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CEDÊNCIA OCASIONAL DE TRABALHADOR
ILICITUDE
DIREITO DE OPÇÃO
Sumário
Em caso de ilícita cedência ocasional de trabalhador, a que se sucedeu a celebração de contrato de cedência ocasional de trabalhador lícita entre os mesmos sujeitos, o direito de opção do trabalhador de permanência ao serviço do cessionário em regime de contrato de trabalho sem termo, nos termos conjugados dos n.ºs 2 e 1, do art.º 292.º do Código do Trabalho, deve ser exercido até ao termo da cedência ilícita, mediante carta registada com aviso de recepção, às entidades cedente e cessionária, sob pena de caducidade.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.
1.–Relatório:
1.1.– AAA intentou a presente ação declarativa com processo comum contra BBB, SA e CCC, SA pedindo em síntese que seja a 1.ª ré condenada a reconhecer que o A. pertence aos seus quadros e integrá-lo como trabalhador contratado sem termo, com efeitos a partir de de janeiro de 2016. Mais pede a condenação da 1.ª ré no pagamento da quantia de €877,36 a título de prestações vencidas e não pagas devidas pela prestação de serviço desde 2 de janeiro de 2016, acrescidas de juros de mora à taxa legal, e bem assim condenada no pagamento de quaisquer quantias vincendas. Mais pede a condenação da 2.ª R. no pagamento da quantia de €877,36 a título de prestações vencidas e não pagas devidas pela prestação de serviço desde 2 de janeiro de 2016 (embora tal seja claramente um lapso e seja pedido a partir de 2015 pelo pedido que formula e pela Causa de pedir), acrescidas de juros de mora à taxa legal, e bem assim condenada no pagamento de quaisquer quantias vincendas. Para tanto alega que era trabalhador da CCC, 2.ª R. e que a partir de 2 de janeiro de 2015 passou a prestar serviço para a 1aR. desempenhando funções inerentes à categoria de Motorista/Carteiro. Porém, apenas mais tarde assinou o contrato de cedência, o qual sendo datado de 30/6/2016 apenas foi assinado em 24/11/2016. Refere que assinou este contrato apenas por imposição das RR e por se encontrar numa posição mais enfraquecida.
Não obstante ter começado a desempenhar funções em Janeiro de 2015, foi-lhe pago até Março de 2015 uma retribuição mensal base de €513, e a partir desse mês no valor de €524. Pugna pelo facto de acordo com o AE em vigor ser-lhe devida uma retribuição base de €566,9, acrescida de subsídio de refeição diário de €9,01, bem como um subsídio de condução diário de €2,16. Quanto à remuneração base e subsídio de refeição afirma que o valor correto começou a ser pago em Julho de 2015 pelo que peticiona as diferenças correspondentes a tais períodos.
Realizada audiência de partes não foi lograda a obtenção de acordo.
Legalmente citadas as R.R. contestaram a presente ação.
A 1.ª Ré não negando a factualidade invocada, discordando apenas do facto de o contrato de cedência ter sido assinado em Novembro, pois pugna que tal ocorreu na data em que está datado. Não negando também que o trabalho começou a ser prestado para a 1.ª Ré em Janeiro de 2015, embora não formalizado por escrito como exigido por lei, postula que quando tal sucedeu, em Julho de 2015 a cedência passou a ser lícita pelo que era nesse momento que cabia ao A. optar pelo regime de contrato sem termo. Mais refere que mesmo que o contrato tivesse sido assinado em Novembro, cabia ao A. nessa data exercer esse direito, o que não o fazendo até ao termo da cedência ilícita quando a ilicitude termina já não o pode fazer por ter caducado tal direito. Refere ainda que se assim não fosse existiria um abuso de direito da parte do trabalhador, pois leu o documento, concordou com as condições mas depois assinou legitimando a cedência anterior. Quanto aos rendimentos pugna pelo facto de nos contratos de cedência serem considerados os rendimentos anuais que devem ser mantidos em caso de cedência, pelo que o A. a partir de Julho de 2015 deixou de receber um subsídio de turno e de rotação e passou a receber em compensação um adicional de vencimento base e remuneração adicional, não havendo assim qualquer diminuição da sua remuneração mensal. Conclui, referindo que sendo a cedência ilícita o A. continuava a auferir como trabalhador da R. CCC, mas caso venha a ser considerado que o trabalhador tem direito a receber os diferenciais de subsídio de refeição e retribuição então deve ser feita a compensação com os valores auferidos pelo A. no que respeita aos subsídios de turno e de rotação. Impugna as contas do A. quanto ao subsídio de condução e conclui pela improcedência da ação.
De igual modo contestou a 2.ª Ré, não negando a factualidade em apreço, mas afirmando que o contrato de cedência foi assinado em Julho de 2015. Sustenta, em suma, que pelo facto de o contrato de cedência prever a manutenção da remuneração anual inalterada, e de após a cedência o trabalhador ter deixado de receber subsídio de turno e subsídio de rotação e de ter recebido um vencimento base e uma remuneração adicional. Nos primeiros seis meses de 2015 o trabalhador não recebeu os adicionais da remuneração mas continuou a receber os subsídios de turno e rotação. Os contratos de cedência são efectuados efectuando cálculos que permitem manter a remuneração dos trabalhadores independentemente destes prestarem serviço nos CTT ou noutra empresa do grupo, pelo que pugna pela improcedência da presente ação.
Foi proferido despacho saneador-sentença (fls. 98 a 106), onde se decidiu absolver as rés do pedido. 1.2.–Inconformado com esta decisão dela recorreu o autor (fls.117 a 127). 1.3.–Na sequência, veio a ser proferida decisão sumária (fls. 163 a 168), que finalizou com o seguinte dispositivo: “Em face do exposto,anula-se a sentença recorrida, devendo realizar-se a audiência de discussão e julgamento, proferindo-se, após, a decisão que houver lugar. Prejudicada fica a apreciação das questões colocadas neste recurso.” 1.4.–Remetidos novamente os autos ao tribunal “a quo”, realizou-se o julgamento, tendo sido proferida sentença (fls. 208 a 216), onde se decidiu: “Por todo o exposto, julga a acção totalmente improcedente e nessa medida absolve as R.R. do pedido”. 1.5.–De novo inconformado com esta decisão dela recorre o autor, rematando as suas alegações, com as seguintes conclusões: 1.- A decisão recorrida faz tábua rasa dos mais elementares princípios que enformam o direito do trabalho. 2.- Desde logo, olvida que os poderes laborais do empregador “não podem, apesar da sua configuração privada, deixar de ser concebidos como poderes dominiais” (Maria do Rosário Palma Ramalho, Da autonomia dogmática do direito do trabalho, Coimbra, 2000, p. 791) e que ao regular o fenómeno do trabalho subordinado, o sistema jurídico procura corrigir os abusos da situação dominial que existe nessa relação (Manuel Alonso Olea, De la servidumbre al contrato de trabajo, 2.a ed., Madrid, 1994, p. 156 ss). 3.- No seu âmbito de protecção a garantia constitucional, prevista no art.º 53.º da CRP, abrange, ainda, “todas as situações que se traduzam em precariedade da relação de trabalho” e obriga a que essas modalidades contratuais careçam de uma formalização (redução a escrito) mas também a uma razão de ser objectiva, exigindo, paralelamente, um sistema de normas teleologicamente orientado para a sua limitação. 4.- Como refere Maria do Rosário Palma Ramalho (Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 2.a ed, Coimbra, 2008, p.707), “o princípio geral em matéria de cedência ocasional no Código do Trabalho continua a ser um princípio de proibição”. 5.- Relativamente aos requisitos formais da cedência, acrescenta Maria do Rosário Palma Ramalho (Direito..., p. 712) que se trata de “uma exigência de forma qualificada”. 6.- Do mesmo modo, Catarina Nunes de Oliveira Carvalho (Da mobilidade dos trabalhadores no âmbito dos grupos de empresas nacionais, Porto, 2001, p. 286) refere claramente que “procurando garantir a segurança no posto de trabalho e evitar situações fraudulentas de contratação de trabalhadores (...) a lei (...) impõe o acordo do trabalhador a ceder, o qual tem de constar de documento escrito...”. 7.- Como menciona a referida autora, “o acordo do trabalhador é um requisito necessário para que a entidade patronal o possa ceder licitamente a outro empregador” e que existe uma “imposição formal”, ao exigir-se “que a declaração de concordância do trabalhador conste de documento escrito assinado pelo cedente e pelo cessionário”. 8.- Como tal, trata-se “de uma formalidade ad substantitam pois a sua inexistência ou irregularidade determina (...) a ilicitude da cedência”. 9.- Tendo, por isso, o recorrente, direito a optar pela sua permanência ao serviço da cessionária em virtude da ilicitude da sua cedência. 10.- Por sua vez, a letra da lei é explícita e unívoca quando refere que o trabalhador pode optar pela permanência no cessionário “até ao termo da cedência”. 11.- Sendo de referir que em todo o caso, o intérprete deverá presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3 do art. 9.º do CC). 12.- Por outro lado, o recorrente não peticiona o pagamento o valor total dos subsídios de refeição praticados nos BBB, SA – e que é de € 9,01 – mas sim a diferença entre esse valor e o que efectivamente recebeu entre Janeiro e Julho de 2015, a título de subsídio de refeição, e que corresponde a € 2,60 por cada dia de trabalho prestado, no total de €327,60. 13.- De igual modo, o recorrente peticionou a diferença relativa à retribuição mensal base (porquanto auferiu a retribuição base de € 513 em Janeiro e Fevereiro e a partir de Março, inclusive, auferiu a retribuição base de € 524, quando na verdade exercício das suas funções nos BBB, SA implica o pagamento da retribuição base mensal de € 566,90) da seguinte forma: Janeiro de 2015 a Fevereiro de 2015: € 53,60x2= €107,20; Março de 2015 a Junho de 2015: €42,60x4= € 170,40. 14.- Também peticionou o pagamento do subsídio de condução, devido pelo exercício das suas funções nos BBB, SA, no valor diário de € 2,16 que não lhe foi pago no período entre Janeiro de 2015 e Outubro de 2015, no montante total de € 272,16. 15.- A compensação que os BBB peticionam implica que se esteja a compensar um crédito do recorrente contra si com um putativo crédito da CCC sobre o recorrente. 16.- Ora, não sendo os BBB titulares do crédito que pretende compensar, não estão, salvo melhor opinião, cumpridos os requisitos previstos na norma do CC acima citada e, como tal, não podem furtar-se ao pagamento da sua dívida para com o A. alegando um eventual crédito de que é titular a CCC. 17.- Nos termos do n.º 5 do art. 291.º do CT: “o trabalhador cedido tem direito: a)– À retribuição mínima que, em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável ao cedente ou ao cessionário, corresponda às suas funções, ou à praticada por este para as mesmas funções, ou à retribuição auferida no momento da cedência, consoante a que for mais elevada”. 18.- Estando por isso a cessionária a proceder ao pagamento da retribuição do recorrente nos termos previstos no instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável para as funções desempenhadas pelo recorrente. Pelo exposto e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso de apelação, revogando-se a sentença recorrida, de acordo com o ora alegado, como é de inteira JUSTIÇA! 1.3.– As rés responderam ao recurso, pugnando pelo seu não provimento (fls. 238 a 240 e fls. 243 a 249). 1.4.– O recurso foi admitido pelo tribunal recorrido (fls. 251 a 252), na espécie, efeito e modo de subida adequados, tendo-se o Mmo. Juiz pronunciado no sentido da inexistência das nulidades arguidas pelo autor.
1.5.– Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar decidir.
2.– Objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artigos 635.º, números 3 e 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Assim, as questões que o recorrente coloca à apreciação deste tribunal consistem em aquilatar se ocorre nulidade da sentença, se ao autor é legítimo optar pela sua permanência na 1.ª ré e se lhe são devidos os créditos por si reclamados.
3.– Fundamentação de facto
3.1.– Matéria de facto provada
a)- Em 26 de Maio de 2003, o A. foi admitido para prestar serviço sob a autoridade e direcção da 2.a R., exercendo as funções inerentes à categoria profissional de Operador; b)- Para o efeito prestava serviço no Departamento de Logística, sito na (…) Amadora; c)- No entanto, em 2 de Janeiro de 2015, o A. que passou a prestar serviço para a 1.a R.; d)- Desde essa data, o A. desempenha as funções inerentes à categoria profissional de Motorista/Carteiro Motorista, no CPLS-LPL-L da R., que consistem no seguinte: - Recolha e transporte de correspondências nos Centros de Distribuição Postal e Lojas …; - Recolha e transporte de correspondências nos clientes; e)- De igual modo, o A. já constava das escalas de serviço da 1.a R., relativas a Janeiro de 2015; f)- Sem que tivesse assinado qualquer documento ou contrato de cedência, apesar de se encontrar inserido na estrutura organizativa da 1.a R e de desempenhar as suas funções, indistintamente, como qualquer trabalhador da 1.a R.; g)- A 1.a R. procedeu à avaliação do A. no período relativo ao ano de 2015; h)- Sendo certo que é referido nessa avaliação que o A. “expressa orgulho por fazer parte dos BBB e demonstra preocupação com a imagem da empresa”, tendo “superado os objectivos”; i)- O A. assinou um documento datado de 30/6/2016, designado de “Contrato de Cedência” cujo teor consta de fls. 16 e 17 dos autos e que se dá por integralmente reproduzido, e no qual anui na sua cedência aos BBB, nos termos que do documento constam; j)- A 2.a R. comunicou, ao A, por carta expedida em 18.01.2016, que a partir de 01.01.2016, o pagamento da sua retribuição passaria a ser feito pela 1.ª R., referindo no entanto que tal situação não implicava “a alteração da sua entidade empregadora que continuará, por isso, a ser a empresa cedente”, em termos e condições que constam de fls. 18v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido; k)- Até Março de 2015, o A. auferiu a retribuição base de € 513, subsídio de turno de €128,25 e subsídio de rotação de €102,6, quantias sempre acrescidas de um subsídio de refeição no valor diário de € 6,41; l)- A partir de Março de 2015 o A. auferiu a retribuição base de € 524, sendo essa quantia sempre acrescida de um subsídio de refeição no valor diário de € 6,41, e ainda de subsídio de turno e de rotação; m)- Contudo, o exercício das suas funções na R. implica o pagamento da retribuição base mensal e adicional de € 566,90, acrescida de um subsídio de refeição diário no valor € 9,01, bem como de um subsídio de condução diário de €2,16, nos termos previstos no AE/CTT; n)- No que concerne à retribuição base mensal e ao subsídio de refeição, a 1.ª R. passou a proceder ao seu pagamento tal como previsto na alínea m), a partir de Julho de 2015; o)- O A. é sócio do Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações; p)- A 2.ª R. remunera os seus trabalhadores com subsídio de turno e subsídio de rotação, e a 1.ª R. com remuneração base + adicional vencimento base + subsidio de condução diário por cada dia útil e com um subsídio de alimentação de valor mais elevado, tal como resulta de m) dos factos assentes; q)- A 1.ª e 2.ª R fazem parte do mesmo grupo empresarial. r)-No dia 17.09.2015, a 1.ª ré endereçou carta ao autor, a qual foi por este recebida, informando da atribuição do subsídios de condução e que a partir de 1 de Julho de 2015, uma vez que está cedido aos BBB, terá direito ao pagamento do subsídio de condução por cada dia que exerça tarefas de recolha, tratamento, transporte e ou distribuição de correio que implique a condução de veículos automóveis ou motociclos disponibilizados pelos BBB em termos e condições que constam de fls. 16 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. s)- O autor assinou o contrato referido em i) em data concretamente não apurada, mas que se situa em momento posterior a 18 de Novembro de 2015, sendo que antes de o fazer foi facultada uma cópia ao autor, que a analisou, remeteu para o Sindicato e foi informar-se junto do mesmo se poderia ou deveria assinar; t)- Quando foi facultada cópia do contrato ao autor antes da assinatura, a 1.ª ré afirmou ao autor que o deveria assinar por tal ser melhor para ele.
3.2.–Factualidade não provada 1.- Para poder continuar a prestar serviços para a 1.º ré o autor teve de assinar o contrato em apreço, tendo-o feito em 24.11.2015. 2.- O autor assinou o contrato sob imposição da ré.
4.–Fundamentação de direito
4.1.–Das nulidades da sentença Argui o autor que a sentença é nula por omissão de pronúncia e por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 615.º n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil (CPC).
Invoca o mesmo, no que à omissão de pronúncia diz respeito, que tendo em consideração a matéria de facto provada, constante das alíneas d) a h), não se limitando o seu pedido à analise das circunstâncias de forma, mas sim à cedência ilícita, como tal tendo requerido a sua integração na recorrente, estava o tribunal obrigado a decidir sobre “se as rés fizerem uso de um expediente ilícito de recurso à cedência ocasional” nomeadamente “de ter o carácter temporário que é suposto ter” ou de saber “se o trabalhador foi integrado na estrutura organizativa” da cessionária e daí retirar as respectivas consequências jurídicas que, no caso vertente, são desde logo a integração na ré, atendendo à referida matéria de facto.
Nos termos do art.º 615.º n.º1 alínea d), “É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”. Este normativo relaciona-se com o disposto no art.º 608.º n.º 2 do mesmo diploma que impõe ao juiz a resolução de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada às outras.
Como resulta do teor das ditas normas legais, o juiz deve conhecer das questões suscitadas pelas partes. As questões são os temas os assuntos decorrentes do pedido e da causa de pedir ou das excepções deduzidas pelas partes - o que, como é sabido, se não confunde com os argumentos ou os raciocínios apresentados por aquelas. Neste sentido, entre outros, o acórdão do STJ 04-10-1966, BMJ 160, pág. 273 e Rodrigues Bastos, “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. III, Lisboa, pág. 195. No presente caso, o autor invocou factualidade atinente à ilicitude da cedência, tendo alicerçado a sua pretensão na circunstância de ter prestado serviço para a 1.ª ré desde 2.01.2015, sem que houvesse qualquer acordo reduzido a escrito (artigos 3.º e 14.º da p.i.), nem tivesse sido observada a forma do contrato de cedência com as inerentes consequências (v.g. artigos 26.º, 27.º, 28.º, 34.º, 44.º da p.i.), o que só veio a ocorrer posteriormente (artigos 11.º a 13.º e 40.º da p.i.). Ora, foi precisamente com base nessa fundamentação, e segundo a interpretação das regras de direito que considerou pertinentes (a que o julgador é livre de recorrer, visto não estar sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, art.º 5.º n.º 3 do CPC), que a Mma. Juíza se veio a pronunciar sobre a ilicitude da cedência (pelo facto de o trabalhador não ter manifestado por escrito a sua concordância, nem aquela cedência ter sido reduzida a escrito), vindo a concluir pela intempestividade da sua arguição por parte do autor, após a celebração do contrato de cedência. Não ocorre, assim, qualquer omissão de pronúncia, indeferindo-se a arguida nulidade.
Quanto ao excesso de pronúncia, sustenta o autor que o tribunal procedeu a uma compensação de créditos, alegando que o mesmo teria de “devolver à 2.ª ré as quantias recebidas a título de subsídio de alimentação (sob pena de ser pago duas vezes a título de subsídio de alimentação”, bem como as que recebeu “a título de subsídio de turno e rotação (…) até Junho de 2015”, quando o autor apenas peticionou o pagamento das diferenças entre o que recebeu e aquilo que deveria ter recebido em virtude da cedência. Diz ainda que não há qualquer referência na matéria de facto alegada pelas partes e na matéria de facto assente, que o recorrente exercesse as suas funções em regime de turnos, sendo impossível ao tribunal a quo saber se o pagamento do subsídio de turno era devido ou não pelo exercício de funções nos BBB. Tendo, assim, o juiz apreciado e conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento.
Por força do prescrito no referido art.º 615.º, n.º 1 alínea d), do CPC, a sentença é nula por excesso de pronúncia quando o juiz “conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Tendo-se já salientado o que deve entender-se por questões, adianta-se ser manifesta a falta de razão do autor também quanto a este aspecto.
Com efeito, o tribunal no que concerne às verbas peticionadas pelo autor, refere-se expressamente, às diferenças salariais (vd. fls. 214 verso), sendo que a menção ao subsídio de turno (que é o que está em causa), emerge dos factos constantes das alíneas k) e l), não impugnados pelo autor, reportando-se à questão das retribuições que alegadamente lhe serão devidas, razão pela qual se não verifica qualquer excesso de pronúncia, indeferindo-se, outrossim, a arguida nulidade.
4.2.– Se ao autor é legítimo optar pela sua permanência na 1.ª ré De acordo com a factualidade provada, que na parte relevante se passa a resumir, o autor embora fosse trabalhador da 2.ª ré desde 26 de maio de 2003, passou trabalhar para a 1.ª ré em 2 Janeiro de 2015, desempenhando, desde essa data as funções inerentes à categoria profissional de motorista, sem que, para o efeito, tivesse assinado qualquer documento ou contrato de cedência, o que só veio a fazer após 18 Novembro de 2015, mediante o documento de fls. 16 e 17, intitulado “contrato de cedência”, onde anuiu na sua cedência à 1.ª ré BBB. Por seu turno, a 2.ª ré em 18.01.2016 comunicou-lhe que a partir de 01.01.2016, o pagamento da sua retribuição passaria a ser feito pela 1.ª ré, sem que isso implicasse “a alteração da sua entidade empregadora que continuará a ser a empresa cedente”.
Do breve excurso factual a que se procedeu, pode desde já afirmar-se que o autor a partir de 2.01.205, foi cedido à 2.ª ré para a qual passou a desempenhar funções, não tendo essa cedência sido reduzida a escrito, o que só veio a ocorrer posteriormente mediante a assinatura do contrato junto aos autos a fls. 16 e 17, datado de 30.06.2016.
O regime da cedência ocasional de trabalhadores foi instituído no nosso sistema jurídico pela Lei 358/89, de 17 de Outubro (diploma regulador do trabalho temporário) e consta actualmente dos artigos 288.º a 293.º do Código do Trabalho. O legislador define a cedência ocasional de trabalhadores como a “disponibilização temporária de trabalhador, pelo empregador, para prestar trabalho a outra entidade, a cujo poder de direcção aquele fica sujeito, mantendo-se o vínculo contratual inicial” (art.º 288.º).
A cedência ocasional é um instrumento de mobilidade interempresarial da mão-de-obra através do qual se possibilita a cedência a um terceiro da disponibilidade da força de trabalho de um trabalhador, mantendo-se, no entanto, o vínculo jurídico-laboral com a entidade cedente. Por via de tal figura, embora continue a existir um único contrato de trabalho (entre o trabalhador e o cedente), opera-se o fraccionamento dos poderes do empregador, já que, embora o trabalhador cedido continue a pertencer ao quadro da empresa cedente, o poder de direcção e de conformação da prestação laboral cabe à empresa cessionária, desenvolvendo-se o trabalho prestado sob a direcção desta e nas condições nela existentes. A referida cedência distingue-se da “cessão da posição contratual do empregador”, dado que a transmissão não é definitiva e o cessionário não se substitui ao cedente na relação contratual. Não se identifica, também, com o “trabalho temporário” uma vez que a actividade do empregador não se reconduz, exclusiva ou principalmente, à cedência de trabalhadores como sucede com as empresas de trabalho temporário. E distingue-se, ainda, dos casos em que se verifica o exercício de funções profissionais em instalações de terceiros, sem subordinação jurídica a esses terceiros, em execução de um contrato de prestação de serviço, em qualquer das suas modalidades, casos estes em que as instalações do terceiro mais não são do que um local de prestação do trabalho ao serviço do empregador, não havendo qualquer dissociação das prerrogativas patronais, nem a afectação do trabalhador a um posto de trabalho inserido, orgânica e funcionalmente, na empresa terceira. Cfr. acórdão do STJ de 14.05.2009, proc. 08S2315, www.dgsi , Regina Redinha “ Da cedência de ocasional de trabalhadores”, Questões Laborais, n.º 1 págs. 16 e sgs. e Célia Afonso Reis, “Cedência de Trabalhadores” Almedina, Coimbra 2000, pág. 61. O instituto em análise, embora não se encontre sujeito, na actualidade, ao princípio geral de proibição da cedência, como sucedia no DL 358/89, de 17 de Outubro, porque constitui um desvio à proibição do empregador de “ceder o trabalhador para utilização de terceiros”, apenas é admitido nos casos previstos no Código do Trabalho ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho (art.º 129.º n.º1 alínea g)).
Deste modo, a admissibilidade da cedência ocasional de trabalhadores depende da verificação cumulativa de um conjunto de requisitos de natureza substanciale formal. O n.º 1 do artigo 289.º impõe que: a) o trabalhador esteja vinculado ao empregador cedente por contrato de trabalho sem termo; b) a cedência ocorra entre sociedades coligadas, em relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, ou entre empregadores que tenham estruturas organizativas comuns; c) o trabalhador concorde com a cedência e d) a duração da cedência não exceda um ano, renovável por iguais períodos até ao máximo de cinco anos. Para além disso, por força do artigo 290.º do mesmo diploma, a cedência depende do acordo entre cedente e cessionário sob a forma escrita, devendo no mesmo constar a) identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes; b) identificação do trabalhador cedido; c) indicação da actividade a prestar pelo trabalhador; c) indicação da data de início e da duração da cedência; e)declaração de concordância do trabalhador (itálicos nossos). Durante a cedência ocasional, o trabalhador está sujeito ao regime de trabalho aplicável ao cessionário no que respeita ao modo, local, duração de trabalho, suspensão do contrato de trabalho, segurança e saúde no trabalho e acesso a equipamentos sociais (artigo 291.º n.º 1).
Posto isto, retomemos o presente caso.
Mostra-se evidente que o autor, no período compreendido entre 2 de Janeiro de 2015 até à data em que celebrou o contrato de cedência - o que ocorreu posteriormente a 18 de Novembro de 2018, esteve a trabalhar para a 1.ª ré ao abrigo de uma cedênciailícita porque não conforme com os aludidos preceitos legais; a mesma não foi reduzida a escrito, nem o trabalhador declarou sua concordância.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 292.º, a cedência ocasional de trabalhador fora das condições em que é admissível, ou a falta do acordo nos termos do n.º 1 do artigo 290.º confere ao trabalhador cedido o direito de optar pela permanência ao serviço do cessionário em regime de contrato de trabalho sem termo. Sendo que, de acordo com o seu n.º 2, o direito (de opção) pode ser exercido até ao termo da cedência, mediante comunicação ao cedente e ao cessionário por carta registada com aviso de recepção. Por força do citado normativo legal, quando a cedência ocorra fora do condicionalismo legal previsto no artigo 289.º ou se verifique a falta de acordo nos termos no n.º 1 do art.º 290.º (acordo escrito entre cedente e cessionário com as menções ali indicadas e declaração de concordância do trabalhador), o legislador atribui ao trabalhador o direito potestativo de optar pela integração na empresa cessionária em alternativa ao regresso ao posto de trabalho originário, em regime de contrato de trabalho sem termo. Ou seja, o trabalhador pode optar por regressar ao serviço do cedente ou pela integração na empresa cessionária. O direito de opção deve ser exercido até ao termo da cedência mediante declaração receptícia (carta registada com aviso de recepção) às entidades cedente e cessionária, sob pena de caducidade. Cfr. Regina Redinha, “Cedência Ocasional de Trabalhadores”, Anotação aos 322.º a 329.º do CT file:///C:/Users/LSBTREL/Downloads/Cedencia_ocasional_anot_CT2003%20(2)e Guilherme Dray, “Código do Trabalho Anotado ”, 7.ª Edição Almedina, pág. 467. Odireito de opção pela integração na cessionária em regime de contrato sem termo a efectuar pelo trabalhador mediante comunicação ao cedente e à cessionário, através de carta registada com A/R, até ao termo da cedência, tem sido a solução consagrada nos diplomas que têm regulado a presente temática, como resulta dos artigos 30.º da Lei 358/89, de 17 de Outubro, 329.º do Código do Trabalho de 2003 e actual artigo 292.º. Verificando-se uma situação de cedência ilícita, o fraccionamento dos poderes do empregador deixam de fazer sentido, ficando o trabalhador desonerado de prestar funções para a cessionária e de obedecer às suas ordens, podendo regressar à empresa cedente, para o que deve previamente optar. O direito de opção justifica-se, também, como meio de clarificação da situação do trabalhador, pois tendo o mesmo desenvolvido funções ao abrigo de uma cedência ilícita, não faz, à partida, sentido que volte a trabalhar para uma empresa à qual não pertence e onde se não integra. E, justifica-se, ainda, como salvaguarda da posição do trabalhador perante uma cedência que não é legítima, pois o mesmo saiu da empresa do seu empregador e passou a exercer funções subordinadamente ao cessionário, tendo de regressar ao primitivo empregador onde esteve inserido e integrado. Esta forma de reacção é, pois, concedida ao trabalhador contra os casos em que “sob a aparência de uma cedência ilícita, se mantiver entre o trabalhador e cessionário uma relação que configuraria o normal desenvolvimento do vínculo laboral”. Célia Reis, Ob. Cit. pág. 97. No presente caso, dá-se a particularidade de o autor, embora tendo desenvolvido funções na 2.ª ré ao abrigo de uma cedência ilícita durante vários meses, não exerceu até ao desfecho (termo) da mesma o seu direito de opção pela permanência ao serviço da 1.ª ré mediante contrato sem termo. Com efeito, depois de transcorridos vários meses veio o autor a assinar (posteriormente), o contrato de cedência datado de 30.06.2015, sem que se tenha demonstrado ter existido qualquer “imposição” por parte das rés para assim ocorrer. Ao contrário do que o autor alegou, o mesmo subscreveu tal contrato de modo consciente e informado, porquanto, como resulta da factualidade provada, foi-lhe concedida cópia de tal contrato antes de o assinar, que o mesmo analisou e remeteu ao sindicato, tendo-se informado junto do mesmo se o deveria ou não assinar.
Assim, o facto de a 1.ª ré, quando facultou cópia do contrato ao autor, antes da assinatura, ter afirmado que o deveria assinar por ser melhor para ele, no contexto acima referido (tendo o autor, repete-se, lido o contrato previamente e obtido as informações que bem entendeu junto da sua associação sindical), traduz-se apenas na manifestação de uma opinião, sem carácter coactivo ou limitador vontade do autor, que a exerceu em liberdade.
Desta feita, uma vez que o direito de opção, previsto no n.º 2 do artigo 292.º, deve ser exercido “até ao termo da cedência”, e se reporta às hipóteses de cedência ilícita referidas no n.º 1 do mesmo preceito, pretendendo o autor optar por ser integrado como trabalhador na 1.ª ré mediante contrato sem termo, deveria tê-lo feito até ao termo dessa cedência ilícita (mediante carta registada com A/R), o que no caso ocorreu aquando da celebração do contrato lícito de cedência ocasional de trabalhador, já bastas vezes referido. O autor assim não procedeu, tendo antes tomado a posição de assinar o dito contrato (lícito) de cedência ocasional, o que implicou a caducidade do seu direito de opção. Em face do exposto, apenas resta concluir, pela improcedência das conclusões de recurso do autor.
4.3.– Se são devidos ao autor os créditos por si reclamados Pretende o autor ter direito aos créditos reclamados (diferenças) a título de subsídios de refeição, subsídio de condução e de retribuição-base mensal.
Nos termos do disposto no artigo 291.º n.º 5, o trabalhador cedido tem direito: a) a retribuição mínima que em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável ao cedente ou ao cessionário, corresponda às suas funções, ou à praticada por este para as mesmas funções, ou à retribuição auferida no momento da cedência, consoante a que for mais elevada.
Através do presente dispositivo pretende-se que o trabalhador cedido tenha um tratamento equiparado em termos retributivos relativamente ao que é praticado pela entidade cessionária para idênticas funções, bem como assegurar-lhe a não diminuição salarial por efeito da cedência. Ora, no presente caso, o período respeitante às invocadas diferenças salariais diz respeito ao da cedência ilícita, sendo que durante o mesmo a 2.ª ré o remunerou nos termos constantes de fls. 19 a 23. Assim, e de acordo com a factualidade provada, até Março de 2015, o autor auferiu a retribuição base de € 513, subsídio de turno de €128,25 e subsídio de rotação de €102,6, quantias sempre acrescidas de um subsídio de refeição no valor diário de € 6,41. A partir de Março de 2015 o autor auferiu a retribuição base de € 524, sendo essa quantia sempre acrescida de um subsídio de refeição no valor diário de € 6,41, e ainda de subsídio de turno e de rotação. O exercício das suas funções na ré corresponde ao pagamento da retribuição base mensal e adicional de € 566,90, acrescida de um subsídio de refeição diário no valor € 9,01, bem como de um subsídio de condução diário de €2,16, nos termos previstos no AE/CTT.
Ou seja, pese embora exista diferença de valores (em abstracto) entre aquilo que o autor recebeu e o que lhe corresponderia segundo o AE CTT, tendo-se em conta as verbas efectivamente pagas pela 2.ª ré ao autor acima referidas, com facilidade se conclui que as mesmas (no seu conjunto) excedem aquelas que decorreriam da aplicabilidade daquela convenção colectiva, mostrando-se, deste modo, perfeitamente salvaguardados os princípios de paridade retributiva e da não diminuição da condição salarial do trabalhador, acima referidos.
Conclui-se, por isso, tal como na sentença recorrida, que no período em questão (Janeiro a Julho de 2015) não assiste direito ao autor a receber qualquer quantia, pois recebeu a mais do que aquilo que lhe assistiria direito a receber por via da aplicação do aludido AE. Improcede, por conseguinte, a presente questão.
5.–Decisão Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida. Custas pelo autor, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.