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ACÇÃO EXECUTIVA
EMBARGOS DE EXECUTADO
TÍTULO EXECUTIVO
LETRAS DE CÂMBIO PRESCRITAS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO DA RELAÇÃO SUBJACENTE
ÓNUS DA PROVA
Sumário
Sumário (elaborado pela relatora):
1. As nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, taxativamente consagrados no nº1, do art. 615º, do CPC, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito;
2. Não cumpre os ónus da impugnação da decisão da matéria de facto, a que alude o nº1, do art. 640º, do CPC, a recorrente que não faz concreta e especificada (ponto por ponto) análise crítica das provas;
3. Extinta a obrigação cartular incorporada em título de crédito, o mesmo mantem a sua natureza de título executivo, desde que os factos constitutivos essenciais da relação causal subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo (cfr. al. c), do nº1, do art. 703º, do CPC);
4. A atribuição de força executiva aos títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos da obrigação, justifica-se por razões segurança do tráfego jurídico e de se favorecer a sua utilização como meios de pagamento nas transações comerciais;
5. Apesar de os títulos de crédito prescritos ou que não preencham os requisitos legais não gozarem da característica da abstração, podem ser usados como quirógrafos da relação causal subjacente à sua emissão e beneficiar da presunção de causa consagrada no nº1, do art. 458º, do Código Civil, quando, não indicando a causa, traduzam atos de reconhecimento de um débito ou de promessa unilateral de prestação;
6. A emissão de uma letra, livrança ou, mesmo, de um cheque constitui o reconhecimento de uma obrigação pecuniária;
7. O exequente que propõe ação executiva fundada em quirógrafo da obrigação causal subjacente à emissão de um título de crédito tem o ónus de alegar no requerimento executivo, em obediência ao estatuído na al. c), do nº1, do art. 703º, do CPC, os factos, essenciais, constitutivos da relação causal subjacente à emissão do título, sem valor como título de crédito nos termos da respetiva Lei Uniforme, quando dele não constem, de modo a possibilitar, em termos proporcionais, ao executado, o cumprimento do acrescido ónus probatório que sobre ele recai, como consequência da dispensa de prova concedida ao credor pelo art. 458º, do Código Civil, que consagra uma inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental (exceção ao regime geral de distribuição do ónus da prova consagrado no nº1, do art. 342º, deste diploma), passando o devedor a ter de provar a falta da causa da obrigação inscrita no título ou alegada no requerimento inicial para ver os embargos proceder e a execução extinta.
Texto Integral
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
Imobiliária X, Lda., com sede no Lugar …, Vieira do Minho, intentou contra Pichelaria F., Lda., com sede na Rua …, Guimarães, a presente oposição à execução mediante embargos de executado, peticionando que se declare procedente a exceção de prescrição, que os embargos sejam julgados procedentes, com todas as consequências legais, e se condene a embargada como litigante de má fé, em multa e indemnização à embargante, no valor de € 1.500,00.
Para tanto, alegou, em síntese, que se encontram prescritas as letras de câmbio dadas à execução, não tendo a embargada alegado os factos constitutivos da relação subjacente, sendo insuficiente a alegação de que forneceu serviços, vendeu mercadorias e bens, e que procedeu ao pagamento das letras através de dois cheques, no valor de € 4000,00 e € 2500,00, nada devendo à executada.
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A embargada apresentou contestação, invocando que não se verifica a prescrição dos títulos dados à execução, encontrando-se a relação jurídica subjacente à emissão das letras suficientemente alegada no requerimento executivo, sendo certo que a executada não impugnou a factualidade alegada pela exequente.
Mais alega que os pagamentos invocados pela executada não liquidaram as letras dadas à execução, mas a letra de câmbio correspondente ao saque nº 11/44, no valor de € 6500,00, por indicação do legal representante da embargante.
Por fim, peticiona a condenação da embargante como litigante de má fé.
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Foi realizada audiência prévia, tendo sido, posteriormente, proferido despacho saneador, onde se julgou a instância válida e regular, fixando-se o objeto do litígio e os temas da prova (fls. 49/51).
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Procedeu-se a audiência de julgamento com observância das formalidades legais.
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Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:
“Pelo exposto, julgo totalmente improcedente a presente oposição à execução mediante embargos de executado e, em consequência, determino o prosseguimento da instância da acção executiva apensa. Custas pela executada/embargante”.
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A embargante apresentou recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a sentença, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
A) A recorrente não pode concordar com a douta sentença proferida nos autos em epígrafe referenciados, porquanto, salvo o devido respeito, considera que houve errónea apreciação da matéria de facto, prejudicando a sua justiça, sendo simples e evidentes as razões de tal discordância, tendo a Meritíssima Juíz “A quo” valorado erradamente a prova produzida e constante dos autos. B) Porquanto, da prova documental e testemunhal produzida em audiência de julgamento, resultou provada toda a matéria de facto invocada pela recorrente. C) Entende, também, a recorrente, salvo o devido respeito por opinião contrária, que sempre existirá erro entre a fundamentação e a decisão quando os fundamentos invocados pela Juiza conduziriam não ao resultado expresso na decisão mas a um resultado oposto, que, é o caso dos autos. D) Veio a recorrente / embargante deduzir embargos à execução instaurada por Pichelaria F., Lda, onde concluiu pedindo:
“Os embargantes peticionam que se declare procedente a excepção de prescrição, que os embargos sejam julgados procedentes, com todas as consequências legais e condene a embargada como litigante de má fé, em multa e indemnização à embargante, no valor de €1.500,00. Para tanto, alegou, em síntese, que se encontram prescritas as letras de câmbio dadas à execução, não tendo a embargada alegado os factos constitutivos da relação subjacente, sendo insuficiente a alegação de que forneceu serviços, vendeu mercadorias e bens. Mais alega que procedeu ao pagamento das letras através de dois cheques, no valor de €4000,00 e €2500,00, nada devendo à executada. Por fim, requereu a condenação da exequente como litigante de má fé em multa e indemnização a seu favor, no montante de €1500,00. E) A embargada apresentou contestação, invocando que não se verifica a prescrição dos títulos dados à execução, encontrando-se a relação jurídica subjacente à emissão das letras suficientemente alegada no requerimento executivo, sendo certo que a executada não impugnou a factualidade alegada pela exequente no título executivo. Mais alega que os pagamentos alegados pela executada não liquidaram as letras dadas à execução, mas a letra de câmbio correspondente ao saque nº 11/44, no valor de €6500,00, por indicação do legal representante da embargante. F) O Tribunal a quo deu como provada a factualidade que a seguir queda extractada. 7º- Nessa sequência, a Executada aceitou a letra de câmbio emitida em 28/03/2011, com vencimento em 25/06/2011, no montante de €2.500,00, a qual se destinava a reformar uma letra de câmbio identificada com o nº 500792887103619690, emitida em 04/01/2011, com vencimento em 25/03/2011, no valor de €4.000,00. 8º- Por outra via, a Executada aceitou, ainda, a letra de câmbio emitida em 02/04/2011, com vencimento em 02/07/2011, no montante de €4.000,00, a qual se destinava a reformar uma letra de câmbio identificada com o nº 500792887103619674, emitida em 04/01/2011, com vencimento em 02/04/2011, no valor de €5.500,00. 9º- Sucede que, as letras de câmbio foram apresentadas a pagamento na data do seu vencimento e a Executada não procedeu ao seu pagamento total nem parcial, nem tão pouco, sequer, à sua reforma (…)”, conforme requerimento executivo junto a fls. 2 e seguintes dos autos de execução apensos, cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 10º- A Executada aceitou a letra de câmbio em 1º a), a qual se destinava a reformar uma letra de câmbio identificada com o nº 500792887103619690, e aceitou, ainda, a letra de câmbio identificada em 1º b), a qual se destinava a reformar uma letra de câmbio identificada com o nº 500792887103619674. G) As letras dadas à execução tiveram o seu vencimento em 25/06/2011 e 25/03/2011. H) A execução deu entrada em Juízo em 19.09.2016, conforme certificação digital do requerimento executivo constante de fls. 8 dos autos principais, decorridos, assim cerca de CINCO ANOS. I) Resulta que a ação cambiária se encontra prescrita. J) No requerimento executivo a exequente alegou, exclusivamente, que prestou serviços incluídos no seu ramo de actividade e o forneceu os bens necessários à execução dos trabalhos junto de obras de construção da Executada, mormente, as relativas à edificação de um empreendimento imobiliário na Rua …, Guimarães. K) Entendeu o Tribunal a quo que “as letras foram dadas à execução como mero quirógrafo, passando a valer neste caso o prazo de prescrição ordinário de 20 anos. L) Entende a recorrente que a exequente não alegou suficientemente no requerimento executivo todos os elementos individualizadores da relação fundamental, não suprindo tal alegação a mera referência a que supra se alude, não tendo especificado os “serviços” prestados e os “bens” fornecidos, não podendo ser consideradas as letras, meros quirógrafos, nos termos do art. 703º do NCPC. M) Assim, a defesa do embargante resultou prejudicada. N) Para que exista causa de pedir, exige-se a indicação dos respetivos factos constitutivos, porque sem estes a obrigação exequenda não fica individualizada. O) Tendo a execução sido instaurada mais de três anos após o vencimento não se suscita dúvida ou controvérsia quanto à questão da prescrição do direito de ação cambiária. P) Os títulos de crédito que perderam a sua natureza cambiária só podem valer como títulos executivos, desde que não resultem de negócio formal e na petição executiva seja invocada a causa da obrigação. Q) Para tanto é ónus da embargada alegar, no requerimento executivo, ainda que sucintamente, factos que permitam caracterizar e individualizar o negócio causal, sob pena de ineptidão do requerimento executivo. R) A alegação feita pela embargada foi meramente genérica e inconclusiva. S) Não alegou a embargada no requerimento executivo, todos os elementos individualizadores do contrato, ou seja, a relação fundamental subjacente à emissão do título. T) A defesa da embargante resultou prejudicada, tendo tido só a possibilidade de impugnar também genericamente o fornecimento de “bens” e prestação de “serviços”. U) Ora, não considera a recorrente suficiente “o teor do requerimento executivo”, sendo certo que os documentos valorados pelo Tribunal a quo, as letras de câmbio, não são suficientes para valorar também a relação subjacente. V) Na fundamentação da sentença recorrida refere que relativamente à relação subjacente, o tribunal valorou o teor dos documentos juntos a fls. 5 e 6 do requerimento executivo, ou seja, a cópia das letras de câmbio o nº 500792887103619690, e nº 500792887103619674 aceites pela executada. W) Entende a recorrente que a exequente não alegou suficientemente no requerimento executivo todos os elementos individualizadores da relação fundamental, não suprindo tal alegação a mera referência a que prestou serviços incluídos no seu ramo de actividade e forneceu os bens necessários à execução dos trabalhos junto de obras de construção da Executada, mormente, as relativas à edificação de um empreendimento imobiliário na Rua …, Guimarães. X) Na motivação, o Tribunal a quo formou a sua convicção no seguinte:
a) No que diz respeito ao pagamento da quantia titulada pelas letras, a resposta negativa relativas a tal factualidade deveu-se à ausência de PROVA SEGURA sobre o mesmo. Y) Mas vejamos a prova produzida pela recorrente e transcrita na fundamentação da sentença recorrida. b) Com efeito, o legal representante da executada, António, prestou declarações da parte, tendo afirmado que as letras dadas à execução eram letras de garantia, sendo que já tinha emitido dois cheques, que o exequente afirmou não conseguir descontar, aceitou as letras e, posteriormente, os cheques foram pagos, tendo a exequente continuado na posse das letras, apesar de tais montantes se encontrarem pagos. c) Ora, estas declarações pareceram ao tribunal manifestamente interessadas no desfecho da causa, não merecendo, assim, grande relevância. Z) d) Foi inquirido José, filho da testemunha anteriormente mencionada, que é sócio da executada e desempenha funções na referida sociedade, assegurando que os cheques mencionados na oposição à execução eram “pré datados” e foram pagos na data de vencimento, não foram aceites como garantia pelo Banco e o pai aceitou a letra cuja cópia se encontra a fls. 22v como garantia de que os cheques seriam pagos. e) Mais atestou que este foi o único caso em que aceitaram uma letra como garantia (e que o Banco não aceitou os cheques como garantia), sempre existiram muitas letras aceites pela executada, assegurando ainda que só após terem reclamado defeitos perante a exequente é que a mesma “se lembrou das letras”. f) Estas “questões eram tratadas entre o pai e o Sr. F.” (o legal representante da exequente) e que a letra retratada a fls. 22 v se fosse “para pagar facturas estava preenchida”, mas “eram dezenas de letras, não podendo dizer que todas foram preenchidas”. AA) g) A testemunha Fernando, contabilista da executada há mais de 20 anos, assegurou que existiam muitas letras em giro, quase todos “os pagamentos eram feitos com letras”, mas a empresa tinha o hábito de amortizar os pagamentos com cheques. h) Assegurou ainda que o legal representante da executada lhe disse que tinha liquidado “todas as letras” e que nalguns casos “chegou a trocar uma letra por letra ou uma letra por duas”, corrigindo o seu depoimento para “cheques”. AB) Na Motivação o Tribunal a quo refere, ainda, que na base da sua convicção “reconduziu-se na essência à apreciação da prova documental realizada nos autos, e que em nada foi infirmada pela prova testemunhal ouvida em sede de audiência de julgamento. AC) Socorreu-se e estribou-se o Tribunal a quo, unicamente nos documentos, letras de câmbio, e na prova testemunhal apresentada pela embargada. AD) Ora, da análise da prova transcrita na douta sentença, entende, também, a recorrente que a prova efetuada sobre a factualidade alegada sobre o pagamento das letras referidas em 1º a) e b) dos Factos Provados, através de dois cheques, no valor de €4.000,00 e €2.500,00, foi SEGURA, como resulta do depoimento de parte do legal representante da executada, António. AE) Parece à recorrente RELEVANTE tal depoimento, assim como de todos os depoimentos prestados pelas testemunhas supra transcritos. AF) Ora, na sentença existe, uma manifesta contradição entre os factos dados como provados em 7º, 8º, 9º e 10º e a decisão, assim como faz uma errada apreciação da prova produzida. AG) Na contestação aos embargos deduzidos, veio a embargada alegar: “Ocorre que, na verdade, os cheques mencionados nos Embargos de Executado destinaram-se a liquidar a letra de câmbio identificada com o nº 500792887105748048, emitida em 14/12/2011, com vencimento em 15/03/2012, no valor de €6.500,00, correspondente ao saque nº 11/44, aceite pela Embargante, e cuja fotocópia adiante se junta como documento nº 1 cujo conteúdo aqui se considera, também, integralmente reproduzido.” Letra de câmbio, esta, que se destinou a liquidar os documentos constantes da nota contabilística de Recebimento por Letra nº 18/2011 que adiante se junta como documento nº 2 e cujo conteúdo aqui se considera integralmente reproduzido.” AH) Vejamos: Relativamente à letra de €6.500,00, trata-se de uma letra “quase em branco, não preenchida, só contendo a data de emissão, data de vencimento, o número do saque e o valor de €6.500,00, mas relativamente à qual nenhuma referência é feita na sentença recorrida. AI) Sendo evidente, que a PROVA produzida pela embargada, que os cheques alegados pela recorrente se destinaram ao pagamento dessa letra, não foi apreciada pelo Tribunal a quo. AJ) Na prova produzida pela embargada, a testemunha Joaquim, contabilista, assegurou que na contabilidade permanecem em dívida o valor das letras dadas à execução, QUE SE DESTINAVAM A REFORMAR OUTRAS LETRAS. Mas não refere que letras, e de que modo foram reformadas. AK) Assegurou ainda que os cheques identificados na oposição se destinavam a liquidar uma letra aceite em Novembro/Dezembro de 2011 (mediante o que lhe foi transmitido pela colega A. F.), a letra constante em 22v foi endossada a um fornecedor, foi devolvida da conta do fornecedor, e a exequente teve de pagar ao fornecedor. AL) Por fim, foi inquirida A. F., funcionária da exequente, que corroborou o depoimento prestado pela testemunha anteriormente referida, assegurando que as letras dada à execução foram entregues para reformar letras anteriores, que se destinavam a liquidar transacções comerciais. Mas não especificou como foram feitas tais reformas. Esclareceu ainda que os cheques cujas cópias se encontram juntas a fls. 6 e 7 se destinavam a pagar a letra de €6.500,00 (fls. 22 v – que foi endossada à Inox T., que acabou de a preencher e não foi paga), cheques esses que lhe foram entregues pessoalmente pelo legal representante da executada para pagamento da referida letra. AM) Além do mais, dos depoimentos transcritos das testemunhas da recorrente resulta que tal letra de €6.500,00 foi entregue “PARA GARANTIA” e não para pagamento. AN) O Tribunal a quo não valorou a prova produzida pela recorrente, que os cheques foram destinados ao pagamento das letras dadas à execução. AO) A motivação e fundamentação da sentença recorrida nada refere relativamente a essa letra. Então não valorou o depoimento destas testemunhas, apesar de referir que o seu depoimento foi prestado de um modo seguro, sereno e, por isso, credível. AP) Mas não dá como provado que os cheques destinaram-se ao pagamento da letra de €6.500,00. AQ) Ora, do conjunto da prova produzida, em especial dos documentos juntos aos autos já mencionados e do teor do depoimento das testemunhas supra referidas, não resultou demonstrado que a executada pagou o valor das letras de câmbio dadas à execução, mas também não resultou demonstrado de que forma foram reformadas as letras dadas à execução, não podendo dar como provados os factos referidos em 7º e 8º. AR) Tendo a recorrente feito prova que esta letra era de GARANTIA, vendo-se que não se encontra preenchida na sua totalidade, encontrando-se EM BRANCO, não preenchida, só contendo a data de emissão, data de vencimento, o número do saque e o valor de €6.500,00, mas relativamente à qual nenhuma referência é feita na sentença recorrida. AS) Não refere, ainda a douta sentença como foram reformadas as letras dadas à execução, nem tal matéria foi provada. AT) Os factos dados como provados em 7º, 8º, 9º e 10º, deveriam ter sido dados como NÃO PROVADOS. AU) Tais factos não foram sustentados em nenhuma prova, quer documental, quer testemunhal. AV) Aliás, também nenhuma prova foi produzida quanto à forma como ocorreu essa reforma. A recorrente pagou €1.500,00? Para reformar a letra de €4.000,00? A recorrente pagou €1.500,00? Para reformar a letra de €5.500,00? AW) Do depoimento das testemunhas da recorrente resulta que as mesmas referem factos diferentes aos factos dados como provados 7º, 8º, 9º e 10º. AX) Ora, perante tal fundamentação, sempre salvo o devido respeito, não se concebe como se pode dar como provado os pontos 6º, 7º, 8º, 9º e 10º dos factos dados como provados, quando se extrai do conjunto da prova, claramente o inverso, que as letras dadas à execução foram pagas pelos cheques juntos com a petição inicial de embargos, e não para pagamento da letra de €6.500,00. AY) Pelo que, todo o fio condutor do raciocínio veiculado pelo Tribunal “a quo”, colide com a decisão proferida, sendo que do cotejo da prova produzida, designadamente da prova testemunhal, não resulta provada a factualidade constante dos factos considerados provados na sentença recorrida. AZ) Perante a fundamentação da douta sentença, impunha-se necessariamente decisão de total procedência dos embargos deduzidos. BA) Considera a Recorrente que a sentença padece de nulidade por contradição entre a fundamentação e a decisão. BB) Além disso, na sentença recorrida, não existe fundamentação suficiente que conduza à decisão proferida. BC) A douta sentença recorrida fez, assim, uma errada apreciação e valoração da prova produzida, violando-se o disposto nos artigos 640º e 662º do CPC. BD) Mas ainda que se considere que não se verifica erro de julgamento, o que apenas por mera cautela de patrocínio se admite, sempre se diz que, padece a douta sentença de insuficiência de prova para a matéria de facto dada como provada. BE) Pelo que, atenta também a insuficiência de prova, sempre se imporia que os pontos 6º, 7º, 8º, 9º e 10º dados como provados na douta sentença, fossem dados como não provados.
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A embargada apresentou contra alegações pugnando por que o recurso seja julgado improcedente, e, em consequência, se mantenha a sentença que julgou a improcedência da oposição à execução mediante embargos de executado e, consequentemente, determinou o prosseguimento da instância da ação executiva apensa, concluindo:
I - As letras de câmbio dadas à execução, enquanto quirógrafos, constituem títulos executivos, porquanto a Apelante não demonstrou, como lhe incumbia, que os mesmos não titulavam qualquer relação subjacente, nem logrou demonstrar, como alegara, que a dívida se encontrava paga.
Efectivamente, II - Os factos alegados no Requerimento Executivo mostram suficientemente, alegada – e demonstrada – a relação causal e subjacente à emissão de cada um dos títulos dados à execução. III - Tais factos não foram, sequer, impugnados pela Apelante pelo que sempre devem ser tidos por assentes nos termos do disposto no artigo 574.º, n.º 2 do C.P.C.
Por seu turno, IV – Na impugnação da decisão sobre a matéria de facto, a Apelante não faz qualquer menção aos concretos pontos de facto impugnados e à decisão que sobre eles deveria recair, nem indica os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, indicando, com exactidão, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso ou a transcrição dos excertos que considera relevantes, e que impõe, no seu entendimento, uma decisão diversa.
Por via disso, V - O recurso deve ser rejeitado, no que se refere à impugnação da matéria de facto deduzida pela Apelante, com a consequente improcedência da apelação, visto o recurso se circunscrever, basicamente, à impugnação da matéria de facto.
Sem prejuízo disso, VI – Sempre se dirá que não existe qualquer meio de prova produzido em audiência de discussão e julgamento que abale, minimamente, o acerto da sentença recorrida no âmbito da decisão da matéria de facto.
Desde logo, VII - No que concerne aos pagamentos aludidos pela Apelante, os quais, de facto, não liquidaram, como alega, as letras de câmbio apresentadas pela Apelada à execução e sobre si impedia, atento a repartição do ónus da prova, demonstrar que a dívida reclamada se encontra paga. VIII - Como a matéria de facto adquirida não é posta em crise em sede de recurso e não há qualquer causa que justifique a sua alteração, será a partir daquele acervo factual que se efectuou, e se efectuará, a respectiva qualificação jurídica.
E assim sendo, IX - Perante a factualidade dada como provada é inteiramente meritória a respectiva integração jurídica realizada pela sentença proferida pelo Tribunal a quo pelo que nenhum motivo existe para revogar ou reparar a decisão proferida.
Finalmente, X - Quanto ao apontado vício de contradição entre a fundamentação e a decisão proferida, reconhecemos, modestamente, que não vislumbramos, sequer, em que assenta, a final, a citada pecha que feriria de nulidade a sentença recorrida. XI - Verdadeiramente, o que resulta das alegações de recurso produzidas pela Apelante nesse âmbito, é, também, e mais uma vez, a sua discordância quanto à decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo na sentença recorrida e não a existência de qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, as questões decidendas são as seguintes:
1. Da nulidade da sentença;
2. Do incumprimento pela Apelante dos ónus impostos para a impugnação decisão da matéria de facto (falta de indicação da prova - facto por facto - em que se fundamenta o erro e falta de análise crítica da prova de cada um dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados);
3. Da modificabilidade da decisão jurídica:
3.1 - Do título executivo: letras/meros quirógrafos da relação subjacente; 3.2 - Da obrigação causal subjacente: o ónus de alegação e o ónus da prova dos factos constitutivos da relação subjacente.
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II. A - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Foram os seguintes os factos considerados provados, pelo Tribunal de 1ª instância, com relevância, para a decisão da causa:
1º - Nos autos em apenso foram dadas à execução:
a) O escrito com data de emissão de 28.03.2011 e de vencimento em 25.06.2011, no qual consta como sacado e aceitante Imobiliária X, Lda., sacador a exequente, tendo sido aposto no local do aceite, o carimbo da executada, seguido de uma assinatura, e o valor de € 2.500,00, conforme documento de fls. 11 dos autos principais e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
b) O escrito com data de emissão de 02.04.2011 e de vencimento em 22.07.2011, no qual consta como sacado e aceitante Imobiliária X, Lda., sacador a exequente, tendo sido aposto no local do aceite, o carimbo da executada, seguido de uma assinatura, e o valor de € 4.000,00, conforme documento de fls. 12 dos autos principais e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 2º - No requerimento executivo consta, além do mais, “(…) A Exequente é uma sociedade comercial com a natureza jurídica de sociedade por quotas que dedica-se, de forma habitual e com intuito lucrativo, à actividade de serviços de pichelaria, venda de material de canalizações e instalação de canalizações e de climatização e obras de isolamento. 3º - A Executada, por seu turno, é uma sociedade comercial com a natureza jurídica de uma sociedade por quotas e dedica-se à compra e venda de bens imóveis e indústria da construção civil. 4º - No domínio da atividade comercial estabelecida entre ambas, a Exequente, por solicitação da Executada, prestou serviços incluídos no seu ramo de atividade e o forneceu os bens necessários à execução dos trabalhos junto de obras de construção da Executada, mormente, as relativas à edificação de um empreendimento imobiliário na Rua …, Guimarães. 5º - No decorrer de tais relações comerciais ficou a Executada obrigada ao pagamento dos trabalhos executados, bem como os bens e mercadorias fornecidas ou vendidas pela Exequente. 6º - E, para pagamento dos trabalhos executados, bem como os bens e mercadorias fornecidas ou vendidas pela Exequente como acima referido era usual a Executada, além de outras formas de pagamento, subscrever várias letras de câmbio no lugar próprio para o aceite, isto é, atravessadamente no anverso junto ao selo, as quais nas datas de vencimento deveriam ser pagas ou reformadas. 7º - Nessa sequência, a Executada aceitou a letra de câmbio emitida em 28/03/2011, com vencimento em 25/06/2011, no montante de € 2.500,00, a qual se destinava a reformar uma letra de câmbio identificada com o n.º 500792887103619690, emitida em 04/01/2011, com vencimento em 25/03/2011, no valor de € 4.000,00. 8º - Por outra via, a Executada aceitou, ainda, a letra de câmbio emitida em 02/04/2011, com vencimento em 02/07/2011, no montante de € 4.000,00, a qual se destinava a reformar uma letra de câmbio identificada com o n.º 500792887103619674, emitida em 04/01/2011, com vencimento em 02/04/2011, no valor de € 5.500,00. 9º - Sucede que, as letras de câmbio foram apresentadas a pagamento na data do seu vencimento e a Executada não procedeu ao seu pagamento total nem parcial, nem tão pouco, sequer, à sua reforma (…)”, conforme requerimento executivo junto a fls. 2 e seguintes dos autos de execução apensos, cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 10º - A Executada aceitou a letra de câmbio em 1º a), a qual se destinava a reformar uma letra de câmbio identificada com o n.º 500792887103619690, e aceitou, ainda, a letra de câmbio identificada em 1º b), a qual se destinava a reformar uma letra de câmbio identificada com o n.º 500792887103619674. 11º - A execução deu entrada em Juízo em 19.09.2016, conforme certificação digital do requerimento executivo constante de fls. 8 dos autos principais.
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Factos não provados:
Considerou o Tribunal de 1ª instância que não se provaram, com relevância para a decisão da causa, os restantes factos alegados na petição inicial, nomeadamente que a executada pagou o valor das letras de câmbio.
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II. B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Da nulidade da sentença
Invocando a apelante nulidade da sentença, tal questão é a que primeiro cumpre apreciar, pois que contende com a própria validade da decisão. Argui a nulidade da sentença por contradição entre a fundamentação e a decisão, sustentando a apelada não vislumbrar, sequer, em que assenta, a final, a citada pecha que feriria de nulidade a sentença recorrida.
O Tribunal a quo proferiu despacho a considerar não vislumbrar nulidades.
Cumpre decidir.
O nº1, do art.º 615º, que consagra as causas de nulidade da sentença, estabelece que é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
As nulidades de decisão são vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando) seja em matéria de facto seja em matéria de direito. São vícios formais, taxativamente consagrados no nº1, do art. 615º, sendo tipificados vícios do silogismo judiciário, inerentes à sua formação e à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito (1).
Assim, as nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito.
Há nulidade da sentença quando a sua parte dispositiva está em contradição com as premissas efetivamente adotadas pelo juiz e não com as premissas que ele poderia ter adotado, no entender de uma das partes, mas não adotou.
Os referidos vícios respeitam “à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)” (2).
Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (3).
Tais vícios não se confundem com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa.
Efetivamente as causas de nulidade da decisão, taxativamente enumeradas nesse artigo 615º, conforme se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2017, “visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei. Como tal, a nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608º e 609º, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada”.
Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, mas o mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso (4).
Analisemos os apontados e invocados vícios, respeitantes à estrutura da sentença.
Quanto ao vício consagrado na al. b): falta de fundamentação de facto ou e direito, cumpre referir que “ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão (art. 607-3). Há nulidade (no sentido de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão (ac. do STJ de 17.10.90, Roberto Valente, AJ, 12, p. 20: constitui nulidade a falta de discriminação dos factos provados). Não a constitui a mera deficiência de fundamentação (ac. do TRP de 6.1.94, CJ, 1994, I. p 197: a simples indicação do preceito legal aplicável constitui fundamentação suficiente da decisão (5).
Relativamente à falta de fundamentação de facto, diga-se que, integrando a sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto como a fundamentação dessa decisão (art. 607º, nº3 e 4), “deve considerar-se que a nulidade consagrada na alínea b), do nº1 (falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão) apenas se reporta à primeira, sendo à segunda, diversamente, aplicável o regime do art. 662, nºs 2-d e 3, alíneas b) e d) (ac. do TRP de 5.3.15, Aristides Rodrigues de Almeida, www.dgsi.pt.proc.1644/11, e ac. do TRP de 29.6.15, Paula Leal de Carvalho, www.dgsi.pt, proc 839/13)” (6).
Relativamente à falta de fundamentação de direito, que é indispensável para se saber em que se fundou a sentença, não pode “ser feita por simples adesão genérica aos fundamentos invocados pelas partes (art. 154-2; mesmo ac. de 19.1.84); mas é admitida em recurso, quando a questão a decidir é simples e foi já objeto de decisão jurisdicional, a remissão para o precedente acórdão (art. 656 e 663-5 (…). Este vício da sentença tem a falta da causa de pedir como seu correspondente na petição inicial (art. 186-2-a) (7).
Quanto ao vício consagrado na al. c): os fundamentos estarem em oposição com a decisão ou ocorrer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, cumpre referir que “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta:quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial (art. 186-2-b) (8).
Efetivamente não se vislumbra qualquer nulidade. A sentença está, na verdade, fundamentada e nenhuma contradição lógica, nenhuma linha de raciocínio divergente existe, o que resulta da simples leitura da mesma, pelo que não padece dos apontados vícios.
Concluímos, pois, não padecer a sentença das arguidas nulidades, as quais improcedem.
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2 - Do incumprimento pela Apelante dos ónus impostos para a impugnação decisão da matéria de facto
Conclui a apelante ter sido incorretamente apreciada a matéria de facto, porquanto da prova documental e testemunhal produzida em audiência de julgamento, resultou provada toda a matéria de facto invocada pela recorrente e que os pontos 6º, 7º, 8º, 9º e 10º dados como provados na sentença deviam ser dados como não provados, atenta a insuficiência de prova.
A Apelada sustenta que a Apelante não faz menção aos concretos pontos de facto impugnados e à decisão que sobre eles deveria recair, nem indica os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, indicando, com exatidão, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso ou a transcrição dos excertos que considera relevantes, e que impõe, no seu entendimento, uma decisão diversa e que, por isso, o recurso deve ser rejeitado, no que se refere à impugnação da matéria de facto, com a consequente improcedência da apelação, visto o recurso se circunscreve, basicamente, à impugnação da matéria de facto.
A fim de fixar, definitivamente, a matéria de facto e de analisar da modificabilidade da fundamentação jurídica, antes de mais, cumpre decidir se a apelante impugnante observou os ónus legalmente impostos em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, e que vêm enunciados no art. 640º, os quais constituem requisitos habilitadores para que o tribunal ad quem possa conhecer da impugnação e decidi-la.
Na verdade, no que se reporta à atividade jurisdicional que, quanto a tal, deve ser levada a cabo por este Tribunal de Segunda Instância, o nº1, do art. 640º, consagra que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c)- a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (negrito nosso).
O n.º 2, do referido artigo acrescenta que:
a) … quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sobpena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (negrito nosso).
Como resulta do referido preceito, e seguindo a lição de Abrantes Geraldes, quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; (negrito nosso) b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;(…) e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente; (9).
Com a reforma introduzida ao Código de Processo Civil pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12, o legislador consagrou o registo da audiência de discussão e julgamento, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto. O tribunal de segunda instância passou a fazer um novo julgamento da matéria impugnada, assegurando um efetivo duplo grau de jurisdição, sendo isto que resulta do estatuído no art. 662º, n.º 1 do CPC, quando nele se expressa que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento supervenientes impuserem decisão diversa.
Comparando o anterior regime com o atual (cfr. o art. 712º, do anterior CPC, com o art. 662º do atual), verificamos que a possibilidade de alteração da matéria de facto, que era excecional, passou a ser função normal do Tribunal da Relação, elevado a verdadeiro Tribunal de substituição, verificados os referidos requisitos legais. Conferiu-se, assim, às partes um duplo grau de jurisdição, por forma a poderem reagir contra eventuais e hipotéticos erros de julgamento, com vista a alcançar uma maior certeza e segurança jurídicas e a, desse modo, obter decisões mais justas, alcançando-se, assim, uma maior equidade e paz social, sempre buscadas pelo Estado, verdadeiro interessado na realização da justiça.
O duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto pressupõe novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada e “somente será alcançado se a Relação, perante o exame e análise crítica das provas produzidas, a respeito dos pontos de facto impugnados, puder formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das prova, sem estar limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida, em função do princípio da imediação da prova, princípio este que tido por absoluto transformaria este duplo grau de jurisdição em matéria de facto, numa garantia praticamente inútil” (10).
Tendo o recurso por objeto a impugnação da matéria de facto, a Relação deve proceder a um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo nessa tarefa considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, apreciando livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (art. 607º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil).
Contudo, o legislador, ao impor ao recorrente o cumprimento das referidas regras, visou afastar soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente. (11)
Não se consagra a possibilidade de repetição do julgamento e de reapreciação de todos os pontos de facto, mas, apenas e só, a reapreciação pelo tribunal superior e, consequente, formação da sua própria convicção (à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o tribunal recorrido) quanto a concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo tribunal recorrido. A possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver a reapreciação global de toda a prova produzida, impondo-se, por isso, ao impugnante, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, a observância das citadas regras. O Tribunal da Relação, sendo de 2ª instância, continua a ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto (12), estando subtraída ao seu campo de cognição a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação.
Em suma, deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, sendo que, como refere Abrantes Geraldes, esta última exigência (plasmada na transcrita alínea c) do nº 1 do art. 640º) vem reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente (…) por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (13).
É entendimento doutrinal e jurisprudencial uniforme que, nas conclusões das alegações, que têm como finalidade delimitar o objeto do recurso (cfr. nº4, do art. 635º, do CPC) e fixar as questões a conhecer pelo tribunal ad quem, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do recurso, como a lei adjetiva comina no nº1, do art. 640º.
Não obstante o NCPC proceder, como vimos, ao alargamento e reforço dos poderes da Relação no domínio da reapreciação da matéria de facto, deve ser rejeitado o recurso, no atinente a tal ponto, quando o recorrente não cumpra os ónus impostos pelos nº1 e 2, a), do art. 640º (14). E impõe-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra:
a) falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art. 635º, n.º 4 e 641º, n.º 2, al. b);
b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a);
c) falta de especificação (que pode constar apenas na motivação), dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) falta de indicação exata, (que pode constar apenas na motivação), das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) falta de posição expressa, (que pode constar apenas na motivação), sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação” (15).
Os critérios têm sido aplicados pelo Supremo Tribunal de Justiça, conforme resulta dos acórdãos proferidos em 26/11/2015, Proc. 291/12.4TTLRA.C1; em 03/03/2016, Proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1; 11/02/2016; Proc. 157/12.8TUGMR.G1.S1, em 12/5/2016: Processo 324/10.9TTALM.L1:S1 e em 31/5/2016: Processo 1184/10,5TTMTS.P1:S1, todos in Dgsi.Net .
Este Tribunal Superior tem vindo a distinguir, quanto aos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, entre:
- ónus primário ou fundamental, que se reportam ao mérito da pretensão;
- ónus secundários, que respeitam a requisitos formais.
Quanto aos requisitos primários, onde inclui a obrigação do recorrente de formular conclusões e nestas especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e a falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados e falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, requisitos estes sobre que versa o n.º 1 do art. 640º, do CPC, a jurisprudência tem considerado que aquele critério é de aplicar de forma rigorosa, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de algum desses ónus por parte do recorrente se impõe rejeitar o recurso – cfr. Acs. do STJ de 27/10/2016, Processo 110/08.6TTGM.P2.S1 e Processo 3176/11.8TBBCL.G1.S1, in dgsi.net.
Assim, e como se decidiu no Ac. do STJ proferido em 3/5/2016, Processo 17482/13: Sumários, Maio/2016, p 2 “O apelante pretendendo que o Tribunal da Relação reaprecie o julgamento da matéria de facto, para dar cabal cumprimento ao preceituado na al. c) do nº1, do art. 640º, do NCPC (2013), deve ser claro e inequívoco, afirmando que os pontos da matéria de facto impugnados deveriam ter as respostas que segundo a sua apreciação deveriam ter tido, indicando-as, de harmonia com as provas que indicou. (…)Tal ónus não se satisfaz expressando o recorrente meras apreciações discordantes do julgamento e juízos de valor críticos, referidos aos depoimentos das testemunhas indicadas. (…)A mera indicação de que certos pontos da matéria de facto, que são indicados, não deveriam ter tido as respostas que tiveram, sem se dizer quais as respostas que numa correta apreciação deviam merecer, não cumpre aquele ónus”.
A delimitação tem de ser concreta e específica e o recorrente têm de indicar, com clareza e precisão, os meios de prova em fundamenta a sua impugnação, bem como as concretas razões de censura. Tal tem de ser especificado quanto a cada concreto facto. Não pode ser efetuado em termos latos, genéricos e em bloco, relativamente a todos os factos impugnados.
Analisado as conclusões das alegações da Apelante, entendemos que a Recorrente, que impugna a decisão da matéria de facto, não faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados indicando, justificadamente, os elementos probatórios que conduziriam à alteração de cada concreto ponto e a decisão que devia ter sido proferida quanto a cada concreto facto, procedendo a uma análise critica das provas e indicando a decisão que devia ser proferida sobre as concretas questões de facto impugnadas, em obediência às três alíneas do nº1, do referido art. 640º.
Na verdade, e após o que refere no corpo das alegações formula a Apelante as conclusões supra referidas, que como se referiu, delimitam o objeto do seu recurso.
E, efetivamente, verifica-se que a recorrente não indica especificadamente os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com especificação dos meios probatórios que determinariam decisão diversa da tomada em Primeira Instância para cada um dos factos que impugna.
Ora, como vimos, tal não basta para que se possa considerar cumprido aquele ónus, o que obsta ao conhecimento do objeto de recurso, pois que nesta Segunda Instância não se realiza novo julgamento sendo, tão só, de reapreciar os concretos meios probatórios relativamente aos pontos de facto impugnados e não em bloco. A falta de indicação por parte da apelante quer dos elementos probatórios que conduziriam à alteração de cada um dos pontos nos termos por ela propugnados, quer da decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida, relativamente a cada facto concreto (e não em bloco), situação esta que se verifica in casu, têm, como consequência, a imediata rejeição do recurso, na parte respeitante aos pontos da matéria de facto relativamente aos quais se verifica a omissão, pois que quanto ao recurso da matéria de facto não existe despacho de aperfeiçoamento ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, por aplicação do disposto no art. 639º, nº3, do CPC.
Acresce que a recorrente não fez, também, qualquer apreciação crítica dos meios de prova produzidos, quanto a cada concreto facto, a justificar o erro de julgamento que invoca em termos genéricos, tendo de o fazer pois que só assim cumpriria a exigência de obrigatória especificação imposta pelo nº1, do art. 640º.
E, como se decidiu no Ac. da Relação de Lisboa de 13/3/2014, Processo 569/12.dgsi.net “I. Ao impugnar a decisão de facto, à luz do NCPC, cabe ao recorrente, em sede conclusiva, expressar o sentido da decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica, de que não poderá demitir-se, dos meios de prova produzidos/invocados – exigência nova de reforço do ónus de alegação e conclusão, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente – sob pena de rejeição da impugnação, por insuficiência ou obscuridade, na parte não fundamentada em exame crítico das provas. II. Tais exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, em decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão de facto se transforme em simples manifestação de inconsequente inconformismo (16) .
No mesmo sentido se orienta toda a jurisprudência – v., designadamente Ac. da Relação de Guimarães de 3/3/2016, Processo 283/08 e de 4/2/2016:Processo 283/08.8TBCHV.A.G1, ambos in dgsi.net – onde se refere que “Tal como se impõe, por mor do preceituado no nº4, do art. 607º, do CPC, que o tribunal de 1ª instância faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas) também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundamentar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos. (…) Não cumpre o ónus de impugnação da decisão relativa à matéria de facto a que se refere a al. b), do nº1, do art. 640º, do NCPC, o recorrente que se limita a transcrever uma parte … do depoimento, aí partindo para a formulação da sua pretensão de modificação de diversos pontos da matéria de facto que indicou em bloco”.
E, servindo as conclusões para delimitar o objeto do recurso, nelas devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação (quanto aos demais previstos no art. 640º, é suficiente que constem de forma explícita na motivação do recurso) (17).
Sendo função das conclusões do recurso indicar, embora de forma sintética, os fundamentos porque se pede a alteração (seja de facto seja de direito) da decisão, nelas tem o recorrente, que impugna a matéria de facto, de especificar os concretos factos que entende estarem mal julgados. A aferição deste mau julgamento é a questão colocada à decisão do tribunal de 2ª instância e, como tal, tem de constar das conclusões ou estará fora do objeto do recurso. Já a especificação dos concretos meios de prova que impunham decisão diversa e o cumprimento da exigência indicada na al. a), do nº2, do art. 640º do NCPC têm a sua sede própria no corpo da alegação. Acresce, ainda, que cabe ter em conta, que, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, não existe a possibilidade de despacho de convite ao aperfeiçoamento, sendo este tipo de despacho reservado somente aos recursos em matéria de direito. A falta de especificação nas conclusões dos factos concretos que se consideram mal julgados não dá lugar a despacho de aperfeiçoamento no quadro do nº3, do art. 639º do NCPC, (18).
Deste modo, impugnada a matéria de facto pela Apelante, verifica-se que não foram cumpridos os ónus impostos pelo artº 640º, do C.P.C, de impugnação especificada de cada facto.
No seguimento do que acima se deixou dito, perante a omissão pela recorrente do cumprimento do ónus estatuído nas als a) a c), do nº1, do art. 640º, pois que nada referiu, especificadamente, para cada facto, com análise crítica de cada um, impõe-se rejeitar o recurso da matéria de facto interposto pela Apelante, o que se faz, nenhuma alteração havendo, contudo, a fazer à decisão da matéria de facto, que, de qualquer modo, nunca mereceria atendimento, atenta a lógica, coerente e esclarecedora fundamentação da livre convicção de julgador constante da decisão.
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3- Da modificabilidade da decisão jurídica
Fixada que se mostra a matéria de facto, cumpre analisar da modificabilidade da fundamentação jurídica, atentas as conclusões da apelação, que delimitam o objeto do recurso (cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2).
Para tal, comecemos por nos debruçar sobre o título executivo que fundamenta a execução, para apurar as eventuais obrigações que dele resultam para a executada.
Bem analisa o Tribunal a quo que “Na acção executiva pode o credor obter a realização coactiva da prestação não cumprida, enquadrando-se esta na efectividade da tutela jurisdicional e na garantia do acesso aos tribunais para a defesa dos direitos e interesses legítimos - artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
A finalidade da acção executiva consiste na obtenção do interesse patrimonial contido na prestação não cumprida, sendo o seu objecto, sempre (um direito a uma prestação – nesse objecto contém-se somente a faculdade de exigir o cumprimento da prestação e o correlativo poder de aquisição dessa prestação, poder que corresponde à causa debendi e, portanto, funciona como causa de pedir da acção executiva (os factos dos quais decorre esse poder são os mesmos que justificam a faculdade de exigir a prestação) - Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, pág. 606.
Esta faculdade de exigir a prestação, correlativa do poder de aquisição dessa prestação, designa-se por pretensão e apenas uma pretensão exequível pode constituir objecto de uma acção executiva – exequibilidade intrínseca, respeitante à inexistência de vícios materiais ou excepções peremptórias que impeçam a realização coactiva da prestação, e exequibilidade extrínseca, traduzida na incorporação da pretensão num título executivo, ou seja, num documento que formaliza, por disposição da lei, a faculdade de realização coactiva da prestação não cumprida - autor e obra citados, p. 606 a 608.
A acção executiva pressupõe, assim, um direito de execução do património do devedor, ou seja, “um poder resultante da incorporação da pretensão num título executivo, pois que é desta que resulta que o credor possui não só a faculdade de exigir a prestação, mas também a de executar, em caso de incumprimento, o património do devedor” - autor e obra citados, p. 626.
Do título executivo – que determina o fim e os limites da execução, sendo a base desta - artigo 10º, nº 5 do NCPC - resulta a exequibilidade da pretensão executanda, pois incorpora o direito de execução, isto é, o direito do credor a executar o património do devedor ou de terceiro para obter a satisfação efectiva do seu direito.
Apenas podem servir de base à execução os títulos indicados na lei.
Títulos executivos são tão só e apenas os indicados na lei, tratando-se de enumeração taxativa, sujeita à regra da tipicidade, ficando assim subtraída à disponibilidade das partes a atribuição de força executiva a documento relativamente ao qual a lei não reconheça esse atributo, do mesmo modo que fica defeso negar tal força ao documento se ela for reconhecida pela lei. A falta de título executivo (que traduz a inexequibilidade extrínseca da pretensão), além de constituir fundamento de indeferimento liminar e de rejeição oficiosa da execução é também fundamento de oposição à execução - artigo 729º do NCPC.
A exequibilidade intrínseca da pretensão é uma “condição da qual depende a concessão da tutela jurisdicional” (no caso, a execução da prestação) – respeita “à própria pretensão, ou melhor, a um dos seus elementos, que é a faculdade de exigir a prestação” e, assim, faltando a exequibilidade intrínseca, falta igualmente essa faculdade e, em consequência, a pretensão, o que justifica que uma acção executiva cujo objecto seja uma pretensão intrinsecamente inexequível deva ser improcedente - autor e obra citados, p. 610.
Uma tal faculdade de exigir a prestação (nisso consiste a acção executiva) pressupõe, logicamente, a prévia solução da dúvida sobre a existência e a configuração do direito exequendo, constituindo a declaração ou acertamento dum direito ou de outra situação jurídica, que é o ponto de chegada da acção declarativa, o ponto de partida na acção executiva - Lebre de Freitas, A Acção Executiva depois da reforma da reforma, 5ª edição, pág. 20 – a realização coactiva da prestação pressupõe a anterior definição dos elementos (subjectivos e objectivos) da relação jurídica de que ela é objecto, contendo o título executivo esse acertamento, radicando aí a afirmação de que ele constitui a base da execução, por ele se determinando, desde logo, o objecto da acção - autor e obra citados, p. 36.
Pressuposto da acção executiva é, pois, não só a exequibilidade extrínseca do título executando (preenchimento dos pressupostos e requisitos para que um documento possa valer como título executivo), como também a exequibilidade da pretensão (a exequibilidade intrínseca, traduzida na inexistência de qualquer razão ou fundamento que, substantivamente, configure matéria extintiva, modificativa ou impeditiva da faculdade de exigir judicialmente a prestação) – faltando qualquer delas, soçobrará a pretensão do exequente.
Acresce que, a oposição apesar de constituir, do ponto de vista estrutural, algo de extrínseco à acção executiva, “toma o carácter duma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo” – quando veicula uma oposição de mérito à execução, visa um acertamento negativo da situação substantiva (obrigação exequenda), de sentido contrário ao acertamento positivo consubstanciado no título executivo, cujo escopo é obstar ao prosseguimento da acção executiva mediante a eliminação, por via indirecta, da eficácia do título executivo enquanto tal; quando tem um fundamento processual, o seu objecto é, já não uma pretensão de acertamento negativo do direito exequendo, mas uma pretensão de acertamento, também negativo, da falta dum pressuposto processual, que pode ser o próprio título executivo, igualmente obstando ao prosseguimento da acção executiva, mediante o reconhecimento da sua inadmissibilidade - autor e obra citados, págs. 189 e 190.
Por fim, cumpre realçar que apesar da oposição à execução constituir uma verdadeira contra-acção relativamente ao pedido executivo, tal não significa que haja qualquer alteração das regras do ónus de prova fixadas no domínio do direito substantivo - Anselmo de Castro, A acção executiva …, págs. 44 e 45.
3.1- Do título executivo: letras/quirógrafo darelação subjacente
Toda a execução tem de ter por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva (fins esses que, como previsto na lei, podem consistir no pagamento de quantia certa, na entrega de coisa certa ou na prestação de um facto, quer positivo, quer negativo - v. n.º 5 e 6, do art. 10º).
“O título executivo constitui pressuposto de caráter formal da ação executiva, destinado a conferir à pretensão substantiva um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor. Constitui a base da execução, por ele se determinando o tipo de ação e o seu objeto (nº5), assim como a legitimidade ativa e passiva para a ação (art. 53º, nº1).
O objeto da execução tem de corresponder ao objeto da situação jurídica acertada no título (…) É também pelo título que se determina a quantum da prestação” (19).
A ação executiva só pode ser intentada se tiver por base um título executivo (nulla executio sine titulo), o qual, para além de documentar os factos jurídicos que constituem a causa de pedir da pretensão deduzida pelo exequente, confere, igualmente, o grau de certeza necessário para que sejam aplicadas medidas coercivas contra o executado. (20)
O título executivo realiza duas funções essenciais:
- por um lado, delimita o fim da execução, isto é determina, em função da obrigação que ele encerra, se a acção executiva tem por finalidade o pagamento de quantia certa, a entrega de coisa certa ou a prestação de facto;
- por outro lado, estabelece os limites da execução, ou seja, o credor não pode pedir mais do que aquilo que o título executivo lhe dá (21).
O artigo 703º, apresenta uma enumeração taxativa (numerus clausus) dos títulos executivos que podem servir de base a uma ação executiva, sendo que cotejando as diversas alíneas do nº1, se constata que a lei estabelece uma distinção entre títulos executivos judiciais, títulos executivos parajudiciais ou de “formação judicial” e títulos executivos extrajudiciais (22).
Definindo o mencionado artigo, taxativamente, os títulos executivos que podem servir de fundamento a uma ação executiva “não são admissíveis convenções entre as partes pelas quais estas decidam atribuir força executiva a um determinado documento que não se encontre abrangido pelo elenco dos documentos previstos no art. 703º. Por conseguinte, sendo dado à execução um documento a que a lei não atribua essa força executiva ou do qual não resulte a obrigação de cumprimento de uma prestação, o tribunal deve indeferir liminarmente o requerimento executivo, por falta de um dos pressupostos essenciais da ação executiva.
No que concerne às espécies de títulos executivos, dispõe o art. 703, nº1, que apenas podem servir de base à execução:
a) as sentenças condenatórias;
b) os documentos exarados ou autenticados por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal e que importem a constituição ou o reconhecimento de qualquer obrigação;
c) os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
d) os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva (23).
Pela execução a que a apelante deduziu a presente oposição, a exequente visa obter o pagamento coativo de crédito. Estamos, assim, perante de uma ação executiva para pagamento de quantia certa. E o título executivo que serve de base à presente execução são duas letras, cada uma delas um título de crédito.
Deduziu a executada embargos de executado, desde logo, por inexistir, já, qualquer obrigação para com a exequente.
Analisando da existência de título executivo, o Tribunal a quo, quanto à arguida prescrição das letras dadas à execução, enquanto título cambiários, mencionando terem as letras como data de vencimento 25.06.2011 e 22.07.2011 e a execução ter dado entrada em Juízo em 19.09.2016, refere “O tempo é um facto jurídico não negocial, susceptível de influir em muitos domínios do direito civil, em relações jurídicas do mais diverso tipo. Os problemas mais importantes colocados pela repercussão do decurso do tempo no mundo dos efeitos jurídicos referem-se à prescrição extintiva e à caducidade.
Podendo a prescrição – que é o que ora nos importa – quando invocada (ela não opera ipso jure – artigo 303º, do CC) acarretar a extinção de direitos quando estes não são exercidos durante certo tempo.
Exigindo-se que o não exercício do direito se prolongue pelo lapso de tempo estabelecido na lei – art.º 298º, nº 1, do CC.
Podendo o devedor recusar o cumprimento, invocando a prescrição.
Sendo a prescrição extintiva, possam embora não lhe ser totalmente estranhas razões de justiça, um instituto endereçado fundamentalmente à realização de objectivos de conveniência ou oportunidade.
Intervindo sempre e apesar disso, na fundamentação da prescrição uma ponderação de justiça. Arrancando a mesma, também, da ponderação de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo, o que faz presumir uma renúncia ou, pelo menos, o torna indigno de uma tutela do Direito, em harmonia com o velho aforismo «dormientibus non succurrit jus» (M. Andrade, Teoria Geral da relação Jurídica, vol. II, p. 446).
Visando a mesma desde logo satisfazer a necessidade social da segurança jurídica e certeza dos direitos, e, assim proteger o interesse do sujeito passivo, essa protecção é dispensada atendendo também ao desinteresse, à inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo.
Havendo, portanto, subjacente ao instituto em causa, uma inércia do titular do direito, que se conjuga com o interesse objectivo numa adaptação da situação de direito à situação de facto (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, pág. 637).
Parecendo, assim, dever situar-se o fundamento último da prescrição na negligência do credor em não exercer o seu direito durante um período de tempo razoável, em que seria legítimo esperar que ele o exercesse, se nisso estivesse interessado.
E, assim, decorrido o prazo da prescrição, o devedor pode, se quiser, opor-se à pretensão do titular do direito e recusar-se a cumprir, sem ter de usar de outro meio de defesa para além da simples invocação do decurso do tempo.
Isto posto.
Todas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento”.
Este é o regime que decorre do disposto no artigo 70º (1ª parte), da Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças.
Todavia, as letras foram dadas à execução como mero quirógrafo, passando a valer neste caso o prazo de prescrição ordinário de 20 anos, pelo que (não obstante a interrupção do prazo da prescrição com a citação da executada, que inutiliza todo o prazo decorrido até então e dá início a novo prazo, nos termos do nº 1 do artigo 326º e nº 2 do artigo 327º do Código Civil) o prazo de prescrição só ocorreria em 2031.
Assim sendo, julgo improcedente a excepção de prescrição das letras dadas à execução.
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Da existência de título executivo e do pagamento
A executada alegou ainda que no requerimento executivo se encontra alegada a relação material subjacente de modo genérico e insuficiente para que as letras de câmbio possam servir como título executivo.
Cumpre apreciar.
No caso, como vimos a exequente intentou a presente execução com base em duas letras, ainda que mero quirógrafo.
Ora, deixando valer enquanto título cambiário, era controvertido na jurisprudência e doutrina se os títulos cambiários podiam ser aceites como títulos executivos, como meros quirógrafos, desde que nele, ou na petição executiva se tivesse feito constar a relação causal ou subjacente.
Essa questão, que era controvertida na jurisprudência e na doutrina, no âmbito da vigência do aludido artigo 46º, nº 1, do CPC, foi definitivamente resolvida no NCPC, ao consagrar-se no artigo 703º, com a epígrafe “Espécies de títulos executivos”, serem títulos executivos “(…)Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo”.
A referida norma - artigo 703º do NCPC, na medida em que veio resolver, no sentido de um dos entendimentos jurisprudenciais, que quanto a essa matéria se apresentavam no âmbito da norma correspondente do direito pretérito, deve considerar-se como lei interpretativa e, como tal, aplicar-se retroactivamente (artigo 13º, nº 1, do Código Civil – neste sentido, o acórdão do STJ de 07-05-2014, Proc. nº 303/2002.P1.S1, in www.dgsi.pt).
In casu, não há dúvidas que as letras dadas à execução podem ser consideradas documento particular assinado pelo devedor/executada, importando o reconhecimento ou a constituição de obrigação pecuniária, de montante determinado ou determinável por liquidação, porquanto o exequente alegou a relação causal, identificando essa relação subjacente, de modo a possibilitar, em termos proporcionais, à executada, o cumprimento do acrescido ónus probatório que sobre ela recai, como consequência da dispensa de prova concedida ao credor pela promessa unilateral constante das referidas letras (aliás, é de salientar que a executada invocou a excepção de pagamento, não questionando a causa da emissão das letras).
Na verdade, o artigo 458º, nº1, do Código Civil, estabelece que se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.
E deste modo, não tendo a executada ilidido a causa da obrigação, o tribunal terá de a admitir, tanto mais que a mesma consta de escrito particular. Nas palavras de Almeida Costa, “equacionando-se, todavia, o disposto neste preceito com as considerações antecedentes, apura-se que a promessa ou o reconhecimento que conste de escrito particular beneficia sempre da referida presunção. Na verdade, como em tais actos não se indica a causa da obrigação, o tribunal terá de admiti-la até que o devedor a ilida” (Direito das Obrigações, 9ª Edição, Almedina, pág. 427)
Portanto, é forçoso concluir que as letras dados à execução, enquanto quirógrafos, constituem títulos executivos, porquanto a executada não demonstrou, como lhe incumbia, que os mesmos não titulavam qualquer relação subjacente, nem logrou demonstrar (como alegou) que a dívida se encontrava paga”.
Ora, como é pacífico e bem refere o Tribunal a quo, as letras oferecidas nos autos principais como títulos executivos apenas valem como meros quirógrafos da relação subjacente, por a respetiva relação cambiária se encontrar extinta, por prescrição.
Ora, de acordo com a referida al. c), do nº1, do artigo 703º, constituem títulos executivos os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos,desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo, incluindo-se neles as letras, cujo regime jurídico é regulado pela Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças.
“A atribuição de força executiva aos títulos de crédito, ainda que os mesmos constituam meros quirógrafos da obrigação, encontra justificação na necessidade de se garantir a segurança do tráfego jurídico e de se favorecer a utilização dos títulos de crédito como meios de pagamento no domínio das transações comerciais.” (24).
Contrariamente ao que vinha sucedendo, a Jurisprudência recente passou a admitir, no seguimento da Doutrina, a possibilidade de um título cambiário, ainda que prescrito ou que não reunisse os requisitos legais, poder valer como título executivo enquanto quirógrafo da obrigação, desde que invocada fosse, no requerimento executivo, a relação jurídica causal, subjacente a esse título (25) e, no seguimento, “o novo Código de Processo Civil veio pôr termo a essa divisão jurisprudencial, já que, seguindo a interpretação maioritária, estabelece expressamente no seu art. 703º, nº1, al. c), que constituem títulos executivos os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo.
Com efeito, a diferença de regimes consiste, fundamentalmente, no seguinte:
a) Quando o título de crédito reúne os requisitos previstos na lei e não se encontra prescrito, este caracteriza-se pela sua abstração, ou seja, o portador do título está dispensado de demostrar a razão subjacente à emissão desse título (obrigação abstrata), isto é, o negócio jurídico associado ao título e/ou o motivo pelo qual o título lhe foi transmitido, baseando, por isso, a sua pretensão no direito cartular;
b) Diferentemente, mostrando-se o título cambiário prescrito, o credor, não podendo escudar-se na abstração do título, fica obrigado a alegar e a comprovar a relação jurídica subjacente à entrega desse título (obrigação causal), ou seja, tem de alegar factos concretos que permitam determinar, com objetividade, o tipo de relação jurídica que foi estabelecida entre as partes e que esteve na base da emissão desse título. Por conseguinte, não reunindo o título de crédito os requisitos previstos na lei ou estando o mesmo prescrito, este só pode valer como título executivo, enquanto quirógrafo da obrigação, desde que tenha sido emitido pelo executado em “consequência de qualquer negócio (relação fundamental) por ele celebrado com o exequente”, isto é, desde que tenha subjacente um “relacionamento tendo como sujeitos o credor originário e o devedor originário, para execução da relação fundamental. Neste caso, se o executado, em oposição à execução titulada por um cheque ou por uma letra de câmbio, impugnar a relação subjacente, recai sobre o exequente o ónus da prova da existência da relação fundamental alegada, … (26) (negrito nosso).
Mais escreve o referido autor que parte da “jurisprudência tem vindo a sustentar que o cheque que tenha sido endossado e que não reúna os requisitos previstos na lei ou se encontre prescrito não constitui título executivo, já que o cheque apenas poderá valer como quirógrafo da obrigação no âmbito das relações imediatas (entre o credor e o devedor originário) e não no âmbito das relações mediatas (entre um terceiro, a quem o cheque foi endossado, e o devedor originário) (27).
De igual modo, não constitui título executivo o cheque que, não reunindo os requisitos legais ou estando prescrito, omita o nome do respetivo beneficiário, ou seja, o nome da pessoa a quem deve ser paga a quantia nele inscrita, já que o cheque só pode valer como título executivo, enquanto quirógrafo da obrigação, “se dele constar o reconhecimento ou a confissão de dívida a favor do exequente (28)” (29).
Quanto a preenchimento abusivo do título cambiário e à questão de saber se verificando-se aquele este constitui título executivo ou não escreve o referido autor “como elucida Ferrer Correia, quem emite um título cambiário em branco pode atribuir à pessoa a quem entrega esse título “o direito de o preencher em certos e determinados termos. Ninguém subscreve um documento em branco para que a pessoa a quem o transmite faça dele o uso que lhe aprouver”. Assim, o preenchimento do título diz-se abusivo quando o mesmo é preenchido com “desrespeito pelo contrato de preenchimento” (30). É o que sucede, por exemplo, se a pessoa inscreve no título uma quantia ou uma data de vencimento diversas daquelas que tinham sido previamente combinadas entre as partes ou se é inscrita no título de crédito uma quantia superior ao montante das prestações em dívida e dos juros de mora à data da interpelação do devedor para pagamento da “dívida global”.
Nesta conformidade, o título cambiário (letra, livrança ou cheque) não constitui título executivo se o executado demonstrar que o preenchimento do mesmo foi abusivo (designadamente pelo próprio beneficiário/exequente), isto é, que a declaração constante do título não corresponde à sua vontade. Com efeito, sendo deduzida oposição à execução com fundamento no preenchimento abusivo do título cambiário, recai sobre o executado/embargante e não sobre o exequente/embargado o ónus da prova de que existia um acordo de preenchimento do título cambiário e de que tal acordo não foi observado, devendo ser alegados na oposição à execução os factos referentes ao preenchimento abusivo do título. (31)
No caso, como vimos, estamos perante títulos que são mero quirógrafo da relação subjacente, não se caracterizando por abstração nem se fundando a execução na obrigação cartular, esta extinta, mas na relação subjacente.
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3.2 - Da obrigação subjacente: o ónus de alegação e o ónus da prova dosfactos constitutivos da relação subjacente
Nas execuções fundadas em títulos de crédito prescritos, em que se extinguiu a obrigação cambiária e em que, por isso, o seu portador não pode acionar o sacador/aceitante com base na mera relação cambiária, devendo invocar a relação jurídica subjacente à sua emissão, a Doutrina e a Jurisprudência têm vindo a sustentar com base no art. 458º, do Código Civil, que a subscrição dos mesmos faz presumir a existência de uma relação causal subjacente na medida em que neles se contém a constituição ou confissão/reconhecimento unilateral de uma dívida.
Na verdade, estatui o nº1, do art. 458º, do Código Civil, que Se alguém, por simples declaração unilateral prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respetiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.
Os negócios unilaterais resultam de uma vontade isolada (32). A lei admite que através de um ato unilateral se efetue a promessa de uma prestação ou o reconhecimento da dívida sem que o devedor indique o fim jurídico que o leva a obrigar-se, presumindo-se e existência e a validade da relação fundamental. Mas trata-se de uma simples presunção cuja prova em contrário produzirá as consequências próprias da falta de licitude ou da imoralidade da causa dos negócios jurídicos. Trata-se de negócios causais apenas se dando uma inversão do ónus da prova. (33). Dispensa este preceito a prova, mas não a alegação dos factos essenciais, na causa de pedir.
Como se considerou no Acórdão do STJ de 7/5/2014, Processo 303/2002.P1.S1, relatado pelo Senhor Juiz Conselheiro Lopes do Rego, “Os títulos de crédito, desprovidos dos requisitos que permitiriam a aplicação do regime de abstracção substantiva previsto na respectiva LU, podem ser usados como quirógrafos da relação causal subjacente à respectiva emissão – beneficiando do regime de presunção de causa afirmado pelo art. 458º do CC quando, atenta a sua natureza material, se consubstanciarem em actos de reconhecimento de um débito ou de promessa unilateral de prestação, sem indicação da respectiva causa”. Aí se esclarece, ainda, que “Porém, a parte que quer prevalecer-se do título – letra – invocado como quirógrafo da obrigação causal subjacente à sua emissão tem o ónus de alegar, na petição inicial ou no requerimento executivo, os factos essenciais constitutivos da relação causal subjacente à emissão do título, desprovido de valor nos termos da respectiva LU, identificando adequadamente essa relação subjacente, de modo a possibilitar, em termos proporcionais, ao demandado/executado, o cumprimento do acrescido ónus probatório que sobre ele recai, como consequência da dispensa de prova concedida ao credor pelo art. 458º do CC”.
Como se desenvolve no mencionado Acórdão “no actual CPC, apesar de drástica limitação do elenco dos títulos executivos não judiciais - deixando, em regra, de revestir as características da exequibilidade os meros documentos particulares, assinados pelo devedor, que não sejam títulos de crédito, - a alínea c) do nº1 do art. 703º manteve e explicitou a precedente orientação jurisprudencial maioritária, consagrando expressamente que valem como títulos executivos os títulos de crédito, que, embora desprovidos dos requisitos legais para incorporarem uma obrigação cartular, literal e abstracta, podem valer como meros quirógrafos da obrigação exequenda, desde que os factos constitutivos da relação subjacente, se não constarem do próprio documento, sejam alegados no requerimento executivo”.
Nele se esclarece que o regime presentemente vigente se limitou a explicitar e a consagrar a orientação doutrinal e jurisprudencial claramente maioritária que já vinha a existir no regime anterior que “acaba por favorecer a posição, anteriormente referida, sustentada por Lebre de Freitas, ao consagrar legislativamente que – sem qualquer distinção, quer os documentos sejam ou não subsumíveis ao art. 458º do CC - o título de crédito imprestável, por carência dos requisitos legais, para suportar o típico regime de abstracção substantiva tem sempre de ser complementado com a alegação dos factos constitutivos da relação subjacente que não constem do documento”.
Não tendo as letras, como aí se refere “os requisitos impostos pela LU para valerem como verdadeiros e próprios títulos cambiários, é evidente que está ultrapassada a perspectiva traduzida na aplicabilidade a tais títulos do regime de abstracção substancial”, previsto na LU.
Questiona-se no referido Acórdão quanto aos títulos de crédito nele em causa “Poderão as referidas letras valer, porém, como actos unilaterais de promessa pelo respectivo aceitante de uma prestação, nessa medida sujeitas ao regime de abstracção processual previsto no art. 458º do CC?
E, no caso afirmativo, implicará a sujeição a tal regime legal uma dispensa do ónus de alegação da relação subjacente – ou apenas uma dispensa do ónus probatório normalmente a cargo do credor (como sustenta L. Freitas)?”.
Responde-se referindo “a orientação sustentada por L. Freitas, atrás mencionada, segundo a qual o regime constante do art. 458º apenas implica uma dispensa do ónus probatório a cargo do credor, não o liberando, porém, do ónus de alegação da relação causal ao acto de reconhecimento unilateral do débito”, orientação consagrada na alínea c) do nº1 do art. 703º, “ao impor – sem qualquer distinção – a quem quer prevalecer-se do título, invocado como mero quirógrafo da obrigação, o ónus de alegação dos factos constitutivos da relação subjacente que dele não constem: o portador do título - imprestável para suportar um verdadeiro regime de abstracção substantiva - estará assim sempre onerado com a alegação dos factos constitutivos essenciais que permitam identificar a relação causal subjacente; a distinção entre os títulos que são subsumíveis ao regime de dispensa de prova constante do art. 458º do CC e os que nele não podem enquadrar-se (por não se consubstanciarem num acto unilateral de reconhecimento de dívida ou na promessa de uma prestação) operará apenas no domínio da prova de tais factos: se o título couber no âmbito do referido art. 458º, o credor está dispensado da prova dos factos constitutivos que alegou, sendo antes o devedor que terá de provar que não está validamente vinculado à obrigação causal que deles resultaria; se, pelo contrário, o título invocado não for subsumível ao disposto no art. 458º, é o credor que terá de provar, nos termos gerais, a factualidade constitutiva da relação subjacente que ele próprio invocou.
Esta orientação parece proporcional e equilibrada, já que – sem excluir liminarmente que certos títulos cambiários possam subsumir-se, se a sua natureza material o permitir, ao regime de dispensa de prova constante do art. 458º do CC - a mera apresentação de um título cambiário (formalmente insuficiente por preterição dos requisitos imperativamente estabelecidos na LU e por isso imprestável para fundar a aplicação de um regime de abstracção substantiva) não deve bastar para, sem mais, se poder exigir do demandado o cumprimento das obrigações nele referenciadas: na verdade, o regime de abstracção substantiva representa a forma mais eficaz e intensa de tutela do interesse do credor, tendo, porém, como contrapartida a exigência que todos os requisitos formais do título estejam devidamente preenchidos, nos termos exigidos pela LU.
Se o credor não logrou preenchê-los – e com isso alcançar essa forma de tutela mais efectiva e plena do seu interesse – isso significa que a relação material controvertida já não é a relação literal e abstracta, mas uma relação causal, subjacente à emissão do título carecido dos requisitos da LU para valer como tal; ora, admitir, neste concreto circunstancialismo, que o credor/demandante nada carece de alegar como modo de identificar essa relação causal subjacente é fazer impender sobre os ombros do demandado um ónus desproporcionado, traduzido em ter de ser ele a afastar a relevância de qualquer possível facto constitutivo dessa relação: ou seja, seria ele a ter de identificar qual era, afinal, essa relação subjacente ao acto unilateral de reconhecimento, indicando a causa concreta dessa obrigação e questionando a sua existência ou validade jurídica – bastando ao A. impugnar a individualização da causa pelo devedor para que pudesse subsistir a eficácia da declaração recognitiva…”.
O entendimento jurisprudencial de que a subscrição de títulos de crédito faz presumir a existência de uma relação causal subjacente é uniforme em relação às letras e livranças, na medida em que nelas se contém a constituição ou confissão de uma dívida. Porém, já o mesmo não acontece em relação aos cheques, pois que estes são uma ordem de pagamento dada a um banco determinado e é entendido por uma parte da jurisprudência que não traduz a constituição de qualquer obrigação, não consubstanciando reconhecimento direto ou expresso de uma dívida (34) (35), considerando, outra parte, que a emissão de um cheque não se limita a traduzir uma ordem de pagamento dada a uma instituição bancária a favor de um terceiro, pois que constitui, também, o reconhecimento de uma obrigação pecuniária em relação a esse terceiro (36).
Inclinamo-nos para este entendimento pois que, na verdade, ao ser dada uma ordem de pagamento a uma instituição bancária se está a reconhecer uma obrigação pecuniária. Apesar de o cheque envolver essencialmente uma ordem de pagamento dirigida a um banqueiro, por força da sua subscrição, o titular da conta está a reconhecer uma obrigação pecuniária em relação, ao portador, das quantias nele mencionadas.
Bem se decidiu no Acórdão desta Relação de 30/4/2015, Processo 1072/13.3TBBCHV-A.G1, relatado pela Senhora Juíza Desembargadora Helena Melo, ao considerar-se, sem distinção, que “Extinta a obrigação cartular incorporada na letra, livrança ou cheque, estes mantêm a sua natureza de título executivo, enquanto documento particular assinado pelo devedor, desde que neles se mencione a causa da relação jurídica subjacente ou que tal causa de pedir seja invocada no requerimento executivo, podendo ser impugnada pelo executado na oposição que vier a deduzir e desde que a obrigação a que se reporta não resulte de um negócio jurídico formal, tendo em consideração o regime de reconhecimento de dívida previsto no artº 458º do CC (…) Do disposto do artº 458º do CC resulta uma presunção de causa (presunção da existência de uma relação negocial ou extra negocial) e a inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental.(…) Incumbe ao devedor provar a falta de causa da obrigação inscrita no título”.
Aí se esclarece que “nos casos em que o cheque vale como quirógrafo da obrigação subjacente, não se trata de um negócio abstracto, antes com presunção de causa em que ocorre inversão do ónus da prova (artº 458º do CC). O legislador parte do princípio e bem, que se alguém reconhece uma dívida, como acontece quando alguém subscreve um cheque dando ordem de pagamento a outrem, presume-se que este negócio tem uma causa, dispensando o credor de provar a relação subjacente. Quem tem que provar que não há causa para o reconhecimento de dívida é o devedor” (37).
In casu, do requerimento executivo consta (e vem, até, provado) que:
- A Exequente é uma sociedade comercial com a natureza jurídica de sociedade por quotas que dedica-se, de forma habitual e com intuito lucrativo, à actividade de serviços de pichelaria, venda de material de canalizações e instalação de canalizações e de climatização e obras de isolamento. - A Executada, por seu turno, é uma sociedade comercial com a natureza jurídica de uma sociedade por quotas e dedica-se à compra e venda de bens imóveis e indústria da construção civil. - No domínio da atividade comercial estabelecida entre ambas, a Exequente, por solicitação da Executada, prestou serviços incluídos no seu ramo de atividade e o forneceu os bens necessários à execução dos trabalhos junto de obras de construção da Executada, mormente, as relativas à edificação de um empreendimento imobiliário na Rua …, Guimarães. - No decorrer de tais relações comerciais ficou a Executada obrigada ao pagamento dos trabalhos executados, bem como os bens e mercadorias fornecidas ou vendidas pela Exequente. - E, para pagamento dos trabalhos executados, bem como os bens e mercadorias fornecidas ou vendidas pela Exequente como acima referido era usual a Executada, além de outras formas de pagamento, subscrever várias letras de câmbio no lugar próprio para o aceite, isto é, atravessadamente no anverso junto ao selo, as quais nas datas de vencimento deveriam ser pagas ou reformadas. - Nessa sequência, a Executada aceitou a letra de câmbio emitida em 28/03/2011, com vencimento em 25/06/2011, no montante de € 2.500,00, a qual se destinava a reformar uma letra de câmbio identificada com o n.º 500792887103619690, emitida em 04/01/2011, com vencimento em 25/03/2011, no valor de € 4.000,00. - Por outra via, a Executada aceitou, ainda, a letra de câmbio emitida em 02/04/2011, com vencimento em 02/07/2011, no montante de € 4.000,00, a qual se destinava a reformar uma letra de câmbio identificada com o n.º 500792887103619674, emitida em 04/01/2011, com vencimento em 02/04/2011, no valor de € 5.500,00. - Sucede que, as letras de câmbio foram apresentadas a pagamento na data do seu vencimento e a Executada não procedeu ao seu pagamento total nem parcial, nem tão pouco, sequer, à sua reforma (…)”, conforme requerimento executivo junto a fls. 2 e seguintes dos autos de execução apensos, cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. - A Executada aceitou a letra de câmbio em 1º a) (dos factos provados), a qual se destinava a reformar uma letra de câmbio identificada com o n.º 500792887103619690, e aceitou, ainda, a letra de câmbio identificada em 1º b) (dos factos provados), a qual se destinava a reformar uma letra de câmbio identificada com o n.º 500792887103619674.
Estava a exequente onerada com a alegação dos factos constitutivos essenciais da relação causal ao saque e entrega das letras, desprovidas dos requisitos para valerem como título cambiário, de modo a identificar adequadamente essa relação causal subjacente, facultando, sobre ela, o contraditório à executada. A esta cabia, por força da dispensa de prova prevista no nº1, do artigo 458º, do Código Civil, o ónus probatório relativamente à inexistência ou irrelevância dos factos constitutivos alegados pelo exequente.
Ora, apresentado o título para cobrança coerciva e, apesar do suficientemente alegado no requerimento executivo quanto a relação causal subjacente, pois que foi cumprido o ónus de alegação dos factos essenciais, exerceu a executada/embargante o contraditório, não provando inexistir a invocada relação causal nem que a mesma se extinguiu pelo pagamento (como alegou), pelo que, existindo a obrigação nos termos alegados pelo exequente, têm os embargos de improceder.
Com efeito, a embargante não provou que não há causa para os títulos de crédito, não tendo cumprido o ónus da prova, ilidindo a presunção de causa do reconhecimento de dívida, consagrada no nº 1, do artº 458º, do Código Civil.
E, como vimos, uma letra prescrita vale como mero quirógrafo da relação subjacente e mantém a sua função de título executivo, desde que, no requerimento executivo, o exequente alegue a causa da sua emissão (a respectiva relação subjacente - art. 703.º, n.º 1, al. c)), sendo que a emissão de uma letra também constitui o reconhecimento de uma obrigação pecuniária.
Assim, embora o exequente estivesse dispensado de provar a relação fundamental que alegou, verifica-se que a executada/embargante não logrou ilidir a presunção de causa, demonstrando nenhuma relação fundamental existir.
Estando-se perante letras imprestáveis enquanto tal, mero quirografo da relação subjacente, deixaram de se reger pelas regras daquela Lei Uniforme, e passaram a regular-se pelas referidas normas substantivas e adjetivas do Código Civil e do Código de Processo Civil.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
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Custas pela apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.
Guimarães, 10 de julho de 2018
Eugénia Marinho da Cunha
José Manuel Alves Flores
Sandra Melo
1. Cfr., entre muitos, Ac. do STJ de 1/4/2014, Processo 360/09: Sumários, Abril /2014, p1 e Ac. da RE de 3/11/2016, Processo 1070/13:dgsi.Net. 2. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág 735 3. Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734. 4. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI. 5. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 735 6. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 736 7. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 736 8. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 736-737 9. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, pags 155-156 10. Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, in base de dados da dgsi. 11. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, 2017,pag. 153 12. Ibidem, pág. 153. 13. Ibidem, pags 155 e seg e 159 14. Ac. da Relação do Porto de 18/12/2013, Processo 7571/11.4TBMAI.P1.dgsi.Net 15. Abrantes Geraldes, idem, pags 155-156 16. Abílio Neto, Código de Processo Civil anotado, 4ª Ed. 2017, Ediforum, Edições Jurídicas, Lda pag 999 17. Cfr. Ac. Da Relação de Évora de 3/11/2016, processo 1070/13. dgsi.Net 18. Ac. Do STJ de 3/5/2016, Processo 145/11, Sumários, Maio/2016, p.3 19. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág 33. 20. Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2016, Almedina, pág 43-44. 21. Ibidem, pág 48. 22. Ibidem, pág 52. 23. Ibidem, pág 51-52. 24. Marco Carvalho Gonçalves, idem, pág 75. 25. Refere-se no Acórdão do STJ de 29/4/2014 , Processo 5656/12.9YYPRT.P1.S1, in dgsi.net “Para o Prof. Lebre de Freitas[4], “Quando o título de crédito mencione a causa da relação jurídica subjacente, não se justifica nunca o estabelecimento de qualquer distinção entre o título prescrito e outro documento particular, enquanto ambos se reportem à relação jurídica subjacente (…) Quanto aos títulos de crédito prescritos dos quais não conste a causa da obrigação, tal como quanto a qualquer outro documento particular, nas mesmas condições, há que distinguir consoante a obrigação a que se reportam emerja ou não dum negócio jurídico formal (…) No primeiro caso, uma vez que a causa do negócio jurídico é um elemento essencial deste, o documento não poderá constituir título executivo (arts. 221º-1 CC e 223º-1 CC). No segundo caso, porém, a autonomia do título executivo em face da obrigação exequenda e a consideração do regime do reconhecimento da dívida (art. 458º-1 CC) levam a admiti-lo como título executivo, sem prejuízo de a causa da obrigação dever ser invocada no requerimento inicial da execução” (como causa de pedir da acção executiva) “e poder ser impugnada pelo executado” (nos termos do art. 816º)“; mas, se o exequente não a invocar, ainda que a título subsidiário, no requerimento inicial, não será possível fazê-lo na pendência do processo, após a verificação da prescrição da obrigação cartular e sem o acordo do executado (art. 272º), por tal implicar alteração da causa de pedir”. Por seu turno, o Prof. Miguel Teixeira de Sousa[5] acentua a necessidade de distinguir entre as obrigações abstractas e as causais, no que respeita aos fundamentos da obrigação exequenda e à suficiência do título executivo, sustentando, quanto às primeiras, a desnecessidade de alegação da causa de aquisição da prestação – e, por isso, respeitando o título a uma obrigação abstracta, ele é, por si, suficiente para fundamentar a execução – o que já não sucede quando a obrigação exequenda for causal, pois, neste caso, ela exige a alegação da respectiva “causa debendi”, o que significa que, se esta não constar ou não resultar do título executivo, este deverá ser completado com essa alegação. Ou seja, um título executivo respeitante a uma obrigação causal exige, sempre, a indicação do respectivo facto constitutivo, porquanto sem este a obrigação não fica individualizada, sendo, por isso, inepto o requerimento inicial da execução, por falta de indicação da causa de pedir. Não destoando desta posição, quer o Cons. F. Amâncio Ferreira, no seu “Curso de Processo de Execução”, 9ª Ed., 2006, pags. 41/43, quer a jurisprudência deste Supremo, a qual vem sustentando, ao que cremos, “una voce”, que, embora extinta, por prescrição, a obrigação cambiária incorporada no cheque, este pode continuar a valer como título executivo, enquanto documento particular assinado pelo devedor, no quadro das relações credor originário/devedor originário e para execução da respectiva obrigação subjacente, causal ou fundamental, desde que, nesse caso, o exequente haja alegado, no requerimento executivo, essa obrigação (a relação causal) e que esta não constitua um negócio jurídico formal. Podendo mencionar-se, a título meramente exemplificativo, os Acs. de 29.01.02 – COL/STJ – 1º/64, de que foi relator o Ex. mo Cons. Azevedo Ramos, de 22.05.03 – Proc. nº 03B1281, de que foi relator o Ex. mo Cons. Ferreira Girão, de 30.10.03 – Proc. nº 03P2600, de que foi relator o Ex. mo Cons. Pires da Rosa, 19.01.04 – Proc. nº 03ª3881, de que foi relator o Ex. mo Cons. Nuno Cameira, de 16.12.04 – COL/STJ – 3º/153, de que foi relator o saudoso Cons. Neves Ribeiro, de 31.05.05 – Proc. nº 05B1412, de que foi relator o Ex. mo Cons. Moitinho de Almeida, de 27.11.07, de que foi relator o Ex. mo Cons. Santos Bernardino, de 04.12.07 – Proc. nº07ª3805, de que foi relator o Ex. mo Cons. Mário Cruz, de 21.10.10 Proc. nº 172/08.6TBGRD-A.S1, de que foi relator o Ex. mo Cons. Lopes do Rego, e de 15.10.13 – Proc. nº 1138/11.4TBBCL-A.S1, de que foi relator o Ex. mo Cons. João Camilo, todos eles acessíveis em www.dgsi.pt. (…)In “A Acção Executiva À Luz do Código Revisto”, 2ª Ed., pags. 53/54; In “Acção Executiva Singular”, 1998, pags. 68/69. 26. Ibidem, págs 89-90 27. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13/03/2014, processo 2146/13.6TBBCL-A.G1, in dgsi.net 28. Acórdãos da Relação de Guimarães de 23/04/2013, processo 1946/11.6TBBCL-B.G1, e de 31/01/2013, processo 210/11.5TBAMR-A.G1, in dgsi.net 29. Marco Carvalho Gonçalves, idem, pág 90. 30. Correia, A. Ferrer, Lições de Direito Comercial, ob cit, pág 484 31. Neste particular o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 10/02/2015, processo 4284/09.0YYPRT-A.C1, in www.dgsi.pt, considerou que “provando o subscritor duma letra/livrança em branco o pacto de preenchimento que gerou a subscrição e entrega e estar a mesma a ser utilizada fora do contexto de tal específico pacto de preenchimento, passa a ser o portador de tal letra/livrança, que a utilizou, que tem de demonstrar o pacto de preenchimento que legitima tal “nova” utilização”. 32. Almeida Costa, Introdução, pág 108 33. Ibidem, pág 111 34. Acórdão da Relação de Lisboa de 11/10/2001: CJ, 2001, 4º, 120 e Acórdão do STJ de 15/5/2013, Processo 1813/08: Sumários, 2013, pág 349 (v. Abílio Neto Código Civil Anotado, 19ª Edição, 2016, Ediforum, pág 440) 35. Cfr o referido no Acórdão do STJ de 7/5/2014, Processo 303/2002.P1.S1, supra citado onde se refere como sucederá com as letras e livranças, mas não já, segundo alguns, com o cheque, cuja fisionomia peculiar não se concilia facilmente com a natureza dos típicos actos de reconhecimento de uma dívida : na verdade, o cheque envolve essencialmente uma ordem de pagamento dirigida a um banqueiro, não se podendo concluir, sem mais, que apenas por força da sua subscrição o titular da conta reconheça ser devedor ao portador das quantias nele mencionadas - cfr. a situação debatida no. ac. . de 21/10/10, proferido pelo STJ no P. 172/08.6TBGRD-A.S1. 36. Acórdão de 15/11/2017, Processo 262/14.6TBCMN-A.G1.S1, in dgsi.net 37. Acórdão da Relação de Guimarães de 30/4/2015, Processo 1072/13.3TBBCHV-A.G1, in dgsi.net