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TJUE
ORGANIZAÇÃO DO TEMPO DE TRABALHO
INTERPRETAÇÃO
VINCULAÇÃO DO JUIZ NACIONAL
DIRETIVA DO CONSELHO DA EUROPA
DIRETIVA DO PARLAMENTO EUROPEU
DIRETIVAS DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO DA EUROPA
Sumário
I - Em conformidade com o entendimento do Tribunal de Justiça da União Europeia (Segunda Secção), em acórdão de 09.11.2017: “O artigo 5º da Directiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de Novembro de 1993, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, conforme alterada pela Directiva 2000/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Junho de 2000, bem como o artigo 5º, primeiro parágrafo, da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, devem ser interpretados no sentido de que não exigem que o período mínimo de descanso semanal ininterrupto de vinte e quatro horas a que o trabalhador tem direito seja concedido, o mais tardar, ao dia subsequente a um período de seis dias de trabalho consecutivos, mas impõem que esse período seja concedido em cada período de sete dias”. II - Tendo sido já suscitada, no âmbito de recurso igualmente pendente a intervenção do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre qual deve ser, à luz de Diretivas comunitárias, a interpretação de determinada norma nacional, assumindo tal pronúncia relevância efetiva para a decisão noutro processo na qual foi suscitada a mesma questão perante aquele Tribunal, por estar precisamente em causa a aplicação da mesma norma, o juiz nacional está vinculado ao entendimento que venha a ser afirmado pelo TJUE.
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
1. B… instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra C…, S.A, pedindo a condenação desta:
a) A reconhecer que, nos termos expostos, elaborou as escalas de horário de trabalho por turnos sem garantir que o Autor pudesse gozar o descanso dentro dos 6 dias de trabalho consecutivo de 2004 até 2010 e a partir daí sem ter o segundo dia consecutivo de descanso.
b) A indemnizar e a compensar o Autor pelos 7ºs dias consecutivos que teve de trabalhar, bem como pelos dias de descanso compensatório em falta, nos termos reclamados.
c) A indemnizar e a compensar o Autor pela falta do segundo dia de descanso semanal, bem como pelos dias de descanso compensatório em falta, nos termos reclamados;
d) bem como nos juros legais, custas e procuradoria.
Para tanto alegou, em síntese: ter sido admitido pela Ré, em 1997, estando classificado com a categoria profissional de caixa fixo do jogo de máquinas; possuir e explorar a Ré a zona do jogo e casino C1…, estando o trabalho organizado por turnos rotativos, em equipa, em que os trabalhadores ocupam sucessivamente os mesmos postos de trabalho a um ritmo pré-determinado, rodando os trabalhadores entre os quatro horários existentes de acordo com o horário pré-determinado e publicitado pela Ré; só em 2010 a Ré passou a elaborar as escalas de rotação de forma a não haver 7 dias de trabalho consecutivo, mas ainda assim, a partir daquela altura, em cada 14 semanas de escalas, em duas os trabalhadores só folgam um dia; até lá, a Ré obrigou os trabalhadores a trabalharem 7 dias consecutivos e a terem apenas um dia de descanso, pelo que os dias em que teve de trabalhar quando devia estar a descansar devem ser remunerados como trabalho suplementar.
1.1 Frustrada a tentativa de conciliação levada a efeito na audiência de partes, apresentou-se a Ré a contestar, pugnando pela improcedência da acção.
Mais uma vez em síntese, sustenta a Ré: que a organização dos horários de trabalho dos colaboradores que exercem funções nas salas de jogos tem vindo a manter, ao longo de várias décadas, o regime de turnos rotativos e pelo menos, desde 1988, integrando dois dias de descanso seguidos rotativos, motivo pelo qual acordou pagar mensalmente aos colaboradores sujeitos a tal regime um subsídio de turno; uma vez que o serviço da sala de jogos encerra diariamente por um período de tempo, nunca foram fixados horários de trabalho em regime de horário de laboração contínua para os colaboradores que exercem funções naquelas, designadamente ao Autor; sempre cumpriu os formalismos legais prévios à implementação de qualquer horário de trabalho, nunca tendo a comissão de trabalhadores levantado qualquer questão sobre o assunto em análise, nem os próprios visados; nem as normas comunitárias, nem as normas nacionais invocadas pelo Autor estabelecem qualquer limitação de número de dias de trabalho seguidos, mas antes o direito a um descanso em cada período de 7 dias; também o AE que vincula as partes apenas define o quantum dos dias de descanso – dois – e a sequência dos mesmos – seguidos –, e a regra de terem de coincidir periodicamente com o sábado e/ou o domingo se forem rotativos; nos autos apenas está em causa o momento de gozo dos dias de descanso e não dias de trabalho realizado a mais pelo Autor, pelo que, mesmo que a sua tese (da Ré) não tenha vencimento, a ação não poderá proceder uma vez que aquele sempre gozou o número de descansos anuais a que tinha direito, não tendo trabalhado mais dias do que aqueles a que estava obrigado, pelo que não prestou trabalho suplementar.
1.3 Respondeu o Autor, mantendo a sua posição.
1.4 Foi proferido despacho saneador, afirmando-se a validade e regularidade da instância, tendo sido dispensada a organização da matéria de facto com vista à prova a produzir em julgamento.
Foi ainda atribuído à acção o valor de €43.520,00.
1.5 Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida decisão sobre a matéria de facto.
1.6 Conclusos os autos em 12 de abril de 2016, foi proferida decisão, em 13 de Junho de 2016, com o seguinte teor:
“Pelo exposto, decide-se suspender a instância nos termos supra referidos até que Tribunal de Justiça da União Europeia responda às seguintes questões:
1ª) À luz dos arts. 5º da Directiva 93/104/CE do Conselho de 23 de Novembro de 1993, e da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 4/11/2003, bem assim como do art. 31º/e da Carta dos Direitos Fundamentais da UE, no caso de trabalhadores a trabalhar por turnos e com folgas rotativas, em estabelecimento que labora em todos os dias da semana mas que não labora continuamente nas 24 horas diárias, o dia de descanso obrigatório a que o trabalhador tem direito deve ser necessariamente concedido em cada período de sete dias, ou seja, pelo menos no sétimo dia subsequente a seis dias de trabalho consecutivo?
2ª) É ou não conforme com essas Directivas e normativos, a interpretação de que em relação a esses trabalhadores o empregador é livre de escolher os dias em que concede ao trabalhador, em cada semana, os descansos a que este tem direito, podendo o trabalhador ser obrigado, sem remuneração de trabalho suplementar, a prestar até dez dias de trabalho consecutivos?
3ª) É ou não conforme com essas Directivas e normativos, uma interpretação no sentido de que o período de 24 horas de descanso ininterrupto pode ocorrer em qualquer dos dias de calendário de um determinado período de sete dias de calendário e o período de 24 horas de descanso ininterrupto (às quais se adicionam as 11 horas de descanso diário) subsequente pode igualmente ocorrer em qualquer dos dias de calendário do período de sete dias de calendário imediatamente subsequente ao anterior?
Remeta-se certidão deste despacho ao Tribunal de Justiça da União Europeia, procedendo-se à identificação completa das partes e dos seus mandatários, e solicitando-se a resolução das questões prejudiciais que acima se colocaram; remeta igualmente certidão dos articulados.”
1.7 Após insistências junto do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) foi junto aos autos ofício oriundo daquele Tribunal dando conhecimento de que a instância se encontrava suspensa até que fosse proferida decisão “no processo idêntico C-306/16 (D… contra C…, SA) apresentado pelo Tribunal da Relação do Porto, Processo nº 1282/15.9T8MTS.P1.”
1.8 Acompanhada de ofício oriundo do TJUE deu entrada nos autos cópia do acórdão proferido em 9 de novembro de 2017 no processo mencionado em 1.7.
1.9 No seguimento, com data de 22 de novembro de 2017, foi proferido o seguinte despacho:
“As questões prejudiciais colocadas nestes autos são em tudo idênticas às questões sobre que se debruçou já o Tribunal de Justiça da União Europeia no acórdão que antecede, referente a processo declarativo comum em tudo idêntico aos dos presentes autos e em que também é ré a aqui ré.
Como tal, perante a posição já assumida por aquele Tribunal Europeu quanto à interpretação a dar ao art. 5º da Directiva 93/104/CE, torna-se inútil o prosseguimento do reenvio prejudicial suscitado por este Tribunal.
Como tal, determino que se informe o Tribunal Europeu que este Tribunal deixou de manter interesse na apreciação do reenvio por se considerar ter sido já dada resposta às questões prejudiciais suscitadas.
Notifique as partes do acórdão que antecede e do presente despacho.
Após, remeta os autos à M.ma Juiz que presidiu à audiência de julgamento e iniciou a elaboração da sentença (art. 605º, n.º 4, do Código de Processo Civil).”
1.10 Cumprido o referido despacho, após pronúncia do Autor, veio a ser proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Pelo exposto, julga-se a presente acção improcedente e consequentemente absolve-se a ré C…, S.A., de todos os pedidos formulados.
Sem custas atenta a isenção legal de que beneficia o autor (art. 4º, al. h) do Regulamento das Custas Processuais).
Notifique e registe.”
2. Não se conformando com o assim decidido, apelou o Autor, formulando no final das suas alegações as conclusões que se seguem:
“1ª – Tendo sido alegado no número 22 e 23 da p.i. a interpretação factual dos documentos de fls. 17 e 18 (cujo teor foi dado como provado em 7) dos factos provados, devia ter-se referido expressamente tais factos como provados
2ª – O facto 27) não pode ser dado como provado porque a) Não é credível que em 2015 as testemunhas se lembrem de factos ocorridos há mais de 5 anos, tanto assim que não atribuem a ninguém em concreto e identificada, quaisquer palavras, propostas ou sugestões; b) Sendo as reuniões facultativas e realizadas fora do horário de trabalho, obviamente que não se recordam de quem esteve presente; c) a discussão limitava-se a procurar equidade entre os dias de trabalho diurno (das 14h00/15h00 até às 21h00/22h00 – ver mapas de horário) e de trabalho nocturno (das 21h00/22h00 até às 04h00/05h00); d) o autor foi contínuo/porteiro, logo não pertenceu sempre ao quadro dos caixas fixos; d) A “prática da ré” é tão só o cumprimento da lei (nº 2 do art. 173º CT/2003 e nº 2 do art. 217º do CT/2009) pelo que é exagerado qualificar o cumprimento da lei como sendo uma prática patronal; e) o tribunal a quo excedeu em muito o que resulta dos autos e dos depoimentos.
3ª – Deve ser eliminado o facto dado como provado com o nº 30) porque não foi dada justificação ou fundamentação para este facto. Sendo certo que não houve debate sobre esta questão pela simples razão de que o Acordo de Empresa não separa os dias de descanso em obrigatório e complementar. E no AE na cláusula 36ª, com a epígrafe de «descanso semanal», os dois dias de descanso semanal são tratados em igualdade. Os dois dias de descanso semanal são iguais e ambos obrigatórios. Acresce que é facto notório e da experiência comum da generalidade de quem trabalha que o 1º dia de descanso (sábado) é descanso complementar e só o 2º dia (domingo) é descanso obrigatório. Não havendo justificação para inversão neste casino.
4ª – O facto 31) deve ser considerado não provado porque, para além de não existir o conceito de colaborador no direito de trabalho, nenhuma testemunha referiu que a hipótese de folgas fixas alguma vez tenha sido discutida ou equacionada na sala de jogos de máquinas. Não foi feito qualquer inquérito aos trabalhadores para se pronunciarem se pretendiam o gozo de folgas fixas e todas as testemunhas inquiridas só praticaram horários de turnos rotativos com folgas rotativas - pelo que não se pode dar como provado que nunca pretenderam o gozo de folgas fixas.
5ª – A sentença e os últimos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto estão incorrectos porque a posição correcta na interpretação da lei portuguesa vigente é o Acórdão da Relação do Porto de 2016 (relator António José Ascensão Ramos)
6ª – Depois de publicado este acórdão interpretativo do TJUE foi publicado um exaustivo e convincente estudo de 50 páginas, que faz uma análise crítica ao acórdão pela Prof. Catarina de Oliveira Carvalho, intitulado “Trabalho por turnos e descanso semanal: novos contributos para velhas questões” (in Prontuário de Direito do Trabalho, II, 2017, pgs. 315-365) onde termina com 8 conclusões.
7ª – A Directiva 2003/88/CE não impede que uma regulamentação nacional garanta ao trabalhador um período mínimo de descanso, o mais tardar, no sétimo dia subsequente aos seis dias consecutivos de trabalho, por força do respectivo art. 15.º que autoriza os Estados membros a introduzir disposições mais favoráveis à protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores, resultado interpretativo que consideramos adoptado pelo legislador português por várias ordens de motivos.
8ª – A decisão do TJUE não obriga os tribunais a aplicar a decisão, salvaguardando expressamente a legislação nacional mais favorável aos trabalhadores dizendo, nos nºs 48 e 49 cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, e em que medida, a regulamentação nacional aplicável no processo principal prevê essa proteção mais alargada.
9ª – A interpretação do art. 221.º, n.º 5, no sentido de que o descanso tem de ser assegurado o mais tardar no sétimo dia subsequente aos seis dias consecutivos de trabalho é imposta pelas Convenções da OIT em matéria de descanso semanal ratificadas por Portugal, tal como tem sido afirmado pela Comissão de Especialistas na Aplicação de Convenções e Recomendações. Tendo em conta que se trata de verdadeiros tratados internacionais que apresentam um valor superior ao da lei ordinária, cabe ao aplicador do direito realizar uma interpretação dos normativos do CT em conformidade com os mesmos.
10ª – Tal resultado interpretativo decorre igualmente da interpretação conforme à CRP e da observância dos critérios hermenêuticos do art. 9.º do CC.: é o que encontra maior apoio na letra da lei e o que resulta da análise dos elementos teleológico, sistemático e histórico (evolução histórica do instituto).
11ª – As CCT só podem afastar o regime constante do art. 221.º, n.º 5, em sentido mais favorável ao trabalhador, por se tratar de normas relativamente imperativas, e o mesmo vale para o contrato de trabalho ou para um eventual uso de empresa.
12ª – O trabalho realizado no sétimo dia, quando este deveria ser dia de descanso semanal obrigatório, deve ser compensado com o acréscimo retributivo aplicável ao trabalho suplementar
13ª -. A concepção do repouso semanal do tempo já trabalhado é um direito do trabalhador com interesse superior, irrenunciável (na parte essencial), imperativo e de ordem pública, protegido pela Constituição (art. 59º/d) e pelo direito internacional — não é um mero “banco de descansos semanais” a ser gerido ao gosto da entidade patronal.
14ª – O art. 232.º, n.º 1, do CT consagra o princípio do descanso semanal e não admite qualquer excepção; nem sequer pode ser afastado por fontes hierarquicamente inferiores (IRCT, usos ou contrato de trabalho) nos termos do art. 3.º, n.º 3, al. h), salvo em sentido mais favorável ao trabalhador, como também resulta, aliás, do art. 232.º, n.º 3. Outra interpretação do art. 232.º, n.º 1, do Código do Trabalho – interpretação, saliente-se, que não é defendida por qualquer doutrina ou jurisprudência nacional que se conheça – violaria o Direito europeu e as Convenções da OIT n.º 14 e 106 ratificadas por Portugal, pois quer o art. 232.º, quer o art. 221.º, n.º 5, implementam as mesmas normas europeias e internacionais e estão, por isso, condicionados pelo alcance destas
15ª – O princípio do descanso semanal está tutelado constitucionalmente, no art. 59.º, alínea d), de forma universal (aplica-se a todos os trabalhadores, incluindo os que se encontram em regime de turnos) e tem subjacente a regra da semana de seis dias de trabalho: o legislador constituinte limitou-se “a acolher a realidade normativa dominante” no momento que a norma constitucional foi aprovada (art. 53.º, alínea d), na redacção primitiva) que era a semana de seis dias de trabalho.
16ª – A Comissão de Especialistas na Aplicação de Convenções e Recomendações da OIT entende que as normas citadas das Convenções n.º 14 e 106 devem ser interpretadas de acordo com os princípios da regularidade, continuidade e uniformidade. A este respeito, em diversas ocasiões, nas respectivas observações e relatórios emitidos, explicaram que o princípio da regularidade implica que o descanso semanal deva ocorrer em intervalos de 7 dias, ou seja, deve ser gozado no sétimo dia. Ora, os tribunais, estando vinculados a assegurar o cumprimento das Convenções internacionais ratificadas pelo Estado Português, devem, no mínimo, interpretar o direito interno à luz das mesmas, o que significa que não podem manter a interpretação realizada pelo tribunal a quo
17ª – A situação do trabalho prestado no sétimo dia quando este deveria ser o dia de descanso apresenta evidente similitude com o regime do trabalho suplementar. O conflito de interesses é o mesmo, agravado pela regularidade e ilicitude inerente à segunda situação referida (trabalho por turnos) quando comparada com a primeira (trabalho suplementar), pelo que, em termos de unidade do sistema jurídico, afigurar-se-ia difícil compreender que o legislador aceitasse tutelar a primeira e desprover a segunda de qualquer mecanismo de tutela
18ª – Assim, o trabalho prestado no sétimo e no oitavo dia deverá, no mínimo, ser considerado trabalho suplementar realizado em dia de descanso, com a aplicação do regime jurídico daí decorrente em matéria de retribuição (art. 258.º do Código de Trabalho de 2003 e art. 268.º do Código do Trabalho de 2009).
Neste sentido, pronunciaram-se, designadamente, o STA, em acórdão de 22/06/76, e, na doutrina, Jorge Leite, Liberal Fernandes e Catarina de Oliveira Carvalho.
19ª – As normas reguladoras do tempo de trabalho e dos períodos de descanso são de teor imperativo mínimo, pois protegem interesses de ordem pública ligados à segurança e saúde dos trabalhadores (cf. art. 3.º, n.º 3, als. g) e h), do Código do Trabalho), designadamente no que respeita ao art. 221.º, n.º 5, sobre o descanso dos trabalhadores com turnos rotativos, bem como a Directiva
20ª – Os usos incorporam-se nos contratos de trabalho, ocupando a posição hierárquica destes últimos, pelo que os usos encontram-se na base da hierarquia das fontes laborais, não podendo contrariar as outras normas aplicáveis: normas legais e regulamentares, incluindo os regulamentos de extensão e de condições mínimas, convenções, acordos de adesão e decisões arbitrais. Não podem afastar o AE.
21ª – A sentença recorrida não aplicou as normas do AE pois a empresa não cumpriu o regime fixado no AE (cls. 36ª e 37ª) que tem de ser interpretado conforme a Constituição e considerados como direitos fundamentais derivados, de tal modo que, uma vez obtido um determinado grau de concretização, esta não possa ser reduzida (a não ser nas condições do artigo 18º da CRP), ou seja, cinco dias de trabalho a anteceder dois dias de descanso semanal e sempre que sejam chamados a trabalhar em qualquer desse dois dias de descanso semanal, têm direito a um acréscimo de 100% sobre a retribuição normal e, além disso, o direito a gozar os dias de descanso que não foram gozados no tempo legal, dentro dos 5 dias seguintes.
22ª – Foram violadas, entre outras, as seguintes normas jurídicas: artigos 8º, 18º, 59º/d, 26º/1 e 64º da Constituição, art. 9º do Código Civil, arts. 221º/5 e 232º do Código do Trabalho e Convenções nº 14 e nº 106 da OIT
Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente, declarando-se procedentes todos os pedidos formulados na p.i”
2.1 Contra-alegou a Ré, pugnando pela improcedência do recurso apresentado pelo Autor, requerendo ainda a retificação de erros materiais da sentença e, a título subsidiário, a ampliação do ”âmbito do recurso relativamente aos factos provados no ponto 7) da matéria de facto”, apresentando, quanto a esta parte, as seguintes conclusões:
“1. A Apelada concorda na quase totalidade, com a sentença recorrida, relativamente à ponderação da prova, subscrevendo-a quanto à subsunção dos factos ao direito aplicável, fundamentação e decisão.
2. Sem prejuízo do atrás referido, a Apelada Requer a Vªs Exªs, a RECTIFICAÇÃO DE DOIS ERROS MATERIAIS NOS PONTOS 4 E 9 DOS FACTOS PROVADOS DA DOUTA SENTENÇA, nos termos dos nºs 2 dos artigo 613º e 614º do C.Proc. Civil, nos seguintes termos:
2.1 No ponto 4) da matéria de facto, por manifesto lapso de escrita, apenas foi considerado o “dia 24 de Dezembro” quando foi amplamente provado, e aceite, que o Casino C1… se encontra encerrado também no “dia 25 de Dezembro”, pelo que, este dia deverá ser integrado na redacção deste ponto.
2.2 O ponto 9) dos factos provados considera que o horário de trabalho datado de 15.12.2009 referência “12 Caixas Fixos” mas, conforme se verifica pelo numero de colaboradores nele identificado, o mesmo diz respeito a “13 caixas fixos” pelo que, deverá ser o numero “13” a ser integrado na redacção deste ponto.
3. A Apelada ainda Requer a Vªs Exªs, a título subsidiário, cfr. disposto nos artigos 636º e 640º do C.P.C, A AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO RELATIVAMENTE AOS FACTOS PROVADOS NO PONTO 7) DA MATÉRIA DE FACTO.
3.1 Concretizando quanto ao ponto 7 da matéria de facto:
A Douta Sentença dá como provado a entrada em vigor de um horário de trabalho, datado de Janeiro de 2004, e que o A. cumpriu o horário correspondente à letra “F, junto aos Autos a fls 17 e 18. Ora, para além de tal facto não corresponder à verdade,
3.1.1. o A. logrou provar tais factos, pois, nenhuma testemunha se refere à entrada em vigor desse mapa de horário de trabalho, nem muito menos que o A. o cumpriu;
3.1.2. não existem nos Autos quaisquer documentos que comprovem que o A. realizou tal horário de trabalho para além do mapa de horário de trabalho junto aos Autos pelo A.;
3.1.3. apesar da fundamentação da convicção do tribunal constar quanto aos docs. de fls 17 a 27 (integrando, portanto, os que agora se analisam – fls 17 e 18 ) que os mesmos “não foram impugnados pela Ré e mostram-se conformes com os horários que esta juntou a fls 157 a 167”, a Ré, nos artigos 2º, 71º a 73º da contestação, impugnou, imediata e expressamente, os artigos 12º a 15º, 22º e 23º da pi que versavam sobre tal matéria,
3.1.4. e, notificada que foi para juntar aos Autos os horários de trabalho realizados pelo A. cfr. despacho saneador de 12/09/2015, a Ré não juntou o datado de 2004;
3.1.5. Não foi dado como provado nos pontos 23) e 28) da matéria de facto o cumprimento de qualquer formalidade legal respeitante a este mapa de horário de trabalho.
3.1.6. Assim, pelo exposto deverá o ponto 7 dos factos provados na douta sentença ser eliminado. (…)”
2.2 O recurso foi admitido em 1.ª instância como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
3 A Exma. Procuradora-Geral Adjunto no seu parecer (fls. 317 a 321, em síntese, sustentou a improcedência do recurso do Autor e a procedência do recurso subordinado da Ré.
3.1 Respondeu o Autor a tal parecer, nos termos já constantes das suas alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir: II – Questões a decidir
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635.º/4 e 639.º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) recurso do Autor: (1.1): recurso sobre a matéria de facto; (1.2) o Direito do caso/da adequação legal ou não dos horários de trabalho; (2) ampliação do objeto do recurso/Ré.
III – Fundamentação A. De facto
O Tribunal a quo considerou como factualidade provada o seguinte:
“1) O autor foi admitido pela ré em 1997, exercendo, pelo menos desde 15 de Dezembro de 1999, as funções de “caixa fixo”.
2) A ré possui e explora a zona do jogo e casino C1… e, à data da propositura da acção tinha, pelo menos, 226 trabalhadores ao seu serviço.
3) Como “caixa fixo” ao serviço da ré as funções do autor consistiam em: pagar os tickets …; identificar e registar os pagamentos superiores a €2.000,00 em livro próprio; efectuar levantamentos P.O.S.; trocar notas; trocar moedas por notas; registar em livro próprio os levantamentos superiores a €250,00; registar operações com cartões multibanco do sexo oposto ou sem identificação (cartões temporários); trocar fichas da sala de Jogos Tradicionais; trocar vouchers do … por numerário; dar informações, receber reclamações e sugestões dos clientes; telefonar para a chefia a informar avarias das máquinas e solicitações dos jogadores.
4) O casino da ré está aberto todos os dias, com excepção dos dias 24 e Dezembro, sendo de domingo a quinta feiras das 15h às 3h, às sextas-feiras, sábados, vésperas de feriado, de 15 de Julho a 31 de Agosto e de 15 a 31 de Dezembro das 16h às 4h.
5) Os horários dos caixas fixos estão organizados por turnos rotativos em equipa em que os trabalhadores ocupam sucessivamente os mesmos postos de trabalho a um ritmo pré determinado.
6) Os caixas fixos, incluindo o autor, iam rodando entre 4 horários existentes, conforme o horário de trabalho pré determinado e publicitado pela ré.
7) Em 1 de Janeiro de 2004 foi publicitado o horário dos 16 “caixas fixos” em funções, para vigorar com início na semana de 04/01/2004 e termo na semana de 07/03/2010, com o teor dos documentos de fls. 17 e 18, que se reproduz, cumprindo o autor o horário correspondente à letra F, em que “F” corresponde a dia de folga e os nºs “1” e “2” correspondem a cada um dos horários em cada dia.
8) Em 5 de Março de 2008 foi publicitado o horário dos 13 “caixas fixos” em funções, para vigorara com início na semana de 23/03/2008 e termo na semana de 21/09/2014, com o teor dos documentos de fls.19 e21, que se reproduz, cumprindo o autor o horário correspondente à letra “B”, em que “F” corresponde a dia de folga, os nºs “1”, “2”, “3” e “4” correspondem a cada um dos horários em cada dia.
9) Em 15 de Dezembro de 2009 foi publicitado o horário dos 12 “caixas fixos” em funções, para vigorara com início na semana de 03/01/2010 e termo na semana de 18/12/2016, com o teor dos documentos de fls.22 a 24, que se reproduz, cumprindo o autor o horário correspondente à letra “G”, em que “F” corresponde a dia de folga, os nºs “2”, “3”, “4” e “5” correspondem a cada um dos horários em cada dia.
10) Em 16 de Dezembro de 2010 foi publicitado o horário dos 12 “caixas fixos” em funções, para vigorara com início na semana de 02/01/2011 e termo na semana de 04/06/2017, com o teor dos documentos de fls.25 a 27, que se reproduz, cumprindo o autor o horário correspondente à letra “E”, em que “F” corresponde a dia de folga, os nºs “2”, “3”, “4” e “5” correspondem a cada um dos horários em cada dia.
11) No ano de 2004 o vencimento mensal base do autor era de €659,00 e o subsídio de alimentação de €115,00, acrescendo €23,00 de diuturnidade.
12) No ano de 2005 o vencimento mensal base do autor era de €677,50, o subsídio de alimentação de €118,50, acrescendo €24,00 de diuturnidade.
13) No ano de 2006 o vencimento mensal base do autor era de €702,50, acrescido de €24,60 de diuturnidade e o subsídio de alimentação era de €121,30.
14) No ano de 2007 o vencimento mensal base do autor era de €727,50, acrescido de €25,00 de diuturnidade e o subsídio de alimentação era de €125,00.
15) No ano de 2008 o vencimento mensal base do autor era de €755,50, acrescido de €53,00 de diuturnidade e o subsídio de alimentação era de €132,00.
16) No ano de 2009 o vencimento mensal base do autor era de €854,50, acrescido de €52,35 de diuturnidade e o subsídio de alimentação era de €135,50.
17) No ano de 2010 o vencimento mensal base do autor era de €865,50, acrescido de €65,00 de diuturnidade e o subsídio de alimentação era de €138,00.
18) No ano de 2011 o vencimento mensal base do autor era de €885,50, acrescido de €83,60 de diuturnidade, pelo menos a partir de 05/2011e o subsídio de alimentação era de € 140,50.
19) No ano de 2012 o vencimento mensal base do autor era de €885,50, acrescido de €85,50 de diuturnidade e o subsídio de alimentação era de €140,50.
20) No ano de 2013 o vencimento mensal base do autor era de €885,50, acrescido de €85,50 de diuturnidade e o subsídio de alimentação era de €140,50.
21) A ré vem pagando aos trabalhadores que trabalham por turnos rotativos, incluindo o autor, subsídio de turno.
22) Os horários dos colaboradores da ré que exercem funções nas salas de jogos contemplam, pelo menos desde 1988 dois dias de descanso seguidos.
23) Previamente à implementação dos horários supra referidos, a ré, fez consulta aos trabalhadores que exercem funções de “caixa fixo” na sala de máquinas, afixando para o efeito no local de trabalho, em lugar próprio, os documentos de fls.80, 82, 94, bem como consultou a comissão de trabalhadores, entregando os documentos de fls. 81, 83 e 85.
24) Nunca o autor respondeu a tal consulta.
25) A Comissão de Trabalhadores, pelo menos em 30 de Dezembro de 2010, emitiu parecer negativo relativamente ao horário dos caixas fixos, nos termos e com os fundamentos do documento de fls. 135 cujo teor se reproduz.
26) Para organização dos horários de trabalho foi sempre prática da ré, nomeadamente das equipas da sala de máquinas, à qual o autor sempre pertenceu, a realização de reuniões de trabalho com os colaboradores sobre pretendidas mudanças dos respectivos horários de foram a que, antes de qualquer implementação, fossem discutidas todas as questões relacionadas com a matéria e fossem apresentados pelos colaboradores horários ou soluções alternativas aos propostos pela chefia.
27) O autor participou em diversas dessas reuniões.
28) Por cartas de 25/03/2008, 31/12/2009 e 03/01/2011, que constituem os documentos de fls. 86 a 91, cujos teores se reproduzem, a ré enviou ao IDICT e à ACT, os horários de trabalho dos caixas fixos.
29) O autor não trabalhou nos dias 23.04, 21.05 e 07.09.2009 por estar no gozo de férias, bem como, o dia 07.12.2009 que se encontrava de baixa; 11 e 14.06.2010 o Autor encontrava-se a gozar licença parental; 15.07.2011, 17.05 e 16.09.2012 a gozar férias; nos dias14.11.2011 faltou por motivo de nojo; e no dia 09.12.2013 não trabalhou por adesão à greve marcada para esse dia.
30) Os trabalhadores da ré, bem como as comissões de trabalhadores sempre aceitaram que o descanso complementar previsto no Acordo de Empresa fosse gozado a seguir ao dia de descanso obrigatório.
31) Os colaboradores da ré nunca pretenderam o gozo de folgas fixas, porque tal implicaria que alguns não pudessem gozar folgas ao fim-de-semana.
32) Por sentença de 07/04/2015 proferida no processo nº 527/14.7TTBCL, com o teor de fls. 105 a 114 que se dá por reproduzido, foi parcialmente revogada a decisão da ACT que condenou a aqui ré na coima de € 1 836,00 pela prática de nove infracções ao disposto na cláusula 36ª, nº 1 do Acordo de Empresa publicado no BTE nº 31 de 22/08/2007.”
B. Discussão 1. Recurso do Autor: 1.1 Recurso sobre a matéria de facto: 1.1.1 Juízo sobre admissibilidade
Dispõe o n.º 1 do artigo 662.º do CPC, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.
Nestes casos, deve porém o recorrente observar o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º, nos termos seguintes:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Nas palavras de Abrantes Geraldes, “(…) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”[1]. Contudo, como também sublinha o mesmo autor, “(..) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”[2].
Tendo por base os supra citados dispositivos legais, teremos de considerar que a reapreciação da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[3] –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão dada, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPC[4].
Resulta pois do exposto que o cumprimento do ónus de impugnação que se analisa, não se satisfazendo como se disse com a mera indicação genérica da prova que na perspetiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, impõe que o mesmo concretize quer os pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância quer, ainda, que especifique quais as provas produzidas que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, sendo que, quando esse for o meio de prova, se torna também necessário que indique “com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição”.
Em conformidade, conclui-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de outubro de 2016[5] que, “(…) Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPCivil, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto. (…)”. Do mesmo modo, observa-se no Acórdão do mesmo Tribunal de 7 de julho de 2016[6] que, “(…) para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo artigo 640º, nº 1 do CPC, tendo
assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).”[7].
Deixando para mais tarde a apreciação da ampliação do recurso requerida pela Apelada – pois que a título subsidiário, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º do CPC –, por referência ao regime antes enunciado passaremos de seguida à apreciação do recurso do Autor, ponto por ponto, conhecendo-se então, se for o caso, de qualquer razão que possa levar à sua rejeição.
Uma observação se fará, no entanto, já neste momento, pois que, constatando-se que o Autor no corpo das suas alegações dirige a impugnação, para além do mais, ao ponto 26 da factualidade provada, porém, nas suas conclusões a esse se não refere expressamente, indicando antes o ponto 27. Percebendo-se sem dúvidas o lapso, do qual de resto a Apelada se apercebeu (pois que se referiu sempre àquele ponto 26), será por referência ao aludido ponto, ou seja o 26, que o recurso será considerado. E, sendo assim, importando verificar do cumprimento do ónus estabelecido na alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC de ser oferecida a redação alternativa sob pena de rejeição do recurso nessa parte, como o sustenta a Apelada, sendo verdade que o Apelante sustentou que esse facto “é excessivo e incorreto”, não é menos verdade que sustenta que o mesmo deve ser considerado não provado, assim no corpo das alegações e na conclusão 2.ª, esta entendida com a correção antes mencionada.
1.1.2 Impugnação da matéria de facto 1.1.2.1 Artigos 22.º e 23.º da petição inicial:
O Autor/recorrente sustenta que tendo sido alegado nos analisados artigos “a interpretação factual dos documentos de fls. 17 e 18 (cujo teor foi dado como provado em 7) dos factos provados, devia ter-se referido expressamente tais factos como provados.” (conclusão 1.ª).
Em sentido contrário se pronuncia a Apelada, evidenciando, para além do mais, como o próprio Recorrente o refere, uma mera interpretação factual de documentos.
Cumprindo apreciar, o teor dos referidos artigos comporta afinal mera conclusão, a extrair ou não dos elementos que o Recorrente refere, que aliás estão abrangidos pelo ponto 7.º da factualidade provada. De facto, no artigo 22.º limita-se a mencionar que “No horário de trabalho por turnos rotativos para os caixas fixos de 01/01/2004, nos horários agrupados em 16 semanas (doc. 1 e 1-A) verifica-se que trabalhou 10 sétimos dias e 4 oitavos dias (…)”, e no artigo 23.º, por sua vez, “Ou seja, em cada grupo rotativo de 16 semanas o Autor trabalhou 10 sétimos dias consecutivos e 4 oitavos dias.”
Ora, mesmo em sede de recurso, no âmbito dos poderes da Relação no que diz respeito à apreciação da matéria de facto, acentuados com a Reforma de 2013 do CPC (indicado artigo 662.º), não obstante a revogação com a mesma reforma do anterior artigo 646.º, em que se previa que no julgamento da matéria de facto ter-se-ão por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito – solução que como é entendimento doutrinário e jurisprudencial se aplica, por analogia, às respostas que constituam conclusões de facto, designadamente quando as mesmas têm a virtualidade de, por si só, resolverem questões de direito a que se dirigem[8] –, deve continuar a entender-se, como se afirma entre outros no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Setembro de 2014[9], que, constituindo a possibilidade de eliminação de factos conclusivos equiparados a questões de direito uma prerrogativa dos tribunais superiores de longa tradição doutrinal e jurisprudencial, esta pode ser exercida mesmo que não esteja prevista expressamente na lei processual. Sobre a mesma questão podem ver-se ainda de entre outros, mais uma vez do Supremo Tribunal de Justiça, para além dos proferidos em 29 de Abril de 2015 e 28 de Janeiro de 2016, o Acórdão de 15 de setembro de 2016[10], em que se reafirma que, “pese embora não se encontrar no Novo CPC preceito legal que corresponda ao art. 646º, nº 4, do anterior CPC, que impunha, como consequência, para as respostas sobre matéria de direito que as mesmas fossem consideradas “como não escritas”, actualmente o Juiz não fica dispensado de efectuar “o cruzamento entre a matéria de facto e de direito”, evitando formulações genéricas, de cariz conceptual ou de natureza jurídica que definam, por essa via, a aplicação do direito, como acontece quando os referidos conceitos se reportam directamente ao objecto da acção.”
Aplicando pois ao caso o mencionado regime, face ao teor do que se alegou nos analisados artigos, assim meras conclusões/juízos a retirar (ou não) dos factos, essas não têm assento na factualidade, que vale por si, razão pela qual improcede o recurso nesta parte. 1.1.2.2 Teor do ponto 26.º do elenco factual tido por provado
O analisado ponto tem a redação seguinte:
“26) Para organização dos horários de trabalho foi sempre prática da ré, nomeadamente das equipas da sala de máquinas, à qual o autor sempre pertenceu, a realização de reuniões de trabalho com os colaboradores sobre pretendidas mudanças dos respectivos horários de foram a que, antes de qualquer implementação, fossem discutidas todas as questões relacionadas com a matéria e fossem apresentados pelos colaboradores horários ou soluções alternativas aos propostos pela chefia.”
O Autor/recorrente sustenta que este ponto não pode ser dado como provado porque a) Não é credível que em 2015 as testemunhas se lembrem de factos ocorridos há mais de 5 anos, tanto assim que não atribuem a ninguém em concreto e identificada, quaisquer palavras, propostas ou sugestões; b) Sendo as reuniões facultativas e realizadas fora do horário de trabalho, obviamente que não se recordam de quem esteve presente; c) a discussão limitava-se a procurar equidade entre os dias de trabalho diurno (das 14h00/15h00 até às 21h00/22h00 – ver mapas de horário) e de trabalho noturno (das 21h00/22h00 até às 04h00/05h00); d) o autor foi contínuo/porteiro, logo não pertenceu sempre ao quadro dos caixas fixos; d) A “prática da ré” é tão só o cumprimento da lei (nº 2 do art. 173º CT/2003 e nº 2 do art. 217º do CT/2009) pelo que é exagerado qualificar o cumprimento da lei como sendo uma prática patronal; e) o tribunal a quo excedeu em muito o que resulta dos autos e dos depoimentos. (conclusão 2.ª).
Como meios de prova indica expressamente os depoimentos das testemunhas E… (transcrevendo trechos desse depoimento, que localiza, assim minutos 18:21, 20:13, 21:50 e 22:18), F… (transcrevendo também trechos desse depoimento, que localiza, assim minutos 7:10, 7:20, 9:15, 10:51, 11:26 e 13:50) e G… (mais uma vez, transcrevendo também trechos desse depoimento, que localiza, assim minutos 7:30 e 8:45).
Em sentido contrário se pronuncia a Apelada, pugnando pela manutenção do julgado.
Da motivação do Tribunal a quo, com relevância para o que se aprecia, resulta o seguinte:
“Já no concerne ao procedimento seguido pela ré para a organização implementação dos horários a foram relevantes os depoimentos das testemunhas H…, I…, que relataram o procedimento de afixação de aviso para consulta, após a realização das reuniões convocadas pelo chefe de sala, de que os trabalhadores participavam activamente em tais reuniões, apresentando alternativas de horário, bem como que os trabalhadores nunca pretenderam gozar as folgas fixas, antes apresentando propostas para o gozo de folgas ao fim de um maior intervalo de tempo a trabalhar, de modo a puderem gozar mais dias de folga seguidos, sobretudo incluindo os fins de semana.
Os seus depoimentos foram confirmados pelas testemunhas arroladas pelo autor, designadamente pela testemunha J… que admitiu que havia sempre uma reunião prévia à alteração dos horários, em que alguns trabalhadores apresentavam propostas, ainda que limitadas pelas indicações da empresa.”
Apreciando, e desde logo, importa notar que o Recorrente, de entre os depoimentos de testemunhas que refere para sustentar o recurso, não fez alusão a qualquer dos depoimentos expressamente indicados pelo Tribunal recorrido como suporte da sua convicção, o que por si só, consubstanciando-se no máximo a sua pretensão em substituir a sua convicção pela firmada pelo Tribunal, esquecendo a prova que este considerou, ditaria o fracasso do recurso, tendo presente que neste âmbito vigora o princípio da livre convicção, após análise crítica das provas, nos termos previstos nos n.ºs 4 e 5 do artigo 607.º do CPC. De facto, até pelos elementos que oferece, assim as transcrições que faz, não se vê como possa alcançar-se o resultado pretendido quando se esquece toda a demais prova apreciada pelo Tribunal e na qual expressamente firmou a sua convicção.
Mas não só, acrescente-se.
É que, sendo ainda patente que as transcrições dos depoimentos feitas pelo Recorrente são truncadas e nem sequer rigorosas face ao que foi referido pelas indicadas testemunhas, cujos depoimentos ouvimos na íntegra esclareça-se, constatando-se ainda que a localização indicada dessas transcrições não corresponde sequer com o nosso registo, para além dessa circunstância sequer tais transcrições ou esses depoimentos permitem sustentar convicção quanto à alteração por que pugna, quer porque se não referem propriamente ao facto que aqui se impugna, ou seja o ser ou não prática da Ré, quanto à organização dos horários de trabalho, nomeadamente das equipas da sala de máquinas, a realização de reuniões de trabalho com os trabalhadores sobre eventuais pretendidas mudanças. Diversamente, diga-se, do que se constata ocorrer com os depoimentos expressamente indicados pelo Tribunal na motivação, a cuja audição procedemos também, pois que esses, também na nossa ótica, dão sustentação a tal convicção.
Deste modo, de modo manifesto, porque não obtém sustentação na prova, improcede o recurso nesta parte. 1.1.2.3 Teor do ponto 30.º do elenco factual tido por provado
O analisado ponto tem a redação seguinte:
“30) Os trabalhadores da ré, bem como as comissões de trabalhadores sempre aceitaram que o descanso complementar previsto no Acordo de Empresa fosse gozado a seguir ao dia de descanso obrigatório.”
Sustenta o Recorrente a eliminação deste facto, referindo, para tanto, que “não foi dada justificação ou fundamentação para este facto”, “sendo certo que não houve debate sobre esta questão pela simples razão de que o Acordo de Empresa não separa os dias de descanso em obrigatório e complementar” “e no AE na cláusula 36ª, com a epígrafe de «descanso semanal», os dois dias de descanso semanal são tratados em igualdade”. Mais refere que “os dois dias de descanso semanal são iguais e ambos obrigatórios”, ao que acresce ser “facto notório e da experiência comum da generalidade de quem trabalha que o 1º dia de descanso (sábado) é descanso complementar e só o 2º dia (domingo) é descanso obrigatório”, “não havendo justificação para inversão neste casino”. (3.ª conclusão)
Em sentido contrário se pronuncia a Apelada, pugnando pela manutenção do julgado, referindo nomeadamente que “como o próprio Recorrente invoca não houve debate sobre a questão pois, foi evidente a concordância das testemunhas quanto ao gozo do descanso complementar ser efectuado a seguir ao dia do descanso semanal.”
Ora, não constando da fundamentação da sentença referência expressa às razões que levaram à prova do que se fez constar do analisado ponto – referenciam-se apenas depoimentos que se debruçaram sobre o modo como eram elaborados os horários e em particular sobre o gozo dos dias de descanso –, aceitando aliás as partes que não houve discussão sobre essa matéria, sendo que sequer a indicam em sede de recurso, a solução terá de ser a eliminação do aludido ponto, sendo que o que resulta do acordo de empresa tem o seu campo de aplicação não nesta sede de fixação de factos e sim da aplicação do direito – assim cláusula 36.ª/1, em que se estabelece que “Todos os trabalhadores abrangidos por este AE têm direito a dois dias de descanso semanal seguidos” e, no n.º 6, que “O descanso semanal será o que resultar do horário de trabalho”.
Deste modo, procedendo a correspondente conclusão, procede o recurso nesta parte, eliminando-se o ponto 30.º 1.1.2.4 Teor do ponto 31.º do elenco factual tido por provado
O analisado ponto tem a redação seguinte:
“31) Os colaboradores da ré nunca pretenderam o gozo de folgas fixas, porque tal implicaria que alguns não pudessem gozar folgas ao fim-de-semana.”
Sustenta o Recorrente a que este facto “deve ser considerado não provado porque, para além de não existir o conceito de colaborador no direito de trabalho, nenhuma testemunha referiu que a hipótese de folgas fixas alguma vez tenha sido discutida ou equacionada na sala de jogos de máquinas. Não foi feito qualquer inquérito aos trabalhadores para se pronunciarem se pretendiam o gozo de folgas fixas e todas as testemunhas inquiridas só praticaram horários de turnos rotativos com folgas rotativas - pelo que não se pode dar como provado que nunca pretenderam o gozo de folgas fixas.”
Não indica o Recorrente para sustentar o recurso quanto aos depoimentos prestados qualquer deles de modo expresso, como ainda, pois, muito menos qualquer passagem desses depoimentos.
Em sentido contrário se pronuncia a Apelada, pugnando pela manutenção do julgado.
Consta da fundamentação da sentença, a esse respeito, o seguinte:
“Já no concerne ao procedimento seguido pela ré para a organização implementação dos horários a foram relevantes os depoimentos das testemunhas H…, I…, que relataram o procedimento de afixação de aviso para consulta, após a realização das reuniões convocadas pelo chefe de sala, de que os trabalhadores participavam activamente em tais reuniões, apresentando alternativas de horário, bem como que os trabalhadores nunca pretenderam gozar as folgas fixas, antes apresentando propostas para o gozo de folgas ao fim de um maior intervalo de tempo a trabalhar, de modo a puderem gozar mais dias de folga seguidos, sobretudo incluindo os fins de semana.
Os seus depoimentos foram confirmados pelas testemunhas arroladas pelo autor, designadamente pela testemunha J… que admitiu que havia sempre uma reunião prévia à alteração dos horários, em que alguns trabalhadores apresentavam propostas, ainda que limitadas pelas indicações da empresa da empresa.
Referiram igualmente que os trabalhadores não pretendiam gozar folgas fixas porque isso implicaria, para alguns caixas fixos, não gozar férias ao fim de semana com a família.”
Velem aqui as considerações efetuadas anteriormente a propósito do ponto 26.º da factualidade, com a agravante de sequer neste caso o Recorrente indicar qualquer meio de prova no sentido de infirmar a convicção afirmada pelo Tribunal recorrido e que fez constar da motivação.
Pois bem, ultrapassada a questão sobre o que resultou da prova, nos termos antes analisados, assim no sentido de essa sustentar efetivamente a convicção do Tribunal a quo, quanto à questão da utilização da expressão “colaborador” , que temos aliás também como de uso comum e sem que carregue necessariamente quaisquer intuitos ideológicos, a verdade é que nada obsta, porque afinal de uso mais evidente e mesmo no próprio Código do Trabalho, a sua substituição pela expressão “trabalhadores”. Deste modo, o analisado ponto passará a ter a redação seguinte:
“31) Os trabalhadores da ré nunca pretenderam o gozo de folgas fixas, porque tal implicaria que alguns não pudessem gozar folgas ao fim-de-semana.”
1.2 O Direito do caso:
Sustenta o Recorrente (conclusões 5.ª a 22.ª) a revogação da sentença, por entender que, diversamente do decidido, a Diretiva 2003/88/CE não impede que uma regulamentação nacional garanta ao trabalhador um período mínimo de descanso, o mais tardar, no sétimo dia subsequente aos seis dias consecutivos de trabalho, por força do respetivo artigo 15.º, que autoriza os Estados membros a introduzir disposições mais favoráveis à proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores, sendo esse o caso português, face ao que se dispõe no artigo 221.º, n.º 5, do Código do Trabalho – sendo tal interpretação imposta pelas Convenções da OIT em matéria de descanso semanal, ratificadas por Portugal (verdadeiros tratados internacionais que apresentam um valor superior ao da lei ordinária, cabe ao aplicador do direito realizar uma interpretação dos normativos do CT em conformidade com os mesmos), decorrendo ainda da interpretação conforme à Constituição da República Portuguesa (CRP) (al. d) do artigo 59.º) e da observância dos critérios hermenêuticos do artigo 9.º do Código Civil (é o que encontra maior apoio na letra da lei e o que resulta da análise dos elementos teleológico, sistemático e histórico) –, sendo que as CCT só podem afastar o regime constante desse artigo (ainda 232.º, n.º 1) em sentido mais favorável ao trabalhador, por se tratar de normas relativamente imperativas, o mesmo valendo para o contrato de trabalho ou para um eventual uso de empresa (ainda, artigo 232.º do CT). Mais, diz, não obrigando no caso a decisão do TJUE os tribunais nacionais a aplicar a decisão, salvaguardando expressamente a legislação nacional mais favorável aos trabalhadores – dizendo, nos nºs 48 e 49 que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, e em que medida, a regulamentação nacional aplicável no processo principal prevê essa proteção mais alargada –, estando estes vinculados a assegurar o cumprimento das Convenções Internacionais ratificadas pelo Estado Português, devem, no mínimo, interpretar o direito interno à luz das mesmas, o que significa que não podem manter a interpretação realizada pelo tribunal a quo, devendo antes o trabalho realizado no sétimo dia, quando este deveria ser dia de descanso semanal obrigatório, ser compensado com o acréscimo retributivo aplicável ao trabalho suplementar, o mesmo sucedendo com o oitavo dia, realizado em dia de descanso, com a aplicação do regime jurídico daí decorrente em matéria de retribuição (art. 258.º do Código de Trabalho de 2003 e art. 268.º do Código do Trabalho de 2009). Termos em que conclui não ter a sentença recorrida aplicado as normas do AE – pois a empresa não cumpriu o regime fixado no AE (cls. 36ª e 37ª) que tem de ser interpretado conforme a Constituição e considerados como direitos fundamentais derivados, de tal modo que, uma vez obtido um determinado grau de concretização, esta não possa ser reduzida (a não ser nas condições do artigo 18º da CRP), ou seja, cinco dias de trabalho a anteceder dois dias de descanso semanal e sempre que sejam chamados a trabalhar em qualquer desse dois dias de descanso semanal, têm direito a um acréscimo de 100% sobre a retribuição normal e, além disso, o direito a gozar os dias de descanso que não foram gozados no tempo legal, dentro dos 5 dias seguintes –, imputando àquela a violação das seguintes normas jurídicas: “artigos 8º, 18º, 59º/d, 26º/1 e 64º da Constituição, art. 9º do Código Civil, arts. 221º/5 e 232º do Código do Trabalho e Convenções nº 14 e nº 106 da OIT”.
A Apelada, por sua vez, sustenta o acerto do julgado, posição também assumida no douto parecer elaborado pelo Ministério Público junto desta Relação.
Consta da decisão recorrida, fundamentando o sentido decisório nessa afirmado, o seguinte[11]:
“(…) Considerando que, como resulta inequivocamente da petição inicial, o pedido do Autor é a condenação da ré no pagamento da remuneração relativa a trabalho suplementar que considera ter prestado 7ºs e 8 ºdias e que entende deveriam ter-lhe sido concedidos como dias de descanso, a primeira questão a decidir é saber se o autor, no período de 2004 a 2013, prestou trabalho em condições de ser remunerado como trabalho suplementar, importando, para o efeito, considerar os sucessivos regimes legais aplicáveis, ou seja, o Código de Trabalho aprovado pela Lei 99/2003 de 27/08 e o Código de Trabalho aprovado pela Lei 7/2009 de 12/02, atendendo a que nesta matéria não se verificaram alterações relevantes.
Na verdade, quer nos termos do disposto pelo art. 197º, nº 1 do Código do Trabalho de 2003, quer nos termos do disposto pelo art. 226º, nº 1 do Código do Trabalho de 2009, é considerado trabalho suplementar o prestado fora do horário de trabalho.
O conceito operatório de referência para a delimitação do trabalho suplementar é, pois, o conceito de horário de trabalho, e não o conceito de período normal de trabalho.
O art. 159º do CT de 2003, define o horário de trabalho como a determinação das horas de início e do termo do período normal de trabalho diário, bem como dos intervalos de descanso, por sua vez, o art. 200º do CT de 2009 define o horário de trabalho como a determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal.
E, de acordo com o nº 2 das citadas disposições legais, o horário de trabalho delimita o período de trabalho diário e semanal.
O período normal de trabalho, por seu turno, é definido no art. 158º do CT de 2003, bem como no art. 198º do CT de 2009, como o tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por semana.
Segundo António Monteiro Fernandes, «o conceito de trabalho suplementar é mais amplo que o de trabalho extraordinário: naquele cabem todas as situações de desvio ao programa normal de actividade do trabalhador: trabalho fora do horário em dia útil, trabalho em dias de descanso semanal e feriados; o de trabalho extraordinário refere-se essencialmente ao trabalho prestado em dias úteis. Hoje relaciona-se o trabalho suplementar com o horário de trabalho, e não com o período normal de trabalho, pelo que estar-se-á perante trabalho suplementar se a atividade for realizada em dia de trabalho fora do horário, mesmo que compreendido no período normal, ou se for prestada em dia de descanso».
Por outras palavras, do facto de o referencial de delimitação do trabalho suplementar ser o conceito operatório de horário de trabalho e não o conceito de período normal de trabalho decorre que o trabalho suplementar tanto pode ser prestado durante a semana como durante o período de descanso semanal ou durante os feriados, divergindo apenas as consequências remuneratórias de cada uma das situações, previstas pelos arts. 258º do CT de 2003 e pelo art. 268º do CT de 2009.
Considerando que o autor pretende obter a condenação da ré no pagamento da remuneração devida por trabalho suplementar prestado em dias de descanso, recai sobre o ónus de provar, além do horário estipulado, qual ou quais os horários concretamente cumpridos em cada momento, ter prestado trabalho em dias que, de acordo com o horário estipulado, deveriam ser dias de descanso, por prévia e expressa determinação da ré ou que a prestação desse trabalho foi realizada em circunstâncias de não ser previsível a oposição do empregador, por tais factos serem constitutivos da sua pretensão (art. 342º, nº 1 do Código Civil).
As pretensões do Autor assentam sobre dois pressupostos fundamentais: o de que existe uma proibição comunitária e no ordenamento jurídico português, de trabalhar mais de seis dias consecutivos e o de que o cumprimento do estatuído pelo Acordo de Empresa aplicável, implica que só possa trabalhar cinco dias consecutivos, aos quais devem suceder dois dias de descanso seguidos, concluindo que, não tendo a ré organizado os seus horários em observância de tais pressupostos, independentemente do tempo de descanso que efectivamente gozou, todo o trabalho que prestou de 2004 a 2009, nos 7º e 8º dias seguintes a seis consecutivos deve ser remunerado como trabalho suplementar, bem como que, a partir de 2010, quando os horários passaram a contemplar apenas seis dias consecutivos de trabalho, seguidos de dois dias de folga, deve ser remunerado como trabalho suplementar o trabalho prestado em dias de descanso nas semanas em que apenas teve um dia de descanso.
Consequentemente, e no entendimento sufragado pelo Autor, o trabalho prestado nos dias que segundo aqueles dois pressupostos, deveriam ter sido fixados pela ré como dias de descanso deve ser remunerado como trabalho suplementar, mesmo que o Autor tenha gozado descansos noutros dias,
Como a prestação de trabalho suplementar em dia de descanso deve ser aferida por referência ao horário efectivamente estipulado pela entidade empregadora, ainda que tal horário, na sua forma de organização, não cumpra o figurino legal, e considerando a matéria de facto que se considerou provada, não se pode concluir que o autor tenha prestado trabalho em qualquer dia que do seu horário constasse como dia de descanso.
Na verdade, verifica-se que o horário do autor estava inserido num regime horário organizado por turnos rotativos em equipa, com folgas também rotativas, que no mínimo foram sempre duas seguidas, (independentemente da sua localização na semana de trabalho ou na semana de calendário) e, que o autor nunca prestou trabalho nos dias de folga que lhe estavam atribuídos de acordo com tal estipulação.
Pode pois, concluir-se perante esta factualidade que o autor nunca prestou trabalho em dia que de acordo com o seu horário fosse dia de descanso, ou seja, não prestou o trabalho suplementar cujo pagamento reclama nesta acção.
A eventual ilegalidade do horário tal como organizado pela ré, a existir, não gera, pois, o direito a remuneração do trabalho prestado como trabalho suplementar, mas tão só o direito de o autor recusar o cumprimento do horário, com fundamento na sua ilegalidade (arts. 121º, nº 1, al. d) e nº 2 do CT de 2003 e 128º, nº 1, al. e) e nº 2 do CT de 2009), o direito de exigir a alteração dos horários e a sua conformação com a legalidade e, caso do cumprimento do horário lhe adviessem prejuízos, o direito de exigir a correspondente indemnização (art. 363º do CT de 2003 e art. 323º, nº 1 do CT de 2009).
Todavia, o Autor não configurou a presente acção na perspectiva indemnizatória, pelo que tal facto – ilegalidade do horário - não releva para a questão em apreço, e como tal a pretensão do autor nunca poderia ser julgada procedente.
Ainda que se considerasse que o trabalho prestado em dias que deveriam ter sido fixados como dias de descanso, não o tendo sido, deveria ser remunerado como trabalho suplementar, a procedência dos pedidos sempre dependeria antes de mais da resposta à questão de saber se a ré estava ou não obrigada a considerar aqueles dias como dias de descanso.
O direito ao repouso e aos lazeres, o direito a um limite máximo da jornada de trabalho e o direito ao descanso semanal encontram-se consagrados pela Constituição da República Portuguesa, como direitos fundamentais de todos os trabalhadores (art. 59º, nº 1, al. d) da Constituição da República Portuguesa).
Esta preocupação pela salvaguarda de descanso semanal encontra-se consagrada desde o século passado nas Convenções da OIT.
A Lei do Contrato de Trabalho aprovada pelo Decreto-Lei nº 49 409 de 24/11/1969 (LCT), no seu art. 51º, nº 1 já previa que “O trabalhador tem direito a um dia de descanso por semana, que só excepcionalmente e por motivos ponderosos pode deixar de ser o domingo”.
A Directiva 93/104/CE do Conselho de 23 de Novembro de 1993, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, no seu art. 5º veio dispor que: “Os estados-membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem, por cada período de sete dias, de um período mínimo de descanso ininterrupto de vinte e quatro horas às quais se adicionam as onze horas, de descanso diário previstas no artigo 3º.
O período mínimo de descanso referido no primeiro parágrafo inclui, em princípio, o domingo.
Caso condições objectivas, técnicas ou de organização do trabalho o justifiquem, pode ser adoptado um período mínimo de descanso de vinte e quatro horas”.
Assume esta Directiva a mesma noção do art. 7º da Convenção nº 106 da OIT, ao consagrar a ideia de um descanso de 24h ininterruptas, por cada sete dias de trabalho e não em cada sete dias.
Esta Directiva foi transposta para o ordenamento nacional com a aprovação do Código do Trabalho pela Lei 99/2003 de 27/08, conforme resulta do seu art. 2º, al. f).
As alterações sofridas por aquele diploma comunitário vieram a ser codificadas pela Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 4/11/2003, tendo o artigo relativo ao descanso semanal (art. 5º) passado a ter a seguinte redacção:
“Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem, por cada período de sete dias, de um período mínimo de descanso ininterrupto de 24 horas às quais se adicionam as 11 horas, de descanso diário previstas no artigo 3º.
Caso condições objectivas, técnicas ou de organização do trabalho o justifiquem, pode ser adoptado um período mínimo de descanso de vinte e quatro horas”.
Mantém, pois, a consagração da ideia de 24h de descanso ininterruptas, por cada sete dias de trabalho.
O Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009 de 12/02, transpôs para o ordenamento jurídico interno esta última directiva (cfr. art. 2º, al. n) da citada lei 7/2009).
É, pois, não só pacífica, como longínqua, a consagração, entre nós, do direito a um dia de descanso semanal obrigatório, em consonância com as convenções internacionais e com a legislação comunitária, relevando, no período a que se reportam os autos, os arts. 205º do C.T. de 2003 e 232º do C.T. de 2009.
A legislação nacional vai, no entanto, mais longe, prevendo a possibilidade de instituição de um período de descanso semanal complementar (cfr. arts. 206º do C.T. de 2003 e art. 232º, nº 3 do C.T. de 2009).
Este contudo, ao contrário do dia de descanso obrigatório que constitui um elemento essencial das relações de trabalho, apresenta-se como um elemento acidental de tais relações, ou seja, “(…) o descanso complementar desenvolve-se – repetimo-lo -, não como uma expressão directa e característica do “direito ao repouso”, mas como um factor actuante ao nível da correspectividade das prestações contratualmente devidas, isto é, na medida da prestação de trabalho a que corresponde a retribuição acordada. Trata-se nele, não propriamente de garantir uma extensão do descanso, mas de assegurar tempo livre adicional, independentemente do arranjo pelo qual se concretize”.
O Autor não questiona a concessão pela ré do dia de descanso obrigatório, ou do segundo dia de descanso seguido (dia de descanso complementar), a que esta estava obrigada face à previsão da cláusula 36ª do AE que vincula as partes, publicado no BTE 1ª série, nº 22 de 15/06/2002, mas a própria elaboração das s escalas de trabalho por turnos fixadas entre 2004 e 2010 por não respeitarem um dia de descanso em cada período de 7 dias violando o disposto pelo art. 189º, nº 5 do C.T. de 2003 e pelo art. 221º, nº 5 do C.T. de 2009, bem como as Directivas 93/104/CE do Conselho de 23/11/1993 e 2003/88/CE de 4/11 de 2003, e a partir de 2010, os dois dias de descanso consecutivo em oposição ao que resulta da cláusula 36ª/1 do citado AE.
O autor fundamenta, a sua pretensão no regime dos descansos previsto para o trabalho por turnos, mais especificamente para os turnos no regime de laboração contínua a que se referem os arts. 189º, nº 5 do C.T. de 2003 e o art. 221º, nº 5 do C.T.
Segundo tais disposições, cuja redacção é idêntica, os turnos no regime de laboração contínua e os dos trabalhadores que assegurem serviços que não possam ser interrompidos, devem ser organizados de modo que aos trabalhadores de cada turno seja concedido, pelo menos, um dia de descanso em cada período de sete dias, sem prejuízo do período excedente de descanso a que o trabalhador tenha direito.
Trata-se, pois, de um regime especial que não é aplicável a todos os trabalhadores que trabalham por turnos, ou seja, aqueles que trabalham em estabelecimentos cujo período de funcionamento ultrapassa os limites máximos dos períodos normais de trabalho, mas apenas àqueles que trabalham em estabelecimentos no regime de laboração contínua.
Ora, a ré não pode ser considerada uma empresa em regime de laboração contínua, nem a mesma assegura serviços que não possam ser interrompidos, pelo que, tal como a mesma alega, o regime das citadas disposições legais não lhe é aplicável.
No caso da ré, atenta a sua actividade, o período de funcionamento, encontra-se definido como período de abertura na Lei do Jogo como sendo até 12 horas por dia, entre as 15h de um dia e as 6h do dia seguinte (cfr. art. 50º da lei do Jogo aprovada pelo DL 422/89 de 02/12, com as sucessivas alterações introduzidas pelo DL 10/95 de 19/01, pela Lei 28/2004 de 16/07, pelo DL 40/2005 de 17/02, pela Lei 64-A/2008 de 31/12, pelo DL 114/2011 de 30/11 e pelo DL 64/2015 de 29/04).
Assim, sem prejuízo de, face ao disposto pelos arts. 189º, nº 1 do C.T. de 2003 e no art. 221º, nº 1 do C.T. de 2009, a ré estar obrigada a organizar turnos de pessoal diferente, porque o seu período de funcionamento ultrapassa os limites máximos dos períodos normais de trabalho, a mesma não está obrigada à disciplina prevista pelo nº 5 daquelas disposições legais, uma vez que esta, reportando-se ao regime de laboração contínua, é privativa dos estabelecimentos industriais.
Daí que, a ré estivesse apenas obrigada a conceder ao autor um dia de descanso obrigatório por semana, seguido de um dia de descanso complementar, por via da aplicação dos arts. 205º e 232º do C.T. de 2003 e do C.T. de 2009, respectivamente e da cláusula 36ª do AE aplicável.
A entender-se de outro modo, designadamente que a previsão do nº 5 dos citados arts. 189º e 221º é aplicável à ré, uma vez que a mesma não encerra qualquer dia por semana, estando por isso os seus trabalhadores afectos a turnos esses sim contínuos, já que todos os trabalhadores têm que trabalhar em todos os dias de todas as semana, afigura-se também que daí não decorreria a obrigatoriedade de a ré organizar os turnos de modo a que os seus trabalhadores, até 2009, só trabalhassem 6 dias consecutivos, descansando ao 7º e ao 8º dia e que a partir de 2010, só trabalhassem 5 dias consecutivos, descansando ao 6º e ao 7º dia da mesma semana.
Neste ponto a questão essencial a resolver é determinar, se o descanso semanal dos trabalhadores por turnos em regime de laboração contínua pode ser gozado em qualquer momento, ou seja, em qualquer dos dias da semana de calendário (ciclo de sete dias contínuos), sem ter em conta o número de dias consecutivos de trabalho, caso em que esse período poderia ser superior a seis dias de trabalho, ou se pelo contrário tem de ser gozado sempre após seis dias de trabalho consecutivo, ou seja ao 7º dia (no caso dos autos em que existe previsão convencional de descanso complementar seguido, a questão é saber se os dois dias de descanso podem ser gozados em qualquer momento ou se têm de ser gozados sempre após cinco dias de trabalho consecutivos, ou seja, ao 6º e ao 7º dia, ainda que o autor só assim o reclame a partir de 2010).
São conhecidas as posições sobre a questão defendidas pelo Prof. Jorge Leite, no estudo invocado pelo autor na petição inicial, pela Prof. Catarina Carvalho, no artigo denominado “A regulamentação nacional do tempo de trabalho e o direito comunitário: omissões e incompatibilidades”, publicado em Questões Laborais, 2006, nº 27, pag. 51 e 52 e pelo Prof. Prof. Liberal Fernandes, em “O Tempo de Trabalho, Coimbra Editora, 2012, pag. 200 a 203, no sentido de que o dia de descanso não pode ser precedido por mais de seis dias consecutivas de trabalho.
Mas tais posições não são, nem nunca foram unânimes ou sequer maioritárias.
Na verdade, ainda que no âmbito de vigência do art. 51º, nº 2 da LCT segundo o qual “sendo o trabalho prestado no regime de turnos, estes devem ser organizados de modo que os trabalhadores de cada turno tenham, em sete dias, um dia de descanso” e do art. 27º, nº 5 do DL 409/71 de 27/09, segundo o qual “Os turnos no regime de laboração contínua e dos trabalhadores que assegurem serviços que não possam ser interrompidos, nomeadamente guardas, vigilantes e porteiros, devem ser organizados de modo que aos trabalhadores de cada turno seja concedido pelo menos um dia de descanso em cada semana de calendário, sem prejuízo do período excedente de descanso a que o trabalhador tenha direito”, defenderam os Professores Raúl Ventura e Monteiro Fernandes, em parecer publicado na CJ, ano X, 1985, Tomo 2, pags. 11 a 17, fazendo apelo, além do mais ao “facto de a lei reconhecer a especificidade das características do trabalho organizado por turnos e a necessidade de lhes atender mediante uma fórmula apropriada de efectivação do direito ao descanso semanal”, referindo que “A rotatividade dos turnos (…) implica a flutuação (embora segundo um esquema pré-determinado) do período de descanso semanal, pelo que respeita à sua localização no calendário” que “o princípio do descanso semanal não equivale a um (pretenso) princípio de descanso ao sétimo dia, ou ao fim de seis de trabalho”.
Ainda no mesmo sentido se pronunciava Bernardo Lobo Xavier, em Iniciação ao Direito do Trabalho, Verbo, Abril de 1999, pag. 254 ao afirmar que “O caso das empresas que não encerram nunca, como certas explorações fabris, põe o problema do descanso semanal em regime de turnos. A LCT (art. 51º, nº 2 e 3) exige que os trabalhadores de cada turno tenham em cada sete dias um de descanso, o qual deve coincidir periodicamente com o domingo. Entendemos (o problema é muito discutido) que se trata aqui de atribuir um dia de descanso em cada período de sete dias, coincida esse período ou não com a semana de calendário. Significa isto que poderão existir períodos de trabalho superiores a uma semana de calendário, aos quais se seguirão outros de menor duração, havendo acumulação de dois ou mais dias de folga.”
Ora, ao contrário do afirmado por Liberal Fernandes e por Catarina Carvalho nos estudos supra citados, não se vislumbra que quer a alteração introduzida no art. 189º, nº 5 do C.T. de 2003 e mantida no art. 221º, nº 5 do C.T., substituindo afinal o supra transcrito art. 27º, nº 5 do DL 409/71 de 27/09, quer as Directivas comunitárias supra referidas, tenham posto em causa o entendimento deste três últimos insignes professores, que de resto, se tornou maioritário na jurisprudência.
Na verdade, o que é consagrado pelas ditas Directivas, como prescrição mínima nem sequer é o direito a um dia de descanso em cada sete dias de trabalho, mas o direito a um dia de descanso por cada período de sete dias de trabalho (em consonância com o previsto pelo art. 7º da supra referida Convenção da OIT nº 106), o que não é exactamente a mesma coisa. No primeiro caso trata-se de um dia de descanso a gozar durante o período de sete dias de trabalho, e no segundo caso, trata-se de um dia de descanso após sete dias de trabalho.
A legislação comunitária impõe, pois, aos Estados-Membros a tomada de medidas para que todos os trabalhadores gozem 24h consecutivas de descanso por referência a cada sete dias de trabalho
Tal entendimento é clarificado pelo disposto pelo último parágrafo do art. 16º da Directiva 2003/88/CE ao prever que “Se o período mínimo de descanso semanal de 24 horas exigido no art. 5º coincidir com o períodos de referência, não será tomado em consideração para o cálculo da média”, o que significa por um lado, que o período mínimo de descanso pode ou não ser gozado durante os sete dias de trabalho (o período de referência) e, por outro lado, que, sendo gozado durante os sete dias, não conta para o cálculo da média.
Assim de nenhum preceito das Directivas resulta a proibição de trabalhar mais de seis dias consecutivos, muito menos a imposição de que o dia de descanso seja gozado ou concedido ao 7º dia de trabalho. Pelo contrário as prescrições mínimas daquelas Directivas, pelos motivos supra expostos vão exactamente no sentido propugnado pelo entendimento maioritário da jurisprudência e de Raul Ventura/Monteiro Fernandes, Antunes Varela e Bernardo Lobo Xavier nos termos supra mencionados, no âmbito do ordenamento jurídico português anterior ao Código de 2003.
O Código de 2003 ao prever no art. 189º, nº 5 o direito dos trabalhadores por turnos em regime de laboração contínua a um dia de descanso em cada período de sete dias, do nosso ponto de vista, foi até mais longe que a imposição comunitária, consagrando não o dia de descanso por cada sete dias de trabalho, mas o dia de descanso em cada sete dias de trabalho e, se clarificou alguma coisa, foi que o período de referência deixou de ter de ser a semana de calendário como antes previsto pelo art. 27º, nº 5 do DL 409/71 de 27/09, passando a ser qualquer período de sete dias. Em bom rigor o Código de 2003 retomou a redacção do art. 51º, nº 2 da LCT.
Tudo considerado, entendemos que, obrigatoriedade de conceder um dia de descanso em cada sete dias de trabalho, prevista pelos arts. 189º, nº 5 do Código do Trabalho de 2003 e 221º, nº 5 do Código de Trabalho de 2009 não pode, ao contrário do que pretende o autor, ser entendida como a obrigatoriedade de conceder um dia de descanso após seis dias de trabalho consecutivo. O que a lei prevê é que os trabalhadores por turnos em regime de laboração contínua, em que o dia de descanso não tem que coincidir com o domingo, gozem, apesar disso um dia de descanso que tem de ser gozado num de entre sete dias de trabalho, sem que a determinação do concreto dia de descanso esteja dependente de um limite de dias de trabalho consecutivo. Para cumprimento do disposto pelo citado regime legal, diga-se imperativo, indispensável é que o esquema seguido permita ao trabalhador, em cada período de sete dias, individualmente considerado, usufruir de um dia de descanso, independentemente do número de dias de trabalho consecutivos que precedem ou que se seguem o período de descanso.
A este respeito, pronunciou-se o Tribunal de Justiça da União Europeia no Acórdão de 9 de Novembro de 2017, proferido no processo C-306/16 (que apreciou um caso idêntico relativo a outro trabalhador do Casino C1…, onde foram apreciadas as questões ora em discussão).
No citado Acórdão do Tribunal de Justiça declara-se que “o artº 5º da Directiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de novembro de 1993, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, conforme alterada pela Directiva 2000/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 2000, bem como o artº 5º, primeiro paragrafo da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, devem ser interpretados no sentido de que não exigem que o período mínimo de descanso semanal ininterrupto de vinte e quatro horas a que o trabalhador tem direito seja concedido, o mais tardar, no dia subsequente a um período de seis dias consecutivos, mas impõe que esse período seja concedido em cada período de sete dias.”
Assim, não se pode ter por verificado o primeiro pressuposto em que assenta a pretensão do autor e com fundamento no qual formulava o pedido de condenação da ré a pagar-lhe como trabalho suplementar o prestado no 7º e 8º dias de trabalho, no período de 2004 a 2009, já que do exposto decorre que inexiste qualquer proibição de trabalho consecutivo por mais de seis dias. Dito de outro modo, nada na lei obrigava a ré a organizar os horários e as escalas de rotação de modo a que cada um dos seus trabalhadores folgasse ao 7º e ao 8º dia.
Por isso, o trabalho que o autor prestou de 2004 a 2009 nos que diz serem os 7º dia e o 8º dia não pode ser considerado trabalho prestado em dia que devia ser de descanso e como tal não pode ser considerado trabalho suplementar, improcedendo a pretensão do autor.
O mesmo se concluirá quanto ao trabalho prestado a partir de 2010 nas semanas em que o autor só gozou um dia de descanso.
Na verdade, da cláusula 36ª do AE aplicável supra identificado resulta que os trabalhadores da ré, incluindo o autor, têm direito a dois dias de descanso semanal, dias que têm que ser seguidos.
Os trabalhadores da ré têm, pois, direito ao dia de descanso semanal obrigatório e beneficiam de um dia de descanso semanal complementar instituído por via do instrumento de regulamentação colectiva aplicável. Nada prevê, contudo aquela cláusula convencional quanto ao concreto momento em que tais dias de descanso deverão ser gozados, a não ser que devem ser seguidos e que no caso, como o dos autos, em que os descansos são rotativos, os mesmos devem coincidir, pelo menos de quatro em quatro semanas, com o sábado e/ou o domingo.
Alega a ré que configura um uso laboral que o descanso complementar concedido por força da outorga do AE, sendo seguido ao descanso obrigatório possa ocorrer ao 8º dia.
O uso da empresa corresponde a “uma prática reiterada e voluntária do empregador que tem como destinatário um colectivo (o pessoal da empresa ou um grupo contido nesse pessoal)”
Face ao disposto pelo art. 1º do Código do Trabalho de 2003 e do Código de Trabalho de 2009, é inquestionável que os usos laborais, abstractamente considerados, constituem fonte específica do direito do trabalho, tendo deixado de ser meramente atendíveis, para passarem a ser vinculativos.
Trata-se assim de conferir força vinculante a práticas generalizadas, porquanto só relevam as que tiverem por destinatários todos os trabalhadores, que revistam o longo de determinado período de tempo carácter reiterado, que não contrariem normas imperativas e que não sejam contrárias à boa-fé, ou seja, práticas susceptíveis de desencadear e de fundar a legítima expectativa de continuidade, transformando-se em obrigações de conduta.
«A consagração dos usos como fonte específica do Direito do Trabalho de forma genérica neste dispositivo terá afastado o princípio decorrente do artigo 3.º do Código Civil acima citado, no sentido de que a eficácia dos usos depende da existência de um dispositivo legal que em concreto lhes atribua relevo.” E quanto à articulação dos usos com as demais fontes do Direito, prossegue o dito acórdão citando Maria do Rosário Palma Ramalho, em Direito do Trabalho, Parte I – Dogmática Geral, Almedina, 2005, p. 223: «dado o seu papel eminentemente integrador do conteúdo do contrato de trabalho, os usos laborais não devem prevalecer sobre disposição contratual expressa em contrário, na mesma linha não prevalecem também os usos sobre disposições de regulamento interno com conteúdo negocial (…) e por fim, podem os usos ser afastados pelos instrumentos convencionais de regulamentação colectiva do trabalho, já que estes correspondem a uma autorregulamentação laboral. Já no que respeita à relação dos usos com a lei, parece decorrer da formulação da norma que o uso pode afastar normas legais supletivas, mas, naturalmente, não valerá se contrariar uma norma imperativa.»
Na situação em apreço, verifica-se que quer no horário que entrou em vigor a partir de 03/01/2010, quer no que entrou em vigor em 02/01/2011, há períodos em que o segundo dia de descanso consecutivo (dia de descanso complementar) ocorre ao 8º dia.
Ora, ficou demonstrado que o gozo de pelo menos dois dias de descanso seguidos constitui uma prática que na ré remonta a 1988, assim como que os trabalhadores da ré sempre aceitaram que o descanso complementar previsto no AE fosse gozado a seguir ao dia de descanso obrigatório.
Por outro lado ficou demonstrado que, no âmbito das consultas promovidas para alteração dos horários de trabalho, os trabalhadores nunca se manifestaram. Só em Dezembro de 2010 a Comissão de Trabalhadores emitiu parecer negativo à alteração dos horários.
Também a estipulação dos horários foi sempre precedida de reuniões, em que o autor participou, nas quais eram discutidas todas as questões relacionadas com o assunto, sendo apresentados pelos colaboradores horários ou soluções alternativas aos apresentados pela chefia, sendo ainda certo que os colaboradores da ré nunca pretenderam gozar folgas fixas, porque tal implicaria que alguns não pudessem gozar folgas ao fim-de-semana.
Por isso, reconhecesse força vinculativa ao uso laboral assim constituído quanto à organização pela ré dos horários de trabalho e escalas de rotação em causa nos autos por se tratar trata-se de uma prática colectiva, reiterada, que não contraria qualquer norma imperativa, já que apenas contende com o dia de descanso complementar, e que, nesta parte, ao contrário das disposições relativas ao descanso obrigatório (art. 3º, nº 3 al. g) e h) do Código do Trabalho de 2009) as disposições legais e convencionais não têm carácter imperativo.
Acresce que o AE aplicável não contém qualquer disposição relativa ao descanso dos trabalhadores por turnos, mas apenas quanto ao trabalhadores com descansos rotativos e nessa disposição apenas se estipula a coincidência periódica, dos descanso com o sábado e/ou domingo, pelo que não está em causa a derrogação de qualquer disposição convencional.
Aquela prática igualmente não ofende a boa-fé.
Corresponde, de resto, às expectativas dos trabalhadores, que não só a aceitaram, como a quiseram e a reivindicam mesmo nos autos, relativamente ao período de 2004 a 2009, ao considerarem (ainda que sem razão) que o 8º dia deveria ser dia de descanso complementar e como trabalho suplementar o prestado nesse dia.
Assim sendo, importa concluir que ao organizar da forma com tem vindo a fazer os horários dos seus trabalhadores com as funções de “caixa fixos”, a ré tem vindo a cumprir a lei, o acordo de empresa aplicável e os usos laborais relevantes, pelo que não tem o autor direito nem à remuneração de trabalho suplementar, nem aos correspondentes descansos compensatórios que reclama.
Nestes termos a pretensão do Autor tem de improceder na totalidade.”
1.2.1 Da adequação legal ou não dos horários de trabalho
Cumprindo dizer o direito do caso, de modo a responder-se à questão colocada, importa desde já assinalar que esta Secção do Tribunal da Relação do Porto já se pronunciou por diversas vezes sobre a mesma questão que aqui é colocada, assim nomeadamente nos acórdãos de 24 de Janeiro de 2018[12], 5 de fevereiro de 2018[13] e 21 de fevereiro de 2018[14], acompanhando-se nestes dois últimos a posição que havia sido assumida anteriormente no primeiro desses acórdãos, sendo que, como nos presentes autos – em que, perante idêntica questão de direito, sendo a mesma a entidade patronal (Ré) – se entendeu que à luz dos dispositivos aplicáveis se justificava o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, o mesmo ocorreu na presente ação, na qual inclusivamente se suspendeu a instância até que aquele Tribunal se pronunciasse, suspensão essa que findou no seguimento da junção aos autos de ofício oriundo daquele Tribunal acompanhado do Acórdão proferido em 9 de novembro de 2017, no processo C-306/16 (D… contra C…, SA) apresentado pelo Tribunal da Relação do Porto, Processo nº 1282/15.9T8MTS.P1.
Tendo-se pois pronunciado o Tribunal de Justiça da União Europeia em conformidade com o que se teve por justificado na presente ação, e que levou aliás a que esta se suspendesse até àquela pronúncia, estamos assim em condições de partir para a apreciação e aplicação do direito ao caso.
Das considerações anteriores resulta, no essencial, a afirmação, que poderemos desde já avançar, de que acompanharemos também o entendimento seguido nos supra identificados Arestos desta Secção, pois que, com base no quadro factual provado e na circunstância de também nesta ação se ter solicitado pronúncia ao TJUE, se não encontram razões para daquele divergir.
Daí que, relembrando-se que no acórdão de 26 de Junho de 2017 deixemos já assinalado que não nos merece censura a afirmação do Tribunal a quo de que no caso, estando a Ré obrigada a organizar turnos de pessoal diferente pelo facto do seu período de funcionamento ultrapassar os limites máximos dos períodos normais de trabalho mas já não o está à disciplina prevista pelo nº 5, respetivamente, dos artigos 189.º do CT/2003 e 221.º do CT/2009 – uma vez que essa, reportando-se ao regime de laboração contínua, é privativa dos estabelecimentos industriais, o que não é o caso da Ré –, como não nos merece, do mesmo modo, quanto à interpretação mais conforme ao direito internacional e comunitário, em particular com o regime contido nos artigos. 5.º e 17.º, n.º 4, al. a) da Diretiva n.º 2003/88 –, assim de que o artigo 205.º, n.º 1, do CT/2003 e 232.º, n.º 1, do CT/2009 sobre se “obriga a estabelecer um descanso de 24 horas em cada período de sete dias”, por estar afinal conforme com o que foi acolhido no Acórdão do TJUE a que anteriormente aludimos.
Efetivamente, tendo esse Tribunal sido demandado para se pronunciar sobre esse questão, em termos de saber-se, em conformidade, se o trabalhador (no caso o Autor) tem ou não direito à remuneração por trabalho suplementar e à compensação por descanso compensatório não concedido e que reclama na petição inicial, o mesmo afirmou que as normas das Diretivas invocadas – assim o artigo 5º da Diretiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de Novembro de 1993, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, conforme alterada pela Diretiva 2000/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Junho de 2000, bem como o artigo 5º, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho – devem ser interpretados no sentido de que não exigem que o período mínimo de descanso semanal ininterrupto de vinte e quatro horas a que o trabalhador tem direito seja concedido, o mais tardar, ao dia subsequente a um período de seis dias de trabalho consecutivos, mas impõem que esse período seja concedido em cada período de sete dias.
Tirando afinal as necessárias consequências da interpretação afirmada no caso pelo TJUE, no Acórdão de 24 de Janeiro de 2018, proferido no processo 1282/15.9T8MTS.P1, a que aludimos já e que como referimos acompanhamos, fez-se constar o seguinte[15]:
«O Autor apresentou as observações ao pedido de decisão prejudicial defendendo que “a empresa e sindicatos acordaram em fixar um descanso semanal de dois dias seguidos, a coincidir periodicamente com o sábado e o domingo, o que constitui um regime especial mais favorável aos trabalhadores (dois dias de descanso semanal) – previsto no artigo 15º da Directiva 2003/88/CE. Assim, os dois dias seguidos de descanso semanal expresso na convenção colectiva aplicável às partes deste processo, não podem ser reduzidos para um dia de descanso semanal «não pode constituir justificação válida para fazer regredir o nível geral de protecção dos trabalhadores», conforme dispõe o artigo 23º da Directiva 2003/88/CE”.
A Ré apresentou as observações ao pedido de decisão prejudicial referindo, no que aqui importa salientar, que “ Primeira Questão: À luz dos artigos 5º da Directiva 93/104/CE do Conselho de 23.11.1993 e da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 04.11.2003, bem assim como do artigo 31º/e da Carta dos Direitos Fundamentais da EU, no caso dos trabalhadores a trabalhar por turnos e com folgas rotativas, em estabelecimento que labora em todos os dias da semana mas que não labora continuadamente nas 24 horas diárias, o dia de descanso obrigatório a que o trabalhador tem direito não tem de necessariamente de ser concedido no sétimo dia subsequente a seis dias de trabalho consecutivo. Segunda Questão: É conforme com essas Directivas e normativos, a interpretação de que em relação a esses trabalhadores o empregador é livre de escolher os dias em que concede ao trabalhador, em cada semana ou por cada período de sete dias, os descansos a que este tem direito, podendo o trabalhador, ser obrigado, sem remuneração de trabalho suplementar, a prestar até 10 dias de trabalho consecutivo (por exemplo, entre a quarta-feira de uma semana, antecedida de descanso à segunda e terça, até sexta da semana seguinte, seguida de descanso ao sábado e domingo) Terceira Questão: É conforme com essas Directivas e normativos, uma interpretação no sentido de que o período de 24 horas de descanso ininterrupto pode ocorrer em qualquer dos dias de calendário de um determinado período de sete dias de calendário e o período de 24 horas de descanso ininterrupto (às quais se adicionam as 11 horas de descanso diário) subsequente pode igualmente ocorrer em qualquer dos dias de calendário do período de sete dias de calendário imediatamente subsequente ao anterior. Quarta Questão: É conforme com essas Directivas e normativos, no quadro de aplicação pelos Estados Membros do regime constante da alínea a) do artigo 16º da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Concelho de 04.11.2003, a interpretação de que o trabalhador em lugar de gozar um período de 24 horas de descanso ininterrupto (às quais se adicionam as 11 horas de descanso diário) por cada período de sete dias ou semana, pode gozar dois períodos consecutivos, ou não, de 24 horas de descanso ininterrupto em qualquer dos dias de um determinado período de referência de 14 dias.
A Hungria apresentou observações escritas concluindo que “O Direito da União, tanto ao nível dos princípios como ao nível das disposições de aplicação, reconhece a todos os trabalhadores um direito ao descanso semanal a título do direito a condições saudáveis, seguras e dignas. Por força dessas disposições, todos os trabalhadores, incluindo os que trabalham segundo o regime instituído pela recorrida no processo principal, devem beneficiar de um dia de descanso por cada período de sete dias de calendário, o mais tardar no sétimo dia subsequente a seis dias de trabalho consecutivos. A interpretação da Directiva segundo a qual, no que respeita a esses trabalhadores, o empregador é livre de escolher os dias em que concede ao trabalhador, por cada semana, os descansos a que este tem direito por cada período de sete dias, é conforme ao direito da União. Também não é contrário ao direito da União que o empregador opte por conceder o período de descanso de tal modo que o trabalhador seja obrigado, sem remuneração de trabalho suplementar, a prestar até dez dias de trabalho consecutivo. A interpretação segundo a qual o período de 24 horas de descanso ininterrupto pode ocorrer em qualquer dos dias de um determinado período de sete dias de calendário e o período seguinte de 24 horas de descanso ininterrupto (às quais se adicionam as 11 horas de descanso diário) pode também ocorrer em qualquer dia do período de sete dias de calendário consecutivos, é conforme ao direito da União. A interpretação segundo a qual o empregador reconhece ao trabalhador dois períodos, consecutivos, ou não, de 24 horas de descanso ininterrupto repartidas indiferentemente pelos 4 dias de calendário de um determinado período de referência de 14 dias, é conforme às disposições referidas”.
A Polónia apresentou observações e propôs a seguinte decisão: “Os artigos 5º e 16º, al. a) da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04.11.2003, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, devem ser interpretados no sentido de que o empregador que concede a um trabalhador um descanso semanal pode escolher livremente um dia durante o período de sete dias”.
Portugal apresentou observações e propôs a seguinte decisão: “A Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04.11.2003, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, deve ser interpretada no sentido de que, em circunstâncias como as da causa no processo principal, nos estabelecimentos em que os trabalhadores laboram todos os dias da semana, mas sem laborarem continuadamente nas 24 horas diárias, com folgas rotativas em diferentes dias de semana, cada trabalhador tem direito a gozar um período mínimo de 24 horas de descanso ininterrupto após 6 dias de trabalho consecutivos”.
A Finlândia apresentou observações referindo, a final, que “Não resulta da Directiva 2003/88/CE que o período de repouso semanal referido no artigo 5º desta Directiva, segundo as disposições aplicáveis, deva ser concedido aos trabalhadores em cada sétimo dia do calendário”.
A Suécia apresentou observações concluindo “ 1. O artigo 5º da Directiva 2003/88/CE e o artigo 31º da Carta não podem ser interpretados no sentido de que o dia de descanso obrigatório a que o trabalhador tem direito é concedido em cada período de sete dias, ou seja, o mais tardar no sétimo dia subsequente a seis dias consecutivos de trabalho. 2. O artigo 5º da Directiva 2003/88/CE e o artigo 31º da Carta devem ser interpretados no sentido de que o empregador tem a liberdade de escolher, semanalmente, as datas em que concede os dias de descanso a que o trabalhador tem direito, podendo este prestar até dez dias de trabalho consecutivos. 3. O artigo 5º da Directiva 2003/88/CE e o artigo 31º da Carta devem ser interpretados no sentido de que o período de 24 horas de descanso ininterrupto pode ter lugar em qualquer dia de um determinado período de sete dias de calendário e de que o período seguinte de 24 horas de descanso ininterrupto (às quais se adicionam as 11 horas de descanso diário) pode igualmente ter lugar em qualquer dia do período de sete dias de calendário subsequente.
A Comissão Europeia, propôs a seguinte decisão: (…) “2. O artigo 5º da Directiva 93/104/CE do Conselho, de 23.11.1993, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, e da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04.11.2003, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, deve ser interpretado no sentido de que não se opõem a disposições do Direito nacional em permitam fixar os dias de descanso semanal de forma livre dentro de cada período diferente de sete dias, e isso mesmo que a consequência seja que um trabalhador acabe por ter que prestar mais do que sete dias de trabalho consecutivos. 3. Os artigos 5º e 16º, nº1, da Directiva 93/104/CE do Conselho, de 23.11.1993, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, e os artigos 5º e 16º, al. a) da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04.11.2003, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a disposições do Direito nacional que permitam que os períodos de descanso semanal sejam repartidos livremente e gozados de forma consecutiva, ou não, dentro de cada período de referência de 14 dias, e isto mesmo que a consequência seja que um trabalhador acabe por ter que prestar mais do que 14 dias de trabalho consecutivos”.
O Advogado Geral apresentou as seguintes conclusões: “O artigo 5º da Directiva 93/104/CE do Conselho, de 23.11.1993, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, o artigo 5º da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04.11.2003, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, e o artigo 31º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia devem ser interpretados no sentido de que não impõem que o período de descanso semanal seja concedido, o mais tardar, no sétimo dia subsequente a seis dias de trabalho consecutivos, mas impõem que o mesmo seja concedido dentro de cada período de sete dias”.
Em 09.11.2017 o Tribunal de Justiça (Segunda Secção), considerando a 4ª questão inadmissível e respondendo às demais questões, proferiu acórdão declarando: O artigo 5º da Directiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de Novembro de 1993, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, conforme alterada pela Directiva 2000/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Junho de 2000, bem como o artigo 5º, primeiro parágrafo, da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, devem ser interpretados no sentido de que não exigem que o período mínimo de descanso semanal ininterrupto de vinte e quatro horas a que o trabalhador tem direito seja concedido, o mais tardar, ao dia subsequente a um período de seis dias de trabalho consecutivos, mas impõem que esse período seja concedido em cada período de sete dias.
O Autor [tal como neste processo] veio reafirmar a sua anterior posição defendendo que o AE regula o descanso semanal nas clªs.36ª e 37ª, estabelecendo o seguinte regime mais favorável como previsto no artigo 15º da Directiva (5 dias de trabalho precedem 2 dias de descanso). Refere ainda a vinculação de Portugal às Convenções da OIT nº14 e nº106».
Continuando a acompanhar o acórdão em referência, nele enunciou-se como objecto do recurso, o seguinte: ”Se o Autor tem direito à remuneração por trabalho suplementar e à compensação por descanso compensatório não concedido”.
Para depois se passar à apreciação, constando da fundamentação o seguinte:
«1.A interpretação dada ao artigo 5º da Directiva 93/104/CE do Conselho, de 23.11.1993 e ao artigo 5º da Directiva, 1º§, da Directiva 2003/88/CE.
Foi esta a questão que ficou em aberto no anterior acórdão na medida em que, como aí referido, “a solução que está em apreciação depende da resposta que previamente se dê à seguinte interrogação: qual o período máximo de dias de trabalho consecutivos que o empregador pode impor ao trabalhador sem lhe proporcionar o descanso semanal a que este último tem direito?” (….). Mais se refere no mesmo acórdão “Resulta de quanto vem de referir-se que o Autor tinha, ao serviço da Ré, direito a 2 dias de descanso consecutivos, o primeiro obrigatório e o segundo complementar, seja no âmbito do CT/2003, seja no do CT/2009, em cada semana. Tudo está agora em saber se, como pretende o Autor, esses dois dias de descanso tinham que ser concedidos obrigatoriamente ao fim de um período máximo de seis dias de trabalho consecutivos, ou se, como pretende a Ré, no que logrou acolhimento na sentença recorrida, no caso de trabalhadores de estabelecimentos que laboram todos os dias da semana, mas sem laborarem continuadamente nas 24 horas diárias, com folgas rotativas em diferentes dias da semana, o empregador é livre de escolher os dias de cada semana em que concede ao trabalhador os descansos a que este tem direito, podendo o trabalhador ser obrigado, sem prestação de trabalho suplementar, a prestar até dez dias de trabalho consecutivos (por exemplo, entre a quarta-feira de uma semana, antecedida de descanso à segunda e terça, até sexta da semana seguinte, seguida de descanso ao sábado e ao domingo)” (…).
Comecemos por dizer que em face da factualidade provada – factos 4 e 5 – e do disposto nos artigos 189º, nº1 do CT/2003 [«Devem ser organizados turnos de pessoal diferente sempre que o período de funcionamento ultrapasse os limites máximos dos períodos normais de trabalho»] e 221º, nº1 do CT/2009 [com idêntica redacção] a Ré está obrigada a organizar turnos de pessoal diferente. Ma já não está obrigada a dar cumprimento ao determinado no nº5 do artigo 189º do CT/2003 [«Os turnos no regime de laboração contínua e dos trabalhadores que assegurem serviços que não possam ser interrompidos, nomeadamente pessoal operacional de vigilância, transporte e tratamento de sistemas electrónicos de segurança, devem ser organizados de modo que aos trabalhadores de cada turno seja concedido, pelo menos, um dia de descanso em cada período de sete dias, sem prejuízo do período excedente de descanso a que o trabalhador tenha direito»] nem ao determinado no nº5 do artigo 221º do CT/2009 [«Os turnos no regime de laboração contínua e os de trabalhadores que asseguram serviços que não podem ser interrompidos, nomeadamente nas situações a que se referem as alíneas d) e e) do nº2 do artigo 207º, devem ser organizados de modo a que os trabalhadores de cada turno gozem, pelo menos, um dia de descanso em cada período de sete dias, sem prejuízo do período excedente de descanso a que tenham direito»] na medida em que a Ré não exerce a sua actividade em regime de laboração contínua nem assegura serviços que não podem ser interrompidos.
Deste modo, e como se afirma na decisão proferida pela 1ª instância a Ré está “apenas obrigada a conceder ao Autor um dia de descanso obrigatório por semana, seguido de um dia de descanso complementar, por via da aplicação dos artigos 205º do CT/2003 e 232º do CT/2009 e da cláusula 36ª do AE aplicável”.
No entanto, a entender-se o contrário, há que considerar o decidido pelo Tribunal de Justiça.
Estamos perante um acórdão interpretativo do artigo 5º da Directiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de Novembro de 1993, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, conforme alterada pela Directiva 2000/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Junho de 2000, bem como do artigo 5º, primeiro parágrafo, da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003. Tal acórdão tem força obrigatória, vinculando “o juiz nacional que recorreu ao Tribunal Comunitário” – João Mota de Campos e João Luís Mota de Campos, Manual de Direito Comunitário, Coimbra Editora, 5ª edição, página 438.
E em face da interpretação dada por aquele Tribunal temos de concluir estar afastada a posição defendida pelo Autor: de que deveria gozar o descanso obrigatório após seis dias de trabalho consecutivo, ou seja, ao sétimo dia.
E igualmente está afastada a tese de que o Autor deve igualmente descansar ao 8º dia por ser o dia de descanso complementar, conforme previsto na clª36ª do AE.
Relembremos o que preceitua a referida cláusula.
A clª36ª do AE determina, no seu nº1, que os trabalhadores têm direito a gozar dois dias de descanso semanal seguidos (descanso obrigatório e complementar) e fixa, no seu nº6, a regra de que têm de coincidir, de 4 em 4 semanas, com o sábado/e ou domingo se forem rotativos, como é o caso em análise.
Ora, se o AE impôs que os dois dias de descanso devem ser seguidos, e tendo nós concluído que o descanso obrigatório não tem de ser concedido ao trabalhador logo após a prestação de seis dias de trabalho consecutivos (ao 7º dia) daqui decorre que o descanso complementar não tem de ser obrigatoriamente concedido ao 8º dia, como defende o Autor.
Com efeito, se o descanso obrigatório – seguindo a interpretação do Tribunal de Justiça – deve ser concedido em cada período de sete dias a mesma interpretação deve seguir-se quanto ao descanso complementar pois este deve ser gozado a seguir àquele (ao descanso obrigatório).
Contudo, refere o Autor que as Directivas não são a única fonte de direito hierarquicamente superiores que vincula Portugal em matéria de descanso semanal, pois que importa atender ao determinado nas Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) nº14 e nº106, que o Estado Português ratificou.
A Convenção da OIT nº14, de 1921 [relativa ao descanso semanal na indústria, aprovada para ratificação pelo Decreto nº15362 de 03.04.1928] e a Convenção da OIT nº106, de 1957 [relativa ao descanso semanal no comércio e nos escritórios, aprovada para ratificação pelo DL nº43005 de 03.06.1960] têm como âmbito de aplicação os sectores da indústria, comércio e escritórios, o que não é seguramente o caso que aqui tratamos. Deste modo, e com o devido respeito, não se pode aqui invocar o determinado nessas convenções.
Refere também o apelante que a clª36ª do AE é mais favorável do que o estabelecido na Directiva e como tal não se aplicaria a «interpretação» a que se chegou o Tribunal de Justiça atento o disposto no artigo 15º da Directiva.
O artigo 15º da Directiva dispõe: “A presente directiva não impede os Estados-Membros de aplicarem ou introduzirem disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis ou permitirem a aplicação de convenções colectivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais mais favoráveis à protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores”.
A clª36ª do AE publicado no BTE nº22 de 2002 determina: “1. Todos os trabalhadores abrangidos por este AE têm direito a dois dias de descanso semanal seguidos, excepto os dos bingos que mantêm o regime em vigor na data da assinatura do presente AE”. A clª36ª do AE publicado no BTE nº31 de 2007 refere “1. Todos os trabalhadores abrangidos por este AE têm direito a dois dias de descanso semanal seguidos”.
A referida cláusula é mais favorável, em termos de atribuição do número de dias de descanso semanal, pois concede aos trabalhadores dois dias de descanso em vez de um só dia.
Mas, salvo o devido respeito, não é essa a questão que aqui nos ocupa, mas antes a de saber se o dia de descanso obrigatório deve ser concedido obrigatoriamente ao trabalhador ao fim de um período máximo de seis dias de trabalho consecutivos, ao qual se segue o descanso complementar. E se nada se determina no AE a esse respeito, então, não se pode falar propriamente na existência de um regime mais favorável – pela via convencional – do que o estabelecido no artigo 5º das Directivas 93/104/CE e 2003/88/CE. Na verdade, se o AE consagrou aos trabalhadores o direito a descansar dois dias [em vez de só um dia] contudo, não curou de estabelecer ao fim de quantos dias de trabalho seguidos tal descanso deveria ocorrer, sendo certo que no caso se está perante um regime de turnos rotativos [e não um regime de turnos fixos].
Deste modo, reitera-se aqui a conclusão a que se chegou na decisão recorrida, de que o trabalho prestado pelo Autor no 7º dia e no 8º dia, após seis dias de trabalho ininterruptos, “não pode ser considerado trabalho prestado em dia que devia ser de descanso e como tal não pode ser considerado trabalho suplementar, improcedendo a pretensão do Autor”.
2. Os usos laborais.
Na decisão recorrida escreveu-se o seguinte: (…) “Alega a Ré que configura um uso laboral que o descanso complementar concedido por força da outorga do AE, sendo seguido ao descanso obrigatório, possa ocorrer ao 8º dia” (…) “Face ao disposto pelo artigo 1º do Código do Trabalho de 2003 e do Código do Trabalho de 2009, é inquestionável que os usos laborais, abstractamente considerados, constituem fonte específica do direito do trabalho, tendo deixado de ser meramente atendíveis, para passarem a ser vinculativos” (…) “Na situação em apreço, verifica-se que quer no horário que entrou em vigor a partir de 03.01.2010, quer no que entrou em vigor em 02.01.2011, há períodos em que o segundo dia de descanso consecutivo (dia de descanso complementar) ocorre ao 8º dia. Ora, ficou demonstrado que o gozo de pelo menos dois dias de descanso seguidos constitui uma prática que na Ré remonta a 1988, assim como que os trabalhadores da Ré aceitaram que o descanso complementar previsto no AE fosse gozado a seguir ao dia de descanso obrigatório. Por outro lado ficou demonstrado que, no âmbito das consultas promovidas para alteração dos horários de trabalho, os trabalhadores nunca se manifestaram. Só em Dezembro de 2010 a Comissão de Trabalhadores emitiu parecer negativo à alteração dos horários. Também a estipulação dos horários foi sempre precedida de reuniões, em que o Autor participou, sendo apresentados pelos colaboradores horários ou soluções alternativas aos apresentados pelas chefias, sendo ainda certo que os colaboradores da Ré nunca pretenderam gozar folgas fixas, porque tal implicaria que alguns não pudessem gozar folgas ao fim-de-semana, ou a perda de gratificações por se tornar necessária a contratação de mais trabalhadores, tendo até manifestado perante a chefia o desagrado pela alteração do horário em 2010, mas por passar a ser mais espaçado o tempo entre folgas que a cada um calhava ao fim-de-semana. Por isso, importa reconhecer força vinculativa ao uso laboral assim constituído quanto à organização pela Ré dos horários de trabalho e escalas de rotação em causa nos autos. De facto, trata-se de uma prática colectiva, que não contraria norma imperativa, já que apenas contende com o dia de descanso complementar, e que nesta parte, ao contrário das disposições relativas ao descanso obrigatório (artigo 3º, nº3, al. g) e h) do Código de Trabalho de 2009) as disposições legais e convencionais não têm caracter imperativo” (…).
O Autor refere que os usos laborais têm aplicação muito restrita e que os mesmos não prevalecem sobre as normas reguladoras do tempo de trabalho e dos períodos de descanso, que são de teor imperativo mínimo. Igualmente as normas convencionais – do AE – não podem ser afastadas por qualquer uso.
A presente questão tem a ver com o descanso complementar estabelecido na clª36ª do AE, a que já nos referimos atrás, e com o pedido que o Autor formulou relativamente à falta do segundo dia de descanso semanal referente aos anos de 2010 a 2013.
Tendo em conta a factualidade provada [Os horários dos colaboradores da Ré que exercem funções nas salas de jogos contemplam, pelo menos desde 1988 dois dias de descanso seguidos] a referida questão mostra-se prejudicada quanto ao seu conhecimento na medida em que o Autor não logrou provar que a Ré não lhe tivesse concedido, nos referidos anos, o descanso complementar.
Termos em que se julga a apelação improcedente e se confirma a decisão recorrida».
Por acompanharmos, nos termos anteriormente mencionados, o entendimento sufragado no citado Acórdão, da aplicação desse mesmo entendimento ao caso que se decide resulta, afinal, a afirmação do mesmo resultado a que aí se chegou, ou seja, da improcedência do presente recurso.
Para tanto, um outro esclarecimento se impõe, neste caso nos termos constantes do Acórdão desta Secção de 5 de fevereiro de 2018, a que também fizemos já referência, a propósito da vinculação desde Tribunal ao decidido no Acórdão do TJUE a que faz alusão a decisão recorrida e, bem assim, o Acórdão citado de 24 de janeiro de 2018.
É que, afinal, também nestes autos foi suscitada perante o TJUE a mesma questão, sendo que só não foi apreciada precisamente pelo facto daquele Tribunal se ter pronunciado sobre essa anteriormente – no seguimento da solicitação efetuada no processo sobre que incidiu o referido Acórdão desta Relação de 24 de janeiro –, o que equivale a dizer que essa pronúncia também nos vincula, assim a propósito de se acolher a decisão interpretativa que foi suscitada e nesse depois afirmada. Daí que, como se elucida naquele Acórdão, o Acórdão interpretativo do TJUE tenha força obrigatória, vinculando pois o juiz nacional que recorreu àquele Tribunal Comunitário, o que significa que, atenta essa interpretação, não assista razão ao Recorrente, sucumbindo pois a sua pretensão, em síntese, no sentido de que deveria gozar o descanso obrigatório após seis dias de trabalho consecutivo, ou seja, ao sétimo dia.
Daí que, e como também evidenciado no Acórdão desta Secção de 24 de janeiro referido, tendo a questão dos usos laborais a ver com o descanso complementar estabelecido na cláusula 36ª do AE e com o pedido que o Autor formulou relativamente à falta do segundo dia de descanso semanal a partir de 2010, estando provado, assim no ponto 22.º da factualidade provada, que “Os horários dos colaboradores da ré que exercem funções nas salas de jogos contemplam, pelo menos desde 1988 dois dias de descanso seguidos”, não assume qualquer relevância, ficando prejudicada, para a decisão a exclusão do ponto 30.º dessa mesma factualidade em sede de recurso, nos termos afirmados aquando da apreciação do recurso sobre a matéria de facto, pois que o Autor não logrou provar que a Ré não lhe tivesse concedido, nesse período, o descanso complementar.
Como última nota, a propósito do argumento de que o direito nacional teria já sido interpretado e aplicado por este Tribunal da Relação do Porto no seu acórdão de 7 de novembro de 2016[16], importa esclarecer que, acompanhando-se o que se afirmou no Acórdão desta Secção de 5 de fevereiro de 2018 antes identificado, no caso sobre o qual aquele incidiu estava afinal em causa a interpretação do disposto no n.º 5 do artigo 221.º do CT – saber se o descanso semanal dos trabalhadores por turnos em regime de laboração contínua pode ser gozado em qualquer momento, ou seja, em qualquer dos dias da semana de calendário (ciclo de sete dias contínuos), sem ter em conta o número de dias consecutivos de trabalho, caso em que esse período poderia ser superior a seis dias de trabalho, ou se pelo contrário tem de ser gozado sempre após seis dias de trabalho consecutivo, ou seja, ao 7º dia –, o que, como se concluiu anteriormente, e foi afirmado também na sentença recorrida, não é o caso que se aprecia.
Respondendo pois o entendimento já afirmado nos mencionados Acórdãos desta Relação às questões suscitadas no presente recurso interposto pelo Autor, dispensam-se aqui, por essa razão, por desnecessidade, quaisquer outras considerações, que mais não traduziriam do que repetição de argumentos já analisados e apreciados.
Daí que, em conformidade com o exposto, por não obterem sustentação os argumentos invocados nas respetivas conclusões, se conclua pela improcedência do recurso interposto pelo Autor.
2. Ampliação do âmbito do recurso/Ré
Face ao decidido quanto ao recurso interposto pelo Autor, fica prejudicada, até porque invocada apenas a título subsidiário para o caso daquele recurso ter outro desfecho, a apreciação da ampliação do âmbito do recurso pretendida pela Ré.
*** IV - DECISÃO
Acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, procedendo esse parcialmente quanto à matéria de facto, em julgar no mais improcedente o recurso interposto pelo Autor, confirmando-se assim a sentença recorrida e ficando, por decorrência, prejudicado o conhecimento da ampliação do âmbito do objeto desse recurso requerida pela Ré.
Custa a cargo do Autor (art.º 527.º CPC), sem prejuízo de isenção de que beneficie.
Anexa-se sumário
*
Porto, 11 de julho de 2018
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes _______
[1] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222
[2] Op. cit., p. 235/236
[3] cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt
[4] cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt
[5] www.dgsi.pt
[6] processo nº 220/13.8TTBCL.G1.S1, disponível igualmente em www.dgsi.pt
[7] no mesmo sentido, o Acórdão do mesmo Tribunal de 27 de Outubro de 2016, processo 110/08.6TTGDM.P2.S1, mais uma vez em www.dgsi.pt
[8] Ver Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2 , 605.
[9] Disponível em www.dgsi.pt.
[10] Todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[11] Excluindo-se notas de rodapé.
[12] Relatado pela Desembargadora Fernanda Soares, a quem o processo foi redistribuído em razão do anterior relator ter cessado funções nesta Relação do Porto.
[13] Processo 1284/15.5T8MTS.P1, relatado pelo Desembargador Jerónimo Freitas e em que interveio como Adjunto o aqui relator.
[14] Processo 1181/15.4T8MTS.P1, relatado pelo aqui relator.
[15] Ainda no Ac. de 5 de fevereiro de 2018, a que também já fizemos referência, e que aqui se segue também de perto.
[16] Relator António José Ascensão Ramos.