesmos a tarefa predominante e bem mais complexa de «declarar o direito» no âmbito das acções cíveis e penais.
Quanto ao regime legal aplicável.

Segundo o Acórdão da Relação de Lisboa de 28-01-2015, no processo n.º 1724/14.0TFLSB.L1-3:
 “IAs execuções por multa, coima e custas regem-se pelo disposto no Código de Processo Civil e pelo Regulamento das Custas Processuais (art. 510º, do CPP e 89º, do RGCO).  IIO art. 35º, nº4, do Regulamento das Custas Processuais, ao determinar que «O Ministério Público apenas instaura a execução quando sejam conhecidos bens penhoráveis do devedor que se afigurem suficientes face ao valor da execução, abstendo-se de a instaurar quando a dívida seja de montante inferior aos custos da atividade e às despesas prováveis da execução», consagra na 2ª parte do preceito, uma condição de ação executiva, na medida em que estabelece um juízo de ponderação normativo para a instauração da execução, ou seja, o interesse processual, consubstanciado na circunstância do demandante ter razão para solicitar e conseguir a tutela judicial pretendida. III A condição de ação prevista no citado normativo (art. 35º, nº4, 2ª parte do RCP), abstendo-se de a instaurar quando a dívida seja de montante inferior aos custos da atividade e às despesas prováveis da execução», mais não significa que o legislador entendeu que se deve fazer um juízo de ponderação, em cada caso concreto, entre as vantagens para o Estado Português em intentar uma execução e os custos financeiros para o Estado, considerando o montante da quantia exequenda, uma vez que estamos no domínio de uma execução instaurada pelo Ministério Público, proveniente de multas, coimas e custas, que revertem a favor do Estado, e não de um particular. IV Esse juízo de ponderação normativo consiste em que a execução só deve ser instaurada se o montante da dívida exequenda for superior aos custos da atividade e às despesas prováveis da execução. Caso contrário, se o juízo de ponderação for no sentido de que o montante da dívida exequenda é inferior ao montante dos custos da atividade e às despesas prováveis da execução, não há lugar à instauração da execução. V A falta de interesse processual ou de interesse em agir constitui uma exceção dilatória inominada, do conhecimento oficioso, que dá lugar à absolvição da instância (arts. 576º, nº2 e 578º, do CPC), que constitui causa de indeferimento liminar do requerimento executivo, ao abrigo do disposto no art. 726º, nº 2, al. b), do CPC. VIAs circulares são normas jurídicas emanadas pela administração através das quais se define a padronização de condutas e regras, tendo uma função uniformizadora, destinando-se aos interesses de cada setor, ou seja, tratam-se de regulamentos internos. VIA Circular da P.G.R. n.º9/2006, datada de 28/12/2006, é um regulamente interno, não constitui fonte de direito, porquanto não consta da identificação taxativa constante do art. 112º, nº1, da CRP, dos atos legislativos, tem por finalidade a interpretação de determinadas normas, ou, mais amplamente a determinação do sentido em que deve ser entendido e aplicado o Direito a certo tipo de casos ou situações, e produz os seus efeitos jurídicos unicamente no interior da esfera jurídica da pessoa coletiva pública de que emana, no caso os Magistrados do Ministério Público. VII O Regulamento das Custas Processuais constitui um regulamento complementar, destinado assegurar a execução de uma lei substantiva, na medida em dá execução ao Decreto-Lei que o aprovou, e estatuindo no art 35º, nº4, 2º parte, a condição de instauração da ação executiva. VIII– O Ministério Público tem autonomia para instaurar a execução, mas está vinculado ao juízo ponderativo do art. 35º, nº4, 2ª, parte do Regulamento das Custas Processuais «deve abster-se quanto a dívida exequenda seja de montante inferior aos custos e despesas prováveis da execução».

Já quanto à extinção da acção executiva pontua o artigo 750.º do CPC:

1 Se não forem encontrados bens penhoráveis no prazo de três meses a contar da notificação prevista no n.º 1 do artigo 748.º, o agente de execução notifica o exequente para especificar quais os bens que pretende ver penhorados na execução; simultaneamente, é notificado o executado para indicar bens à penhora, com a cominação de que a omissão ou falsa declaração importa a sua sujeição a sanção pecuniária compulsória, no montante de 5 % da dívida ao mês, com o limite mínimo global de 10 UC, se ocorrer ulterior renovação da instância executiva e aí se apurar a existência de bens penhoráveis.
2 Se nem o exequente nem o executado indicarem bens penhoráveis no prazo de 10 dias, extingue-se sem mais a execução.
3 No caso previsto no n.º 1, quando a execução tenha início com dispensa de citação prévia, o executado é citado; se o exequente não indicar bens penhoráveis, tendo-se frustrado a citação pessoal do executado, não há lugar à sua citação edital deste e extingue-se a execução nos termos do número anterior.
                                  
Revertendo ao caso concreto:
Por decisão de 05/10/2015, proferida no Processo de Contra-Ordenação n.º 64/12/CO, o Banco de Portugal condenou L.M. , pela prática de 16 (dezasseis) contra-ordenações, numa coima única de 125.000 € (cento e vinte cinco mil euros), numa sanção acessória e no pagamento de custas processuais no valor de 1.125,40 € (mil cento e vinte cinco euros e quarenta cêntimos), cfr. fls. 124-127.

Não tendo sido possível notificar L.M. na morada constante do registo especial do Banco de Portugal e tendo sido frustradas as diligências efectuadas com vista a determinar o paradeiro do mesmo, este foi notificado nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 217. ° do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RG1CSF), ou seja, por anúncio publicado em jornal (cfr. fls. 128).

A decisão condenatória do Banco de Portugal tornou-se definitiva no dia 12/01/2016 (cfr. 129).

O condenado L.M. não efectuou o pagamento da coima única e das custas processuais, motivo pelo qual o Ministério Público (MP) intentou a presente acção executiva em 05/05/2016, no valor de 126.125.40 € (cfr. fls. 1-A).

Não obstante as diversas diligências encetadas não se logrou identificar quaisquer bens ao condenado/executado, sendo que este é de nacionalidade brasileira.

Em 09/02/2017, o MP promoveu que: (i) se procedesse ao arquivamento condicional dos autos, nos termos do n.º 7 do art.º 35.° do RCP; e, (ii) decorrido um ano, se averiguasse da eventual existência de bens do executado (cfr. fls. 211).

Por despacho de 13/02/2017, a referida promoção foi integralmente deferida (cfr.  fls. 212).

Em Março/2018, a secretaria (serviços judiciais) efectuou pesquisas com vista à identificação de bens do executado, as quais resultaram infrutíferas.

Em 20/03/2018, o MP promoveu que, decorrido um ano. se voltasse a averiguar da eventual existência de bens do executado (cfr. referência n.º 197852 do Citius).

E, fez consignar nessa mesma promoção que "a decisão administrativa que aplicou as coimas parcelares e única tornou-se definitiva em 12/01/2016, e, que o prazo prescricional das coimas parcelares é de 5 anos (cfr. art.º 99.º do RJSPME. e. art.º 209.º n.º 3 do RGICSF)".

Por despacho de 21/03/2018, a Mma. Juiz indeferiu "o pedido de averiguação da eventual existência de bens da[o] executada[o], decorrido um ano", declarando que embora reconhecesse "que não tem sido este o procedimento adotado até ao momento, tendo-se admitido em ações executivas anteriores, como sucede neste caso, que se procedesse nos termos requeridos pelo Ministério Público", tinha efectuado uma "melhor ponderação do regime legal" e concluído "que o pedido formulado pelo Ministério Público não tem fundamento legal".

Com efeito, a Mma. Juiz passou a adoptar o entendimento que "o que se retira do artigo 35.º, n.º 7, do RCP, é que qualquer eventual averiguação de bens deve ser efetuada pelo exequente, in casu, pelo Ministério Público, quer fora da ação executiva, uma vez que esta apenas pode ser retomada se forem conhecidos bens, quer fora do próprio recurso de contraordenação, nos casos em que houve recurso de contraordenação e a ação executiva é instaurada por apenso ao mesmo. Conclui-se nestes termos, porquanto o artigo 35.º, n.º 7, do RCP, ao contrário do artigo 35.º, n.º 1, do RCP. não pressupõe implicitamente qualquer averiguação prévia de bens" (ref.a n.º 197995 do Citius).

Em face de tal recente posição da Mma. Juiz. o MP requereu:
1) a extracção e entrega de cópias dos autos para instruir Processo Administrativo de Acompanhamento com vista à averiguação periódica de bens do condenado/executado;
2) que os presentes autos executivos aguardassem por três meses: (i) a informação que o MP irá prestar nos autos referente à averiguação de bens que irá efectuar nesse prazo; e, (ii) a apresentação de requerimento de retoma da execução (caso logre identificar bens), ou, de requerimento de "reinício para efeitos de averiguação de bens por não conseguir obter, por meios próprios, a informação necessária para o efeito" - cfr. requerimento de fls. 219-223, com a ref.a 32081 de 28/03/2018.
No ponto 12 desse requerimento, o MP fez constar que a "recente posição da Mma. Juiz ainda que tenha apoio doutrinal, leva à necessidade de o Ministério Público instaurar um processo administrativo de acompanhamento da acção executiva sempre que ocorra um arquivamento nos termos do art.º 35.° n.º 7 do RCP, e, portanto a uma duplicação de processos dentro da mesma secretaria judicial (um nos serviços judiciais e outro nos serviços do Ministério Público), sem quaisquer ganhos funcionais ou mesmo estatísticos, pois que -constituindo o arquivamento condicional da acção executiva previsto no RCP uma figura atípica de suspensão da execução (e não uma forma de extinção da execução), e, estando em causa coimas não pagas e não prescritas -, nunca a acção executiva poderá ingressar no arquivo" (fls. 221).
Por despacho de 04/04/2018, a Mma. Juiz deferiu a extracção e entrega de cópias, mas indeferiu que os autos aguardassem por três meses informação e apresentação de requerimento por parte do Ministério Publico, considerando que "o arquivamento condicional [previsto no art.º 35.° n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais], tal como a extinção da ação executiva nos termos do artigo 750. °, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), põem fim à ação executiva11 e que os autos estão em condições para serem remetidos para o arquivo (ref.a n.º 198842 do Citius).

Vejamos.

A execução instaurada pelo Ministério Público é uma execução especial que se rege pelo disposto no artigo 35.º do RCP, e, subsidiariamente, pelas disposições previstas no Código de Processo Civil para a forma sumária do processo comum para pagamento de quantia certa (artigo 35.º, n.º 5, do RCP).

O Ministério Público, não questiona a aplicação do regime legal aplicado pela Ex.ma Juiz “a quo” apenas pondo em causa a nova posição adoptada pela Ex.ma Juiz que, seguindo a doutrina de Salvador da Costa in “Regulamento das Custas Processuais Anotado”, 2012, p. 468/469, ponto 7, interpreta o art.º 35.º, n.º 7, do RCP, no sentido de que qualquer averiguação de bens deve ser efectuada pelo exequente, no caso o Ministério Público, quer fora da acção executiva, uma vez que esta apenas pode ser retomada se forem conhecidos bens, quer fora do próprio recurso de contra-ordenação, nos casos em que houve recurso de contra-ordenação e a acção executiva é instaurada por apenso ao mesmo.

Defendendo que: o arquivamento condicional da acção executiva previsto no Regulamento das Custas Processuais (RCP) constitui uma figura atípica de suspensão da execução (e não uma forma de extinção da execução) e, estando em causa coimas não pagas e não prescritas - nunca a ação executiva poderá ingressar no arquivo; não basta aplicar a coima, é imperioso que seja cumprida; nos casos de arquivamento condicional da ação executiva por coima, a instancia só poderá ser extinta com a extinção da coima, seja por prescrição, por morte do arguido/executado, por amnistia, por perdão genérico, por indulto, ou, por caducidade da coima com o trânsito em julgado de sentença condenatória ou despacho de arquivamento proferidos em processo penal incompatíveis com a subsistência da coima (cf. artigos 82.º, n.º 1 e n.º 2 e 90.º, n.º 3, ambos do Regime Geral das Contraordenações - RGCO) e só em face da extinção da coima é que se poderá declarar extinta a instancia executiva por inutilidade superveniente.

A Ex.ma Juiz “a quo” entendeu que o escopo do Ministério Público é que o processo não seja remetido para o arquivo e apresenta três argumentos para refutar a posição do mesmo no sentido de que a tal obstam os artsº 82.º, n.º 1 e n.º 2 e 90.º, n.º 3, ambos do Regime Geral das Contraordenações – RGCO.

Em primeiro lugar, as causas de extinção da coima não são equivalentes às causas de extinção da ação executiva destinada à sua cobrança. Efetivamente, não há nenhuma norma legal - não sendo o caso dos citados artigos 82.º, n.ºs 1 e 2 e 90.º, n.º 3, ambos do RGCO - que condicione a extinção da acção executiva à extinção da coima.

Em segundo lugar, concorda-se inteiramente com o Ministério Público no sentido de que não basta aplicar a coima, sendo igualmente essencial que seja cumprida e executada.

Contudo, nem a decisão que indeferiu o pedido de averiguação de bens decorrido um ano, nem a não remessa do processo para o arquivo impedem esse objetivo final.

Em terceiro lugar, o arquivamento condicional, tal como a extinção da acção executiva nos termos do artigo 750.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), põem fim à acção executiva, com a particularidade apenas da mesma poder ser reiniciada ou renovada, in casu, nas hipóteses indicadas no despacho com a ref.ª 197995. E quando tal se verificar o processo será recuperado do arquivo.

Assim, não se encontra nenhuma justificação para que, estando a acção executiva arquivada condicionalmente, a mesma se mantenha na Secção de processos.

Concorda-se inteiramente com a Ex.ma Juiz “a quo” uma vez que, na verdade, as causas de extinção da coima não são equivalentes às causas de extinção da acção executiva (art.º 849.º, do CPC) destinada à sua cobrança. Efetivamente, não há nenhuma norma legal - não sendo o caso dos citados artigos 82.º, n.ºs 1 e 2 e 90.º, n.º 3, ambos do RGCO - que condicione a extinção da acção executiva à extinção da coima. (E neste caso inexiste condenação em processo criminal, pelos mesmos factos que implique a aplicação dos arts.º 82.º ns.º 1 e 2 e 90.º, n.º 3, do RGCO).

E a remessa para o arquivo não impede que a coima seja executada, pois, o arquivamento condicional, nos termos do n.º 7 do art.º 35.º do RCP, tal como a extinção da acção executiva nos termos do artigo 750.º, n.º 2, do CPC, põem fim à acção executiva, com a particularidade apenas da mesma poder ser reiniciada ou renovada se forem conhecidos bens após averiguações do exequente neste caso do Ministério Público.

Não se mostra violada qualquer norma legal, concretamente as invocadas pelo Ministério Público, pelo que o recurso é improcedente.

DECISÃO.
Por todo o exposto, acordam os juízes em, negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar o despacho recorrido.
Sem custas.


                                                                                            Lisboa,09-10-2018.



Ana Sebastião
Simões de Carvalho