ESCRITURA DE JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL
IMPUGNAÇÃO
ÓNUS DE PROVA
VENDA DE COISA ALHEIA
Sumário

- Impugnada escritura de justificação notarial, é ao declarante dos factos exarados na mesma, e constitutivos do direito que se arroga, que incumbe a respectiva prova.

- Vendido como próprio, um terreno que não pertencia ao vendedor, estamos perante uma venda de coisa alheia, cuja consequência é a da nulidade do negócio entre vendedor e comprador.
- Contudo, relativamente ao titular do direito de propriedade sobre o bem vendido, o negócio não é nulo mas ineficaz, ou seja, inapto a produzir qualquer efeito.

Texto Integral



Decisão:


MC… , por si e na qualidade de cabeça-de casal da herança aberta por óbito de MO…, entretanto falecida em 9-07-2005, tendo sido habilitados como seus herdeiros MJ…, AP…, MF…, JÂ…, este também falecido, tendo sido habilitados os seus herdeiros MF…, MM…, AP… E JJ…, e ME… (decisão proferida no apenso C) intentam contra JG… e mulher MB…, entretanto falecidos, tendo sido habilitados os seus herdeiros JÁ…, MR… e JD… (decisões proferidas no apenso C e nestes autos principais a fls. 232 p.p.); EJ…, ME… e MF… e JS…, a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, formulando os seguintes pedidos:

- A declaração de que a autora e a sua representada são donos e possuidores do prédio rústico com a área de 1.260 metros quadrados, ao Sítio da Tendeira, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, a confinar a norte com MO… "Mascarra", sul com MD… e irmãos, leste com a Vereda e oeste com DC…, inscrito na matriz sob o artigo … da secção "…" (anteriormente sob o artigo …), omisso na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz;

- A declaração de ineficácia da escritura de justificação celebrada em 3 de Março de 1994 e da escritura de compra e venda lavrada em 12 de Agosto de 1997, com o consequente cancelamento dos registos efectuados na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz e inscrições na respectiva repartição de Finanças;

- A condenação dos réus a reconhecer que os autores são titulares do referido direito de propriedade e a restituírem o prédio com todos os frutos e condições existentes antes da sua ocupação pelo réu SS….

Alega para tanto o seguinte:

JG… e MB… declararam em escritura de justificação celebrada em 3 de Março de 1994 serem donos do prédio identificado em a), cuja posse detêm desde o ano de 1947, por a terem adquirido por doação não titulada, efectuada pelos avós MC… e marido JN… e tios-avós MC… e marido MS…, tendo passado a possuí-lo como coisa própria, à vista de todos e sem oposição;

Por escritura de 12 de Agosto de 1997, JG… e MB… venderam tal prédio ao réu JS…;

As declarações produzidas na escritura de 1994 são falsas porque o alegado doador, JN…, faleceu em 3 de Outubro de 1920 e o justificante marido nasceu em 16 de Agosto de 1924 e os demais «doadores» não eram donos desse prédio;

JG… e MB… nunca cultivaram ou administraram o referido prédio;

O prédio adveio à autora por sucessão, na sequência do óbito de MO…, que o adquiriu a MC… "Moega", por volta do ano de 1947;

A partir desse ano, MO… e a própria autora passaram a usar o prédio, dele retirando todos os proveitos, à vista de todos, sem oposição de ninguém, o que a autora continuou a fazer após a morte de MO…, em 1981.

Regularmente citados os réus JG… e MB… contestaram excepcionando a ilegitimidade activa da autora por desacompanhada dos demais herdeiros de MO… e alegando, em síntese, o seguinte:

A avó do réu JG…, MC…, casada com JN…, adquiriu por sucessão dos seus pais, o aludido prédio em data anterior a 1920;

Em 1920 faleceu o avô JN…, sucedendo-lhe a mulher e os cinco filhos (MN…, JN…, JN… - pai do réu marido e FN… e um outro);

Por partilha efectuada em data imprecisa, o prédio foi atribuído à avó MC… e a duas tias do réu, MN… e JN…, que em 1947 decidiram doar ao neto e sobrinho, o aqui réu, o prédio;

Desde então, os réus administram o prédio e pagam as contribuições, comportando-se como seus proprietários, o que fizeram até 1997, data em que o venderam;                                             

Os falecidos MO… e MC… eram proprietários de um prédio urbano contíguo ao prédio em litígio e os réus permitiram que construíssem um pequeno chiqueiro, um galinheiro e uma arrecadação, que aqueles ocupavam com a permissão destes.

Concluem pela procedência da excepção e, assim se não entendendo, pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido.

O réu JS… apresentou também a sua contestação alegando, em síntese, o seguinte:

A propriedade do prédio identificado nos autos está registada a favor do réu, que o adquiriu por compra a JG… e mulher MB…, estando de boa fé;

Os autores, sem autorização dos proprietários, construíram um galinheiro e um abrigo em madeira e apenas numa pequena parte do terreno, também sem autorização, plantou alguns pés de couve.

Conclui pela improcedência da acção.

A autora habilitada MJ… apresentou réplica sustentando que a questão da legitimidade activa se mostra ultrapassada porque todos os interessados na herança aberta por óbito de MO… já intervêm nos autos na sequência da habilitação da autora falecida, reiterando, no mais, o alegado na petição inicial; quanto à contestação do réu JS… imputou-lhe a má fé decorrente do conhecimento de que os factos declarados não eram verdadeiros.

Foi proferido despacho saneador tendo-se julgado improcedente a excepção de ilegitimidade activa, sendo aferidos positivamente os demais pressupostos processuais relevantes.

Realizou-se o julgamento, vindo a ser proferida sentença que  julgou parcialmente procedente, por provada, a presente acção declarativa, e em consequência:

- Declarou  que JG… e mulher MB… não adquiriram o prédio rústico, com a área de I 260 metros quadrados, ao sítio da Tendeira, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, que confina pelo norte com MO… "Mascarra", sul com MD… e irmãos, leste com a Vereda e oeste com DC…, inscrito na respectiva matriz, sob o artigo … da secção "…" (anteriormente sob o artigo …), omisso na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, não tendo nenhum efeito a escritura celebrada no dia 3 de Março de 1994, no Cartório Notarial do Funchal;

- Declarou a ineficácia da compra e venda celebrada entre JG… e mulher MB… e o réu JS…, com data de 12 de Agosto de 1997, que teve por objecto o prédio identificado em a) relativamente aos autores;

- Ordenou o cancelamento das inscrições efectuadas pelos réus no Registo Predial e/ou na Repartição de Finanças ao abrigo de tais escrituras, nomeadamente, as identificadas a folhas 18 dos autos;

- Declarou que o direito de propriedade sobre o prédio rústico, com a área de 1 260 metros quadrados, ao sítio da Tendeira, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, que confina pelo norte com MO… "Mascarra", sul com MD… e irmãos, leste com a Vereda e oeste com DC…, inscrito na respectiva matriz, sob o artigo … da secção "…" (anteriormente sob o artigo …), pertencia a MC…, entretanto falecida, integrando a herança aberta por óbito desta, que o adquiriu por usucapião;

- Condenou os Réus a restituirem o terreno identificado ao acervo hereditário.

É a seguinte a factualidade processualmente adquirida:

1)- Com data de 3 de Março de 1994 foi lavrada escritura de justificação a folhas … a … do livro de notas número … do 2° Cartório Notarial do Funchal mediante a qual JG… e mulher BC…, como primeiros outorgantes, declararam que são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, de um prédio rústico, com a área de 1 260 metros quadrados, ao sítio da Tendeira, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, que confina pelo norte com MO… "Mascarra", sul com MD… e irmãos, leste com a Vereda e oeste com DC…, inscrito na respectiva matriz, sob o artigo … da secção "…" (anteriormente sob o artigo …), omisso na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz. Que estão na posse do identificado imóvel desde 1947, por doação, não titulada, efectuada pelos seus avós, MC… e marido JN… e tios avós MC… e marido MS…, residentes que foram ao sítio da Tendeira, sendo certo, porém, que, desde então, o passaram a possuir como coisa própria, administrando-o, pagando as contribuições devidas, sempre à vista de todos e sem contestação ou oposição de quem quer que fosse, exercendo sobre o mesmo os poderes próprios de um proprietário por mais de trinta anos pelo que adquiriram o mencionado prédio a título originário - usucapião.

2)- Os segundos outorgantes, EJ…, ME… e MF…, disseram confirmar as declarações referidas em 1.

3)- Com data de 12 de Agosto de 1997, foi lavrada escritura de compra e venda a folhas … a … do Livro número … do Cartório Notarial de Santa Cruz mediante a qual JG… e mulher MB…, como primeiros outorgantes, declararam que, pelo preço de três milhões de escudos, já recebido, vendem ao segundo outorgante, JS…, um prédio rústico, com a área de 1 260 metros quadrados, constituído por pastagem e cultura arvense, localizado no sítio da Tendeira, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, inscrito na matriz cadastral sob o artigo número …/… da secção "…", com o valor patrimonial de 1 628$00 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o número …, onde se encontra a aquisição registada em nome dos vendedores, pela inscrição …; mais declararam que não possuem outros bens da mesma natureza, que confinem com o imóvel aqui vendido, sendo que pelo segundo outorgante foi dito que aceita o contrato nos precisos termos exarados.

4)- A propriedade do prédio rústico localizado ao sítio da Tendeira, com a área de 1 260 m2, a confrontar a norte com MO… (Mascarra), sul com MD… e irmãos, leste com Vereda e oeste com DC…, inscrito na matriz sob o artigo … da secção … e descrito sob o número …/… da Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz encontra-se inscrita a favor de JS…, pela Ap. … - …, por compra.

5)- JN… filho de FN… e de ML… faleceu no dia 3 de Outubro de 1920, no estado de casado com MN…

6)- JG… nasceu no dia 16 de Agosto de 1924, é filho de JN… e de MP… e casou com MB….

7)- O prédio inscrito na matriz sob o artigo … da secção …, com a área de 1260 metros quadrados, localizado ao Sítio da Tendeira, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz encontrava-se inscrito junto do Instituto Geográfico e Cadastral em nome de MC… "Moega", residente ao Sítio da Tendeira, sendo introduzida alteração na inscrição matricial, no ano de 1994, passando a constar o averbamento da propriedade a favor de JG…, residente ao Sítio do Livramento, Caniço.

8)- Pelo menos desde os anos 60 do século XX, os falecidos MO… e a mulher MC… cultivavam parcialmente o prédio identificado em 1., na zona situada mais próxima da casa onde viviam e contígua ao prédio, onde plantavam couves, feijão, semilhas, batata-doce e cebolas, sendo que na parte mais a sul o terreno era muito rochoso mas ali existiam também tabaibeiras.    

9)- Após o óbito de MO…, em 10 de Setembro de 1980, a sua mulher, MC…, entretanto falecida em 9 de Julho de 2005, e os seus filhos, nomeadamente os autores habilitados MJ… e MF…, continuaram a cultivar parcialmente o terreno conforme referido em 8.

10)- No aludido prédio existia ainda uma palmeira e uma figueira da qual os falecidos MO… e MC… e seus filhos colhiam os respectivos frutos.

11)- Desde então, sobre o terreno identificado em 1. e em zonas não cultivadas os falecidos MO… e MC…, tinham edificado um chiqueiro onde criaram porcos, um galinheiro onde criavam galinhas, uma arrecadação e um abrigo em madeira para o carro.

12)- Os falecidos MO… e MC… e, depois deles, os seus filhos, actuaram do modo descrito em 9. a 11. à vista de todos, de forma contínua, sem oposição de ninguém, usando o prédio como coisa própria.

13)- Com data de 21 de Janeiro de 1983, JG… e MB… subscreveram o documento que consta de fls. 40 do apenso A com o seguinte teor "Autorização JG… e sua mulher, MB…, motorista de táxi e doméstica, residentes ao sítio do Livramento, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, pelo presente concedem a devida autorização a PJ…, solteiro, maior, residente ao sítio da Tende ira, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, para sobre o seu prédio rústico que possuem ao referido sítio da Tendeira, freguesia do Caniço, construir uma estrada de acesso a sua casa, vindo do Caminho Municipal, conforme projecto de loteamento que apresentou na Secretaria da Câmara Municipal do concelho de Santa Cruz, sem pagamento de qualquer renda."

Inconformados recorrem os RR JÁ… e outros, concluindo que:

- Não podem os Recorrentes concordar com o douto despacho proferido no saneador que julgou a Autora parte legítima, nem com os factos provados nºs 8 a 12 da douta sentença recorrida, nem com a douta sentença recorrida.

- A presente acção foi instaurada a 15-05-2000, sendo que a Autora MC…, faleceu na pendência da presente acção, pelo que não se compreende porque motivo ficou a constar do facto provado nº 12 que "Os falecidos MO… e MC… e depois deles os seus filhos, actuaram  (. .. )" (sublinhado nosso), ou seja, porque motivo ficaram a constar da decisão da matéria de facto factos alegadamente ocorridos após o óbito da Autora, e que por terem ocorrido após a interposição da acção não constituem o objecto do presente processo, devendo ser eliminada qualquer referência a facto praticados pelos filhos após o óbito da Mãe.

- As testemunhas RO…, DC…, AJ…, PC…, não acompanharam a situação do prédio de forma contínua, dado que se ausentaram da R.A.M. ou ainda não tinham nascido, ou era muito pequeno para ter maturidade para se aperceber reter de forma fidedigna a dita informação.

- Acresce que as testemunhas RO…, DC…, AJ…, PC…, e AG…, que desde os 14 anos veio trabalhar para o Funchal, saia de manhã e voltava à noite, não afirmaram que MO… e a esposa, MC…, diziam perante as pessoas, que eram os donos e proprietários do prédio. As testemunhas nunca ouviram estes dizer que eram os donos do prédio.

- Independentemente da questão de as sobreditas testemunhas não terem acompanhado a situação do prédio de forma contínua, dado que se ausentaram ou ainda não tinham nascido, ou eram muito pequenas para terem maturidade para se aperceberem e reterem de forma fidedigna a dita informação, o certo é que resulta da experiência comum que olhando para um determinado prédio, e vendo a actuação de alguém sobre o dito prédio, o espectador não consegue distinguir a que título a dita pessoa actua sobre o prédio.

- Sendo que perante as ditas testemunhas, o MO… e mulher, MC…, nunca afirmaram serem os donos do prédio. Pelo que os seus depoimentos são insuficientes para a prova dos factos provados nºs 8 a 12.

- Por outro lado, o depoimento da testemunha CO…, também arrolada pelos Autores, não foi credível, não permitindo manter os factos provados nºs 8 a 12.

- Da prova produzida resulta com clara evidência que foi efectivamente edificado um caminho em cimento sobre o prédio em questão para acesso à moradia de um vizinho, sem que que tivesse sido solicitada autorização à Autora e filhos, e sem que estes tivessem dado autorização, muito menos escrita, para a edificação do caminho sobre o terreno, nem deduzido qualquer tipo de oposição, sendo certo e sabido que as Câmaras Municipais, para atribuírem licenças, exigem as autorizações dos legítimos proprietários dos prédios afectados.

- Alega a testemunha CO…, que à data da construção do caminho a tia tinha falecido e o primo apenas viu o caminho após este estar feito.

- Ao contrário do alegado pela referida testemunha, a tia ainda era viva, tendo apenas falecido durante a pendência da presente acção, e é impossível que o primo, residindo no local, apenas se tivesse apercebido do caminho após este este ser feito, dado que a sua construção demora tempo, seguramente demora mais do que um dia. (cfr. fotos juntas a fls. 30 e 31 do apenso A (procedimento cautelar), que apesar de  tiradas após a sua demolição, são indicativas dos materiais utilizados e extensão do caminho).

- A testemunha afirmou igualmente que o tio dizia à testemunha que o prédio era dele, que o prédio tinha passado das senhoras MA… e J… para o tio por compra ou doação, não se recordava o título. Que o tio mandava entregar produtos à casa das senhoras MA… e J…, e que não cobrava. Mais afirmou que quando o tio faleceu estas ainda eram vivas, e que a tia continuava a mandar produtos para a casa delas.

- Ora, caso o tio da testemunha, MO…, alguma vez tivesse afirmado em vida que era o proprietário do prédio, que agisse como o proprietário do prédio, não faria sentido esta dizer, conforme disse, no que se refere à construção do caminho "(. .. ) Eu até disse a ele, Ó rapaz, então vocês dizem que o teu pai dizia que aquilo era dele, e agora deixaste ele entrar com essa coisa ... (. .. )".

- Mas, a tia e primos nada fizeram. Apenas agiram em Abril de 1999, após a demolição do caminho pelo 3° Réu. O que significa dizer que, antes dessa data, designadamente à data da construção do caminho, não se consideravam proprietários do prédio.

- E nenhuma testemunha arrolada pelos Autores afirmou que presenciou o PJ… a dirigir-se à tia e aos primos para solicitar autorização para construir a entrada da sua residência sobre aquele prédio. Demonstrativo que PJ…, e o seu Pai, EJ…, que frequentavam a zona, sendo que o PJ… construiu a casa no prédio contíguo ao prédio em questão, e a dita entrada sobre o prédio sub judicie, não os reconheciam como os donos do prédio. Pelo que também não se verificava uma posse pública em nome próprio à vista de todos.

- Acresce que, segundo a testemunha, à data do óbito do tio, a Sra. MA… e a Sra. J… estavam vivas. A testemunha afirmou que o tio lhe disse que como a testemunha descreveu a sua reacção em relação à construção do muro. Ficou estupefacta com o facto de o caminho ter sido construído, não compreendendo a inércia, a falta de reacção dos primos: "(... ) Eu até disse a ele, “ rapaz, então vocês dizem que o teu pai dizia que aquilo era dele, e agora deixaste ele entrar com essa coisa ... (. .. )".  

- Mas de acordo com o seu depoimento, a Sra. MA… e a Sra. J… nunca disseram à testemunha que tinham vendido, doado ou transmitido de outra forma o prédio aos tios.

- Pelo que, da prova produzida, não foram recolhidas provas comprovativas de que o MO… e esposa cultivavam o prédio "como coisa própria", em nome próprio, ou seja, que estes cultivavam e ocupavam o prédio pensando e afirmando que eram os donos, com o ganimus" de proprietário.

- Ninguém afirmou que o MO… e esposa afirmavam publicamente perante vizinhos, conhecidos, amigos, e inclusive perante as Sras. MA… e J…, que eram os donos do prédio, sendo esta afirmação pública essencial para a inversão do título da posse, passando de detentores precários a possuidores em nome próprio, iniciando-se aí a contagem do prazo da usucapião, sendo que à data do óbito do Sr. MO… (10-09-1980), as Sras. MA… e J… ainda eram vivas. (cfr. depoimento da testemunha CO…)

- Acresce que, a testemunha CO… nada disse no que se refere à sua tia MC…, designadamente que esta se intitulava a dona do prédio, sendo certo que a que título a MC… ocuparia o prédio era essencial, dado que inclusive a acção apenas foi julgada procedente em relação à aquisição do prédio por usucapião por parte da MC… e não em relação ao marido MO… (cfr. al. d) do dispositivo)

- Para além de os depoimentos de RO…, DC…, AJ…, PC…, e AG… e CO…, arroladas pela Autora e Autores Habilitados, não permitirem sustentar os factos provados nºs 8 a 12, com base no depoimento das testemunhas NH…, MP…, RM…, das declarações de parte de MR…, JD… e JS…, e na autorização junta a fls. 40 do apenso A deverá ser alterada a decisão da matéria de facto, considerando-se como não provados os factos nºs 8 a 12.

- Sendo certo que o Autor habilitando MF…, que residia numa casa existente ao lado do prédio em questão, afirmou que apesar de saber que o Demandado SS… tinha adquirido o prédio, e dizia que nele ia construir moradias, apenas interveio a dizer que o prédio era dos Autores, após o SS… ter demolido o caminho, ou seja, em 1999, bem como que não fizeram constar este prédio da relação de bens apresentada nas Finanças, após o óbito do Pai.

- Declarações de parte em que o Autor Habilitado FO… se mostrou claramente nervoso em responder a questões referentes à construção da entrada sobre o prédio, quem deu a autorização para construção do dito caminho, desconhecendo inclusive que o JG… emitiu declaração a autorizar o PJ… a construir a entrada, bem como em responder a questões relativas à relação de bens, mas declarações claramente indiciadoras de que o Réu JS… estava a prestar declarações de parte com verdade, tendo actuado sempre sempre de boa fé, dado que inclusive, o Declarante Autor Habilitado sabia que o Réu JS… adquiriu o prédio, pretendia implantar sobre o mesmo moradias, bem como, previamente, pretendia demolir o caminho existente sobre o prédio, nada tendo dito o Declarante Habilitado, nem os seus familiares, não tendo a Autora e filhos deduzido qualquer oposição apenas tendo intervindo após o caminho ter sido demolido, tudo actos incompatíveis com aqueles típicos de quem afirma que o prédio era da família, família esta que vivia mesmo ao lado.

- Com efeito, para além de o depoimento das testemunhas RO…, DC…, AJ…, JÁ…, e PC…, arroladas pelos Autores, não permitirem a confirmação dos ditos factos 8 a 12, o depoimento de CO… igualmente não permite as ditas confirmações.

- Por outro lado, da prova documental e demais prova testemunhal produzida, foram apurados diversos factos incompatíveis com os factos provados nºs 8 a 12.

- Os Demandados JG… e mulher celebraram escritura de justificação notarial, a 03-03-1994, tendo a mesma sido publicada em extracto Ido Jornal da Madeira de 09-03-1994. (cfr. escritura de fls. 8 a 11)

- Apesar de ser um jornal com grande tiragem na região, a Autora e filhos não impugnaram a dita escritura, designadamente no prazo de 30 dias em que a mesma é retida. Apenas em 1999, após a entrada sobre o prédio ter sido demolida a mando do 3° Demandado é que intervieram, dizendo que o prédio era deles.

- Antes da celebração da escritura de justificação notarial, foi feito um caminho sobre o prédio para acesso à moradia do Sr. PJ…, não tendo sido pedida qualquer autorização aos Autores habilitados e aos seus Pais, nem tendo estes embargado a obra, ou deduzido qualquer tipo de oposição. A autorização foi solicitada ao Sr. JG… e esposa, que a concederam, por autorização datada de 21-01-1983, tendo as assinaturas sido reconhecidas no Cartório Notarial de Santa Cruz, a 21-01-2013, mais de 10 anos antes da celebração da escritura de justificação notarial.


- Para além das supra referidas testemunhas e Partes terem afirmado que foi o JG… e a esposa a darem a autorização para construírem o caminho, autorização escrita, e com assinaturas reconhecidas, que consta de fls. 40 do apenso A, datada de 21-01-1983, todos afirmaram que a única casa que o PJ… construiu foi aquela.

- A Autora, falecido marido e filhos não eram conhecidos na zona como proprietários do prédio, tando que foi construído um caminho em cimento sobre o prédio, e ninguém pediu autorização à Autora ou aos seus familiares. Antes foi pedida autorização ao Demandado JG…, que a concedeu, verbalmente e por escrito, com assinaturas reconhecidas, bem antes da celebração da escritura de justificação notarial, e muito antes do início deste litígio. (cfr. depoimentos das testemunhas MP…; RM…; declarações de parte do Demandado Habilitado MR…, declarações de parte prestadas pelo Demandado Habilitado JD…, supra  referidos, e documento de fls. 40 do Apenso A)

- Sendo que as Senhoras MA… e J… afirmavam perante as testemunhas MP… e RM…, perante os Demandados Habilitados MR… e JD… e perante o Pai, entretanto falecido, JG…, que após falecerem, o prédio ficaria para este referido JG… (cfr. depoimentos das testemunhas MP…; RM…; declarações de parte do Demandado Habilitado MR…; declarações de parte prestadas pelo Demandado Habilitado JD…).

- Após o registo da propriedade do prédio, e antes da venda do prédio, o Demandado JG… perguntou aos Autores se queriam comprar o prédio, tendo estes dito que não queriam o prédio. (cfr. depoimentos das testemunhas e Demandado Habilitado JD…, supra referidos)

- O Demandado JG… colocou o prédio à venda, tendo contactado um mediador, que colocou no prédio uma placa com o dizer "vende-se", levou  potenciais compradores para o local, inclusive o Demandado JS…, ninguém se tendo manifestado contra, sendo que a Autora e filhos habilitandos residiam no prédio contíguo. (cfr. depoimento de NH…; declarações de parte de MR…; declarações de parte de JD…; declarações de parte do Demandado JS…, supra referidos)

- Após a aquisição do prédio pelo Demandado JS…, este levou topógrafos para o local, o arquitecto para elaboração de projecto, não tendo ninguém dito que o prédio era dos Autores. (cfr. declarações de parte do Demandado JS…, em parte corroboradas pelo Autor Habilitado MF…, nas suas declarações de parte).  

- O Demandado JS… mandou deslocar máquina e pessoal para o local para destruir o caminho que o PJ… tinha construído sobre o terreno, após ter pago a devida contrapartida ao PJ…, e só após este caminho ter sido demolido é que surgiram pessoas, designadamente os Autores, a dizerem que o prédio era deles. (cfr. declarações de parte do Demandado JS…, em parte corroboradas pelo Autor Habilitado MF…, nas suas declarações de parte)

- Sendo os actos da Autora e filhos incompatíveis com aqueles de quem se arroga o proprietário do prédio, ocupando o prédio em nome próprio, "à vista de todos, de forma contínua, sem oposição de ninguém, usando  o  prédio como coisa própria".

- Resultando da experiência comum que ninguém que se intitula proprietário de um prédio e que não deu autorização para o efeito, permita que outrem invada o seu prédio, construa um caminho em cimento ladeado de balaustres (construção de caracter duradouro e que demora vários dias a executar, o que resulta da experiência comum) sem que intervenha e inclusive sem que deduza embargo de obra nova.

- Da prova produzida resulta que apenas quando alguém de fora da zona, fora das relações da MC…, titular inscrita nas finanças e filhas J… e A…, e sem serem vizinhos, se apresentaram como proprietários, é que a Autora MC… e filhos se arrogaram proprietários e intervieram, e apenas intervieram após garantirem que o caminho que estava edificada sobre o prédio fora demolido, dado que antes, nada disseram. (declarações de parte do Demandado JS…).

- Sendo o comportamento da Autora e Autores Habilitados, desde imediatamente antes da construção do caminho até à sua demolição, revelador de qual seria o seu "animus", a sua convicção anterior, dado que, se alguém não impede que outrem  construa um caminho em cimento, com balaustres (ou seja, com "enfeites"), para entrada para carros, sobre terreno existente ao lado da sua casa, então nem   considera que o terreno lhe pertence no momento da construção, nem nos momentos e anos que antecederam e sucederam, sendo que se utilizam o terreno, não o fazem a título próprio, enquanto proprietário, com exclusão de outrem, ou pelo menos, os seus comportamentos não permitem concluir que ocupassem em nome próprio, como coisa própria, sendo que o ónus da prova cabe à Autora e aos Autores Habilitados.

- Pelo que, face a prova produzida, deverá alterar-se a decisão da matéria de facto, considerando-se não provados os factos provados nºs 8 a 12.

- Ao contrário do referido no douto despacho de fls. 183, a presente acção não se baseia, pelo menos, não exclusivamente na impugnação da justificação notarial, tendo a Autora também requerido que o prédio fosse declarado como pertencente à herança deixada por óbito do seu marido MO…, pedido que integra o objecto do litígio em discussão nos presentes autos. (cfr. pedido, ponto II do objecto do litígio fixado a fls. 183, verso, e objecto do litígio constante da sentença).

-Os direitos relativos herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros, sob pena de ilegitimidade activa, por preterição do litisconsórcio necessário. (cfr. art. 2091°, nº 1 do Código Civil; ac. do STJ de 17-03-2005, ac. do TRL de 17-03-2011, ac. do TRC de 28-06-2005, ac. TRC de 09-03-2010,  ac. TRP de 15-12-2010, art. 30°, nºs 1 a 3, 33°, nºs 1 a 3, ambos do C.P.C.)

- Face à causa de pedir e o pedido deduzido pelas Autora, e que se manteve inalterado em todo o processo, ou seja, face à forma como a Autora configurou a relação material controvertida (art. 30°, nº 3 do CPC), e que delimita o objecto do litígio, a Autora é parte ilegítima, na medida em que nesta acção não intervieram, enquanto partes, os herdeiros do falecido MO…, devendo ser revogado o douto despacho que a considerou parte legítima, sendo proferido, em sua substituição, acórdão que considere procedente a excepção dilatória de ilegitimidade.

- É certo que após o óbito da Autora, foi deduzido incidente de habilitação de herdeiros, tendo os seus herdeiros intervindo na causa.

- No entanto, com o incidente de habilitação de herdeiros, estes passaram ocupar o lugar que a Autora tinha na causa (art. 351°, nº 1 do C.P.C. e sentença, transitada em julgado, proferida no Apenso C), e não qualquer outro.

- Intervindo os Autores Habilitados nesta causa a ocupar o lugar deixado pela Mãe, que era parte ilegítima, salvo o muito e devido respeito e melhor entendimento, permanece por sanar a excepção dilatória de ilegitimidade, devem os Demandados serem absolvidos da instância.

- A escritura de justificação foi celebrada a 03 de Março de 1994, e foi publicada o extracto da Justificação no "Jornal da Madeira"  de 09 de Março de 1994,  (cfr. averbamento nº 1 da dita escritura de justificação junta a fls. 8 a 11), tendo sido registada a propriedade do prédio a favor dos Demandados JG… e esposa, MB…, através da apresentação 09/020594. (cfr. escritura de justificação e certidão do registo predial de fls. 8 a 11, e 16 a 18).

- Foi publicado e efectuado o registo definitivo da escritura de justificação notarial nos termos legais, e não foi objecto de qualquer impugnação durante mais de 3 anos.

- O Réu JS… adquiriu o prédio em questão, por escritura de compra e venda celebrada a 12 de Agosto de 1997, tendo sido registada a propriedade do prédio a favor do dito adquirente através da apresentação 01/210897.  (cfr. escritura de justificação de fls. 12 a 15 e certidão do registo predial de fls. 16 a 18).

- A boa fé do Demandado JS… é manifesta, designadamente tendo em conta o depoimento da testemunha NH…, as declarações de parte do Demandado JS… e inclusive as declarações de parte do Autor habilitado MF…, das quais resulta que apesar de saberem que o Sr. JS… afirmava que ia construir moradias sobre o prédio, e que deslocou para o local pessoal e maquinaria para demolir o caminho que se encontrava edificado sobre o prédio, apenas intervieram a embargar a obra após o dito caminho que se encontrava edificado sobre o prédio ter sido demolido.

- A presente acção foi instaurada a 15-08-2000, tendo sido registada em 07-04-2017 (certidão de fls. 314 a 316), mais de 3 anos após o decurso do prazo de três anos da celebração e conclusão do contrato de compra e venda.

- Os pressupostos do artigo 17.° do Código de Registo Predial, e 291°, nº 1 di Código Civil, encontram-se verificados em relação ao Demandado JS…, designadamente i) a declaração de nulidade concerne um negócio jurídico atinente a bens imóveis; ii) a aquisição foi onerosa; iii) o terceiro encontrava-se de boa-fé; iv) foi registada a aquisição a favor do terceiro JS…; ri finalmente v) o registo de aquisição foi anterior relativamente ao registo da acção de nulidade, inclusive, a aquisição foi registada mais de uma década antes do registo desta acção.

- Pelo que, face ao disposto no nº 1 do art. 291.° do Código Civil, independentemente da validade ou não da escritura de justificação notarial celebrada, deveria ter sido reconhecido o direito de propriedade do Demandado JS….

- Ao contrário do referido pela douta sentença, consideram os Demandados habilitados que a decisão de facto deveria ter sido distinta, designadamente que deveria ser considerada não provada a matéria vertida nos factos provados nºs 8 a 12.

- Mesmo que se mantivesse inalterada a decisão da matéria de facto, sempre não estariam preenchidos os pressupostos para aquisição do prédio pela Autora, por via da usucapião, não podendo esta ser declarada a proprietária do prédio.

- A usucapião, que é uma forma de constituição de direitos reais e não de transmissão, baseia-se numa situação de posse - corpus e animus - exercida em nome próprio, durante os períodos estabelecidos na lei e revestindo os caracteres que a lei lhe fixa, pública, contínua, pacífica, titulada e de boa fé" - Ac. do STJ, de 14.12.1994, in CJ/STJ, 1994, 111,183.

- A Autora MC… invocou que o seu marido adquiriu o prédio da MC…, por volta do ano de 1947, por título que não conseguem localizar, facto que não ficou provado. (cfr. al. a) dos factos não provados).

- Reiterando a Autora, por diversas vezes, que o marido da MC… faleceu em 1920, então, à data da dita putativa aquisição, não provada, seriam proprietários conhecidos do prédio a MC…, e as duas filhas J… e MA…, sendo que várias testemunhas, incluindo as arroladas pelos Autores afirmaram que estas sobrevieram à Mãe, e inclusive, que se encontravam ainda vivas quando o MO… faleceu. (vide  inclusive depoimento de CO…, supra transcrito)

- Ora, a MC… deixou duas herdeiras, J… e MA…, conforme depoimento das várias testemunhas, inclusive as testemunhas dos Autores (cfr. depoimento de CO…), tendo as testemunhas indicadas pelo Demandado afirmado que estas diziam que, após a sua morte, o prédio ficaria para o sobrinho JG… (cfr. depoimentos de MP…, RM…, declarações de parte de JD… e MR…)

- Não ficaram provados factos comprovativos da data em que terá ocorrido a inversão do título da posse, fazendo passar a Autora MC… e falecido Marido de putativos detentores em possuidores, sendo certo que o ónus a alegação e prova cabia à Autora, (e Autores habilitados) que invocou a aquisição do prédio por força da usucapião. (art. 342°, nº 1 do Código Civil)

- Sendo que, para que ocorresse a dita inversão do título da posse, necessário que a mesma fosse levada ao conhecimento dos então titulares do prédio, sob pena de tal actuação não ter relevância jurídica, porque desconhecida daqueles que poderiam reagir contra a putativa inversão do título da posse, (ac. TRE de 17-11-2016, e ac. do TRC de 18-02-2014, o que não sucedeu, nem resulta dos factos provados, cabendo à Autora o ónus da alegação e prova.

- Para que se possa concluir que "12. Os falecidos MO… e MC…  e, depois deles, os seus filhos, actuaram do modo descrito em 9. a 11. à vista de todos, de forma contínua, sem oposição de ninguém, usando o prédio como coisa própria. ", e dado que várias testemunhas afirmaram que o prédio pertencia à MC…, que deixou como herdeiras as duas filhas J… e MA…, para efeitos de inversão do título de posse, essencial para o início da contagem do prazo para usucapião, seria importante aferir a partir de que data, o falecido MO… e a Autora MC… arrogaram-se proprietários do prédio perante a MC…, as duas filhas J… e MA…, ou aos herdeiros destas, caso à data do início da posse em nome próprio estas já tivessem falecido.

- Ou seja, seria necessário aferir i) desde quando o falecido marido da Autora e a própria Autora, entretanto falecida, começaram a arrogar-se proprietários do prédio; ii) quem era o titular conhecido do prédio à data, se a MC…, se as filhas J… e/ou MA…, se os respectivos herdeiros (tios, primos, sobrinhos-netos, dado que estas não deixaram filhos); iii) se o titular à data do início da posse, e os sucessores, no caso de o primeiro ter ficado falecido, tomaram conhecimento efectivo que o falecido marido da Autora e a Autora, arrogavam-se proprietários do prédio, ou seja, que passaram a ocupar o prédio em nome próprio e não em nome de outrem (p. ex. cortesia), sob pena de tal actuação ser ineficaz, não podendo conduzir à usucapião.

- Mas esta prova não foi feita, conforme prova testemunhal e documental produzida, sendo certo que nem consta dos factos provados data a partir da qual se arrogaram publicamente como os proprietários do prédio, nem inclusive que vinham ocupando o prédio publicamente, na convicção de serem os únicos proprietários, inscritos e seus herdeiros. com exclusão de outrem, sem qualquer oposição, designadamente dos titulares

- Pelo que mesmo que se mantivessem os factos provados, não seria admissível a aquisição do prédio por usucapião por parte da Autora e Autores Habilitados, sob pena de grande injustiça e ilegalidade.

- Dos factos provados não resulta que a Autora utilizou o prédio, de forma contínua e ininterrupta, em nome próprio, como se delas fosse, com o conhecimento e à vista de toda a gente, e sem a oposição de quem quer que seja, durante, pelo menos, 20 anos.

- Inclusive, mesmo que se mantivessem a decisão da matéria de facto, esta seria insusceptível de fazer conduzir à aquisição do prédio pela Autora, por usucapião.

- Para além de não constar dos factos provados, designadamente no ponto 12 que o MO…, esposa e filhos, utilizavam o prédio como coisa própria, com exclusão de outros, como seus únicos proprietários, sendo reconhecidos por todos como os seus únicos proprietários, a decisão de facto refere que "12. Os falecidos MO… e MC… e, depois deles, os seus filhos, actuaram do modo descrito em  9. a 11. à vista de todos, de forma contínua, sem oposição de ninguém, usando o prédio como coisa própria (artigos  22° e 27° da petição inicial) e não que aqueles actuaram do modo descrito em 8. a 11., sendo que os factos provados em 9. a 11. não permitem estabelecer a existência de uma posse pelo período mínimo exigido por lei - 20 anos.

- Os factos provados são insuficientes para considerar que existe uma posse boa para usucapir, não resultando dos autos a data partir de quando se iniciou a posse em nome próprio, à vista de todos, sendo igualmente insuficiente o "corpus" e o "animus", designadamente não se preenchendo os caracteres de pública, contínua e pacífica, sendo que para que exista uma posse boa para usucapir, não basta que estes tenham sido vistos a cultivarem o prédio, ou a ocuparem, parcial ou totalmente o prédio. São necessários actos de posse pública, contínua, ininterrupta, em nome próprio, com exclusão de outrem, durante 20 anos.

- Da decisão de facto não resulta que a Autora tivesse exercido actos de posse, pública, pacífica, contínua, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade sobre o terreno, na convicção de ser única proprietária, com exclusão de outrem, durante, pelo menos, 20 anos desde o início da posse, sendo reconhecidos por todos, designadamente vizinhos, como a sua única proprietária.

- Acresce que, nem se provou em que data terá ocorrido a inversão do título da posse, sendo que só a partir desta data é que se inicia a contagem do prazo da usucapião.

- Não constando dos factos provados factos suficientes para que se considerem preenchidos o "corpus" e o animus".

- Se a pretendida inversão se realizou de alegada boa fé e publicamente, à vista de todos, considerando-se os únicos proprietários, com exclusão de outros, porque razão a Autora não se opôs à construção de um caminho em cimento sobre o prédio, nem a pessoa que edificou o dito caminho, PJ…, lhe pediu autorização, a si, ao falecido marido e aos filhos para construir o dito caminho, construído com materiais de carácter permanente, de cimento e com balaustres, e cuja preparação, com limpeza do terreno, transporte de materiais e deslocação de trabalhadores e edificação do caminho propriamente dito (piso e balaustres) demoram vários dias, se não semanas?

- Sendo a própria construção do caminho sobre o prédio um acto de oposição pública, dado que construíram o caminho sobre o prédio, onerando-o, sem pedirem autorização à Autora e seus familiares, que nem deram autorização, nem se opuseram, por qualquer via, à dita construção, demonstrativo de que, à data, ninguém, inclusive vizinhos, reconheciam a família O… como a proprietária do prédio.

- Acresce que, mesmo que se considerasse verificados actos de posse suficientes, o que jamais se concede, o certo é que não constando dos factos provados a data a partir da qual a Autora iniciou, em nome próprio, actos de posse sobre o terreno, não se poderia considerar verificado o decurso do prazo necessário para a aquisição por usucapião.

- Sendo que para efeitos de aquisição por usucapião, não basta a prática de actos materiais de alguém sobre um determinado prédio, mesmo durante o prazo de 20 anos, sendo necessários actos materiais de uso e fruição do terreno por parte do alegado possuidor, à vista de todos, agindo como se fosse proprietário, ou seja, uma actuação possessória sobre o terreno, compatível com o exercício do direito de propriedade, perceptível pelo público em geral, durante um período exigido por lei, o que não se verificou.

- Face ao exposto, não se encontrando verificados os pressupostos da aquisição do prédio por usucapião por parte da Autora, deverá a sentença ser revogada, substituída por acórdão que julgue improcedente a acção, absolvendo Demandados do pedido.

- Sendo certo que, sendo o Demandado JS… adquirente de boa fé, não poderá a ineficácia da escritura ser-lhe oponível.

Recorreu igualmente o Réu JS…, concluindo que:

- Os autores não provaram a compra que alegaram ter feito a MC… no ano de 1947, pelo que, só por esse facto, a acção tem de improceder;

- O documento de autorização junto a fls. 40 do Apenso A cuja assinatura foi reconhecida notarialmente em 21/01/1983, quando é certo que o prédio em causa fica “nas barbas“ da casa dos Autores, foi assinado pelo JG… e mulher, sendo certo que o beneficiário da mesma, senhor P…, "é vizinho da porta dos recorridos" e nunca iria pedir aquela autorização, a quem não considerasse dono do imóvel em causa;

-O prédio em causa estava inscrito na competente Repartição de Finanças e no Instituto Geográfico e Cadastral em nome da MC…, mencionada na escritura de justificação feita pelo JG… com sua avô, facto que não foi desmentido, ou seja, o imóvel pertencia aos antepassados daquele;

-As fotografias de fls. 30 e 31 do Apenso A mostram estar o prédio em causa sem qualquer cultivo efectivo no ano de mil novecentos e noventa e sete;

-Todos estes factos conjugado com os depoimentos das testemunhas, RM…, MP… e NH…, este último transcrito em anexo, levam á conclusão. segura de que os factos 8, 9, l0, 12 dados como provados na douta sentença, devem receber agora a resposta de NÃO PROVADOS".

-Os factos acima relatados, provam que as declarações constantes da escritura de justificação notarial celebrada pelo senhor JN… e consorte, correspondiam à verdade;

-Por outro lado, o recorrente adquiriu o prédio em causa no dia doze de Agosto de mil novecentos e noventa e sete e vendeu-o no ano de dois mil e doze, tendo recebido o respectivo preço, sendo certo que a primeira tentativa dos recorridos para registar a presente acção, aconteceu no dia 07/04/2017, pelo que, com base nestes elementos juntos aos autos, o tribunal a quo nunca podia declarar a ineficácia da compra feita pelo ora recorrente aos vendedores JG… e consorte, sob pena de violar o artigo 291º do C. Civil.

-E como se diz e bem o ofício da Senhora Conservadora do Registo Predial de Santa Cruz, datado de 20/07/2017, o registo a favor dos Autores nunca poderá ser feito, porque o novo adquirente não é parte nesta acção;

Os AA contra-alegaram sustentando a bondade da sentença recorrida.

O recurso dos RR JA… e outros incide sobre a invocada ilegitimidade da Autora e, em termos de mérito, a impugnação da decisão de facto nos pontos 8 a 12, que entendem deverem ser dados como não provados.

Quando à legitimidade, alegam os RR que a Autora MC… é parte ilegítima na medida em que os direitos relativos à herança têm de ser exercidos por todos os herdeiros em conjunto – art. 2091º CC.

Contudo, nos termos do art. 2078º nº 1 do mesmo diploma, sendo vários os herdeiros, qualquer deles tem legitimidade para pedir separadamente a totalidade dos bens em poder do demandado, sem que este possa opor-lhe que tais bens não lhe pertencem por inteiro.”

Tem sido entendido, mais ou menos pacificamente, que qualquer herdeiro, desacompanhado dos demais, pode reivindicar de terceiro bens pertencentes à herança.

E no caso dos autos o que está em causa é a impugnação da escritura de justificação notarial efectuada pelos 1ºs RR, invocando para tal a posse continuada e pública que lhes conferiu a propriedade do terreno por usucapião.

Impugna-se igualmente a venda feita pelos 1ºs RR ao 2º Réu, na sequência de tal escritura de justificação notarial.

Como se sublinha em acórdão desta Relação de Lisboa e desta secção, datado de 05/03/2015 – disponível no endereço www.dgsi.pt - Constituindo objecto da presente acção a impugnação da escritura de justificação notarial assim como da venda com base naquela efectuada e consequente restituição do bem da dita herança não pode deixar de se entender traduzir a mesma exercício de faculdade que a lei confere a qualquer herdeiro, ainda que desacompanhado dos demais.

De resto, uma vez que por falecimento da Autora MC… foram habilitados todos os herdeiros para com eles prosseguir a acção, qualquer irregularidade que pudesse existir – e não existe – estaria sanada.

Passando agora a apreciar a impugnação da matéria de facto, nos pontos nºs 8 a 12.

Os depoimentos das testemunhas RO… (prima afastada dos AA), DD…, AV…, JA…, PO… e CN… (prima dos AA), todos eles habitando aquela zona e mostrando conhecimento pessoal e directo dos factos em que os seus depoimentos relevam, não deixam quaisquer dúvidas sobre a veracidade dos factos incluídos nos nºs 8 a 12 (salvo a parte final deste último e de que depois nos ocuparemos) da matéria de facto, a saber:

8)-“Pelo menos desde os anos 60 do século XX, os falecidos MO… e a mulher MC… cultivavam parcialmente o prédio identificado em 1), na zona situada mais próxima da casa onde viviam e contígua ao prédio, onde plantavam couves, feijão, semilhas, batata-doce e cebolas, sendo que na parte mais a sul o terreno era muito rochoso mas ali existiam também tabaibeiras”.

9)- “Após o óbito de MO…, em 10/09/1980, a sua mulher MC…, entretanto falecida em 09/07/2005, e os seus filhos, nomeadamente os Autores habilitados MJ… e MF…, continuaram a cultivar parcialmente o terreno nos termos referidos em 8).

10)- “No aludido prédio existia ainda uma figueira da qual os falecidos MO… e MC… e seus filhos colhiam os respectivos frutos”.

11)- “Desde então, sobre o terreno identificado em 1) e em zonas não cultivadas, os falecidos MO… e MC…, tinham edificado um chiqueiro onde criavam porcos, um galinheiro onde criavam galinhas, uma arrecadação e um abrigo de madeira para o carro”.

12)- “Os falecidos MO… e MC… e depois deles os seus filhos, actuaram do modo descrito em 8 a 11, à vista de todos, de forma contínua”.

A testemunha RO…, enfermeira reformada, viveu sempre próxima do aludido prédio, exceptuando um período de 4 anos em que viveu em Lisboa e 7 anos em que viveu na Alemanha. O seu depoimento afigura-se extremamente credível. A testemunha lembra-se dos factos que relatou e a que assistiu desde os 12 anos (tem agora cerca de 80 anos).

DD…, pedreiro reformado, com cerca de 70 anos, lembra-se de quando garoto ir apanhar erva a pedido do MO…. Sempre viveu ali, exceptuando um período de cinco anos, de 1975 a 1980, em que esteve fora da Região Autónoma da Madeira.

AF…, agente da PSP, é vizinho do prédio onde moram os AA há cerca de 57 anos. Foi ele uma das testemunhas que confirmou que a parte sul do terreno era rochosa e que ali não se podia cultivar nada, existindo apenas tabaibeiras.

JA…, cozinheiro reformado, com 65 anos, é igualmente vizinho há uns 50 anos. Lembra-se de ir à “venda” dos AA, ali próxima, buscar lenha, e de ir apanhar erva no terreno a pedido do MO…. Trabalha como cozinheiro no Funchal mas vive ali, e ia todos os dias para casa depois do trabalho.

PO…, que nasceu em Janeiro de 1973, lembra-se de o MO… ter uma “venda” ali próxima. As recordações desta testemunha são inteiramente fidedignas, tendo em atenção que o MO… faleceu em Setembro de 1980, quando a testemunha tinha sete anos, não sendo de modo algum inverosímil que guarde memórias da infância. O seu depoimento estende-se para lá de 1980 quando o terreno era cultivado pela viúva, MC… (falecida em 2005).

CN…, doméstica, sobrinha do MO… e prima dos AA, com 74 anos, lembra.-se de ir brincar para casa do tio, de ir à “venda/mercearia” que o tio e a tia exploravam.                      

Referimos estes pormenores pois ajudam a compreender a razão de ciência destas testemunhas, que, pelo menos a avaliar pelo registo sonoro, merecem total credibilidade. Só o depoimento de CN… revelou alguns períodos de aparente nervosismo quando contra-inquirida pelo mandatário dos RR. Mas isso ocorreu na parte do seu depoimento em que diferiu das anteriores testemunhas, ao afirmar que o tio lhe dizia que o terreno era dele.

Com efeito, as outras testemunhas referenciadas, nunca afirmaram qualquer conhecimento sobre quem era o dono do prédio, limitando-se a referir a convicção que lhes ficava dos factos que experienciaram, nomeadamente o cultivo do terreno e a presença no mesmo de MO… e da mulher MC….

Existem alguns detalhes sem grande relevo que pensamos não terem ficado provados, como seja a existência de uma palmeira (só algumas testemunhas referidas se recordam dela, o que faz pensar que teria sido cortada em data que se ignora).

Entendemos também não se justificar a limitação que no nº 12 a Mª juiz a quo efectua, reportando-se aos nºs 9 a 11 da decisão fáctica, quando os artigos da petição inicial que referencia integram igualmente a matéria do nº 8.

De notar que das testemunhas dos RR, MC… e RL…, admitiram que existia um chiqueiro com porcos, um galinheiro e um abrigo de madeira para o carro.

A questão mais delicada prende-se com a parte final do nº 12 da matéria de facto, quando se afirma que o MO…, a mulher MC… e os filhos actuaram dos modos descritos de 8 a 11, sem oposição de ninguém e usando o prédio como coisa própria.

Aqui, a factualidade cruza-se com outros elementos de prova que tornam esta matéria mais problemática.

Ficou provado que PJ…, cujo prédio é contíguo com o prédio em discussão nos autos, querendo em 1983, construir um caminho de acesso à sua casa passando pelo dito terreno, foi pedir autorização ao JG…. Não se fez prova consistente de que tenha pedido autorização a MC… (à data já viúva) nem aos filhos dela. Nem se fez prova de que estes tenham dado autorização a Paulo Jorge para edificar a estrada ou que se tenham oposto à mesma.

O que se deverá questionar é se tal acto de Paulo Jorge e a declaração de autorização de JG… representam um acto de oposição à posse dos AA.

Na verdade, quando se constrói uma estrada, parte da qual se situa num terreno que não pertence a quem edifica tal estrada, e que implica a presença de máquinas, trabalhadores e materiais nesse terreno, estamos perante um acto que ofende e limita a posse dos AA.

Mas daqui não se segue que se nos depare uma oposição à posse dos AA, ou seja, que o pai dos RR JG… tenha dado conhecimento aos AA, da declaração de fls. 40 do apenso A – que autoriza PJ… a edificar o caminho para acesso a sua casa, em parte no terreno aqui em discussão.

Na verdade, da prova efectuada não se vislumbra qualquer oposição à actuação dos AA. Ninguém lhes disse que não podiam cultivar o terreno, erguer as construções que nele existem, criar porcos e galinhas.

A própria autorização de fls. 40 data de 21/01/1983 e a escritura de justificação notarial que o JG… outorgou data de 03/03/1994. Até esta data (e mesmo depois) não se prova a prática de qualquer acto material do referido JG… sobre o aludido terreno.

Logo, da prova da factualidade constante do nº 13 da decisão factual não resulta matéria que colida com os nºs 8 a 12 da mesma decisão.

O único momento de clara oposição que não podia deixar de ser do conhecimento dos AA foi a venda do terreno pelos 1ºs RR ao 2º Réu JS… quando este começou a efectuar trabalhos de terraplanagem no terreno visando a construção de várias moradias, obra que foi embargada (com êxito) pelos AA.  

Assim não existe perigo de contradição fáctica entre os nºs 12 e 13 da decisão, pelo que se confirma o aludido nº 12 com a sua redacção integral:

“Os falecidos MO… e MC… e depois deles os seus filhos, actuaram do modo descrito de 8 a 11 à vista de todos, de forma contínua, sem oposição de ninguém, usando o prédio como coisa própria”.

A escritura de justificação notarial teve a devida publicidade no Jornal da Madeira de 09/03/1994, mas não se prova que os AA tenham tido conhecimento da mesma.

Como dissemos, exceptuando o caso da autorização dada a PJ… para edificar um caminho na parte sul do terreno, a utilização do terreno pelos AA – note-se que o terreno é contíguo à casa onde moram e de que são proprietários – foi feita pacífica e continuadamente. E quem cultiva um terreno em termos agrícolas, faz um chiqueiro e galinheiro para porcos e galinhas respectivamente, ergue uma arrecadação, uma construção em madeira para guardar o carro, fazendo-o pelo menos desde os anos sessenta do século XX, actua de modo inteiramente compatível com o exercício do direito de propriedade.

Não se provou, é certo, qual a origem da posse pelos AA, mas tal não impede a usucapião, só que sendo a posse desprovida de título se presume de má-fé, nos termos do art. 1260º nº 2 do Código Civil.

E em 03/03/1994, data em que foi outorgada a escritura de justificação notarial por JG…, tal posse dos Autores decorria desde os anos sessenta, ou seja, há mais de 20 anos.

A escritura de justificação notarial consiste “na declaração, feita pelo interessado, em que este se afirme, com exclusão de outrem, titular do direito que se arroga, especificando a causa da sua aquisição e referindo as razões que o impossibilitam de a comprovar pelos meios normais” - art. 89º nº 1 do Código do Notariado.

Como sublinha José Carlos Gouveia Rocha - “Código do Notariado, Anotado e Comentado”, pág. 145 - “a justificação notarial (...) é um instrumento imprescindível para a concretização dos interesses dos particulares, sempre que pretendam formalizar certos negócios jurídicos e não disponham de título bastante para prova do seu direito, ou, quando, embora possuindo documento comprovativo do seu direito de propriedade, deparam com uma inscrição registral a favor de pessoa da qual não proveio o direito adquirido”.

JG… e a mulher, BC…,invocaram na escritura de justificação que estão na posse do terreno desde 1947, por doação, não titulada, efectuada pelos seus avós MC… e marido JN… e tios avós MC… e marido MS…, residentes que foram ao sítio da Tendeira, sendo certo porém que, desde então, o passaram a possuir como coisa própria, administrando-o, pagando as contribuições devidas, sempre à vista de todos e sem contestação ou oposição de quem quer que fosse, exercendo sobre o mesmo os poderes próprios de um proprietário por mais de trinta anos pelo que adquiriram o mencionado prédio a título originário – usucapião.

Como se observa na sentença recorrida, a escritura de justificação notarial padece de diversos problemas que os RR não lograram elucidar nos presentes autos.

Desde logo, não se prova que JN…, o avô de JG…, tivesse sido casado ou tivesse qualquer relação familiar com MA…, constando apenas que foi casado com MN…, nome que se não confunde com o da anterior.

Algumas testemunhas referiram que o terreno pertencia a MM… Foi o caso de MP… e RL… , que adiantaram que depois da morte de MM…, mãe de J… e de MA…, sendo que estas duas disseram que após a morte de ambas o terreno ficaria para o sobrinho JG…. As testemunhas contudo nunca mostraram qualquer conhecimento do modo como tal transmissão se daria e sobretudo, como se deu.

O certo é que nem se pode provar que MM… e as supostas filhas J… e MA… fossem familiares de JG….

Não consta dos autos qualquer doação ou qualquer transmissão por partilha por morte dessas duas senhoras.

Na escritura de justificação afirma-se que o terreno foi doado a JG… por doação não titulada dos seus avós MC… e marido JN…. Sucede que ficou provado que este último, JN…, faleceu a 03/10/1920. Sucede que JG… nasceu a 16/08/1924 o que obviamente torna inverosímil tal doação.

A prova da matéria alegada pelas partes tem de ser feita por factos, quer documentalmente, quer circunstâncias que sejam do conhecimento pessoal das testemunhas e não de suposições ou conjecturas destas.

A prova dos factos invocados pelo interessado, na escritura de justificação notarial em caso de impugnação desta, tem de ser feita pelo declarante, nos termos do art. 342º nº 1 do CC.

Por outro lado, ninguém referiu que JG…, taxista de profissão, tenha ocupado e utilizado o terreno fosse de que maneira fosse, o que inviabiliza a usucapião.

Acrescente-se que as declarações de partes, desacompanhadas de outra prova, dificilmente poderão constituir o fundamento da prova de factos favoráveis ao declarante.

Daí que não tenhamos atribuído importância relevante aos depoimentos do A. MF… – nomeadamente acerca da autorização dada a PJ… para edificar o caminho – bem como MN… e JD…, RR, estes acerca da oferta aos AA da compra do prédio pelo pai, JG…     

Não se comprovando os factos invocados na escritura de justificação notarial, esta revela-se ineficaz, insusceptível de produzir efeitos, nomeadamente o trato sucessivo como fundamento do registo nos termos do art. 116º do CRP.

Alegam ainda os recorrentes que os AA não lograram comprovar a inversão do título da posse.

Contudo, a inversão do título da posse é aplicável aos casos de posse precária ou detenção previstos no art. 1253º do CC, nomeadamente quando aquele que exerce o poder de facto sobre a coisa o faz sem a intenção de agir como beneficiário do direito, ou se aproveita da mera tolerância do titular do direito, e no tocante aos mandatários ou representantes do possuidor que possuem em nome de outrem.

Ou seja, a actuação material sobre a coisa faz-se no âmbito de uma relação jurídica que por si é insusceptível de conferir o direito de propriedade através da posse prolongada temporalmente.

No caso dos autos não se nos depara nenhuma dessas situações.

O pai e mãe dos ora AA iniciaram, nos anos sessenta do século passado, o cultivo do terreno, a criação de porcos e galinhas com edificação de um chiqueiro e galinheiro, edificação de uma arrecadação e de um espécie de “garagem” em madeira. E fizeram-no de modo contínuo, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém.

A verdade é que se ignora a que título se iniciou tal posse. Mas nada permite afirmar que a actuação material dos AA no terreno se fazia a coberto de qualquer um dos factores previstos no art. 1253º.

Nem mesmo o episódio da edificação do caminho pelo PJ… pode servir para demonstrar que os AA exerciam actos materiais sobre o terreno sem a intenção de agir como beneficiários do direito – isso teria ocorrido caso os pais dos AA tivessem dito ao PJ… que o terreno não era deles, pertencendo a outra pessoa, e que por isso não lhes cabia dar autorização para construir o caminho ou recusá-la. Ma o PJ… nem sequer falou com os AA. E a mera inércia, resultando da falta de prova em qualquer dos sentidos, não basta para que se possa qualificar os AA como meros detentores.

Logo, os AA não tinham de demonstrar a inversão do título da posse. De resto, esse acto de oposição, de actuação contraditória com o direito do titular, seria dirigido contra quem? Contra JG…, que na escritura de justificação afirma estar na posse do imóvel desde 1947, embora nunca tenha sido visto no terreno, nem dispunha de título translativo do mesmo, nomeadamente doação?

Face a isto entendemos não gaver qualquer fundamento para alterar a sentença recorrida no tocante aos 1ºs RR.

Quanto ao recurso do Réu JS….

Dos depoimentos das testemunhas NS…, mediador imobiliário que interveio na venda do prédio por parte de JG… a JS…, AS… e JÁ…, resulta claramente que JS… desconhecia que existisse um diferendo quanto à propriedade do terreno. O que se justifica ainda mais pelo simples facto de nunca ter ocorrido qualquer situação de litígio entre os pais dos AA e o JG…, não constando que qualquer um deles tenha afirmado ao outro ser dono do aludido terreno.

Não tendo ficado demonstrada a matéria invocada pelo justificante na escritura de justificação notarial e sendo esta dada sem efeito, há que concluir que JG…, pelas razões que vimos apontando, não era dono do terreno que vendeu a JS…, tendo assim procedido à venda de bem alheio, que é nula nos termos do art. 892º do CC e ineficaz em relação ao titular do direito sobre o bem.

O art. 17º nº 2 do CRP prevê que a declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé.

Todavia, esta disposição não se aplica ao caso dos autos.

Primeiro porque JS…, que adquiriu o terreno a JG…, não é terceuiro adquirente. Só no caso de JS… registar, como comprador, o imóvel a seu favor e o vender a outra pessoa, que o registe a seu favor, será esta última considerado terceiro.

Na sentença recorrida foi considerada a ineficácia da venda efectuada por JG… a JS… Isto pois que aquele vendeu, em nome próprio, um bem de que não era proprietário. Embora a venda de coisa alheia seja nula, nos termos do art. 892º do CC, tal nulidade verifica-se entre vendedor e comprador.

Como refere Antunes Varela – RLJ nº 116, pág. 16 - “tem-se entendido que, em relação ao verdadeiro titular da coisa, a venda efectuada pelos non dominus constitui res inter alios e é, como tal, um acto ineficaz. Isto significa, na sua concretização prática, além do mais, que o dono da coisa ilicitamente vendida por outrem, pode reivindicá-la directamente do adquirente, sem necessidade de prévia declaração judicial de nulidade da venda”.

No mesmo sentido, ver acórdão da Relação de Coimbra de 08/03/1994 sumariado no BMJ nº 435, pág. 918.

E, neste caso, o que está em apreço nos autos é a venda efectuada por JG… ao 2º Réu, isto depois de ter realizado a escritura de justificação notarial e com base nela registado o terreno a seu favor.

Tendo-se provado que à data da escritura de justificação notarial haviam decorrido mais de 20 anos durante os quais os AA mantiveram a posse continuada, pública e pacífica do terreno, adquirindo-o por usucapião, e não se tendo provado as circunstâncias alegadas por JG… na escritura de justificação, é manifesto que ocorreu venda de bem alheio como próprio, a qual é ineficaz perante os AA. Não se discute nesta acção uma eventual venda posteriormente efectuada por JS… a uma outra pessoa – essa sim, terceira.

Tal venda não foi alegada nem discutida na 1ª instância e o terceiro comprador não é parte nem teve qualquer intervenção no processo.

Temos assim que a nulidade prevista no art. 291º se reporta às relações entre o vendedor e o comprador, mas não, no caso de venda de coisa alheia como própria, ao verdadeiro titular da propriedade do bem vendido. Em relação a este, o negócio não é, pura e simplesmente, apto a produzir efeitos.

Conclui-se assim que:
– Impugnada escritura de justificação notarial, é ao declarante dos factos exarados na mesma, e constitutivos do direito que se arroga, que incumbe a respectiva prova.
–Vendido como próprio, um terreno que não pertencia ao vendedor, estamos perante uma venda de coisa alheia, cuja consequência é a da nulidade do negócio entre vendedor e comprador.
–Contudo, relativamente ao titular do direito de propriedade sobre o bem vendido, o negócio não é nulo mas ineficaz, ou seja, inapto a produzir qualquer efeito.

Assim e pelo exposto, julgam-se os recursos improcedentes, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelos 1ºs RR e pelo 2º Réu em partes iguais.

LISBOA, 12/07/2018

António Valente

Ilídio Sacarrão Martins

Teresa Prazeres Pais