I - A norma do art. 387.º, n.º 3, do CSC – aplicável às sociedades por quotas através do art. 248.º, n.º 1, do CSC – que prevê “A Assembleia só pode deliberar suspender a mesma sessão duas vezes” tem por finalidade a protecção das minorias societárias, no sentido de impedir o exercício abusivo do poder por parte das maiorias.
II - É uma norma imperativa, tornando nula e de nenhum efeito qualquer cláusula inserida no pacto social, que permita a suspensão dos trabalhos por mais de duas vezes.
III - A derrogação deste preceito, em definitivo, através de inserção de cláusula em pacto social é diferente de uma sua derrogação ocasional em deliberações da assembleia de sócios: ali, há a nulidade da cláusula, para que a norma legal continue a fazer sentido; aqui, os sócios que não votem a deliberação têm sempre o direito de pedir a sua anulação em acção própria.
IV - Conjugando o disposto no art. 58.º do CSC (deliberações anuláveis) com o previsto no art. 56.º do mesmo Código (deliberações nulas), conclui-se que a deliberação de adiar pela terceira vez os trabalhos da assembleia, atinente ao procedimento, é anulável.
V - Tratando-se de anulabilidade, a acção de anulação devia ser proposta apenas pelos interessados a favor de quem a lei impõe o procedimento violado e no prazo de 30 dias a contar da data em que foi encerrada a assembleia geral (art. 59.º, n.º 2, al. d), do CSC).
VI - Instaurada a acção de anulação depois de decorrido o prazo de 30 dias, caducou o correspondente direito, nos termos dos arts. 328.º a 333.º do CSC.
Revista nº5221/10.5TBSTS.P1.S2
Relator: Salreta Pereira
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
AA instaurou acção declarativa com forma de processo ordinário contra BB, Lda., invocando, em síntese, a falsidade da acta da assembleia geral da ré de 26 de Outubro de 2010, por não constar a sua presença, a nulidade da deliberação tomada nessa assembleia por ter sido suspensa pela terceira vez, a declaração de invalidade e inexistência das deliberações tomadas na assembleia geral subsequente.
Pedia:
1. A declaração de inexistência ou ineficácia de todas as eventuais deliberações sociais que possam ter sido tomadas na AG datada de 08-11-2010, atenta a falsidade da acta da AG de 26-10;
Sem prescindir:
2. A declaração de nulidade da deliberação social de suspensão tomada em 26-10-2010 e, consequentemente, aqueloutras eventualmente tomadas na AG de 08-11-2010;
Ainda sem prescindir:
3. A declaração de invalidade de qualquer deliberação social que possa ter sido tomada na AG de 08-11-2010, por confrontar directamente com o direito do usufrutuário CC;
Sem prescindir ainda:
4. A declaração de anulabilidade de qualquer deliberação social que tenha brotado da AG de 08-11-2010, por ter sido tomada em manifesto abuso do direito e violação de Lei;
Sem conceder e por fim:
5. A declaração de nulidade de toda e qualquer deliberação social que tenha sido tomada na AG de 08-11-2010;
6. O cancelamento dos registos que eventualmente tenham sido efectuados com base nas eventuais deliberações resultantes da acta da AG de 08-11-2010.
O autor respondeu às excepções, pugnando pela improcedência.
Findos os articulados, foi proferido despacho saneador e organizada a matéria assente e a base instrutória, na qual se relegou para a sentença o conhecimento das excepções deduzidas pela ré.
Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença (fls. 351/367), com o seguinte dispositivo:
“Nestes termos, julgo a acção parcialmente procedente, por provada, e consequentemente:
1) Improcede o pedido de falsidade da acta da assembleia geral da ré BB, Lda., realizada a 26 de Outubro de 2010.
2) Declara-se nula a deliberação tomada na assembleia geral da ré BB, Lda., realizada a 26 de Outubro de 2010, de suspensão e de marcação da sua continuação para o dia 8 de Novembro de 2010, o que acarreta
2.1) A nulidade da realização da assembleia geral da ré BB, Lda., de 8 de Novembro de 2010,
2.2) A nulidade da amortização da quota social do autor AA e venda dessa quota a DD e EE e
2.3) A nulidade do respectivo registo, cujo cancelamento se determina.
As custas correm pela ré (artigo 527.º, 1, do CPC).”
De novo inconformada, a Ré veio interpor revista excepcional para este Supremo Tribunal de Justiça, alegando com as seguintes conclusões:
1ª. A questão fundamental em causa nos autos é saber se a suspensão, por uma terceira vez, de uma assembleia geral de sócios de uma sociedade por quotas, constitui um acto nulo (sendo-lhe aplicável o disposto no artº. 56º nº 1 al. d) do CSC) ou meramente anulável (sendo-lhe aplicável o regime previsto no artº. 59º nº 2 do CSC).
2ª. Dispõe o artº. 387º nº 3 do CSC que “a assembleia só pode deliberar suspender a mesma sessão duas vezes”, sendo este artigo aplicável às sociedades por quotas, como é a recorrente, por força do disposto no nº 1 do artº. 248º do mesmo diploma legal.
3ª. Por outro lado, dispõe a al. d) do nº 1 do artº. 56º do CSC que “são nulas as deliberações dos sócios cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios”.
4ª. Deve, antes de mais, estabelecer qual a natureza do regime estatuído no artº. 387º nº 3 do CSC, nomeadamente se: como se diz no acórdão recorrido – “Pelo teor do nº 3 do artº. 387º, constata-se que a regra ali consignada é imperativa, não podendo por isso ser alterada no contrato de sociedade nem por deliberação dos sócios, ou na esteira de Jorge Pinto Furtado, se deverá considerar que o inciso “preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios” não constitui uma justificação doutrinária da nulidade, e, rigorosamente, não se reconduz a qualquer critério jurídico de identificação, nem da simples imperatividade” – Jorge Pinto Furtado in Deliberações de Sociedades Comerciais, Almedina, 2005, e assim, neste sentido, se deva considerar que as deliberações em violação do disposto no artº. 387º nº 3 do CSC estão feridas, não de nulidade, como refere o acórdão recorrido, mas de mera anulabilidade.
5ª. Mais considera o ilustre autor que não se vislumbra no CSC um preceito que permita “afirmar que não poderá ele próprio ser preterido nem por vontade unânime dos sócios”, entendendo o autor que para funcionar como um critério prático deveria funcionar antes na base da negação, proclamando-se que este preceito não pode ser derrogado nem sequer por deliberação unânime”.
6ª. A norma em causa, não tendo nada a ver com norma que integre a ordem pública, concretize princípios injuntivos ou defenda posições de terceiros, é meramente susceptível de anulabilidade, a qual só poderia ter sido arguida até à data de 26.11.2010, o que não sucedeu.
7ª. A violação daquela norma jamais causaria prejuízos a terceiros ou ofenderia o interesse público, quanto muito o interesse dos sócios, nunca tendo o recorrido deduzido oposição à suspensão das mesmas.
8ª. Manifestando o seu comportamento uma manifesta má-fé, constituindo a arguição da putativa nulidade um manifesto abuso de direito.
O recorrido contra alegou, pugnando pela negação da revista e confirmação do acórdão recorrido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
O Tribunal da Relação julgou provados os seguintes factos:
1) O Autor, na qualidade de sócio, recebeu a Convocatória para a realização de AG Extraordinária da Ré, a realizar no dia 24AGO2010, pelas 17:00horas, na sua sede social, conforme resulta do documento junto a fls. 50 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2) Nos termos de tal convocatória, a ordem de trabalhos aí alinhada foi a seguinte:
“1 – Discussão e Deliberação sobre a amortização objecto de penhoras em acção executiva.
2 – Discussão e deliberação sobre os termos e condições das amortizações que forem objecto de deliberação.”
3) No dia e hora indicados na referida convocatória, o Autor não esteve presente na sede social da Ré para participar e votar na referida AG Extraordinária.
4) Apesar disso e depois de ter solicitado o envio da acta respectiva, verificou o Autor ter sido deliberada a suspensão da referida AG da Ré, pelos aí identificados motivos, e que o prosseguimento dos trabalhos foi diferido para o dia 23SET2010, pelas 17:00 horas, conforme resulta do documento junto a fls. 51-52 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5) No dia e hora indicados para o prosseguimento dos trabalhos – 23SET2010, pelas 17 horas -, o Autor não esteve presente na sede social da Ré para participar e votar na referida AG Extraordinária.
6) Não obstante, e depois de ter solicitado o envio da acta correspondente, verificou o Autor ter sido deliberada segunda suspensão da referida AG da Ré, pelos aí identificados motivos, e o diferimento do prosseguimento dos trabalhos para o dia 26 OUT2010, pelas 17h30, conforme resulta do documento junto a fls. 53-54 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
7) No dia e hora indicados para o prosseguimento dos trabalhos, o Autor esteve presente na sede social da Ré para participar e votar na referida AG Extraordinária.
8) Apesar disso e após ter pedido a acta correspondente, constatou o Autor encontrar-se omissa a sua presença, tendo sido deliberada terceira suspensão da AG, pelos motivos aí descritos e fixada a data de 08NOV2010, pelas 17:00 horas, para a continuação dos trabalhos, conforme resulta do documento junto a fls. 55-56 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
9) No dia e hora indicados para o prosseguimento dos trabalhos –08NOV2010, pelas 17:00horas -, o Autor não esteve presente na sede social da Ré para participar e votar na referida AG Extraordinária.
10) Apesar de ter solicitado a acta respectiva, a Ré ainda não satisfez esse pedido do Autor, conforme resulta do documento junto a fls. 57 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
11) Decorre do teor da acta resultante da AG Extraordinária, realizada em 26 OUT2010, que: “Assumiu a presidência a FF, em representação do Sr. Eng.º CC, do qual é cônjuge, conforme declaração apresentada à Mesa da Assembleia e o qual tem a qualidade de usufrutuário de duas quotas sociais com o valor nominal unitário de 49.879,58 € e global de 99.759,58 €, representando a totalidade do capital social.”
12) Mais se lê na mencionada acta, o seguinte: “Estavam também presentes o sócio CCe o Sr. GG, Secretário da Mesa.”, conforme resulta do documento junto a fls. 55-56 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
13) Esteve também presente nessa AG Extraordinária realizada em 26 OUT2010, pelas 18:00horas, o aqui Autor, na qualidade de sócio da Ré.
14) A respectiva acta dessa AG não faz, porém, qualquer menção a tal facto.
15) A AG de 08NOV teve origem numa convocatória que fixou como data para a sua realização a de 24AGO2010.
16) A AG da Ré de 24AGO foi suspensa, o mesmo tendo vindo a suceder com as duas reuniões seguintes: 23SET e 26OUT.
17) A AG iniciada em 24AGO2010 foi suspensa, pelo menos, por três ocasiões.
18) A acção judicial nos termos da qual foi penhorada a raiz da quota do aqui Autor e o direito ao usufruto dessa quota de que é titular não exclusiva FF, corresponde a uma execução movida contra a aqui Ré e também contra o aqui Autor e identificada usufrutuária, enquanto avalistas de uma divida da sociedade aqui demandada, que pende no 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ..., sob o n.º 6068/06.9TBSTS, conforme resulta do documento junto a fls. 59 a 64 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
19) O direito ao usufruto da quota de que é proprietário da raiz o aqui Autor, pertence não só à referida FF, mas também a CC.
20) No passado dia 29SET2010, a Senhora Agente de Execução nomeada no âmbito dos autos de execução identificados em 17), procedeu à penhora da participação social de que o Autor é titular na sociedade Ré.
21) Conforme resulta dos autos de execução identificados em 17), no dia 04 ABR2008 foi celebrada entre a aí Exequente e a aqui Ré escritura de dação em pagamento de vários imóveis, de entre os quais se identificam os seguintes:
(i) prédio misto, composto de casa de um pavimento, rés-do-chão e sótão, e quintal, uma casa de um pavimento, caves e dependências, e terreno sito no Lugar da ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número cento e trinta e dois, aí registado a favor da representada do primeiro outorgante pela inscrição G-Ap. Dois de vinte e três de Outubro de mil novecentos e oitenta e sete, inscrito na respectiva matriz urbana sob os artigos ... e ..., e na matriz rústica sob o artigo 1;
(ii) prédio misto, composto de casa de caves, com um pavimento e dependências, outra casa de caves e um pavimento e terreno, sito no Lugar ... ou ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número cento e cinquenta e seis, aí registado a favor da representada do primeiro outorgante pela inscrição G Ap. Dois de vinte e três de Outubro de mil novecentos e oitenta e sete, inscrito na respectiva matriz urbana sob os artigos … e …, e na matriz rústica sob os artigos … e …;
(iii) prédio misto, denominado “Quinta ...”, composto de casa de um pavimento, outra casa de um pavimento, outra casa de um pavimento, outra casa de um pavimento e quintal e terreno junto, sito nos Lugares ..., ... e …, freguesia de …, concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número setenta e três, aí registado a favor da representada do primeiro outorgante pela inscrição …- um, inscrito na respectiva matriz urbana sob os artigos 51, 52, 53 e 54, e na matriz rústica sob os artigos 34, 39, 41, 47, 50, 155 e 160;
(iv) prédio urbano composto por casa de três pavimentos, dependência e logradouro, sito na Rua ..., números … e …, freguesia de ..., concelho do ..., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial do ... sob o número trezentos e oitenta e dois, aí registado a favor da representada do primeiro outorgante pela inscrição G-Ap. Vinte e uma de trinta de Outubro de mil novecentos e oitenta e sete, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 750, conforme resulta do documento junto a fls. 68 a 79 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
22) A escritura pública de dação em cumprimento dos imóveis identificados na precedente alínea visou o pagamento parcial da divida exequenda objecto dos autos de execução comum.
23) São executados nesses autos a aqui Ré, o aqui Autor e FF, enquanto avalistas da demandada.
24) À data da escritura de dação em pagamento, o valor total do crédito da Exequente perante os Executados era de € 2.651.726,40.
25) O valor total atribuído pelas partes outorgantes à dação em pagamento foi o de €1.495.000,00.
26) Por via da referida dação em pagamento, a divida da Executada sociedade aqui Ré e dos Executados avalistas ficou diminuída, naquela data, ao valor de € 1.156.726,40, a título de capital.
27) Uma vez que os bens que remanesceram penhorados não garantiam, no seu entendimento, o pagamento da divida exequenda referida na precedente alínea, a aí Exequente nomeou à penhora novos bens da Executada sociedade aqui Ré e/ou dos Executados avalistas, entre os quais se conta a participação social de que é titular o aqui Autor, a qual, foi, recentemente, penhorada.
28) Tal facto motivou iniciativa judicial do aqui Autor contra as aí Exequente e Executada “BB, Lda.”, através da qual se pede que o Tribunal determine, por sentença, o preço real dos imóveis dados em pagamento no âmbito do mencionado negócio celebrado entre as duas referidas sociedades, a qual se encontra pendente na 3.ª Secção, da 2.ª Vara Cível do ..., sob o n.º1.158/08.6TVPRT.
29) A referida acção judicial foi objecto de registo nas fichas prediais dos quatro imóveis identificados em 20), conforme resulta dos documentos juntos a fls. 113 a 122 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
30) No âmbito da acção judicial identificada em 27) foi apresentado relatório pericial colegial, o qual se encontra junto aos autos a fls. 123 a 152 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
31) O aqui Autor apresentou já Oposição à penhora no âmbito dos referidos autos de execução, a qual lhes corre por apenso, conforme resulta do documento junto a fls.153 a 169 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
32) Lê-se no artigo 7.º do contrato de sociedade da Ré, o seguinte: “É admitida a amortização de quotas pela sociedade nos casos seguintes:
a)…
b)…
c) se uma quota for penhorada, arrestada ou, por qualquer outra forma, sujeita a arrematação judicial”, tudo conforme resulta do documento junto a fls. 170 a 172 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
33) O autor apresentou declaração por si subscrita, a qual se mostra junta aos autos a fls. 189, e cujo teor aqui se dá aqui por integralmente reproduzido.
34) As participações sociais então pertencentes ao autor foram adquiridas pelas Srs. D. DD e EE.
35) No âmbito do processo n.º 1158/08.6TVPRT, que correu termos na 3.ª Secção, 2.ª Vara Cível do ..., foi efectuada uma perícia em Junho de 2010 que avaliou os bens imóveis objecto da dação em pagamento a que se alude em 20) em 3.600.000 €.
36) A deliberação social de amortização não foi precedida do consentimento do autor e que não contou com a oposição dos usufrutuários.
37) O autor esteve presente na assembleia-geral realizada a 26 de Outubro de 2010, tomou conhecimento da suspensão e não se opôs à suspensão.
38) O autor esteve presente em diversas assembleias gerais da ré.
39) As actas das assembleias gerais precedentes, porque redigidas informaticamente, serviram de modelo para a do dia 26.
40) O capital social da Ré permaneceu nas mãos da mesma família como actualmente.
41) A ré até à data não notificou o autor para que procedesse à assinatura da acta de 26 de Outubro.
Ao abrigo do disposto no art. 607º, nº 4, ex vi art. 663º, nº 2, ambos do CPC, do CPC, considera-se ainda provado o seguinte facto:
42) Na assembleia Geral realizada em 08 de Novembro de 2010 foi deliberada: a amortização da raiz ou nua propriedade da quota social com o valor nominal de €49.879,58, pertencente a AA, sobre a qual, em conjunto com a quota com o valor nominal de €49.879,58, da qual é titular CC, foram constituídos usufrutos a favor de FF e CC; a amortização do usufruto detido pela sócia D. FF sobre as referidas quotas; a amortização da quota de AA, pelo preço de €49.879,58, montante indicado no processo de execução; a amortização do usufruto pelo montante de €1.000,00 para cada um deles; que nos termos do art. 232º, nº 5, do CSC a amortização foi substituída pela venda a terceiros da respectiva quota e usufruto, nomeando-se as terceiras adquirentes: DD e EE (acta junta a fls. 277/279).
FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
A única questão suscitada no presente recurso é a de saber se a deliberação tomada na Assembleia Geral de 26 de Outubro de 2010, suspensão dos trabalhos pela 3ª vez, que viola o preceituado pelo artº. 387º nº 3 do Código das Sociedades Comerciais, é nula ou anulável.
O citado nº 3 do artº. 387º do CSC dispõe: “A Assembleia só pode deliberar suspender a mesma sessão duas vezes”, norma prevista para as Sociedades Anónimas, mas que, por força do disposto no artº. 248º nº 1 do CSC, se aplica às Sociedades por Quotas.
Trata-se de norma cujo escopo é a protecção das minorias societárias, no sentido de impedir o exercício abusivo do poder por parte das maiorias.
O Código das Sociedades Comerciais contém algumas destas normas de protecção às minorias, como sejam a que impõe, em determinadas condições, a distribuição de lucros (artº. 294º do CSC) e a que concede à minoria que votou contra a lista do Conselho de Administração, quando o pacto social o prevê, ou nas sociedades com subscrição pública, ou concessionárias do Estado ou de entidade a este equiparada por lei, o direito de designar, pelo menos, um administrador, contanto que essa minoria represente, pelo menos, 10% do capital social (artº. 392º nºs 6 e 8 do CSC).
O artº. 387º nº 3 do CSC é, sem dúvida, uma norma imperativa, tornando nula e de nenhum efeito qualquer cláusula inserida no pacto social, que permita a suspensão dos trabalhos por mais de duas vezes.
No entanto, a sua imperatividade não impõe necessariamente que o seu desrespeito constitua uma nulidade, vício bem mais grave que a mera anulabilidade.
Dado que a definição das deliberações anuláveis, prevista no artº. 58º do CSC, é em grande parte residual (“são anuláveis as deliberações que violem disposições da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artº. 56º, quer do contrato de sociedade”), a solução passa por saber se a deliberação em causa está abrangida na previsão desta mesma norma (artº. 56º do CSC).
Só a al. d) do nº 1 do citado artº. 56º do CSC pode suscitar alguma dúvida a que nela caiba a deliberação de adiar pela terceira vez os trabalhos da assembleia.
Para tal, necessário se mostra que o nº 3 do artº. 387º do CSC não possa ser derrogado pela vontade unânime dos sócios.
A norma pretende proteger as minorias societárias, direitos dos sócios minoritários, que estão na sua livre disponibilidade, e não o interesse público ou de terceiros.
Assim, nada impede que os titulares desses direitos, no decurso da vida da sociedade, em circunstâncias especiais, prescindam de os exercer.
Aliás, o vício que afecta a deliberação em causa não é substancial, mas tão só de procedimento.
Em lugar de marcarem e realizarem uma nova assembleia, os sócios deliberaram suspender os trabalhos da já iniciada para prosseguirem em data próxima.
No capítulo do modo de procedimento, os sócios globalmente são soberanos, pois podem realizar assembleias universais, sem qualquer convocatória, e tomar deliberações unânimes (artº. 54º do CSC).
Sendo aquela norma relativa ao modo de proceder como é que se pode afirmar que todos os sócios, com vontade unânime, não a podem derrogar ocasionalmente.
É diferente a sua derrogação em definitivo através da inserção de cláusula no pacto social, que disponha em seu desrespeito, da sua derrogação ocasional em deliberações que a violem.
Ali, há a nulidade da cláusula, para que a norma legal continue a fazer sentido.
Aqui, os sócios que não votem a deliberação têm sempre o direito de pedir a sua anulação em acção própria.
Algumas das características da nulidade, que a distinguem da anulabilidade, são o seu conhecimento oficioso e o poder ser invocada por qualquer interessado (artº. 286º do CC).
Não é aceitável que uma irregularidade no procedimento da tomada da deliberação torne esta impugnável pelo Ministério Público ou por qualquer interessado.
Só se justifica que o façam os interessados a favor de quem a lei impõe o procedimento violado.
Concluímos, pois, que o vício que inquina a deliberação tomada em 26Out2010 é a mera anulabilidade.
Tratando-se de anulabilidade, a acção de anulação devia ser proposta no prazo de 30 dias a contar da data em que foi encerrada a assembleia geral (artº. 59º nº 2 al. a) do CSC).
A assembleia geral em que foi tomada a deliberação anulável realizou-se em 26 de Outubro de 2010 e a acção foi proposta em 12 de Dezembro de 2010, mais de 30 dias depois, fora do prazo estabelecido na lei, tendo ocorrido a caducidade (artº. 328º a 333º do CC).
Nos termos expostos, decide-se conceder a revista e julgar improcedente a acção.
Custas da acção e recursos pelo autor recorrido.
15-02-2018
Salreta Pereira (Relator)
João Camilo
Fonseca Ramos