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FALTA DE CITAÇÃO
Sumário
I - Sendo a citação o acto receptício pelo qual se dá conhecimento ao réu de que contra si foi proposta uma determinada acção e se insta o mesmo a vir ao processo assumir a sua defesa, a falta desse acto de chamamento impede que o mesmo exerça o seu direito de defesa e, por isso, quando verificada, acarreta, de harmonia com o preceituado no artigo 187.º alínea a) do CPC, mercê de tão grave violação do princípio do contraditório, a anulação de tudo o que for processado posteriormente à petição, salvando-se apenas esta. II - A falta de citação configura nulidade principal, que pode ser arguida em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada (artigo 198.º, n.º 2, do CPC), sendo que no caso em apreço tendo a Recorrente arguido a nulidade decorrente da invocada falta de citação, logo que teve intervenção no processo, a mesma não pode considerar-se sanada, conforme decorre a contrario do disposto no artigo 189.º do CPC. III - Para que a presunção de conhecimento do acto decorrente do envio da carta registada para a morada da ora executada seja ilidida, e se conclua pela falta de citação/notificação do destinatário nos termos do art.º 195.º n.º 1 al. e) do CPC não basta a prova pela embargante de que não teve conhecimento do mesmo, sendo ainda necessário que esta demonstre que a falta de conhecimento da notificação ocorreu por facto que não lhe seja imputável, conforme expressamente exige o segmento final da referida alínea e) do n.º 1 do artigo 188.º. IV - Tendo-se provado que a Embargante passou a residir em Lisboa sem ter alterado a morada constante de todos os seus documentos oficiais, não podemos concluir, em termos de causalidade objectiva, que a conduta da requerente em nada tenha contribuído, em termos adjectivos, para que o acto de notificação da injunção não tenha chegado oportunamente ao seu conhecimento. V - Assim, não é possível ter-se por preenchida a previsão da alínea e) do n.º 1 do art.º 195.º relativa à falta de citação da embargante, por facto que não lhe seja imputável.
Texto Integral
Processo n.º 845/17.2T8ENT-A.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém[1]
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:
I. RELATÓRIO 1.AA, executada nos autos principais, apresentou em 29.05.2017, por via eletrónica, oposição à execução acima identificada, mediante embargos, invocando, para o que ora releva, a nulidade da respectiva citação, invocando que o domicílio não foi convencionado e o Balcão Nacional de Injunções[3] terá expedido a notificação para oposição ao requerimento de injunção para a morada indicada pelo embargado; por razões de natureza profissional a Embargante a partir de 01/02/2016 passou a residir em Lisboa e só ia a Marinhais em alguns fins-de-semana; a correspondência que era remetida para a Rua … n.º … em Marinhais, habitualmente era recolhida pela filha da embargante BB, a qual fazia depois a entrega à mãe quando esta vinha a Marinhais, o que acontecia, de vez em quando, aos fins-de-semana; só com um telefonema que recebeu de um Solicitador teve conhecimento de que tinha havido uma injunção, porque a filha não lhe entregou qualquer carta.
Conclui que não teve conhecimento do conteúdo da notificação/citação do requerimento injuntivo, nem teve assim a hipótese de se defender, por facto que não lhe pode ser imputável, razão pela qual, atento todo o supra exposto, deve reconhecer-se a nulidade de falta de citação e ter-se a embargante por não citada nos autos de injunção n.º 42972/16.2YIPRT.
2. O embargante contestou, salientando que precisamente por não haver domicílio convencionado quanto à fiadora, aplicam-se as regras da citação, pelo que a notificação feita pelo BNI não está ferida de qualquer nulidade, sendo o requerimento de injunção dado à execução como título executivo exequível ao abrigo do artigo 703.º do Código de Processo Civil.
3. Aquando do saneamento, na parte que importa ao objecto do presente recurso, foi enunciado como tema da prova a notificação da executada/embargante no procedimento de injunção com o n.º 42972/16.2YIPRT.
4. Realizada a audiência final foi proferida decisão na qual se concluiu pela regularidade da notificação da executada, e consequentemente, pela validade da formação do título executivo.
5. Inconformada, a Embargante interpôs o presente recurso de apelação, terminando com as seguintes conclusões: «a) Nos pontos 4.1.13, 4.1.14, 4.1.15 dos factos provados ficou assente que a notificação remetida pelo Balcão de Injunções à recorrente foi recebida pela sua filha e que esta não a entregou à mãe (recorrente). b) A partir de 1 de Fevereiro de 2016, a recorrente passou a residir em Lisboa mas ia a Marinhais em alguns fins-de-semana. c) Apesar disso a recorrente continuou e continua a ter o seu domicílio na Rua de … em Marinhais. d) A recorrente tinha e tem dois domicílios, facto esse que foi dado como provado no ponto 4.1.13. e) Quando uma pessoa reside alternadamente, em diversos lugares, tem-se por domiciliada em qualquer deles (art.º 82 n.º 1 do Cód. Civil). f) A recorrente não teve qualquer conduta omissiva ou negligente que lhe possa ser imputada e que seja causa de não ter recebido a notificação. g) O facto de a filha da recorrente não lhe ter entregue a carta e o facto da recorrente não ter sido de modo algum negligente, deve levar a concluir-se que a falta de notificação não é imputável à recorrente mas única e exclusivamente à sua filha. h) A carta foi enviada para a morada correcta, porém provou-se que a filha da recorrente não lhe entregou a dita carta, situação esta que constitui uma nulidade prevista no art.º 188 n.º 1 al. e) do CPC a qual deverá ser declarada e em consequência deverá aplicar-se a cominação do art.º 187 al. a) do CPC. i) Foram assim violados os artigos 188º n.º 1 al. e), art.º 187 al. a) do CPC e o art.º 82 n.º 1 do Código Civil.».
6. Não foram apresentadas contra-alegações.
7. Observados os vistos, cumpre decidir.
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II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[4], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha.
Assim, a única questão colocada à apreciação deste Tribunal é a de saber se em face dos factos provados nos autos, deve ou não ser declarada a nulidade da citação da executada no processo de injunção.
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III – Fundamentos III.1. – De facto Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos[5]:
1. O exequente/embargado arrendou a CC o 4.° andar direito do prédio urbano sito na Rua …, n.º … em Lisboa, mediante o pagamento da renda mensal de €600,00, com inicio em 01 de Janeiro de 2014.
2. A executada/embargante constituiu-se fiadora e principal pagadora assumindo solidariamente com CC a obrigação do cumprimento das cláusulas do contrato, ficando a constar no contrato de arrendamento a morada sita na Rua de … n.º …, 2125 – … Marinhais.
3. A partir de Fevereiro de 2015, CC deixou de pagar a renda.
4. Em 27 de Abril de 2016, o exequente/embargado intentou o procedimento de injunção contra a executada/embargante, aí indicando a morada sita na Rua de … n.º …, 2125 – … Marinhais, a qual consta das bases de dados da Segurança Social e da Identificação Civil, que correu termos sob o processo n.º 42972/16.2YIPRT, tendo sido aposta força executória em 15 de Julho de 2016, aí peticionando, para além da taxa de justiça, o pagamento das rendas no valor de €8.400,00 (14 meses de rendas) acrescida de €4.800,00
respeitante à indemnização prevista no artigo 1045.° do Código Civil (8 meses).
5. No procedimento de injunção, a executada/embargante foi notificada por via postal com aviso de recepção, notificação que veio devolvida por ninguém ter reclamado a mesma.
6. Na sequência da devolução da notificação, o Balcão Nacional de Injunções precedeu às pesquisas a que alude o artigo 12.º, n.º 3, da Anexo ao Decreto-lei n.º 269/98, de 01 de Setembro, tendo apurado a morada sita Rua de … n.º …, 2125 – … Marinhais.
7. Após, foi efectuada a notificação da executada/embargante por via postal simples para a mesma morada, tendo sido a carta depositada no receptáculo.
8. A executada/embargante é funcionária da Conservatória do Registo Predial de Lisboa.
9. Até 01 de Fevereiro de 2016 residiu em Marinhais na Rua de … n.º ….
10. Porém, atento os vários quilómetros que tinha que percorrer diariamente de Marinhais para Lisboa e vice-versa, e os custos que essas deslocações acarretavam, optou por arrendar, a partir de 1 de Fevereiro de 2016, uma casa em Lisboa, perto do seu local de trabalho, casa essa sita na Rua … n.º …, 3.º direito, em Moscavide.
11. A partir de 1 de Fevereiro de 2016, a executada/embargante passou a residir naquela morada em Lisboa e só ia a Marinhais em alguns fins-de-semana.
12. A correspondência que era remetida para a Rua de … n.º … em Marinhais, habitualmente era recolhida pela filha da embargante BB, a qual fazia depois a entrega à mãe quando esta vinha a Marinhais, o que acontecia, de vez em quando, aos fins-de-semana.
13. A filha da executada/embargante recebeu a notificação do procedimento de injunção mas não a entregou à executada/embargante.
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III.2. – O mérito do recurso
A Recorrente dissente do segmento da decisão recorrida que entendeu que o facto de a carta remetida pelo BNI para a sua notificação não lhe ter sido entregue, lhe era imputável, considerando que os factos provados em 12. e 13. devem levar à conclusão de que a falta de notificação não lhe é imputável a si mas única e exclusivamente à sua filha.
Vejamos, pois, se lhe assiste ou não razão.
Conforme resulta da simples leitura do contrato de arrendamento junto aos autos, apenas existiu convenção de domicílio relativamente ao arrendatário e não à fiadora, ora Recorrente.
Deste modo, não se aplica à situação vertente a previsão relativa aos casos em que as partes outorgantes num contrato convencionaram o local onde se consideram domiciliadas, para efeito de realização da citação ou da notificação, em caso de litígio, conforme previsto no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, que aprovou o chamado Regime Jurídico da Injunção[6]. Nesse caso, a alteração do domicílio convencionado tem as consequências previstas no n.º 2 do preceito, a recusa de assinatura do aviso ou de recebimento da carta, com a devida nota do incidente lavrada pelo distribuidor postal determina, por via da previsão do artigo 3.º, que se considere efectuada a citação ou a notificação pessoal face à certificação da ocorrência, e o artigo 12.º-A do anexo ao diploma prevê que a notificação do requerimento é efectuada mediante o envio de carta simples, dirigida ao notificando e endereçada para o domicílio ou sede convencionado.
Ao invés, na situação vertente aplica-se o preceituado no artigo 12.º do anexo ao referido diploma de acordo com cujos n.ºs 1 e 2, a notificação é efectuada por carta registada com aviso de recepção, sendo-lhe aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 231.º e 232.º, nos n.ºs 2 a 5 do artigo 236.º e no artigo 237.º do Código de Processo Civil, remissão que deve agora considerar-se feita para o preceituado nos correspondentes artigos da redacção vigente[7].
Assim, de harmonia com o disposto no artigo 225.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) do CPC, a citação de pessoas singulares, para o que importa ao caso em apreço em que, como já vimos, não houve domicílio convencionado, é feita mediante entrega ao citando de carta registada com aviso de recepção.
Relativamente a esta modalidade de citação, dispõe o artigo 228.º do CPC que: “1 - A citação de pessoa singular por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de receção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo anterior e ainda a advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o faz incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má fé. 2 - A carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de receção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando. (…) 5 - Não sendo possível a entrega da carta, será deixado aviso ao destinatário, (…) permanecendo a carta durante oito dias à sua disposição em estabelecimento postal devidamente identificado”.
Acresce que, o já referido artigo 12.º do anexo ao DL n.º 269/98, de 1 de Setembro, dispõe ainda no seu n.º 3 que “no caso de se frustrar a notificação por via postal, nos termos do número anterior [ou seja, por carta registada com aviso de recepção], a secretaria obtém, oficiosamente, informação sobre residência, local de trabalho ou, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade, sobre sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral de Viação; sendo que, por via do n.º 4 do indicado normativo, “se a residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, para o qual se endereçou a carta registada com aviso de recepção, coincidir com o local obtido junto de todos os serviços enumerados no número anterior, procede-se à notificação por via postal simples, dirigida ao notificando e endereçada para esse local, aplicando-se o disposto nos n.ºs 2 a 4 do artigo seguinte”.
Conforme decorre da matéria de facto acima descrita de 5. a 7. no procedimento de injunção em que veio a ser aposta a fórmula executória que a embargante pretende enfermar do vício original da nulidade da sua notificação - a qual, apesar desta denominação, configura uma verdadeira citação por se tratar do primeiro chamamento do requerido a este procedimento especial -, a então requerida foi notificada por via postal com aviso de recepção, notificação que veio devolvida por ninguém ter reclamado a mesma. Nessa sequência, o Balcão Nacional de Injunções procedeu às pesquisas a que alude o artigo 12.º, n.º 3, da Anexo ao Decreto-lei n.º 269/98, de 01 de Setembro, tendo apurado a morada sita na Rua de … n.º …, 2125 – … Marinhais e efectuado a notificação da executada/embargante por via postal simples para a mesma morada, tendo sido a carta depositada no receptáculo.
Deste modo, cotejando a matéria de facto apurada com relevo para a verificação do (in)cumprimento das formalidades referentes à notificação da ora Recorrente no procedimento de injunção, nos moldes legalmente previstos para a citação, urge concluir que a notificação foi efectuada de harmonia com as citadas disposições legais, presumindo-se - como determina o artigo 230.º, n.º 2, do CPC -, que a notificanda teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados. O mesmo é dizer que enquanto não for ilidida tal presunção – designadamente mediante a prova de que a notificação do procedimento de injunção não chegou ao conhecimento daquela – a sua notificação deve ter-se por regularmente efectuada.
Assim sendo, até existir prova em contrário, nada há a apontar à aposição pelo BNI da fórmula executória no procedimento de injunção em causa.
Acontece que, fundada a execução neste título executivo assim formado, em face do disposto nos artigos 729.º alínea d) e 731.º do CPC, pode o executado deduzir oposição com base precisamente na nulidade da sua citação para aquele procedimento declarativo[8], ou seja, permite-se que por esta via, quanto ao que ora importa, seja pelo executado efectuada a prova de que esta notificação do procedimento de injunção, pese embora tenha sido realizada com observância das formalidades legais, não chegou afinal ao conhecimento do seu destinatário.
Conforme acertadamente se referiu na decisão recorrida, a inobservância das formalidades da notificação tem por consequência a nulidade do acto nos termos do artigo 191.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na medida em que estamos perante uma omissão de uma formalidade essencial, o que, no caso vertente, implicará que o título executivo se tenha formado invalidamente.
Efectivamente, nos termos do artigo 188.º, n.º 1, do CPC, ocorre falta de citação, no caso de notificação a) Quando o acto tenha sido completamente omitido; b) Quando tenha havido erro de identidade do citado; c) Quando se tenha empregado indevidamente a citação edital; d) Quando se mostre que foi efectuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade; e) Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.
No caso dos autos, não existem dúvidas de que a embargante alegou e provou que efectivamente não teve conhecimento do procedimento de injunção, porquanto se demonstrou que a filha da executada/embargante recebeu a notificação do procedimento de injunção mas não a entregou à mesma.
Porém, conforme se sintetizou no recente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.04.2018[9], «para se concluir pela falta de citação nos termos do art.º 195.º n.º 1 al. e) do CPC, não basta a alegação pelo destinatário de que não teve conhecimento do acto de citação, é ainda necessário que seja alegado e provado não só que tal aconteceu, mas ainda que aconteceu devido a facto que não lhe é imputável».
De facto, para que a presunção de conhecimento do acto decorrente do envio da carta registada para a morada da ora executada seja ilidida, e se conclua pela falta de citação/notificação do destinatário nos termos do art.º 195.º n.º 1 al. e) do CPC não basta a prova pela embargante de que não teve conhecimento do mesmo, sendo ainda necessário que esta demonstre que a falta de conhecimento da notificação ocorreu por facto que não lhe seja imputável, conforme expressamente exige o segmento final da referida alínea e) do n.º 1 do artigo 188.º.
Na situação em presença, a primeira instância considerou que sendo certo «que a notificação não foi entregue à executada/embargante pela sua filha (…) tal facto só à executada/embargante pode ser imputável. Não pode a executada/embargante escudar-se no facto da sua filha não lhe ter entregue a notificação quando só sobre aquela primeira recaía o ónus de cuidar de averiguar da correspondência recebida numa morada que a mesma bem sabia ser a única do conhecimento do exequente e das autoridades públicas, sem que tenha procedido à sua alteração como se impunha a partir do momento em que deixou de ter residência permanente em Marinhais. Entende-se, assim, que a executada/embargante só não recebeu a notificação por facto a si imputável, pelo que não ocorre falta de notificação».
Conforme decorre das conclusões das respectivas alegações, a Recorrente aceita que a carta para a sua notificação no procedimento de injunção foi remetida para a morada correcta - entenda-se, a que constava no contrato de arrendamento e consta em todas as bases de dados indicadas na matéria de facto -, mas considera que reside alternadamente, na morada em Lisboa e nesta morada de Marinhais em alguns fins-de semana, pelo que, de harmonia com o preceituado no n.º 2 do artigo 82.º do Código Civil[10], tem-se por domiciliada em qualquer um dos lugares indicados. Portanto, a falta de conhecimento da notificação que lhe foi enviada, apenas pode ser imputável à sua filha, que não lhe entregou tal correspondência.
Vejamos.
A falta de citação configura nulidade principal, que pode ser arguida em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada (artigo 198.º, n.º 2, do CPC), sendo que no caso em apreço tendo a Recorrente arguido a nulidade decorrente da invocada falta de citação, logo que teve intervenção no processo, a mesma não pode considerar-se sanada, conforme decorre a contrario do disposto no artigo 189.º do CPC.
E este regime compreende-se porquanto sendo a citação o acto receptício pelo qual se dá conhecimento ao réu de que contra si foi proposta uma determinada acção e se insta o mesmo a vir ao processo assumir a sua defesa, a falta desse acto de chamamento impede que o mesmo exerça o seu direito de defesa e, por isso, quando verificada, acarreta, de harmonia com o preceituado no artigo 187.º alínea a) do CPC, mercê de tão grave violação do princípio do contraditório, a anulação de tudo o que for processado posteriormente à petição, salvando-se apenas esta.
Estando assente que no caso em apreço a embargante não recebeu efectivamente a notificação para ir ao procedimento de injunção deduzir a sua defesa, importa verificar se tal ocorreu, por facto que não lhe é imputável.
No recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.07.2018[11], a respeito da expressão legal “causa não imputável ao requerente” contida no artigo 323.º, n.º 2 do CC, relativamente à data em que se presume efectuada a citação para efeitos de interrupção da prescrição, na esteira de entendimento já anteriormente vertido nos arestos ali indicados, afirmou-se que tal expressão «deve ser interpretada em termos de causalidade objectiva, ou seja, quando a conduta do requerente em nada tenha contribuído, em termos adjectivos, para que haja um atraso no acto de citação».
Ora, um dos exemplos apontados como podendo integrar um facto que não seja imputável ao citando tem sido precisamente a “falta de entrega de correspondência por alguma razão”, conforme referido no citado aresto da Relação do Porto de 11.04.2018. Também FERREIRA DE ALMEIDA[12] afirma que esta causa invalidante do processado justifica-se «pela certeza de que, sem culpa sua, o réu não chegou a ter conhecimento da citação por esta não lhe ter sido transmitida pelo receptor».
Aplicando este entendimento na espécie, a executada alegou e demonstrou - conforme os factos provados em 12 e 13 evidenciam -, que pese embora a correspondência que era remetida para a Rua de … n.º …, em Marinhais, habitualmente fosse recolhida pela sua filha, a qual fazia depois a entrega à mãe quando esta ia a Marinhais, nesta situação a filha da executada/embargante recebeu a notificação do procedimento de injunção mas não a entregou à executada/embargante.
Assim, caso se tivessem igualmente demonstrado factos tendentes a concluir que a executada residia alternadamente nesta morada e na de Lisboa, até poderíamos concordar com a Recorrente. Porém, a Recorrente oportunamente não os alegou e, consequentemente, os mesmos não se encontram demonstrados. E, como é sabido, o recurso não serve para tratar questões novas que não foram oportunamente alegadas em primeira instância.
Deste modo, salvo o devido respeito pelo entendimento preconizado pela Recorrente, pese embora a falta de notificação do procedimento de injunção tenha sido arguida tempestivamente pela executada com o fundamento a que alude o artigo 188.º alínea e) do CPC, invocando e demonstrando não ter tido conhecimento da injunção porque a filha, que nas circunstâncias descritas, recolhia e lhe entregava a correspondência, não o fez quanto a esta, o certo é que da demais factualidade provada - e não impugnada pela Recorrente -, não decorre que exista uma situação de residência alternada mas sim uma mudança de residência para Lisboa.
De facto, provou-se que até 01 de Fevereiro de 2016 a executada residiu em Marinhais na Rua de … n.º …. Porém, atentos os vários quilómetros que tinha que percorrer diariamente de Marinhais para Lisboa e vice-versa, e os custos que essas deslocações acarretavam, optou por arrendar, a partir de 1 de Fevereiro de 2016, uma casa em Lisboa, perto do seu local de trabalho, sendo que a partir de 1 de Fevereiro de 2016, a executada/embargante passou a residir naquela morada em Lisboa e só ia a Marinhais em alguns fins-de-semana. Ou seja, da factualidade provada decorre que a Embargante mudou o seu centro de vida para Lisboa, tanto assim que nem sequer vai a Marinhais todos os fins de semana.
Consequentemente, tendo passado a residir em Lisboa sem ter alterado a morada constante de todos os seus documentos oficiais, não podemos concluir, em termos de causalidade objectiva, que a conduta da requerente em nada tenha contribuído, em termos adjectivos, para que o acto de notificação da injunção não tenha chegado oportunamente ao seu conhecimento.
Pelo exposto, face aos factos alegados no requerimento de embargos e perante a factualidade que resulta provada quanto aos procedimentos de notificação realizados, não é possível ter-se por preenchida a previsão da alínea e) do n.º 1 do art.º 195.º relativa à falta de citação da embargante, por facto que não lhe seja imputável.
Assim, impõe-se a improcedência da apelação e a consequente confirmação da decisão recorrida, suportando a Recorrente as custas devidas pela respectiva sucumbência, em face do preceituado no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
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II.3. Síntese conclusiva:
I - Sendo a citação o acto receptício pelo qual se dá conhecimento ao réu de que contra si foi proposta uma determinada acção e se insta o mesmo a vir ao processo assumir a sua defesa, a falta desse acto de chamamento impede que o mesmo exerça o seu direito de defesa e, por isso, quando verificada, acarreta, de harmonia com o preceituado no artigo 187.º alínea a) do CPC, mercê de tão grave violação do princípio do contraditório, a anulação de tudo o que for processado posteriormente à petição, salvando-se apenas esta.
II - A falta de citação configura nulidade principal, que pode ser arguida em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada (artigo 198.º, n.º 2, do CPC), sendo que no caso em apreço tendo a Recorrente arguido a nulidade decorrente da invocada falta de citação, logo que teve intervenção no processo, a mesma não pode considerar-se sanada, conforme decorre a contrario do disposto no artigo 189.º do CPC.
III - Para que a presunção de conhecimento do acto decorrente do envio da carta registada para a morada da ora executada seja ilidida, e se conclua pela falta de citação/notificação do destinatário nos termos do art.º 195.º n.º 1 al. e) do CPC não basta a prova pela embargante de que não teve conhecimento do mesmo, sendo ainda necessário que esta demonstre que a falta de conhecimento da notificação ocorreu por facto que não lhe seja imputável, conforme expressamente exige o segmento final da referida alínea e) do n.º 1 do artigo 188.º.
IV - Tendo-se provado que a Embargante passou a residir em Lisboa sem ter alterado a morada constante de todos os seus documentos oficiais, não podemos concluir, em termos de causalidade objectiva, que a conduta da requerente em nada tenha contribuído, em termos adjectivos, para que o acto de notificação da injunção não tenha chegado oportunamente ao seu conhecimento.
V - Assim, não é possível ter-se por preenchida a previsão da alínea e) do n.º 1 do art.º 195.º relativa à falta de citação da embargante, por facto que não lhe seja imputável.
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III - Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Évora, 13 de Setembro de 2018
Albertina Pedroso [13]
Tomé Ramião
Francisco Xavier
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[1] Juízo de Execução do Entroncamento - Juiz 2.
[2] Relatora: Albertina Pedroso;
1.º Adjunto: Tomé Ramião;
2.º Adjunto: Francisco Xavier.
[3] Doravante abreviadamente designado BNI.
[4] Doravante abreviadamente designado CPC, na redacção aprovada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
[5] Reproduzem-se apenas os que importam à compreensão do objecto do recurso.
[6] Legalmente denominado “regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância”.
[7] Actualmente, por força da alteração introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, a correspondência efectua-se para os artigos 223.º, 224.º, e 228.º, tendo o artigo 237.º sido revogado.
[8] Vício que não se confunde com a nulidade da citação para a acção executiva, que tem assento próprio no artigo 851.º do CPC.
[9] Proferido no processo n.º 6418/12.9TBMAI-A.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Doravante abreviadamente designado CC.
[11] Proferido no processo n.º 1965/13.8TBCLD-A.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[12] In Direito Processual Civil, vol. I, Almedina 2010, pág. 533.
[13] Texto elaborado e revisto pela Relatora.