Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
BURLA PARA ACESSO A MEIOS DE TRANSPORTE
Sumário
A Lei nº 28/2006, de 4 de Julho, não revogou o art. 220º, nº 1, alínea c), na parte respeitante a meio de transporte.
Texto Integral
Acordam em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
*
No processo sumaríssimo nº …./06.5TAMTS, do .º Juízo Criminal de Matosinhos, o Ministério Público acusou o arguido B………. da prática, em autoria material, de 1 crime de burla para obtenção de serviços, previsto no Art. 220º, nº 1, alínea c), do Código Penal, requerendo o seu julgamento em Tribunal singular.
Pelo Senhor Juiz, foi a folhas 26 proferido despacho de recebimento da acusação e de concordância com a sanção proposta.
Entretanto, a folhas 35 e seguintes, o mesmo Senhor Juiz proferiu despacho no qual, resumidamente, entende estar antes perante um ilícito contra-ordenacional e não criminal, pelo que a respectiva conduta é juridicamente irrelevante e como tal deve ficar impune; no final, declara extinto o respectivo procedimento criminal.
*
*
Deste despacho recorre agora o Ministério Público, apresentando as seguintes conclusões (que balizam e limitam o âmbito e o objecto do processo):
*
1 - A lei nº 28/2006 de 4 de Julho veio aprovar o «regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de transportes colectivos de passageiros», sendo que nos termos do art. 15.° do citado diploma, foi expressamente revogado o Decreto-Lei n.° 108/78 de 24 de Maio, anteriormente regulador das transgressões e contravenções naquele domínio;
2 - Com a sua entrada em vigor não foi revogado o disposto no art. 220.°, nº 1, al. c) do Código Penal que, antes como agora, prevê no tipo legal de ilícito elementos que não estão elencados no tipo objectivo da transgressão (actualmente contra-ordenação), como seja a circunstância de o agente se recusar a solver a dívida;
3 - Já antes da entrada em vigor da nova lei se colocava a questão de saber se o crime e a transgressão coexistiam ou se apenas se verificava a segunda, tendo-se concluído que ambos os ilícitos podiam coexistir já que o crime do art. 220.°, n.° 1 al. c) do Código Penal exigia um mais relativamente à transgressão, designadamente a negação em solver a dívida;
4 - A Lei n.° 28/2006 dispõe no art. 14.° sobre o regime transitório sendo que apenas foi acautelado em tal preceito aquele regime no que diz respeito às contravenções e transgressões anteriormente previstas nada tendo o legislador dito a propósito das questões de natureza criminal, designadamente, quanto à hipótese de verificação do tipo de ilícito previsto no citado art. 220.°, n.° 1 al. c) do Código Penal;
5 - Pelo que se conclui que a citada Lei ri. 28/2006 apenas veio transformar em contra-ordenação a utilização de transporte colectivo de passageiros sem título válido para o efeito, sendo que (para o que aqui interessa) os elementos objectivos do ilícito contra-ordenacional não sofreram qualquer alteração relativamente ao antigo regime das transgressões e contravenções;
6 - Nessa medida, continua a ter plena aplicação o disposto no art. 220°, n.° 1, al. c) do Código Penal quando o agente utilize transporte colectivo de passageiros e se verifiquem os restantes elementos objectivos do tipo de ilícito, designadamente, a recusa em solver a dívida já que esta recusa não faz parte do tipo legal do ilícito contra-ordenacional;
7 - Ora, considerando a factualidade constante do texto da acusação dos autos, conclui-se sem margem para dúvida que a mesma é susceptível de se enquadrar no âmbito do preceituado no art. 220.°, n.° 1, al. c) do Código Penal, sendo irrelevante para o caso a entrada em vigor da citada Lei n.° 28/2006;
8 - Pelo que, o despacho recorrido violou o preceituado nos art.s 9.° do Código Civil, 2.°, n.° 2 e 220.°, n.° 1, al. c) do Código Penal e 7 14.° e 15.° da Lei n.º 28/2006 de 4 de Julho;
9 - Devendo o mesmo ser revogado e substituído por outro que ordene a prossecução dos autos para conhecimento do paradeiro do arguido ou caso o mesmo não venho a ser encontrado, para remessa dos mesmos para a forma comum tendo em vista a realização de julgamento.
*
Recebido o recurso, não houve resposta.
Já neste Tribunal, o Senhor Procurador-geral Adjunto fez juntar o seu parecer, no qual entende que o recurso deve merecer provimento, devendo ser revogado o despacho e proferido outro ajustado à tramitação processual a observar no momento em que aquele foi elaborado.
*
É este o teor do despacho sob censura:
*
Vem o arguido(a) acusado/a da prática de um crime de burla para obtenção de serviços, previsto e punido pelo artigo 220°, n.° 1, al. c), do Cód. Penal.
Nos termos desta disposição legal, na parte que nos interessa, “Quem, com intenção de não pagar, utilizar meio de transporte (...) sabendo que tal supõe o pagamento de um preço e se negar a solver a dívida contraída é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias. “.
Entretanto, entrou em vigor no passado dia 4 de Novembro a lei 28/2006, de 4.07 E, de acordo com o art° 1° desta Lei n.° 28/2006 que “A presente lei estabelece as condições de utilização do título de transporte válido nos transportes colectivos, as regras de fiscalização do seu cumprimento e as sanções aplicáveis aos utilizadores em -caso de infracção.” (sublinhado nosso). Da análise desta disposição legal é desde logo possível intuir-se uma pretensão de regulamentação globalizante desta temática, tendo-se como se disse, através do respectivo artigo 15° revogado na íntegra o Decreto-Lei n.° 108/78 e ainda o n.° 1 do artigo 43° do Regulamento para a Exploração e Polícia dos Caminhos de Ferro, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 39780/1954, de 21 de Agosto, cujo conteúdo era semelhante, mas aplicável no âmbito dos caminhos-de-ferro, com regulamentação expressamente diferenciada do pretérito Decreto-Lei n.° 1008/78.
No mais, estatui-se da mesma forma que é obrigatória a detenção de título de transporte válido (cfr. artigo 2°, n.° 1), sendo a violação desta norma agora sancionada, em termos gerais, nos termos do artigo 7°, n.° 1, nos moldes seguintes:
“A falta de título de transporte válido, a exibição de título de transporte inválido ou a recusa da sua exibição na utilização do sistema de transporte colectivo de passageiros, em comboios, autocarros, troleicarros, carros eléctricos, transportes fluviais, ferroviários, metropolitano e metro ligeiro, é punida com coima de valor mínimo correspondente a 100 vezes o montante em vigor para o bilhete de menor valor e de valor máximo correspondente a 150 vezes o referido montante, com o respeito pelos limites máximos previstos no artigo 170 do regime geral do ilícito de mera ordenação social e respectivo processo, constante do Decreto-Lei n. 433/1982, de 27 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.° 356/1989, de 17 de Outubro, Decreto-Lei n.° 244/1995, de 14 de Setembro, e Decreto-Lei n.° 323/2001, de 17 de Dezembro, e pela Lei n.° 109/2001, de 24 de Dezembro, e sem prejuízo do disposto no n.° 3 do presente artigo.” (sublinhados nossos).
Dos termos desta disposição legal é desde logo de realçar o sancionamento com coima (e já não com multa), a declaração marcada que a infracção “é punida” como tal, e a referência expressa ao regime do ilícito de mera ordenação social previsto no Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro, que, aliás, é inclusivamente estabelecido como regime legal subsidiário, nos termos do subsequente artigo 12°. Do que se vem dizendo até agora fica assim definitivamente afastado, pelo menos, o sancionamento a título de contravenção.
Prosseguindo na nossa análise, temos que se mantém a possibilidade de pagamento voluntário da coima, quer logo perante o agente de fiscalização, quer num posterior prazo de cinco dias úteis (cfr. artigo 9°, n.° 1). No entanto, caso o agente não use desta faculdade, verifica-se aqui uma diferença de monta face ao anterior regime constante do Decreto-Lei n.° 108/78: estabelece agora o subsequente n.° 2 que, nestes casos, “a empresa exploradora do serviço de transporte em questão envia o auto de notícia à entidade competente, que instaura, no âmbito da competência prevista na presente lei o correspondente processo de contra-ordenação e notifica o arguido, juntando à notificação duplicado do auto de notícia.”. Diferentemente, nos termos do pretérito Decreto-Lei n.° 108/78 (artigo 5°, n.° 5), “Findo o prazo a que se refere o n.° 1 (prazo de pagamento voluntário) e sem que o pagamento tenha sido efectuado, será o original do auto enviado ao Tribunal da Comarca do lugar da infracção”.
A diferença é relevante na medida em que, agora de forma totalmente invalidada, se escreveu no Acórdão da Relação de Lisboa de 18 de Novembro de 2004, relatado por Francisco Caramelo, e no Acórdão da Relação do Porto de 22 de Janeiro de 2004, relatado por Almeida Cabral, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, que a remessa do auto para o tribunal nos termos do artigo 5°, n.° 5, do Decreto-Lei n.° 108/78 só se entenderia como sendo-o para efeitos de procedimento criminal, também como forma de não resultar esvaziada a norma do artigo 220°, n.° 1, al. c) do Cód. Penal.
Assim, como se viu, em caso algum há na actualidade remessa do auto para o tribunal nesta fase, mas sim para a entidade competente para o subsequente processo contra-ordenacional, que é, nos termos do artigo 10° da Lei n.° 28/2006, e conforme os casos, a Direcção-Geral dos Transportes Terrestres e Fluviais ou o Instituto Nacional do Transporte Ferroviário.
Prosseguindo, estabelece a nova lei em sujeito, no respectivo artigo 14° um regime transitório que, digamo-lo desde já, não deixa de poder suscitar alguma estranheza face à vasta pendência de processos da natureza criminal como o presente por factos constantes de tal nova lei: é que de parte nenhuma de tal regime transitório se faz referência a tais processos criminais, parecendo que o legislador ou ignora ou afasta a existência dos mesmos. Com efeito, estabelece o n.° 1 que “As contravenções e transgressões praticadas antes da data da entrada em vigor da presente lei são sancionadas como contra-ordenações, sem prejuízo da aplicação do regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, nomeadamente quanto à medida das sanções aplicáveis.”. Por seu turno, reza o n.° 2 que “Os processos por factos praticados antes da data da entrada em vigor da presente lei pendentes em tribunal nessa data continuam a correr os seus termos perante os tribunais em que se encontrem, sendo-lhes aplicável, até ao trânsito em julgado da decisão que lhes ponha termo, a legislação processual relativa às contravenções e transgressões.”. Mesmo neste último caso parece mais uma vez que tais processos serão apenas relativos a contravenções ou transgressões, uma vez que “continuam” nos mesmos moldes até final.
Ora, afastando, por irrazoável, o “esquecimento” ou “ignorância” do legislador (e presumindo que o mesmo consagra sempre as soluções mais acertadas e se sabe exprimir adequadamente, nos termos do artigo 9°, n.° 3, do Cód. Civil), tal regime transitório pode perfeitamente ser entendido como uma forma de se vislumbrar uma espécie de expressão de vontade manifestada agora pelo legislador no sentido de que as infracções que aqui se encontram em causa deveriam sempre ter sido entendidas como ilícito contravencional, e não como ilícito criminal.
Acresce ainda que não nos parece de todo razoável ou coerente defender a ideia segundo a qual coexistirá o ilícito contravencional para os casos de negligência e o criminal para os casos de dolo. É que, pretendendo agora, com lei nova e posterior ao Código Penal, estabelecer-se a falta de porte de título válido como contra-ordenação, e extraindo todas as consequências de se trazer à liça, como direito subsidiário, todo o regime do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro, estabelece então o correspondente artigo 8°, n.° 1, que “Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei com negligência”. No caso vertente, a infracção por negligência encontra-se prevista (cfr. artigo 7°, n.° 6 da nova lei), mas o que é facto é que o regime regra de punibilidade continua a ser a título de dolo (tanto mais que a referência expressa à punibilidade negligente foi considerada, e bem, como necessária), sendo certo que desta feita não se pode considerar que os casos em que tal dolo se verifica são afastados pelo Código Penal, uma vez que a nova lei em sujeito lhe é posterior.
De referir ainda que mesmo o argumento segundo o qual persistiria em simultâneo o ilícito contravencional como forma de proteger o bom funcionamento e a credibilidade dos transportes públicos colectivos, e o ilícito criminal como forma de proteger o património da empresa transportadora perdeu acutilância. Na verdade, já não se torna premente a protecção do património da empresa transportadora a título criminal, uma vez que, nos termos do artigo 11° da nova lei, uma percentagem do produto das coimas aplicadas reverte sempre a favor de tal empresa, enquanto que nos termos do artigo 6° do Decreto-Lei n.° 1008/78 a multa constituía receita do Estado.
Assim, da análise do novo diploma legal que se vem empreendendo, é já por demais evidente que propendemos para considerar que os factos em apreço nestes autos se encontram actualmente punidos exclusivamente como ilícito contra-ordenacional, atenta a forma esgotante como o legislador pretendeu agora regular a situação. Particularmente impressivo é, no nosso entender, e como se disse, a remessa do auto para entidade administrativa mesmo após a falta de pagamento voluntário, e a consequente intervenção de todo o arsenal normativo do Decreto-Lei n.° 433/82, mesmo, caso seja necessário, para eventual execução do valor coima por parte do Ministério Público. Tal novo regime obedece também, e além do mais, ao propósito actual e confessado do legislador em proceder por este meio à progressiva abolição do ilícito contravencional e transgressional.
Contra o que se acaba de defender não se diga que desta forma fica o artigo 220º, n.° 1, al. c) do Cód. Penal esvaziado de conteúdo na parte em que se refere a “transporte” sem que tal tenha sido expressamente revogado. É que o mesmo subsiste claramente para os casos em que se encontre em causa meio de transporte que não caiba no âmbito da Lei n.° 28/2006, designadamente por não se revestir da qualidade de transporte colectivo de passageiros, como é exemplo óbvio o táxi.
Com efeito, pelo menos para este caso manterá plena aplicabilidade a sanção penal, o que, aliás, faz inteiro sentido. É manifesta a claramente maior danosidade social nestes casos, uma vez que tal meio de transporte se desloca e procede à viagem por único e exclusivo interesse do agente da infracção, que não tem intenção de pagar pelo serviço que lhe é prestado e se recusa a fazê-lo, sendo certo que neste caso, o prejuízo do transportador corresponde à totalidade dos custos em que incorreu com a deslocação.
Com efeito, bem diferente é a situação do utilizador não pagador de transporte colectivo, que apenas pretende “passar despercebido” entre os restantes utilizadores, sendo também certo que a empresa transportadora sempre procederia à viagem mesmo que o agente não acedesse ao veículo em causa. Por seu turno, o prejuízo da referida empresa neste caso encontra-se muito longe de corresponder ao custo total da deslocação, dado que equivale apenas, pelo menos em regra, ao singelo preço do bilhete em falta.
Aqui chegados, entendendo como entendemos, que os factos constantes da acusação consubstanciavam crime na data da sua prática, mas que actualmente, face a lei entretanto vigente, apenas consubstanciam a prática de uma contra-ordenação, despiciendo se torna averiguar qual o regime que em concreto se revela mais favorável ao/à arguido/a por ser obviamente o contra-ordenacional, face à diferente natureza da própria sanção abstractamente aplicável, que de pena de multa ou de prisão passa a mera coima.
Referindo-se à eficácia temporal da lei contra-ordenacional nova face a antiga lei penal, escreve Taipa de Carvalho (“Sucessão de Leis Penais”, Coimbra Editora, Coimbra, 1990, págs. 90 e 91) que “o princípio geral é o de que a lei que «cria» contra-ordenações só se aplica aos factos praticados depois da sua entrada em vigor (Dec.-Lei n.° 433/82, art. 3°, n.° 1 — eficácia pós-activa). Todavia, não está constitucionalmente consagrada — pelo menos de forma expressa — a proibição da retroactividade da lei sobre contra-ordenações.
Assim, se a lei que altera a qualificação do facto de crime (ou de contravenção) para contra-ordenação não estabelece, mediante norma transitória, a sua aplicabilidade às acções praticadas antes do seu início de vigência, tais acções que, necessária e constitucionalmente, são despenalizadas, também não podem ser julgadas como ilícitos de mera ordenação social. Tornam-se, portanto, juridicamente irrelevantes. (...)
Se, pelo contrário, a lei que converte a infracção penal em contra-ordenação estabelecer, por disposição transitória, a sua eficácia retroactiva, no sentido de tornar extensivo o seu regime e as coimas respectivas aos factos praticados na vigência da lei antiga (evitando, assim, a impunidade total dos factos ainda não julgados), podem não levantar-se, mas também poderão surgir problemas de constitucionalidade da norma transitória.”
Do trecho que nos permitimos citar extrai-se então a ideia fundamental de que, ou a lei nova estabelece norma transitória que defina a forma de punição dos factos praticados antes da sua entrada em vigor, e então será tal norma aplicável, ressalvados problemas de eventual inconstitucionalidade que aqui não vêm ao caso, ou então não existe qualquer norma transitória, e os factos anteriores à entrada em vigor da nova lei ficam impunes.
Revertendo ao nosso caso concreto, e conforme se adiantou já acima, a nova Lei n.° 28/2006 dispõe de uma norma transitória no seu artigo 14°. A questão é que, conforme já igualmente se disse, tal norma não contempla os casos de crime praticado antes da sua entrada em vigor, mas apenas de contravenções ou transgressões. Com efeito, estabelece o respectivo n.° 1 que “As contravenções e transgressões praticadas antes da data da entrada em vigor da presente lei são sancionadas como contra-ordenações, sem prejuízo da aplicação do regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, nomeadamente quanto à medida das sanções aplicáveis.” (sublinhado nosso). Os restantes números da mesma disposição legal em nada relevam para o caso, designadamente o n.° 2, que apenas se refere a “legislação processual”, e igualmente parecendo abarcar apenas os casos contravencionais ou transgressionais, na medida em que “continuam a correr os seus termos”.
Assim sendo, apesar de formalmente existir um “regime transitório”, a hipótese do nosso caso concreto não se encontra aí prevista, pelo que, em conformidade com o entendimento acima vertido, defendido pelo autor Taipa de Carvalho, e o qual subscrevemos, a/s conduta/s do/a arguido/a nestes autos terão de passar neste momento a considerar-se juridicamente irrelevantes, e consequentemente a ficar impunes.
Contra o que se acaba de dizer não se afirme que, se o regime transitório aludido determina a punição de antigas contravenções e transgressões agora como contra-ordenações, por maioria de razão assim deverão ser punidos os crimes. Tal não entendemos, uma vez que semelhante solução traduzir-se-ia numa aplicação analógica in malam partem de lei sancionatória, que é vedada pelo disposto no artigo 1°, n.° 3, do Cód. Penal.
A presente peça processual estriba-se no raciocínio e análise expendidos no âmbito do proc° crime n° …./05.5TAMTS que correu seus termos neste .º juízo criminal, na sentença proferida pelo Sr. Dr. C………., no âmbito do seu estágio. Concordando com o mesmo depois de revisto, subscrevemo-lo na íntegra adaptando-o ao presente caso.
Pelo exposto e apreciando em conformidade ao estado dos autos, declara-se extinto o procedimento criminal intentado contra o(a) arguido nestes autos.
*
*
Questões a resolver:
Neste recurso do Ministério Público, importa considerar se a entrada em vigor da Lei nº 28/2006, de 4 de Julho (em 4 de Novembro) despenalizou a conduta constante da acusação, isto é, se revogou tacitamente o crime de burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços, previsto pelo Art. 220º do Código Penal, quando cometido em transportes colectivos de passageiros.
*
*
Decidindo:
A questão ora em apreciação tem sido alvo de diversas decisões, sendo algumas delas recentes e mesmo deste Tribunal da Relação.
O despacho sob censura conclui que os factos descritos na acusação (configurando a prática de um crime de burla para obtenção serviços, previsto pelo Art. 220º do Código Penal), são punidos exclusivamente como ilícito contra-ordenacional, atenta a forma exaustiva como o legislador pretendeu agora regular a situação”.
Recorda-se aqui em súmula – porque seria incorrecto e redundante estar a reescrever tudo o que ali se escreveu – o recentíssimo Ac. desta Relação, de 27.6.2007, no processo nº 0743140 (www.dgsi.pt/jtrp), proferido sobre um despacho em tudo idêntico e aliás subscrito pelo mesmo Senhor Juiz; porque a fundamentação do mesmo coincide com a nossa convicção, transcrever-se-á assim parcialmente:
“Não vislumbramos na letra da lei (refere-se à já citada Lei nº 28/2006), expressa ou implicitamente, qualquer intenção de alterar o regime punitivo previsto pelo Código Penal. O que tal diploma se propõe é regulamentar as condições de utilização dos transportes colectivos, "actualizando" o modelo previsto no Decreto-Lei nº 108/78, de 24 de Maio e no Decreto-Lei nº 110/81, de 14 de Maio, bem como no Decreto-Lei nº 39.780, de 21 de Agosto de 1954 (que foram agora revogados pelo Art. 15º). Desde logo, e em matéria de punição, o diploma propõe-se conformar as condutas ilícitas ao quadro geral do regime das contra-ordenações (itálico nosso), pondo, assim, fim ao regulamento espúrio até então existente (ver Art. 14º, nº 1, ainda do Decreto-Lei nº 28/2006, de 4 de Julho).
E o que não está na Lei não pode o intérprete acrescentar. Como diz o artigo 9º, n.º 2, do Código Civil, "Não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso".
Aliás, mal se compreenderia que o legislador, por razões relacionadas com as particularidades dos diversos tipos de meios de transportes colectivos, distinguisse, ora como contra-ordenação, ora como crime, a mesma conduta fraudulenta de utilização de transporte não gratuito com a intenção de não pagar o título devido, seguido de recusa de pagamento da "dívida contraída".
De facto, o legislador institui: como crime, a utilização de meio de transporte com a intenção de não pagar o preço que se sabe que é devido, recusando-se, depois, a solver a dívida contraída – Art. 220º, nº 1, alínea c), do Código Penal; e, como contra-ordenação, a falta de título de transporte válido, a exibição de título de transporte inválido ou a recusa da sua exibição: Art. 7º, do citado Dec.-Lei n.º 28/2006.
O crime visa a protecção do património da empresa concessionária; a contra-ordenação visa assegurar regras de funcionamento do sistema de transporte colectivo de passageiros no que respeita às condições de utilização do título de transporte – artigo 1º e 2º. Ou seja: tipos-de-ilícitos diferentes, para comportamentos diferentes, que violam bens jurídicos distintos e são merecedores de diferentes graus de censura ético-jurídica”.
*
Sempre se acrescentará, para definitivamente pôr termo à questão, que o crime do Art. 220º, nº 1, alínea c), do Código Penal, enquanto tipo doloso, se mantém vivo e perene, sendo a contra-ordenação aplicável apenas aos casos em que, quem utiliza o meio de transporte, não possui título válido, mas acaba por pretender pagar o mesmo, mais os seus acréscimos (em suma, conduta sem dignidade penal).
Confundir as duas questões é interpretar a lei de uma forma que a mesma não comporta, por muito confortável que seja o resultado final:
Desde logo porque a lei geral não revoga a lei especial.
Mas, também, porque o Código Penal já se encontra revisto (com entrada em vigor no passado dia 15 de Setembro de 2007, das novas alterações) e a norma em causa não alterou, antes manteve integralmente, o texto completo do Art. 220º, nomeadamente a sua alínea c), do nº 1.
Quisera o legislador apoiar a tese da revogação desta norma e teria retirado a mesma do elenco penal; ou quisera o mesmo legislador restringir o seu campo de aplicação e tê-lo-ia escrito de forma rigorosa (até porque já conhecia a querela existente sobre o tema).
Também não se dirá, assim, que o actual Código Penal revogou a citada Lei 28/2006, só porque manteve o tipo legal inalterado e entrou em vigor em momento posterior a esta!
O Código Penal, enquanto lei criminal geral, tem um campo de aplicação totalmente diverso da citada lei; e esta nada mais fez que aquilo que o legislador já deveria ter tido o cuidado de fazer há mais tempo: transformar todas as transgressões e contravenções em contra-ordenações (a questão já existe e já se discute desde a publicação do Dec.-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, que instituiu o ilícito de mera ordenação social).
*
O fundo do problema resolve-se, lendo atentamente o corpo do Art. 220º citado: “Quem, com intenção de não pagar…”.
Ora, do libelo acusatório de folhas 16, consta que o arguido recusou consciente e deliberadamente pagar, quer o preço do bilhete em falta e de que não era portador, quer a importância que lhe acrescia, não tendo, rigorosamente, efectuado tal pagamento e assim causando prejuízo patrimonial à empresa de transportes onde viajou.
Isto é, o arguido – considerando os termos da acusação, agiu dolosamente e como tal foi acusado da prática de 1 crime, exactamente o previsto naquela norma penal.
Tanto basta para se concluir que o despacho sob recurso não fez uma correcta aplicação da legislação aplicável à situação concreta, pelo que terá de ser substituído por outro, que faça prosseguir os autos para julgamento (agora, eventualmente em processo comum).
Ou seja, o recurso será totalmente procedente.
*
*
Decisão:
Pelo exposto, acordam em conferência em julgar procedente o recurso, revogando o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro, que ordene a remessa dos autos para julgamento.
Sem custas.
*
Porto, 24 de Outubro de 2007
António Luís T. Cravo Roxo
Joaquim Rodrigues Dias Cabral
Isabel Celeste Alves Pais Martins (vencida conforme declaração de voto que junto)
_________________________________
DECLARAÇÃO DE VOTO
Discordo do entendimento sustentado no acórdão e não daria provimento ao recurso, pelas razões que passo a esclarecer.
A questão que o recurso convoca está em saber se a Lei n.º 28/2006, de 4 de Julho, implicou, ou não, a descriminalização das condutas, anteriormente subsumíveis à alínea c) do n.º 1 do artigo 220.° do Código Penal, no âmbito da utilização do sistema de transporte colectivo de passageiros, e quanto aos meios de transporte taxativamente indicados no artigo 7.° dessa lei.
A Lei n.º 28/2006, de 4 de Julho, aprovando "o regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de transportes colectivos de passageiros", é a expressão do objectivo do legislador de estabelecer, de modo abrangente, "as condições de utilização do título de transporte válido nos transportes colectivos, as regras de fiscalização do seu cumprimento e as sanções aplicáveis aos utilizadores em caso de infracção" (cfr. epígrafe e artigo 1.°).
Nos termos do seu artigo 7.°, n.º 1, é punida com coima "a falta de título de transporte válido, a exibição de título de transporte inválido ou a recusa da sua exibição na utilização do sistema de transporte colectivo de passageiros, em comboios, autocarros, troleicarros, carros eléctricos, transportes fluviais, ferroviários, metropolitano e metro ligeiro", pelo que todas as condutas descritas passaram a constituir contra-ordenação [1].
Converteu, portanto, as transgressões e contravenções previstas nos Decreto-Lei n.º 108178, de 24 de Maio, e no n.º 1 do artigo 43.° do Regulamento para Exploração e Polícia dos Caminhos de Ferro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39780, de 21 de Agosto de 1954, em contra-ordenações, revogando, consequentemente, esses diplomas (artigo 15.°).
A alínea c) do n.º 1 do artigo 220.° do Código Penal, no segmento «utilização de meio de transporte que supõe o pagamento de um preço» englobava quer a utilização de transporte incluído no sistema de transporte colectivo de passageiros quer a utilização de transporte não incluído no sistema de transporte colectivo de passageiros.
É ponto assente que a Lei n.º 28/2006 não revogou expressamente a alínea c) do n.º 1 do artigo 220.° do Código Penal, na parte respeitante a utilização de transporte incluído no sistema de transporte colectivo de passageiros.
Também se reconhece que os elementos gramatical e histórico não confortam a tese de que a Lei n.º 28/2006 revogou tacitamente a alínea c) do n.º 1 do artigo 220.°, nessa parte, muito embora outros factores hermenêuticos - os elementos racional ou teleológico e sistemático - apontem, decisivamente, nesse sentido.
É de lembrar que é pela descoberta da "racionalidade" da lei que, por vezes inconscientemente, inspirou o legislador na fixação de um certo regime jurídico particular, que o intérprete se apodera de um ponto de referência que o habilita a definir o exacto alcance da norma e que na interpretação da lei releva a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca do sistema jurídico, quer dizer, o postulado da coerência intrínseca do ordenamento [2].
Afigura-se-nos, óbvio e seguro, que com a Lei n.º 28/2006 houve uma revogação tácita parcial (derrogação) da alínea c) do n.º 1 do artigo 220.º do Código Penal, por incompatibilidade entre esta norma, na parte relativa à utilização de transporte incluído no sistema de transporte colectivo de passageiros e a nova disciplina da utilização desse sistema de transporte, quanto aos meios de transporte taxativamente indicados no artigo 7.° da Lei n.º 28/2006.
Com efeito, a revogação tácita pode resultar «da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior» (artigo 7.°, n.º 2, do Código Civil).
«Na maioria dos casos o legislador não procede à revogação expressa. Verificar dentro da mole imensa das leis existentes quais as que são atingidas pela nova lei é trabalho muito grande, e que com frequência revela dificuldades com que não se contava. O legislador então poupa-se: quando muito revoga expressamente os preceitos que pretendia directamente substituir, e quanto aos restantes deixa ao intérprete o ónus da verificação da sua incompatibilidade com os novos textos.
«Isto significa a imposição à prática dum esforço muito maior, e além disso inquina a certeza que é a principal vantagem da legiferação. Mas o princípio de que havendo uma incompatibilidade prevalece a lei posterior não sofre qualquer contestação, e é ele que justifica a revogação tácita.»[3]
O crime de burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços, do artigo 220.0 do Código Penal, integra uma burla privilegiada, que tem de preencher todos os elementos constitutivos do tipo legal do artigo 217.°
«Acresce que, nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 220.º, o crime apenas se encontra perfeito quando o agente "(...) se negar a solver a dívida contraída". A respectiva consumação observa-se, assim, quando o sujeito activo depois de instado para o efeito ou, em alternativa, no momento adequado segundo os usos do sector - adopte uma atitude que signifique a recusa efectiva em proceder à liquidação do débito.»[4]
Assim, um dos elementos típicos do crime de burla, traduzido na utilização de meio de transporte, que suponha o pagamento de um preço, é o sujeito activo negar-se a solver a dívida. O que reclama, antes de mais, a existência de um débito (correspondente ao preço devido pela utilização do meio de transporte) e, ainda, que o sujeito activo, chamado a liquidá-lo, assuma um comportamento demonstrativo de uma efectiva recusa da liquidação desse débito.
Ora, este elemento típico do crime de burla para obtenção de serviços de transporte, quando sejam usados transportes colectivos de passageiros (todos os enunciados no artigo 7.° da Lei n.º 28/2006), deixou de poder ser preenchido, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 28/2006.
É que, no regime aprovado por essa Lei, a utilização de qualquer dos meios de transporte colectivo de passageiros nela indicados, sem título de transporte válido, não origina uma dívida que o utilizador, sem título de transporte, seja instado a pagar ou, até, que, por iniciativa própria, possa pagar, de modo a que seja possível verificar-se uma recusa a solver a dívida.
Diferentemente do que acontecia nas previsões das normas revogadas (artigo 3.° do Decreto-Lei n.º 108/78 e artigo 43.°, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 39780), nada existe na Lei n.º 28/2006 susceptível de conferir conteúdo ao conceito de "dívida" constante do tipo-de-ilícito do artigo 220.° do Código Penal.
Nas normas revogadas, a "dívida" era o preço do bilhete, em singelo ou acrescido das sobretaxas, de acordo com as posições jurisprudenciais que, na matéria, vingaram[5].
Na Lei 28/2006, a falta de título de transporte válido é punido com coima.
Não há "dívida" a pagar pelo utilizador.
Há coima. E a coima é a sanção do ilícito de mera ordenação social, de natureza exclusivamente patrimonial, que «serve como mera "admonição", como mandato ou especial advertência conducente à observância de certas proibições ou imposições»[6].
No momento da autuação, o arguido é notificado da infracção e da sanção em que incorre, mediante a entrega do aviso do pagamento da coima (artigo 8.º, n.o 4, da Lei n.º 28/2006), o que significa que o sujeito activo não é instado a pagar uma dívida; é notificado de que tem de "cumprir" uma sanção, que passa pelo pagamento de uma quantia pecuniária.
E mesmo quando deva liquidar, também, o preço do bilhete, o que acontece nos casos de pagamento voluntário da coima (artigo 9.°, n.º 4, da Lei n.º 28/2006), o pagamento desse preço não pode ser nunca realizado de forma autónoma, uma vez que, então, é condição do pagamento da coima. Para poder beneficiar da redução de 20% no mínimo da coima (caso do n.º 1 do artigo 9.°) ou do mínimo da coima (caso do n.º 3 do mesmo artigo), o arguido terá de, simultaneamente, pagar a coima e o valor do bilhete em dívida, o qual acresce, portanto, ao valor da coima. Não podendo o valor do bilhete em dívida ser pago independentemente do pagamento da coima, esse valor participa da natureza da sanção. E, de qualquer modo, se o arguido não quiser pagar o preço do bilhete ("recusa" a pagar o preço do bilhete), o único efeito é não poder efectuar o pagamento voluntário da coima.
Deve, portanto, concluir-se que o tipo-de-ilícito da alínea c) do n.º 1 do artigo 220.º do Código Penal, não pode verificar-se, no que se refere à utilização, com intenção de não pagar, de meio de transporte que se integre no sistema de transporte colectivo de passageiros, dos taxativamente indicados no artigo 7.°, n.º 1, da Lei n.º 28/2006, a partir da sua entrada em vigor, por o regime sancionatório aprovado pela Lei n.º 28/2006, obstar à verificação de um dos elementos do tipo.
O elemento típico "existência de uma dívida que o sujeito activo se recuse a solver" é incompatível com o regime sancionatório aprovado pela Lei n.º28/2006, o que significa que esta revogou (tacitamente) a alínea c) do n.º 1 do artigo 220.° do Código Penal, no que se refere à utilização, com intenção de não pagar, de meio de transporte, dos taxativamente indicados, que se integre no sistema de transporte colectivo de passageiros (revogação parcial).
A utilização, com intenção de não pagar, de meio de transporte, dos taxativamente indicados, que se integre no sistema de transporte colectivo de passageiros é, por isso, facto exclusivamente compreendido na Lei n.º 28/2006.
Operou-se, assim, a descriminalização da conduta que foi convertida em contra-ordenação,
O que deve ser declarado em qualquer fase do procedimento (artigo 2.°, n.º2, do Código Penal).
Atendendo à autonomia material do direito contra-ordenacional face ao direito penal, o facto, pelo menos sem lei transitória, não pode ser sancionado a título contra-ordenacional, uma vez que, no momento da sua prática, não existia, ainda, uma norma legal que para ele cominasse uma coima [7].
______________________________
[1] «Constitui contra-ordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima» - artigo 1.° do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.
[2] JOÃO BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 12.ª reimpressão, p. 183.
[3] JOSÉ DE OUVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 10.ª edição, Almedina, 1997, pp. 302-303.
[4] A. M. Almeida Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, p. 324.
[5] Como é conhecido, a jurisprudência dividiu-se. Para uns, a "divida contraída" reportava-se apenas ao preço do bilhete (titulo de transporte) necessário à realização da viagem [neste sentido, v.g., o acórdão da Relação de Coimbra, de 3 de Novembro de 2003 (recurso n.º 2642/03), publicado na Colectânea de Jurisprudência, Tomo V/2003, p. 39 e ss., onde, a dado passo, se escreveu: «De avivar, desde já, que a divida contraída é o preço do bilhete e, nunca, os acréscimos previstos, pois que estes são já a sanção para a contravenção»]. Para outros, a sobretaxa tinha, ainda, a natureza de uma parte do preço do bilhete devido sempre que o passageiro não adquirisse, previamente, o titulo de transporte, pelo que a "dívida" correspondia ao preço do bilhete acrescido das sobretaxas devidas [neste sentido, entre outros, acórdão da Relação de Coimbra, de 23/09/1993, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Tomo IV/1993, p. 77 e ss.) e o acórdão da Relação do Porto, de 8 de Janeiro de 2003, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Tomo 1/2003, p. 207 e ss.]
[6] JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, «O Movimento de Descriminalização», Jornadas de Direito Criminal, Centro de Estudos Judiciários, p, 333.
[7] Sobre a problemática da conversão da qualificação jurídico-legal de uma conduta de infracção penal em infracção de natureza administrativa (contra-ordenação), segue-se AMÉRICO A. TAIPA DE CARVALHO, Sucessão de Leis Penais, 2.ª edição revista, Coimbra Editora, 1997, pp. 120 e ss. Em sentido divergente, FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2004, pp.187-188.