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IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
GOZO DO FERIADO DE CARNAVAL
Sumário
1- No julgamento da matéria de facto os poderes da 2ª instância estão delimitados pelo nº 1 do artº 662º do CPC (artº 640º, nº 1, alª b) do CPC), pelo que a decisão sobre a matéria de facto só deve ser alterada se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2- Daí que devem ser especificados não meios de prova que admitam, permitam ou consintam decisão diversa da recorrida mas antes que imponham decisão diversa da impugnada.
3- A concessão do gozo da terça-feira de Carnaval sem perda de retribuição de forma ininterrupta durante pelo menos 35 anos a todos os trabalhadores independentemente de estarem ou não filiados em sindicato ou de estarem abrangidos por CCT ou de IRC não negocial constituiu prática integrante de um uso laboral que não pode ser retirada de forma unilateral.
Texto Integral
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães
Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas e Metalomecânicas do Distrito X e Manuel intentou acção com processo comum contra Sociedade Artística – Y, Ldª.
Pediram:
“a R. seja condenada:
- a retomar o uso do gozo pelos trabalhadores da 3ª feira de carnaval, sem atribuição de falta e perda de retribuição;
- pagar ao A. Manuel a quantia de € 26,26, referente à 3ª feira de carnaval, que descontou da sua retribuição;
- a pagar os juros de mora vencidos sobre essa quantia.”
Alegaram, em súmula: o 1º A é uma associação sindical, filiada na X – Federação Intersindical das Indústrias Metalúrgicas, Químicas, Eléctricas, Farmacêutica, Celulose, Papel, Gráfica, Imprensa, Energia e Minas; anteriormente tinha a designação de Y – Federação Intersindical de Metalúrgica,Metalomecânica, Minas, Química, Farmacêutica, Petróleo, Gás e outros); o 2º A é associado da A e trabalhador da R; a R é associada da W-Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal; a R sempre concedeu o gozo da terça-feira de Carnaval a todos os trabalhadores; no final do ano de 2016 a R afixou uma circular com o nº 350/2016, pelos motivos que melhor aí constam; o 2º A discorda da aplicação da “BTE nº 10 de 15/03/2010”; no dia 15.02.2017, a R afixou aviso informativo segundo o qual a convenção colectiva entre a Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e afins de Portugal - W e o K - Sindicato Nacional de Industria e da Energia, não se aplica aos trabalhadores representados pela X; no início do ano de 2017, afixou mapa de trabalho para o ano com o feriado de Carnaval, designadamente, com a anotação “feriado obrigatório em termos da CCT/ não é feriado nos termos do CT P/filiados aos sindicatos representados pela X”; e, no dia de Carnaval a empresa esteve encerrada mas na retribuição do mês de Março a R considerando haver falta injustificada nesse dia descontou-o na retribuição do 2º A, bem como na dos outros trabalhadores filiados no 1ª A; e esta decisão deverá ser declarada ilícita.
A R contestou alegando, em síntese: com o CT/2009 a terça-feira de carnaval deixou se ser considerado feriado, apenas o podendo ser se tal viesse a ser regulado em instrumento de regulação colectiva de trabalho ou contrato de trabalho; a CCT aplicável veio a considerar como feriado obrigatório a terça-feira de carnaval, razão pela qual continuou a conceder aos seus trabalhadores o gozo desse feriado; mas como os AA opuseram-se à aplicação dessa CCT, aos trabalhadores filiados no 1º A não foi concedido o seu gozo; o 2º A faltou ao trabalho nesse dia e não justificou a respectiva falta; e o gozo do feriado da terça-feira de carnaval não constituiu qualquer prática reiterada por que resultou desde sempre do cumprimento da lei e da CCT.
No saneador não se seleccionou matéria de facto.
Realizou-se audiência de julgamento, altura em que se decidiu a matéria de facto.
Proferiu-se sentença:
“Julgar a presente acção totalmente procedente, condenando a R.:
a) a retomar o uso do gozo por todos os seus trabalhadores da 3ª feira de carnaval, sem atribuição de falta e perda de retribuição; b) - pagar ao A. Manuel a quantia de €26,26, referente à 3ª feira de carnaval, que descontou da sua retribuição; c) - a pagar os juros de mora vencidos sobre essa quantia.”.
A R recorreu e concluiu:
“1ª Relativamente á matéria de facto, que foi decidida por douto despacho ref. 41832424, considera a Apelante que foi incorrectamente julgado como provado o ponto 19 dos factos assentes, nos precisos termos em que o foi. 2ª Com efeito da prova produzida em audiência de julgamento quer a testemunha Susana quer a testemunha C. S., declararam de forma espontânea e segura que no dia 28 de fevereiro de 2017 pela manhã a empresa estava em funcionamento, encontravam-se na empresa a trabalhar os gerentes e bem assim a empresa que assegura a manutenção de equipamentos, como ficou a consta da douta decisão que decidiu a matéria de facto. Mais esclarecerem as testemunhas que para esse dia foi organizado transporte para os trabalhadores como é normal a partir de Valença, todavia nenhum trabalhador compareceu no local habitual para ser recolhido. 3ª Porque assim foi declarado, não poderia considerar o tribunal “a quo” que os portões da empresa estavam encerrados não sendo possível o acesso ao seu interior. Com efeito, bastava a quem lá pretendesse entrar tocar a campainha para que lhe fosse aberto o portão, que normalmente está fechado por questões de segurança. 4º Ora, considera a Apelante que tal facto está incorrectamente julgado porque ignora que na empresa estavam pessoas a trabalhar, pois os gerentes da empresa também trabalham. 5ª Por assim ser considera-se que tal ponto da matéria de facto deverá ser alterada e passar a constar como não provado, que: No dia 28 de Fevereiro de 2017, os portões da empresa encontravam-se encerrados, não sendo possível o acesso ao seu interior. 6ª Nestes termos requer-se que este Tribunal de recurso, no uso dos poderes de sindicar a decisão proferida sobre a matéria de facto conferido pelo disposto no art. 662º do CPC, proceda á apreciação das alegações e conclusões formuladas e reapreciando os concretos meios de prova produzidos, altere a decisão da matéria de facto impugnada, julgando como não provado o ponto concreto da matéria de facto vertida no ponto 19º, nos termos indicados, como é de toda a justiça. 7ª Tendo em atenção o acervo factivo considerado como provado, considera a Apelante que a douta decisão recorrida, ao sufragar o entendimento de que se teria constituído uso laboral relativo ao gozo do dia de carnaval como feriado, faz uma errada interpretação e aplicação do quadro jurídico aplicável. 8ª Desde sempre a Apelante deu cumprimento ao quadro normativo laboral vigente garantindo todos os direitos dos trabalhadores nele consagrado, designadamente observou as normas que disciplinavam o regime dos feriados e respectivo gozo. Com efeito, a terça-feira de carnaval foi sendo qualificado como dia feriado pelo menos desde o código do Trabalho de 2003, e nessa medida observado como tal pela Apelante empregadora. Deste modo a Apelante assegurava o gozo de tal direito, porque o mesmo resultava de norma jurídica que o reconhecia, e não por qualquer outra causa ou predisposição subjectiva, mormente qualquer prática espontânea. 9ª O CCT aplicável – cfr - BTE nº 10 de 15/03/2010 veio a considerar como feriado obrigatório a terça-feira de carnaval, razão pela qual a ré continuou a conceder aos seus trabalhadores o gozo desse feriado. Estabelecia a Cláusula 79.ª da CCT que «Para além dos previstos na lei, serão igualmente considerados feriados obrigatórios o feriado municipal da localidade e a terça-feira de Carnaval, os quais poderão todavia ser substituídos por qualquer outro dia em que acordem a entidade empregadora e a maioria dos trabalhadores.» 10ª Como se referiu a Apelante, desde a sua publicação da CCT de boa fé, passou a aplicar a todos os seus trabalhadores o regime contido no contrato colectivo de trabalho publicado no BTE nº 10 de 15/03/2010, quer as disposições que consagravam direitos como das que estabeleciam deveres laborais. Porque assim foi, todos os trabalhadores da Apelante a partir de 2010 continuaram a gozar o direito ao feriado da terça-feira de carnaval, como feriado obrigatório, direito contido naquele CCT. 11ª Nunca nenhum dos trabalhadores da Apelante, mormente os Apelados se opuseram á aplicação deste CCT de 2010 até 2016, sempre beneficiando do seu regime jurídico, durante os seis anos seguintes, 12ª Na sequência do procedimento de reclassificação ocorrido em 2015, vários trabalhadores sindicalizados e afectos ao sindicato Apelado, incluído o 2º Apelado opuseram-se a tal reclassificação, invocado que a CCT publicada no BTE nº 10/2010, não lhe era aplicável, apesar de o ter sido durante mais de seis anos 13ª Deste modo, a Apelante, atenta a posição destes trabalhadores e o facto de o sindicato que os representa ter deduzido oposição á aplicação da CCT e seu regime aos trabalhadores seus afiliados, deixou de aplicar a CCT a estes trabalhadores. 14ª Quer isto significar que as condições do trabalho resultantes do referido instrumento de regulamentação colectiva do trabalho apenas continuaram a ser aplicáveis aos trabalhadores não sindicalizados no referido sindicado e bem assim a todos os que sendo sindicalizados voluntária e individualmente declaram que pretendiam continuar como até aí a ser abrangidos pelo regime da CCT em vigor. 15ª O dia 27 de fevereiro de 2017, terça-feira de carnaval foi dia feriado obrigatório para todos os trabalhadores abrangidos pelo CCT, que como tal o gozaram. Relativamente aos trabalhadores filiados no sindicado Apelado, e concretamente ao 2º Apelado por recusa na aplicabilidade do regime da convenção nos termos da portaria de extensão, tal dia não constituía feriado e como tal não foi concedido pela ré o seu gozo. 16ª Deste modo todos estes trabalhadores excluídos do regime da CCT estavam obrigados a prestar o seu trabalho nesse dia, sendo que a empresa esteve aberta e em funcionamento, tendo o 2º Apelado faltado ao trabalho. Consequentemente a ré considerou tal falta ao trabalho como injustificada e procedeu ao desconto do valor correspondente ao dia de falta na retribuição desse mês. 17ª A douta decisão recorrida, veio no entanto considerar que o gozo do dia de carnaval, no quadro da empresa Apelante, constituía um uso laboral, e como tal estava integrado no concreto contrato de trabalho do Apelado, todavia, salvo melhor entendimento, tal decisão não tem fundamento jurídico válido. 18ª Com efeito a Apelante de boa fé desde 2010 e até dezembro de 2016, data em que os Apelados se opuseram á aplicação do regime da CCT, sempre aplicou este regime a todos os seus trabalhadores, que se conformaram e beneficiaram com essa aplicação. 19ª Os trabalhadores que em 2016 vieram recusar a aplicação do CCT, em simultâneo pretendiam beneficiar do gozo de direitos mormente da terça feira de carnaval contido nesse mesmo regime, alegando que se tratava de um uso laboral, actuam de modo contrário á boa fé, pois por um lado recusam essa aplicação e por outro pretendem prevalecer-se da aplicação desse regime jurídico desde 2010, dai extraído uma alegada prática reiterada!!! 20ª Não pode o trabalhador recusar o regime do CCT que expressamente lhe reconhece o direito à terça-feira de carnaval, regime que, sem qualquer oposição, lhe foi aplicado durante mais de 6 anos, e em simultâneo prender gozar esse direito alegando que o seu gozo conforma um uso laboral que se teria formado na pratica observada pela Apelante nesse período de tempo em que a aplicação ocorreu!? 21ª A Apelante de boa fé confiando e considerando que todos os seus trabalhadores anuíram à aplicação deste CCT, continuou desde então a reconhecer e respeitar os direitos nele consagrados. Tal prática ou comportamento manteve-se assim até ao momento em que alguns trabalhadores na sequência da reclassificação de 2015 vieram comunicar recusar tal aplicação. 22ª Deste modo a prática observada pela Apelante mais não correspondia do que á estrita aplicação da lei e do CCT em vigor, e não a qualquer prática espontânea ou voluntária desgarrada daquele enquadramento normativo, que pudesse considerar-se uso laboral integrador dos contratos individuais de trabalho. 23ª O reconhecimento aos Apelados da faculdade de, mesmo recusando a aplicação do CCT vigente no sector seis anos depois de a mesma lhe ter sido aplicada sem qualquer oposição, ainda assim poderiam beneficiar dos direitos nele consagrados pela invocação de uso laboral, sempre consubstanciaria uma interpretação ofensiva da boa fé. 24ª Não nos afigura conforme a boa fé a pretensão dos Apelados, pelo que não poderia a mesma ter sido sufragada como o foi. 25ª Por assim ser, mal andou a douta decisão recorrida que efectuou um errado julgamento da matéria de facto e uma errada interpretação e aplicação entre outras das normas previstas no art. 3º, nº 1 e 2 e 334º do CC. e art. 1º do Código do Trabalho, razão pela que deverá ser revogada e substituída por outra que julgue a acção improcedente a absolva a Apelante do pedido.”.
Termina, em síntese conclusiva: “Termos em que se requer … no provimento ao recurso de apelação revogar a douta decisão recorrida e consequentemente substituí-la por outra que julgando a acção improcedente absolva a Apelante do pedido, ….”.
Os AA contra-alegaram, concluindo:
“1. A Ré/Apelante alega que a sentença prolatada operou uma errada interpretação e aplicação das normas jurídicas contidas no regime jurídico do Código do Trabalho e no Contrato Coletivo de Trabalho aplicável, na medida em que tendo em conta o acervo fáctico considerado como provado, a douta decisão recorrida, no seu dizer, “ao sufragar o entendimento de que se teria constituído uso laboral relativo do gozo do dia de Carnaval como feriado, faz uma errada interpretação e aplicação do quadro jurídico aplicável (…).” 2. Alega a Recorrente/Apelante que assegurava o gozo do dia de carnaval como feriado, porque o mesmo resultava da norma jurídica que o reconhecia (fonte imediata), e não por qualquer outra causa ou predisposição subjectiva, mormente qualquer prática espontânea. 3. Alega, também, que com a revisão do Código de Trabalho aprovado pela lei 7/2009, para além dos feriados obrigatórios previstos no artigo 234.º do CT, podiam ser observados a título de feriado, mediante instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho ou contrato de trabalho a terça-feira de Carnaval e o feriado Municipal, nos termos do artigo 235.º do CT. 4. Diz a Apelante que “deste modo a terça-feira de Carnaval, deixou de ser considerado feriado pelo Código do Trabalho, apenas o podendo ser se tal viesse a ser regulado em instrumento de Regulação Colectiva de Trabalho ou contrato de trabalho.” 5. Depois de referir que o contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a W e a X, na qual o Sindicato recorrido está filiado cessou a sua vigência em 17 de Fevereiro de 2009, a Apelante reconhece que continuou a conceder aos seus trabalhadores o gozo de feriado de Carnaval, porque na cláusula 79.º do CCT celebrado entre a Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal – W e o K – Sindicato Nacional de Industria e da Energia, publicado no BTE n.º 10 de 15/03/2010, está estabelecido que “para além dos previstos na Lei, serão igualmente considerados feriados obrigatórios o feriado municipal da localidade e a terça-feira de Carnaval, os quais poderão todavia ser substituídos por qualquer outro dia em que acordam a entidade empregadora e a maioria dos trabalhadores”. 6. Nas suas doutas alegações a Apelante não faz referência ao facto de o CCT celebrado entre a W e o K, publicado no BTE n.º 10 de 15/03/2010 nunca ter sido aplicável aos trabalhadores filiados no Sindicato recorrido dos Trabalhadores das Industrias Metalúrgicas e Metalomecânicas, filiado na X, pois o mesmo apenas foi subscrito pela W e pelo K, que não é filiado na X nem estava credenciado para negociar em nome da X. 7. Também não refere que, apesar da Portaria n.º 424/2010 ter estendido ao território do continente as condições de trabalho constantes do Contrato Colectivo acima identificado entre a W e o K, a mesma portaria de extensão não se aplica aos trabalhadores filiados em sindicatos representados pela X – FEDERAÇÃO INTERSINDICALDAS INDUSTRIAS METALURGICA, QUIMICA, FARMACEUTICA, ELECTRICA, ENERGIA E MINAS, conforme se alcança do n.º 2 do artigo 1.º da mesma. 8. Não é exacto nem verdadeiro o que a Apelante alega ao dizer que continuou a conceder aos seus trabalhadores o gozo do feriado de Carnaval porque o CCT aplicável, publicado no BTE n.º 10 de 15/03/2010, veio a considerar como feriado obrigatório a terça-feira de Carnaval. Pois, tal convenção colectiva não lhes é aplicável desde então. 9. Até ao ano de 2016, inclusive, a Ré/Apelante sempre permitiu a todos os seus trabalhadores independentemente da sua filiação sindical, o gozo da Terça-feira de Carnaval, dispensando-os de trabalhar nesse dia e sem que o mesmo fosse descontado na retribuição do mês. 10. Para todos os trabalhadores, fossem ou não sindicalizados, pertencessem a um ou outro sindicato, o gozo da terça-feira de carnaval era um direito adquirido, não dependendo da sua previsão em qualquer instrumento da regulamentação coletiva. Nem, aliás, até 2016, a Ré/Apelante informou ou justificou o gozo da terça-feira de Carnaval, com e exigência de qualquer convenção colectiva de trabalho, ou, outra. 11. Assim, a prática constante, uniforme e pacífica do gozo de 3.ª feira de Carnaval assume relevância no âmbito dos contratos individuais de trabalho por força do uso instalado. 12. E, a prática instalada tornou-se vinculativa, relevando como fonte de direito por força do disposto no artigo 1.º do CT. 13. Consequentemente, tendo-se tornado vinculativa tal prática, não pode ser retirada de forma unilateral. 14. Ademais, a douta sentença, refere a propósito, o Ac. do STJ de 17/11/2016, o qual confirma o Acórdão deste douto Tribunal e que aprecia a mesma exacta situação, onde se escreve: “Conforme resulta da matéria de facto apurada pelas Instâncias, desde 1994 e até ao ano de 2013 (inclusive), a Ré sempre concedeu o gozo de terça-feira de carnaval a todos os seus trabalhadores, independentemente da sua sindicalização, permitindo-lhes assim não terem de trabalhar nestes dias, sem que fossem prejudicados na retribuição.
É certo que o n.º 2 da cláusula 75.º da Convenção Colectiva de Trabalho celebrado entre a W – Associação dos Industriais Metalúrgicos e Metalomecânicos e afins de Portugal, de que a Ré é associada e a X, Federação Intersindical da Metalurgia, Metalomecânica e Minas, Química, Farmacêutica, Petróleo e Gás e outros, de que o A. era uma associação sindical filiada, publicado no dia 22 de Março de 2002, e que vigorou entre 2002 e 17/02/2009, consagrava este direito para os trabalhadores por ela abrangidos.
No entanto, tendo aquele instrumento de regulamentação Coletiva caducado nesta data (17/2/2009), constatamos que a prática da Ré de conceder aos seus trabalhadores o gozo da terça-feira de Carnaval vigorou muito além do mero cumprimento da Convenção Colectiva de Trabalho supramencionada.
Efectivamente, tal gozo foi concedido pela Ré durante toda a antiguidade de cada um dos seus trabalhadores, sindicalizados ou não no Sindicato Autor, e abrangendo quer os que foram admitidos directamente ao seu serviço, quer os que transitaram das anteriores sociedades comerciais, detendo alguns deles uma antiguidade superior a 30 anos.
Assim sendo temos de concluir que o direito ao gozo da terça-feira de carnaval e que a Ré retirou aos trabalhadores a partir de 2014 não teve fundamento legal, conforme conclui a relação.
Na verdade, tratando-se duma prática que vigorou desde 1994 e até 2013, temos de concluir que estamos perante uma prática espontânea da empresa, pois a Regulamentação Colectiva de Trabalho que vigorou no período de 2002 e 2009 abrange apenas os trabalhadores filiados no sindicato outorgante.
Por outro lado, tratou-se de uma prática constante, uniforme e pacífica, sendo por isso merecedora da tutela da confiança dos trabalhadores na sua continuidade, pois, face aos anos em que a mesma vigorou, criou nestes a convicção de que o empregador a prosseguiria no futuro.
Quebrando-a unilateralmente, foi abalada esta confiança na sua continuidade, pois, tratando-se duma prática reiterada, assumiu por isso, a natureza dum “uso” relevante à luz dos artigos 12.º, n.º 1 do CCT, e dos artigos 1.º do CT/2003 e do CT/2009, pois abarcou o período da vigência de todas as normas.
Consideramos por isso ilegítimo que a Ré tenha retirado, unilateralmente, o gozo da terça-feira de carnaval, a partir de 2014, tal como fez, pois esta prática tornou-se vinculativa”. 15. Por todo o exposto e pelo mais que resulta da douta sentença do M.M. Juiz a quo, este não errou, pelo contrário, fez uma correta interpretação e aplicação das normas jurídicas contidas no regime jurídico da LCT, do Código do Trabalho ou no Contrato Coletivo de Trabalho, ao caso sub judice.”.
Termina pretendendo a confirmação da sentença.
Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do recurso não merecer provimento.
Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Indagar-se-á da impugnação da decisão da matéria de facto, do não reconhecimento de uso laboral na concessão do gozo da 3ª feira de Carnaval e, ainda assim, de não haver lugar a dedução de retribuição referente a esse dia.
Os factos considerados na sentença assentes:
“1 – O A. Sindicato é uma associação sindical do sector da indústria metalúrgica e metalomecânica, que tem como associados os trabalhadores filiados que trabalham nas empresas metalúrgicas ou metalomecânicas do distrito de X. 2 - Está filiado na X – Federação Intersindical das Indústrias Metalúrgicas, Químicas, Eléctricas, Farmacêutica, Celulose, Papel, Gráfica, Imprensa, Energia e Minas. 3 - Por sua vez, a X integra a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical Nacional. 4 - A X, anteriormente tinha a designação de Y – Federação Intersindical de Metalúrgica, Metalomecânica, Minas, Química, Farmacêutica, Petróleo, Gás e outros. 5 - O A. Manuel é trabalhador da Ré desde 2 de Maio de 1997. 6 - A R. é associada da W – Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal. 7 - Tem por objecto social a indústria de bisnagas metálicas comprimíveis de alumínio para embalagem de produtos químicos, farmacêuticos, e de beleza, pastas dentífricas etc., e fabricação de outros artigos plásticos. 8 - A R. é uma empresa que tem ao seu serviço cerca de 100 trabalhadores. 9 - Destes trabalhadores cerca de 50, pelo menos, são associados do A. Sindicato. 10 - Até ao ano de 2016, inclusive, a R. sempre permitiu a todos os seus trabalhadores, independentemente da sua filiação sindical, o gozo da Terça-feira de Carnaval, dispensando-os de trabalhar nesse dia, sem que fossem prejudicados na sua retribuição. 11 - Alguns trabalhadores da R. têm uma antiguidade superior a 35 anos. 12 – No dia 27 de Dezembro de 2016, a R. fez afixar uma circular a que atribuiu o nº 350/2016, e cujo assunto foi “CCT Metalurgia e Metalomecânica – Portaria de Extensão” onde informava que: “(…) foi publicado no Diário da Republica, 1ª Série, no dia 26 de Dezembro de 2016, a portaria nº 334/2016, de 26 de Setembro, nos termos da qual as condições de trabalho constantes das alterações do contrato de trabalho celebrado entre a W e o K, publicado no BTE nº 21 de 8 de Junho de 2016, foram estendidas no Continente:
Às relações de trabalho entre empresas inscritas na W e os trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas na convenção acima mencionada, não representadas pelas associações sindicais outorgantes com a excepção dos trabalhadores filiados em sindicatos representados pela X.
Nos termos da portaria agora publicada, a tabela salarial, o subsídio de refeição e outras cláusulas de expressão pecuniária produzem os seus efeitos a partir de dia 1 de Dezembro de 2016.
Quantos às restantes condições de trabalho, produzem as mesmas os seus efeitos a partir do 5.º dia após a data de publicação da referida portaria no Diário da Republica, ou seja, a partir do dia 31 de Setembro de 2016” (…). 13 - Em 14 de Dezembro a R. fez entregar ao A. Manuel uma carta cujo assunto era a reclassificação de categorias profissionais cujo teor era o seguinte (parte relevante)
“(…) Como é do seu conhecimento, no mês de Maio de 2015, foram reclassificadas as categorias profissionais, de acordo com o BTE nº 10 de 15/03/2010. Dessa reclassificação não resultou qualquer prejuízo para o trabalhador.
No entanto, por ser necessário dispor de uma listagem assinada pelos trabalhadores, no qua se manifestam se pretendem, ou não, ser introduzidos nesta reclassificação/reenquadramento, solicitamos que devolvam a presente notificação devidamente preenchida.
De salientar que, os trabalhadores filiados no Sindicato dos Trabalhadores da Industria Metalúrgica e Metalomecânica, caso optem por manter a categoria anterior, ser-lhes-á aplicado o BTE nº 11/2002, em todas as matérias laborais. Aos trabalhadores que ditem o seu acordo para a reclassificação das categorias, ou que, não se pronunciem, continuará a aplicar-se o BTE nº 10/2010.
Agradecemos a resposta até ao próximo dia 19 de Dezembro”(…). 14 - O A. Manuel pronunciou-se pela não aplicação do BTE nº 10/2010. 15 - No dia 15 de Fevereiro de 2017, a R. mandou afixar um aviso informativo do seguinte teor:
“Informa-se que nos termos da portaria nº 334/2016 de 26 de Dezembro, o contracto colectivo entre a Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e afins de Portugal – W e o K – Sindicato Nacional de Industria e da Energia, não se aplica aos trabalhadores representados pela X”. 16 - A R., no início do ano de 2017, fez afixar o mapa de trabalho para o ano, com os feriados nacionais e o feriado municipal que coincide com o feriado nacional de 15/06, os dias de descanso ou férias e com o dia de Carnaval, no dia 28 de Fevereiro de 2017, com a seguinte anotação “feriado obrigatório em termos do CCT/ não é feriado nos termos do CT (P/filiados aos sindicatos representados pela X). 17 - Como decorre desse mapa, o dia 27 de Fevereiro, Segunda-feira antes do Carnaval, foi considerado dia de descanso ou férias e nesse dia, efectivamente, a empresa esteve encerrada. 18 – A R., na retribuição do mês de Março seguinte, descontou na retribuição do A. Manuel, bem como na dos outros colegas de trabalho filiados no Sindicato dos Trabalhadores das Industrias Metalúrgicas e Metalomecânicas, o dia de Carnaval, considerando-o como falta injustificada (descontou ao A. a quantia de €26,26). 19 – No dia 28 de Fevereiro de 2017, os portões da empresa encontravam-se encerrados, não sendo possível o acesso ao seu interior.”
Posto isto.
Da impugnação da decisão da matéria de facto
Pretende-se que não se admita como assente a matéria constante do nº 19 da rubrica dos factos provados da sentença (no dia 28 de Fevereiro de 2017, os portões da empresa encontravam-se encerrados, não sendo possível o acesso ao seu interior).
À colação são chamados os depoimentos de Susana e C. S. ambas empregadas da R.
Mas acolhe-se simplesmente o sentido formal de dois pequenos segmentos de cada um desses depoimentos sem que se formule juízo crítico conclusivo em detrimento da convicção formada pelo tribunal a quo retratada na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e sem recurso à fonte probatória de que esse tribunal se baseou.
Nesta referiu-se:
A convicção do tribunal, no que se refere à matéria de facto provada, resultou:
“(…)
quanto ao ponto 19) - do depoimento claro e seguro de Maria, a qual acompanhou o A. Manuel às instalações da R. exactamente para testemunhar aquele facto que relatou ao tribunal; de salientar que o afirmado por esta testemunha não era contraditório com o que foi relatado pelas testemunhas Susana e C. S. (no interior estaria um ou dois gerentes da R. e funcionários de uma empresa externa de manutenção das máquinas).”.
Ou seja, nesta fundamentação é feita análise crítica da prova assegurando-se o raciocínio e seu percurso que presidiu à opção da matéria de facto discutida a ser admitida ou repudiada.
Não se fazem afirmações inconciliáveis entre si.
Sem premissas incompatíveis, cada uma delas subsiste utilmente por si.
Nesta medida nada se lhe há-de apontar sendo certo que a coerência formal desse processo lógico progressivo nem é questionada pela recorrente.
Nada, portanto, susceptível de afectar a transparência da decisão.
Contudo, como se antecipou, a recorrente rebate a resposta impugnada baseando-se apenas em excertos de depoimentos de apenas duas testemunhas o que quer dizer que pretende a reponderação da prova através de uma fonte probatória diferente daquela que o tribunal a quo analisou.
Ora, não atendendo à unidade da prova como foi concebida pelo tribunal a quo, para isso servindo a obrigação da fundamentação, a censura que a recorrente exerce sobre o juízo desse tribunal é de forma irreparável inconsistente e inconclusiva para se alterar a decisão sobre a decisão sobre a matéria de facto: as provas que serviram de fundamento à decisão sobre um determinado facto têm que ser analisadas e examinadas em conjunto e não isoladamente.
Conforme se salienta no douto Acórdão do Tribunal Constitucional nº 198/04, publicado no DR, II Série, de 02.06.2004, a impugnação da decisão em matéria de facto “(...) terá de assentar na violação dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria a inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão (...)”.
O que se compreende porquanto é o juiz a quo quem procede ao julgamento da causa e acerca dos factos nele aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção e não o Tribunal de recurso, cujo poder de intervenção se circunscreve a reapreciar pontos concretos da decisão da matéria de facto especificados nas conclusões do recurso com vista a reparar erros de julgamento ali cometidos (cfr ainda acórdãos do STJ de 22.10.2015, www.dgsi.pt, e de 03.12.2015, procº 1348/12.7TIBRG.G1.S1).
Por seu turno, a recorrente não depreciou a decisão do tribunal a quo segundo juízo crítico e lógico desta forma alheando-se praticamente da fundamentação da convicção que esteve na base dessa decisão, sendo certo, no aresto de 03.12.2015 discerniu-se até que “o cumprimento do ónus estabelecido no artigo 640.º do Código de Processo Civil passa pela invocação de que determinado facto foi incorrectamente julgado, enunciando-o e explicitando as razões de tal incorrecção, isto é, apresentando uma análise crítica dos elementos de prova de que o julgador deveria retirar uma conclusão diferente da que retirou, e ainda pela indicação do facto tal como deveria ter sido dado como provado ou não provado”.
No entanto, ainda que assim não seja, auditados os registos dos depoimentos das três testemunhas inquiridas, (para além das indicadas também o de Maria, empregada da R e que segundo ela deslocou-se à empresa com o 2ª A no dia de Carnaval nas circunstâncias ditadas na transcrita fundamentação, o que se mostra plausível) bem como das próprias declarações do 2ª A obviamente que os depoimentos das testemunhas Susana e C. S. não autorizam que se conclua no sentido de que o tribunal a quo devia ter retirado outras ilações da prova.
Na verdade, tanto as declarações do 2ª A como o depoimento da testemunha Maria são inteiramente conciliáveis, tendo a segunda referido que perante o encerramento das instalações tocou-se sem êxito à campainha sendo certo que no dia antecedente a R também esteve encerrada tal como se deu como assente (como decorre desse mapa, o dia 27 de Fevereiro, Segunda-feira antes do Carnaval, foi considerado dia de descanso ou férias e nesse dia, efectivamente, a empresa esteve encerrada).
Enquanto isso, no que concerne às outras duas testemunhas, sem contradizerem o encerramento também no dia anterior, a que referiu (Susana) que chegou a organizar o transporte de trabalhadores de Valença até Monção não é suficientemente específica quanto ao modo como seria proporcionado esse transporte face às vicissitudes advindas da eventualidade de não comparência no dia em causa e ao mencionado a propósito pela testemunha C. S. acerca do transporte de táxi. Esta testemunha sequer precisa o momento em que diz ter falado com os trabalhadores sobre quem vinha trabalhar. Ambas nada concretizaram acerca do modo como estava preparado o sector da produção da R para reatar a laboração atento ao seu objecto social, ao citado encerramento no dia anterior e aos escassos trabalhadores cuja comparência lhes poderia ser previsível. Igualmente, acerca da disponibilidade de terceiros para procederam à abertura dos portões encerrados se isso fosse conveniente. E quanto à manutenção em serviço mencionaram que era através de uma empresa externa com gerência comum à da R o que torna mais ainda acentuada a inconsistência dos depoimentos sobre a disponibilidade da R para laborar nesse dia e, sobretudo, o seu efectivo o funcionamento.
Por último diremos que para além não se poder conferir aos excertos dos depoimentos realçados pela recorrente o significado que este pretende eles nunca alcançariam a virtualidade de imporem a modificação da decisão de facto como se reclama nos artºs 640º, nº 1, alª b), e 662º, nº 1, do CPC (“…que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” ou “… impuserem decisão diversa”).
Efectivamente, é apodíctico, para estes normativos convém especificar não meios de prova que admitam, permitam ou consintam decisão diversa da recorrida mas, antes, que imponham decisão diversa da impugnada.
No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial.
O julgador deverá avaliar o depoimento em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência (Miguel Teixeira de Sousa, A Livre Apreciação da Prova em Processo Civil, Scientia Iuridica, tomo XXXIII, 1984, 115 e seg).
Devendo-se concluir assim que a factualidade posta em crise pela recorrente não se revelando grosseiramente apreciada pela primeira instância é de confirmar.
Mantendo-se incólume a factualidade fixada na sentença como provada, tenha-se agora em consideração o que não se pode questionar:
a recorrente tem ao seu serviço cerca de 100 trabalhadores, alguns com uma antiguidade superior a 35 anos, e cerca de 50 deles, pelo menos, são associados do 1º A;
o 2º A é trabalhador da recorrente desde 02.05.1997 e está sindicalizado no 1ª A;
até ao ano de 2016, inclusive, a recorrente sempre permitiu aos seus trabalhadores, independentemente da sua filiação sindical, o gozo da terça-feira de Carnaval sem trabalharem desse dia e sem perda de retribuição;
no ano de 2017 o dia anterior ao do Carnaval foi considerado dia de descanso ou férias e nesse dia, efectivamente, a empresa esteve encerrada; e,
quanto ao gozo do dia de Carnaval do ano de 2017 em tais termos a recorrente apenas não admitiu trabalhadores sindicalizados no 1º A representado pelo X – Federação Intersindical das Indústrias Metalúrgicas, Químicas, Eléctricas, Farmacêutica, Celulose, Papel, Gráfica, Imprensa, Energia e Minas, antes designada de Y – Federação Intersindical de Metalúrgica, Metalomecânica, Minas, Química, Farmacêutica, Petróleo, Gás e outros.
É também adquirido que a associação sindical que representa o 1º A celebrou CCT com a associação patronal a que pertence a recorrente, W - Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (BTE nºs 11 de 22.03.2002, 17 de 08.05.2002, 15 de 22.04.2003 e 23 de 22.06.2003), aplicando-se, assim, nas relações de trabalho dos filiados respectivos até 17.02.2009, altura em que caducou (artº 10, nº 2, alª a) da Lei 7/2009 de 12.02; cfr acórdão do STJ de 17.11.2016, procº 1032/15.0T8BRG.G1.S1, www.dgsi.pt).
Na cláusula 75ª, nº 2 dessa convenção, sob a epígrafe feriados, estabelecia-se: “além dos dias previstos no número anterior, serão igualmente considerados feriados obrigatórios, o feriado municipal da localidade e a terça-feira de Carnaval, os quais poderão, todavia, ser substituídos por qualquer outro dia em que acordem a entidade patronal e a comissão de trabalhadores ou, na sua falta, a comissão sindical ou intersindical, ou o sindicato respectivo, ou a entidade patronal e a maioria dos trabalhadores.”.
Através dos factos assentes resulta igualmente que a recorrente aplica a trabalhadores a CCT celebrada entre a associação patronal a que pertence e o K - Sindicato Nacional da Indústria e da Energia (BTE nºs 10, de 15.03.2010, 1 de 08.01.2013, 32 de 29.08.2014, e 21 de 08.06.2016 e que segundo o artº 1º da Portaria 334/2016 de 26.12: “1- As condições de trabalho constantes das alterações do contrato coletivo entre a Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal — W e o K — Sindicato Nacional da Indústria e da Energia, publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 21, de 8 de junho de 2016, são estendidas no território do continente às relações de trabalho entre empregadores filiados na associação de empregadores outorgante que exerçam a atividade no setor metalúrgico, metalomecânico, eletromecânico ou afins destes e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas na convenção, não representados pela associação sindical outorgante. 2 - Não são objecto de extensão as cláusulas contrárias a normas legais imperativas. 3 - A presente extensão não se aplica às relações de trabalho em que sejam parte trabalhadores filiados em sindicatos representados pela X - Federação Intersindical das Indústrias Metalúrgicas, Químicas, Eléctricas, Farmacêutica, Celulose, Papel, Gráfica, Imprensa, Energia e Minas.”.
A cláusula 79ª desta convenção, sob a epígrafe feriados determina: “para além dos previstos na lei, serão igualmente considerados feriados obrigatórios, o feriado municipal da localidade e a terça -feira de Carnaval, os quais poderão todavia ser substituídos por qualquer outro dia em que acordem a entidade empregadora e a maioria dos trabalhadores.”.
No referido acórdão de 17.11.2016, além do mais expendeu-se:
“O DL nº 874/76 de 28/12, procedendo à unificação da regulamentação respeitante a férias, feriados e faltas, veio consagrar a existência de feriados obrigatórios, cujo elenco constava do seu artigo 18º. Mas admitiu igualmente existência de feriados facultativos, de que fazem parte a terça-feira de carnaval e o feriado municipal (artigo 19º). E considerando que estão em causa interesses gerais da comunidade de salvaguarda da produção nacional, considerou nulas as cláusulas de contrato individual de contrato ou as disposições de instrumento de regulamentação colectiva que consagrem feriados em dias diferentes dos mencionados nos artigos 18º e 19º, conforme advinha do seu artigo 21º.
Este regime passou para o CT/2003, referindo-se o artigo 208º aos feriados obrigatórios e o artigo 209º aos feriados facultativos, nos mesmos termos da legislação anterior, considerando também nulas as cláusulas de contrato individual de contrato ou as disposições de instrumento de regulamentação colectiva que consagrem feriados diferentes dos indicados nos aludidos preceitos. Em sentido idêntico, o artigo 234º do CT/2009 elenca os feriados obrigatórios, admitindo o artigo 235º como feriados facultativos a terça-feira de carnaval e o feriado municipal da localidade, e considerando igualmente nulas as cláusulas de contrato individual de contrato ou as disposições de instrumento de regulamentação colectiva que consagrem feriados diferentes dos indicados nas supracitadas normas, conforme resulta do nº 2 do artigo 236º. Os feriados constituem dias em que a empresa deve normalmente suspender a sua laboração para proporcionar aos seus trabalhadores a celebração de datas festivas ou de eventos relevantes no plano político, histórico, religioso e cultural (Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 371, edição 17ª-2014), apenas não estando obrigadas a tal suspensão as actividades que sejam permitidas aos domingos (artigo 236º/1 do CT/2009). De qualquer maneira, os dias considerados feriado são retribuídos, e não podem ser compensados com a prestação de trabalho suplementar, conforme impõe o nº 1 do artigo 269º do CT. E nas empresas que estejam dispensadas de suspender o seu funcionamento nestes dias, o trabalhador tem direito a receber uma retribuição majorada, ou a descanso compensatório, nos termos do nº 2 do mesmo preceito. No caso presente está em causa saber se os trabalhadores da R conquistaram o direito a não trabalhar na terça-feira de carnaval, sem perda da respectiva retribuição.
Este direito era reconhecido aos trabalhadores da R filiados no sindicato, ora A, tal como advinha do nº 2 da cláusula 75ª do CCT celebrado entre a Q., Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e afins de Portugal, de que a R é associada, e a X, Federação Intersindical da Metalurgia, Metalomecânica, Minas, Química, Farmacêutica, Petróleo e Gás e outros, de que o A era uma associação sindical filiada.
No entanto, tendo aquele instrumento de regulamentação colectiva caducado em 17/2/2009, e não lhes sendo aplicável outra contratação colectiva, coloca-se a questão de saber se manterão tal direito, ponto que tem a ver com a relevância dos usos, como forma de regulação do contrato de trabalho. Efectivamente dispõe o artigo 3º/1 do CC que os usos que não forem contrários aos princípios da boa-fé são juridicamente atendíveis quando a lei o determine.
O Direito do Trabalho é um dos ramos do direito onde tem sido atribuído relevo aos usos como elemento normativo de integração do vínculo laboral, pois conforme resultava do nº 2 do artigo 12º da LCT, na regulamentação dos contratos de trabalho era de atender aos usos da profissão do trabalhador e das empresas desde que conformes com as normas legais ou convencionais aplicáveis e com o princípio da boa-fé. Esta doutrina também é de seguir terminada a vigência da LCT, pois foi consagrado no artigo 1º do CT/2003, norma que transitou para o artigo 1º do CT/2009, que o contrato de trabalho está sujeito, em especial, aos instrumentos de regulamentação colectiva assim como aos usos laborais que não contrariem o princípio da boa-fé.
De qualquer forma, e no que respeita à sua relação com a lei, os usos podem afastar normas legais supletivas, mas já não valerão se contrariarem norma imperativa, conforme decidiu o acórdão deste Supremo Tribunal de 5-7-2007, Recurso n.º 2576/06 - 4.ª Secção.
Quanto ao seu conceito, ensina Mota Pinto que se trata de práticas ou usos de facto que não constituindo verdadeiras normas jurídicas, nem se confundindo com o costume como fonte de direito consuetidinário, correspondem a práticas sociais reiteradas, não acompanhadas da convicção da sua obrigatoriedade.
Monteiro Fernandes assinala que não se trata aqui do “costume”, estando-se apenas perante "práticas usuais ou tradicionais" deste ou daquele sector do mundo laboral, que apesar de não revestirem as características de obrigatoriedade da norma jurídica, se apresentam como "mero elemento de integração das estipulações individuais (ou seja, destinado a preencher condições a que as partes não se referiram, de harmonia com aquilo que elas presumivelmente estariam dispostas a aceitar)” - Direito do Trabalho, 12º edição, págs. 113 e 114.
Para Romano Martinez os usos são, actualmente, verdadeira fonte de direito laboral, traduzindo-se em práticas sociais reiteradas a que não está associada a convicção de obrigatoriedade. (Direito do Trabalho, 5ª edição, Almedina, 197). Igualmente Maria do Rosário Palma Ramalho se pronuncia no sentido dos usos corresponderem a práticas sociais reiteradas não acompanhadas da convicção de obrigatoriedade, sendo reconduzidos à categoria de fonte meramente mediata de normas jurídicas por não terem relevância autónoma. Para Júlio Vieira Gomes, na noção de uso está ínsita ou implícita a ideia de uma reiteração ou repetição dum comportamento ao longo do tempo, ou melhor de um período de tempo relevante (Novos Estudos de Direito do trabalho, pgª 15). E continuando a seguir este autor, como é que uma prática reiterada, que começa num primeiro momento por ser livre e espontânea, por não corresponder a qualquer obrigação jurídica, passa, depois, a ser uma conduta devida, conteúdo de uma obrigação do empregador e de um correspondente direito do trabalhador?
Afastando a tese negocial que vê na conduta do empregador uma proposta negocial tacitamente aceite pelo trabalhador, e não aderindo à corrente doutrinária que vê nessa actuação do empregador uma promessa ao público, por não existir uma verdadeira declaração de vontade, sustenta este autor que a vinculação do empregador pelo uso da empresa resulta da sua autovinculação por força da boa-fé na execução do contrato, da tutela da confiança e da proibição do abuso do direito, vinculação que o empregador vai criando a si próprio por comportamentos que adopta perante um colectivo (obra citada, 22), assentando a tutela da confiança no trabalhador confiar, não que o empregador se quis vincular juridicamente para o futuro, mas sim na convicção que o empregador prosseguirá no futuro aquele uso (pgªs 34 e 35), sendo esta expectativa dos trabalhadores na continuidade da prática reiterada que é merecedora de tutela.
E nesta linha conclui que “é de certo modo pela exigência de boa-fé na execução do contrato, pela proibição do arbítrio e pela necessidade de tutela da pessoa que trabalha e que está sujeita ao poder de outrem na execução do seu trabalho, que a prática espontânea e reiterada do empregador desemboca, mesmo que este sem disso tenha consciência, em uma vinculação e uma fonte de obrigações para o próprio empregador”, conforme acentua aquele autor (38/39). Assim, a relevância atribuída pela lei laboral aos usos advém da circunstância de se valorar uma autovinculação do empregador, assumida através duma prática espontânea mas reiterada, que, por efeitos do princípio da confiança, gera no trabalhador a convicção de que o empregador a prosseguirá no futuro. E é a partir do momento em que tal prática se consolidou e passou a constituir um uso laboral relevante como fonte de direito do trabalho que o objecto deste uso passou a incorporar directa e imediatamente os contratos de trabalho dos trabalhadores ao serviço da empresa, conforme decidiu o já citado acórdão de 5/7/2007, proferido no Recurso n.º 2576/06 - 4.ª Secção (Mário Pereira). Quanto ao período de tempo necessário para tal consolidação, acrescenta Júlio Gomes que (pgª 16 do estudo acima identificado) que “os ordenamentos que dão relevância aos usos não estabelecem quanto tempo é que tem de decorrer para que nasça um uso – essa é uma questão que cabe aos Tribunais decidir…”. Aqui chegados, temos de reverter ao caso presente para determinarmos se é possível concluir da prática da empresa o nascimento de um uso que legitime a pretensão do Autor.”.
Ora, perante toda esta exposição não se vislumbra como se pode deixar de concordar com o decidido na sentença:
“Diz o artº. 1º do actual C. Trabalho (aliás nos mesmos exactos termos do anterior código): “O contrato de trabalho está sujeito, em especial, aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, assim como aos usos laborais que não contrariem o princípio da boa fé.” Estabelece-se, desta forma, que o uso constitui uma fonte interna do direito do trabalho, isto é, um dos elementos potencialmente reguladores das relações jurídicas laborais. Não se define, é certo, o que se deve entender por usos laborais, mas a doutrina tem procurado clarificar este conceito. Sem necessidade aqui de uma exaustiva enunciação doutrinária, dir-se-á tão só que os usos laborais, para serem atendíveis, não poderão contrariar norma legal imperativa ou disposição de instrumento de regulamentação colectiva aplicável - e nisto se traduz a sua natureza mediata como fonte de direito de trabalho.
Por outro lado, não podem contrariar o princípio da boa fé, ou seja, não podem violar todo um conjunto de elementos que normalmente integram um estado de direito axiologicamente configurado, o que deverá ser apreciado em cada caso concreto. Ou, como diz Menezes Cordeiro (Direito do Trabalho, pag. 23), “(…) a boa-fé traduz na actualidade, os valores fundamentais da ordem jurídica que para ela remeta. Entre esses valores avultam a tutela da confiança legítima e o primado da materialidade subjacente: o primeiro diz que deve ser respeitada a posição da pessoa que legitimamente tenha acreditado num certo estado de coisas e que, com base nessa crença – imputável ao responsabilizado – tenha desenvolvido toda uma actividade que não possa, sem injustiça, ser dissolvida; o segundo recorda que o Direito procura soluções efectivas e não puros formalismos.”
Existe um acórdão do STJ (Revista n.º 3523/92 de 30/9/2004) que define com clareza os elementos que o uso em direito de trabalho comporta:
- um elemento objectivo - um hábito seguido e praticado de longa data no meio em que se integra (profissão, região, empresas); - um elemento subjectivo – prática constante no âmbito da empresa, que se considera tacitamente integrada no contrato de trabalho, obrigando a entidade patronal ou o trabalhador, como é o caso de gratificações, de vantagens especiais para certas categorias ou de uma interpretação benevolente da lei ou instrumento de regulamentação colectiva. Assim, uma determinada actuação da empresa, confirmada pela prática constante, por forma a provocar uma “opinio necessitatis”, leva, pelo curso do tempo e pela sua reiteração, à formação de um uso, o qual se impõe às relações laborais dentro dessa empresa. Na realidade, com o conteúdo que resultar dessa prática, o uso deve ter-se como elemento integrador dos contratos de trabalho assim constituídos. Isto claro, como vimos e por se tratar de uma fonte mediata, desde que não se mostrem violadores de qualquer norma legal imperativa, do contrato individual de trabalho ou de convenção colectiva de trabalho, nem contrário ao princípio da boa fé. Realce-se este ponto: os usos não são apenas fonte subsidiária ou supletiva de direito do trabalho, ou seja, apenas para os casos em que a lei seja omissa ou pouco clara. Pelo contrário, os usos podem estabelecer um regime diferente daquele a lei geral laboral prescreve, desde que, repete-se, não seja em matéria imperativa. Quando se constitui, por força de um uso, direito a favor dos trabalhadores da empresa, só com a anuência destes o mesmo pode de alguma forma ser alterado – ou, então, mediante prévia acção judicial na falta dessa anuência e mediante a invocação de alteração das circunstâncias que levaram à atribuição de um tal direito. É o que resulta, desde logo, do disposto no n.º 1 do art. 406.º e do art. 437º e seguintes do Código Civil, bem como do estrito respeito pelos princípios da boa fé.
Pois bem, o que resulta de tudo quando vimos dizendo para o caso em análise? Até ao ano de 2016, inclusive, a R. sempre permitiu a todos os seus trabalhadores, independentemente da sua filiação sindical, o gozo da Terça-feira de Carnaval, dispensando-os de trabalhar nesse dia, sem que fossem prejudicados na sua retribuição. Sendo certo que esta prática ocorreu, pelo menos, desde 1997. Tendo em atenção o que fica dito, parece-nos evidente que esta prática da R. reúne todos requisitos para ser considerado um uso nos termos supra expostos e com as consequências que já se referiram: o de não poder ser alterado unilateralmente. Na realidade, uma tal prática não viola nenhuma disposição legal imperativa (o artº. 468, nº. 8, do actual C. Trabalho, bem como o artº. 403 do anterior Regulamento não têm essa natureza) e não viola o principio da boa fé.
Como se lê no Ac. do STJ de 17/11/2016, o qual confirma Acórdão da Relação de Guimarães (in www.dgsi.pt), e que aprecia a mesma exacta situação:
“Conforme resulta da matéria de facto apurada pelas instâncias, desde 1994 e até ao ano de 2013 (inclusive), a ré sempre concedeu o gozo da terça- feira de Carnaval a todos os seus trabalhadores, independentemente da sua sindicalização, permitindo-lhes assim não terem que trabalhar nestes dias, sem que fossem prejudicados na retribuição. É certo que o nº 2 da cláusula 75ª da convenção colectiva de trabalho celebrada entre a Q., Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e afins de Portugal, de que a R é associada, e a X, Federação Intersindical da Metalurgia, Metalomecânica, Minas, Química, Farmacêutica, Petróleo e Gás e outros, de que o A era uma associação sindical filiada, publicada no dia 22 de Março de 2002, e que vigorou entre 2002 e 17/2/2009, consagrava este direito para os trabalhadores por ela abrangidos.
No entanto, tendo aquele instrumento de regulamentação colectiva caducado nesta data (17/2/2009), constatamos que a prática da ré de conceder aos seus trabalhadores o gozo da terça-feira de Carnaval vigorou muito além do mero cumprimento da convenção colectiva de trabalho supramencionada. Efectivamente, tal gozo foi concedido pela ré durante toda a antiguidade de cada um dos seus trabalhadores, sindicalizados ou não no sindicato autor, e abrangendo quer os que foram admitidos directamente ao seu serviço, quer os que transitaram das anteriores sociedades comerciais, detendo alguns deles uma antiguidade superior a trinta anos. Assim sendo, temos de concluir que o direito ao gozo da terça-feira de Carnaval e que a R retirou aos seus trabalhadores a partir de 2014 não teve fundamento legal, conforme concluiu a Relação.
Na verdade, tratando-se duma prática que vigorou desde 1994 e até 2013, temos de concluir que estamos perante uma prática espontânea da empresa, pois a regulamentação colectiva de trabalho que vigorou no período de 2002 a 2009 abrangeu apenas os trabalhadores filiados no sindicato outorgante.
Por outro lado, tratou-se duma prática constante, uniforme e pacífica, sendo por isso merecedora da tutela da confiança dos trabalhadores na sua continuidade, pois face aos anos em que a mesma vigorou, criou nestes a convicção de que o empregador a prosseguiria no futuro. Quebrando-a unilateralmente, foi abalada esta confiança na sua continuidade, pois tratando-se duma prática reiterada, assumiu por isso a natureza dum “uso” relevante à luz dos artigos 12º, nº 1 da LCT, e dos artigos 1º do CT/2003 e do CT/2009, pois abarcou o período de vigência de todas estas normas. Consideramos por isso ilegítimo que a R tenha retirado, unilateralmente, o gozo da terça-feira de carnaval, a partir de 2014, tal como fez, pois esta prática tornou-se vinculativa.” Concorda-se na íntegra com os argumentos constantes deste douto acórdão. Na realidade, tendo deixado de existir desde 2010 qualquer imposição legal que impusesse à R. a concessão do gozo da 3ª feira de Carnaval, nomeadamente ao seus funcionários filiados nos sindicatos representados pela X, a manutenção daquela actuação por mais seis anos determinou a constituição de um uso laboral nos termos supra referidos. Conclui-se, assim, que, ao deixar de conceder o gozo daquele dia, a R. violou um uso que havia criado na empresa, o que se traduz num comportamento ilícito, por não ter o acordo do trabalhador ou não ter recorrido a prévia acção judicial invocando a alteração das circunstâncias que levaram à atribuição desse direito. O que determina a total procedência das pretensões dos AA., sem necessidade de apreciação da segunda questão suscitada.”.
No caso vertente, de qualquer modo, não se constando circunstâncias impeditivas nesta matéria cujo ónus de alegação e prova sempre seria da recorrente (artº 342º, nº 2 do CC) visto a antiguidade de alguns trabalhadores a prática da concessão de gozo do dia de Carnaval enquanto permanente, uniforme e pacífica, inclusivamente com encerramento no dia anterior ampliando os direitos ou expectativas dos trabalhadores, retrotrai necessariamente a pelo menos 35 anos.
Daí que com maior acuidade esta jurisprudência do STJ é-nos imposta, o que por outra banda é congruente com o aresto do mesmo tribunal de 09.03.2017 (procº 401/15.0T8BRG.G1.S1,www.dgsi.pt):
“A secção social do Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se, recentemente, no Acórdão de 17/11/2016, sobre a questão de saber se a concessão por uma empresa do gozo da terça-feira de Carnaval poderia ou não integrar um uso.
Nesse aresto referiu-se o seguinte: (…) O caso que estamos a apreciar apresenta algumas particularidades em relação ao caso tratado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça citado, pois segundo a recorrente de 1990 até 2009 todos os seus trabalhadores estavam abrangidos por Convenções Coletivas de Trabalho que previam o dia de Carnaval como feriado obrigatório ou facultativo, mesmo os não sindicalizados por força das respetivas portarias de extensão. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/11/2016 a questão não foi assim enquadrada, tendo a decisão repousado no fundamento de que o gozo do dia de Carnaval foi concedido pela empregadora desde 1994 a 2013 a todos seus trabalhadores, sindicalizados ou não no sindicato autor, ainda antes do começo da vigência da Convenção Coletiva de Trabalho, em 2002, tendo-se prolongado até 2013, ou seja, para além da data em que esta caducou, em 17/2/2009.
(…) Concluindo, o gozo do feriado de Carnaval pelos trabalhadores associados no Autor foi concedido desde a constituição da R., em 1990, até 2009, ao abrigo do respetivo Contrato Coletivo de Trabalho/77. Importa agora determinar se a concessão pela R. do gozo da terça-feira de Carnaval para além da data em que cessou o Contrato Coletivo de Trabalho, em 2009, até 2013, é suscetível de configurar um uso da empresa que deva ser respeitado para o futuro. Estamos perante um lapso de tempo de quatro anos na vida de uma empresa que foi constituída, como já se disse, em 1990, em que alguns dos seus trabalhadores têm uma antiguidade superior a 30 anos, por terem mantido a antiguidade que já detinham nas empresas do grupo de onde foram transferidos para a Ré. A argumentação da R. de que após a publicação do aviso de caducidade do Contrato Coletivo de Trabalho /77 passou a aplicar aos seus trabalhadores filiados no A. o regime previsto no Contrato Coletivo de Trabalho/FETESE, por estar convencida de que teria de o fazer, poderia configurar uma situação de erro, consubstanciada numa interpretação errónea da convenção coletiva, que a ser atendida, como relevante, excluiria a existência do uso. Só que no presente caso não está provado que a R. depois de ter cessado o Contrato Coletivo de Trabalho/77, em 2009, tenha aplicado aos seus trabalhadores associados do A. o Contrato Coletivo de Trabalho/FETESE. O Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 05/07/2007, já se pronunciou no sentido de que a repetição de uma conduta durante anos, ainda que tendo na sua base um erro da entidade patronal, é suscetível de constituir um uso, não dando assim relevância ao erro.
(…) Mesmo para a tese defendida por alguma doutrina, de que se salienta Giulio Quadri, citado pelo Professor Júlio Manuel Vieira Gomes, que sustenta que o lapso de tempo necessário para a gestação de um uso poderia ser mais reduzido em Direito do Trabalho, porquanto os comportamentos dos sujeitos evoluem e consolidam-se mais rapidamente “na intempérie das relações de trabalho subordinado”, o período de quatro anos seria insuficiente para consolidar como uso, um comportamento do empregador caracterizado por uma frequência reiterada anualmente. É de todo pertinente a observação do Mestre José Andrade Mesquita de que o lapso de tempo necessário para que se constitua um uso pode até depender da frequência da reiteração, sendo necessário mais tempo para que se constitua o uso da empresa de uma gratificação anual, do que para o uso que consiste no tratamento diário de uma pausa como tempo de trabalho. Assim, para que determinada prática, a nível de gestão empresarial, possa constituir um uso de empresa é necessário que a mesma se encontre sedimentada durante um considerável lapso de tempo, de forma a permitir que se possa concluir pela existência de uma regra que leve os trabalhadores a adquirir legitimamente a convicção de que, no futuro e definitivamente, a mesma será aplicada. O lapso de tempo necessário a atender para que se considere constituído um uso de empresa depende da frequência da reiteração do comportamento do empregador, devendo ser apreciado em cada caso concreto. Quanto à necessidade de apreciação em cada caso concreto, o Professor Júlio Manuel Vieira Gomes, refere que este é um dos raros aspetos em que existe consenso entre os autores, citando Ernst Heissmann quando este refere que “saber com que regularidade e durante quanto tempo é que é necessária que a conduta se repita é questão a que não se pode responder em abstrato, tudo dependendo do caso concreto”. O comportamento do empregador que se repete anualmente, traduzindo-se na concessão do gozo do dia de Carnaval, para se constituir um uso de empresa necessita de uma considerável sedimentação no tempo, de forma que se possa deduzir que esse comportamento se transformou em regra. Para alguns autores, como o caso de Seiter, citado pelo Professor Júlio Manuel Vieira Gomes, é a repetição ou reiteração de comportamentos uniformes ou regulares que permite inferir a existência dessa regra. Voltando ao caso concreto, quatro anos é tempo insuficiente para se concluir no sentido da existência de uma regra subjacente ao comportamento do empregador que durante esse lapso de tempo, anualmente, concedeu o gozo da terça-feira de Carnaval aos seus trabalhadores, pelo que não se pode considerar constituído um uso de empresa.”
Pelo sobredito não é correcto afirmar como fez a recorrente que “assegurava o gozo de tal direito, porque o mesmo resultava de norma jurídica que o reconhecia (fonte imediata), e não por qualquer outra causa ou predisposição subjectiva, mormente qualquer prática espontânea” ou “a concessão pela Apelante do direito ao gozo da terça-feira de carnaval, não resulta senão da aplicação da lei e do CCT aplicável (fonte imediata do direito), ao longo do tempo, na plena convicção do empregador de que tal regime jurídico aplicável foi aceite pelos trabalhadores”, ou ainda “a CCT aplicável – cfr- BTE nº 10 de 15/03/2010 aprovado, na sequência da denuncia da CCT que cessou a sua vigência em 17 de Fevereiro de 2009 nos termos dos nº 1 e 2 do artigo 10.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, conforme Aviso sobre a data da cessação da vigência, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, nº 14, de 15/4/2009, veio a considerar como feriado obrigatório a terça feira de carnaval, razão pela qual a ré continuou a conceder aos seus trabalhadores o gozo desse feriado”.
E caso a recorrente estivesse em erro, o que não se apurou, ele é irrelevante conforme jurisprudência que se acabou citar.
Tão pouco releva o episódio que envolveu a reclassificação com a entrega em 14.12 carta ao 2ª A pela qual se retiram efeitos do assentimento ou do silêncio do trabalhador à aplicação nesse âmbito da CCT publicada em 15.03.2010 e se refere que no caso de se optar “por manter a categoria anterior, ser-lhes-á aplicado o BTE nº 11/2002, em todas as matérias laborais” ao que o 2º A pronunciou-se pela não aplicação da primeira CCT.
Para além de não fazer sentido apelar-se à aplicação de uma convenção extinta pela caducidade, ser contraditório afirma-se de seguida que “relativamente aos trabalhadores filiados no sindicato Apelado, e concretamente ao 2º Apelado por recusa na aplicabilidade do regime da convenção nos termos da portaria de extensão, tal dia não constituía feriado e como tal não foi concedido pela ré o seu gozo, aliás como constava do mapa de férias e feriados afixado na empresa”, e de ser ambígua a conclusão a cominar-se a oposição dos trabalhadores, atento ao predito sem dúvida que a pronúncia singular do trabalhador neste contexto não pode revestir forma válida e eficaz de alterar o uso que estava estabelecido.
Com efeito, repete-se, na sentença mencionou-se: “ Quando se constitui, por força de um uso, direito a favor dos trabalhadores da empresa, só com a anuência destes o mesmo pode de alguma forma ser alterado - ou, então, mediante prévia acção judicial na falta dessa anuência e mediante a invocação de alteração das circunstâncias que levaram à atribuição de um tal direito. É o que resulta, desde logo, do disposto no n.º 1 do art. 406.º e do art. 437º e seguintes do Código Civil, bem como do estrito respeito pelos princípios da boa fé.”.
Por todo o exposto o recurso será julgado improcedente sendo confirmada a sentença.
Sumário, da única responsabilidade do relator
1-No julgamento da matéria de facto os poderes da 2ª instância estão delimitados pelo nº 1 do artº 662º do CPC (artº 640º, nº 1, alª b) do CPC), pelo que a decisão sobre a matéria de facto só deve ser alterada se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. 2- Daí que devem ser especificados não meios de prova que admitam, permitam ou consintam decisão diversa da recorrida mas antes que imponham decisão diversa da impugnada. 3- A concessão do gozo da terça-feira de Carnaval sem perda de retribuição de forma ininterrupta durante pelo menos 35 anos a todos os trabalhadores independentemente de estarem ou não filiados em sindicato ou de estarem abrangidos por CCT ou de IRC não negocial constituiu prática integrante de um uso laboral que não pode ser retirada de forma unilateral.
Decisão
Acordam os Juízes nesta Relação em julgar improcedente o recurso confirmando a sentença.
Custas pela recorrente.
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O acórdão compõe-se de 29 folhas, com os versos não impressos.