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COMPETÊNCIA MATERIAL
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Sumário
O conhecimento da excepção de incompetência material do tribunal não justifica, em princípio, uma prévia intervenção jurisdicional de observância do disposto no art. 3º n.º3 do CPC.
Texto Integral
Processo n.º 15335/17.5T8PRT.P1
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Recorrente: B…
Recorrido: C…
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Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação do Porto:
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Nos autos em referência foi proferida a seguinte decisão (itálico de nossa autoria para melhor compreensão): “A exequente B… dá à execução certidão de dívida emitida para cobrança coerciva das contribuições para a Caixa devidas por C… a que se refere o art.º 79.º e seguintes do Regulamento da B…, aprovado pelo D.L. n.º 119/2015, de 29 de Junho (e anteriormente art.º 72.º e seguintes da Portaria n.º 487/83, de 27 de Abril, com a redacção introduzida pela Portaria n.º 884/94, de 1 de Outubro). Vejamos. Pretende-se a cobrança coerciva de contribuições devidas à Caixa de Previdência B…. Ora, e salvo melhor entendimento, tais contribuições não têm natureza civil mas sim fiscal ou tributária, constituindo uma das fontes de receitas daquela instituição com vista à prossecução dos seus fins, inserindo-se no financiamento do subsistema de segurança social específico para aqueles profissionais e, como tal, integrando a satisfação de um encargo público fundamental do Estado, ou seja, garantir o direito à segurança social dos respectivos profissionais (Cf., entre outros, os Ac. do STA de 09.10.2003, proc. 01072/03, e do TCAN de 26.11.2009, proc. 01009/07.9BEPRT, www.dgsi.pt). Falece, por isso, competência a esta secção de execução para apreciar a presente acção executiva, atento o disposto no artigo 129.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto. A situação em presença configura, então, a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria, a qual é de conhecimento oficioso, implicando o indeferimento liminar do requerimento executivo (Cf. artigos 96.º, alínea a), 97.º, n.º 1, 99.º, n.º 1, 576.º, nºs 1 e 2, 577.º, alínea a), 578.º e 726.º, nºs 1 e 2, alínea a), do CPC)- No mesmo sentido Ac. Do TR Lisboa de 09.03.2017 Proc. 17398/15.9T8LRS.L1-2 e Ac. do TRP de Ac RP 20/6/2016 Proc. 6988/16.2T8PRT.P1 onde se escreveu «As relações jurídicas estabelecidas entre a B… e os seus associados são relações de natureza administrativa e cabem na competência geral mencionada na referida al o) do nº 1 do art 4º do ETAF» e que tribunais comuns são incompetentes em razão da matéria para tramitar um processo em que se pretende obter de um seu associado a cobrança coerciva de contribuições, competindo essa função aos tribunais administrativos e fiscais. Pelo exposto, julga-se pela incompetência em razão da matéria desta secção de execução para apreciar a presente execução e, em consequência, indefere-se liminarmente o requerimento executivo. Custas pelo exequente”.
Na sequência foi pela ora apelante apresentado o seguinte requerimento: “Caixa de Previdência B…, doravante designada por B…, exequente nos autos acima referidos de Execução Ordinária que move contra o Sr. Dr. C…, notificada do despacho/sentença que indeferiu liminarmente a presente acção executiva, pelo facto de ter julgado o presente tribunal como materialmente incompetente para a decisão e tramitação deste processo executivo, vem, ao abrigo do disposto no art.º 195.º, n.º 1 do C.P.C., arguir a nulidade do acto processual – omissão que influiu na decisão da causa – pelo facto de a B… não ter sido previamente ouvida à decisão, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
1- O despacho/sentença julgou o presente tribunal incompetente, em razão da matéria, para decidir e tramitar o processo executivo para cobrança coerciva das contribuições em dívida pelos beneficiários à B…. Todavia, essa sentença foi proferida sem que a B…, previamente, pudesse exercer o direito ao contraditório ou pronunciar-se sobre a questão da competência material dos tribunais comuns para decidir e tramitar os processos de execução para cobrança das contribuições em dívida pelos seus beneficiários. Ora, nos termos do disposto no art.º 195.º, n.º 1, do C.P.C. «… a omissão de uma acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa». Vejamos,
2- Dispõe o artigo 3.º, n.º 3 do Código do Processo Civil que «o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito (…) decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.»
Este preceito do C.P.C. tem em vista impedir a denominada “decisão-surpresa”, isto é, nas palavras de Lebre de Freitas (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 9), «a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes.»
Ora a este propósito refere Lebre de Freitas (in “Introdução ao Processo Civil”, pág. 102 e sgts.) «no plano das questões de direito, o princípio do contraditório exige que, antes da sentença, às partes seja facultada a discussão efectiva de todos os fundamentos em que a decisão se baseie.»
Acrescentando Lebre de Freitas na mesma obra (“Introdução…”) que «a proibição da chamada decisão-surpresa tem sobretudo interesse para as questões, de direito material ou de direito processual, de que o tribunal pode conhecer oficiosamente: se nenhuma das partes as tiver suscitado (…) o juiz (…) que nelas entenda dever basear a decisão, seja mediante o conhecimento do mérito da causa seja do plano meramente processual, deve previamente convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer em casos de manifesta desnecessidade.»
Ora, no presente caso, o despacho/sentença decidiu que o tribunal é materialmente incompetente sem que, previamente, a Exequente se tenha podido pronunciar sobre essa questão o que influiu na decisão da causa.
Mais, não se diga sequer que a argumentação a aduzir pela B… para defesa da sua posição de considerar o tribunal judicial como o competente para julgar o presente processo executivo, caso tivesse sido ouvida, não alteraria o resultado, uma vez que é entendimento da Exequente que existem fundamentos válidos para julgar este tribunal competente em razão da matéria.
Assim, não tendo a B… sido previamente ouvida sobre a questão da incompetência material deste tribunal, foi violado o princípio do contraditório, devendo, por isso, o despacho/sentença recorrido ser anulado por, previamente, ter sido preterida uma formalidade essencial que constitui nulidade de acto processual.
3- Aliás, num Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, relativo a um processo da B…, em tudo semelhante a este, foi decidido que «impunha-se, de facto, que antes de ter sido proferida a decisão que se mostra (…) recorrida, o Exmo. Juiz a quo tivesse facultado à exequente a respectiva pronuncia a respeito da questão da competência material do tribunal, que oficiosamente se lhe suscitava, não podendo argumentar-se estar dispensado de o fazer por se tratar de caso de manifesta desnecessidade, por o não ser.» (Ac. TR Lisboa, de 9 de Março de 2017, proferido no âmbito do processo n.º17398/15.9T8LRS.L1; www.dgsi.pt). Ou seja, no entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa, a omissão de pronuncia por parte da B…, relativamente à competência material do tribunal comum, é suficiente para que a sentença seja anulada em consequência dessa nulidade que a antecede.
4- Assim, no presente caso, não tendo a B… sido previamente notificada para se pronunciar sobre a competência material do tribunal para decidir e tramitar a acção executiva para cobrança das contribuições em dívida à B…, por parte dos seus beneficiários, o que constitui uma nulidade, deve o subsequente despacho/sentença ser anulado, o que se requer. E, em consequência dessa anulação, devem os actos subsequentes ser igualmente anulados, nos termos do disposto no art.º 195.º, n.º 2 do C.P.C.
Nestes termos e nos mais de direito, deve o despacho/sentença ser anulado em consequência da nulidade decorrente da omissão de pronúncia por parte da B… sobre a competência do tribunal judicial para dirimir o presente litígio.
Por fim, deve a B… ser notificada para se pronunciar sobre a competência do tribunal em razão da matéria para decidir e tramitar as execuções para cobrança das contribuições em dívida à B…”.
Seguidamente foi proferido o seguinte despacho:
“A exequente vem arguir a nulidade de omissão de pronúncia da exequente sobre a competência do Tribunal. Apreciando indefere-se a arguida nulidade processual. Com efeito, no caso dos autos o processo está sujeito a despacho liminar pelo que sempre poderia a exequente contar com uma de três soluções: indeferimento liminar; convite ao aperfeiçoamento; ou citação do executado. Ou seja, não haveria lugar a convite ao aperfeiçoamento na medida em que foi decidida a incompetência deste tribunal, em razão da matéria, para tramitar a presente execução. Assim sendo, a hipótese dos autos mostra-se abrangida pela expressão vertida no art. 3º, nº 3, do CPC, quando refere que não há lugar ao contraditório quando “(…) salvo caso de manifesta desnecessidade”. Ora, este é um caso flagrante de manifesta desnecessidade. Na verdade, caso tivesse sido cumprido o contraditório em que é que ficaria alterado o destino da decisão que foi proferida. O exequente iria alterar ou acrescentar algo ao seu requerimento executivo? Certamente que não. Assim sendo, o despacho liminar prontamente proferido deu corpo ao exigido pelo art. 6º, nº 1, do CPC, que impõe que o juiz deve providenciar pelo andamento célere do processo – sendo certo que não havia lugar à aplicação do mecanismo previsto no art. 3º, nº 3, do mesmo código, por ser caso de manifesta desnecessidade. Logo, não houve qualquer violação do princípio do contraditório, pois a exequente apresentou o requerimento executivo nos moldes que entendeu por bem, sendo certo que a mesma não pode alegar, de boa fé, o desconhecimento da concreta questão de direito que podia, previsivelmente, surgir e as suas consequências. Como refere Abrantes Geraldes (in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Almedina, p. 77), mormente quanto á situação de indeferimento liminar, a redacção do artigo 3º corresponde a uma cláusula geral «a integrar pelo juiz em cada caso concreto (…) na medida em que caberá ao juiz avaliar, caso a caso, a necessidade ou desnecessidade de respeitar o princípio do contraditório, sem que tenha de, continuamente, emitir “pré avisos” anunciadores das consequências que se avizinham”. Nesta conformidade, e como bem acentua o autor citado, a cláusula geral prevista no art. 3º, nº 3, do CPC, não pode ser interpretada de tal modo que venha «a contribuir para o surgimento de mais um obstáculo à celeridade processual já de si afectada por outras circunstâncias ligadas ao processo ou a factores externos” (obra citada, p. 80). Assim sendo, Julgo totalmente improcedente a arguida nulidade processual (vide ainda art. 201º, do CPC). Notifique”.
Foi então interposto recurso por B… apresentou alegações e formulou as seguintes CONCLUSÕES: 1º A B… arguiu “a nulidade do despacho/sentença proferido”, mas fê-lo com fundamento no disposto art.º 195.º, n.º 1 do CPC. 2º Uma vez que não foi concedida, à ora recorrente, a possibilidade de se pronunciar, previamente à decisão, sobre a competência do tribunal, ao abrigo do disposto no art.º 3.º, n.º 3 do CPC. 3º O preterir o estatuído no art.º 3.º, n.º 3 viola os princípios do processo civil, mas, também, o art.º 20, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. 3º Isto porque, não tendo a ora recorrente sido previamente ouvida sobre a competência do tribunal para tramitar e julgar a presente acção, a decisão que julgou incompetente o tribunal em razão da matéria, tem de ser considerada uma decisão-surpresa. 6º Não sendo admissível a chamada decisão-surpresa, tem a B…, previamente à decisão, de ser auscultada sobre a matéria (competência dos tribunais judiciais para cobrança coerciva das contribuições em dívida pelos seus beneficiários). 7º Além disso, o princípio do contraditório visa, também, permitir que a parte possa carrear para os autos os elementos que achar pertinentes por forma a que o tribunal, quando decidir, o faça na posse do máximo de informação possível. 8º Não tendo a B… sido ouvida previamente à decisão, foi violado o princípio do contraditório previsto no art.º 3.º, n.º 3 do CPC. 9º Nestes termos deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que reconheça à B… o direito de se pronunciar sobre a questão da competência dos tribunais judiciais, para dirimir e julgar as execuções intentadas pela B… para cobrança das contribuições em dívida pelos beneficiários.
Nestes termos e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, ser a decisão recorrida revogada e substituída por outra que reconheça o direito da B… se pronunciar sobre a competência do presente tribunal para julgar a presente acção.
Não foram apresentadas contra - alegações.
Cumpre agora decidir.
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Delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações – artigo 635 do Código de Processo Civil – das formuladas pela Apelante resulta que a questão colocada à nossa apreciação é a de saber se a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que reconheça o direito da B… se pronunciar sobre a competência do presente tribunal para julgar a presente acção.
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Vejamos então.
Sustenta a apelante que “Não tendo a B… sido ouvida previamente à decisão, foi violado o princípio do contraditório previsto no art.º 3.º, n.º 3 do CPC. Isto porque, não tendo a ora recorrente sido previamente ouvida sobre a competência do tribunal para tramitar e julgar a presente acção, a decisão que julgou incompetente o tribunal em razão da matéria, tem de ser considerada uma decisão-surpresa. Não sendo admissível a chamada decisão-surpresa, tem a B…, previamente à decisão, de ser auscultada sobre a matéria (competência dos tribunais judiciais para cobrança coerciva das contribuições em dívida pelos seus beneficiários). Além disso, o princípio do contraditório visa, também, permitir que a parte possa carrear para os autos os elementos que achar pertinentes por forma a que o tribunal, quando decidir, o faça na posse do máximo de informação possível. Termina pedindo que a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que reconheça à B… o direito de se pronunciar sobre a questão da competência dos tribunais judiciais, para dirimir e julgar as execuções intentadas pela B… para cobrança das contribuições em dívida pelos beneficiários”.
Estabelece o n.º 3 do art. 3.º do C. P. Civil (Lei n.º 41/2013 de 26/06), que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
É a forma de se evitarem decisões-surpresa, ou seja, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre ela se pronunciarem previamente.
Ora, como bem se diz no Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 11/04/2018, relator Baldaia de Morais, proc. n.º 10888/14.2T8PRT-A.P1 “O sentido útil do nº 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil é o de que, previamente ao exercício da liberdade subsuntiva do juiz no concernente à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, deve este facultar às partes a dedução das razões que considerem pertinentes, perante um possível enquadramento ou qualificação jurídica do pleito, ou uma eventual ocorrência de excepções dilatórias, com que elas não tenham razoavelmente podido contar”. Mas, sob o enfoque da referida normatividade, o julgador apenas está constituído no dever de observar a contraditoriedade quando esteja em causa uma inovatória e inesperada questão de direito que não tenha, de todo, sido perspectivada pelos litigantes de acordo com um adequado e normal juízo de prognose sobre o conteúdo e sentido da decisão”.
No que diz respeito à competência ou incompetência dos tribunais, estabelece o Cód. Proc. Civil, nos art. 96 e seguintes, que Determinam a incompetência absoluta do tribunal: a) A infracção das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional; b) A preterição de tribunal arbitral (art. 96).
Acrescenta o art. 97 que “A incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e, excepto se decorrer da violação de pacto privativo de jurisdição ou de preterição de tribunal arbitral voluntário, deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa”, sendo certo que “A violação das regras de competência em razão da matéria que apenas respeitem aos tribunais judiciais só pode ser arguida, ou oficiosamente conhecida, até ser proferido despacho saneador, ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência final”.
No caso, a senhora juiz a quo conheceu oficiosamente da questão da incompetência em razão da matéria sem ouvir previamente a ora apelante.
Teria de fazê-lo?
Afigura-se-nos, salvo o devido respeito, que não.
Na verdade, como tem sido assinalado, o transcrito segmento normativo veio ampliar o âmbito da regra do contraditório, tal como era tradicionalmente entendida, como garantia de uma discussão dialéctica entre as partes ao longo do desenvolvimento do processo. Isso mesmo é enfatizado por LEBRE DE FREITAS [In Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à luz do Código Revisto, pág. 96.], segundo o qual «a esta concepção, válida mas restritiva, substitui-se hoje uma noção mais lata de contraditoriedade, com origem na garantia constitucional do “rechtliches Gehör” germânico, entendida como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontram em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão. O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo».
No entanto, o entendimento amplo da regra da contraditoriedade, nos moldes afirmados na citada dimensão normativa, não pretende, obviamente, significar a limitação da liberdade de subsunção ou de qualificação jurídica dos factos pelo juiz – tarefa em que, por mor da regra enunciada no nº 3 do art. 5º do Cód. Processo Civil, continua a não estar sujeito às alegações das partes relativas à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Significa isto, portanto, que o sentido útil do nº 3 do art. 3º é o de que, previamente ao exercício dessa liberdade subsuntiva, o julgador deve facultar às partes a dedução das razões que considerem pertinentes, perante um possível enquadramento ou qualificação jurídica do pleito, ou uma eventual ocorrência de excepções dilatórias, com que elas não tinham razoavelmente podido contar, ou seja, sob o enfoque da referida normatividade, o julgador apenas está constituído no dever de observar a contraditoriedade quando esteja em causa uma inovatória e inesperada questão de direito que não tenha, de todo, sido perspectivada pelos litigantes de acordo com um adequado e normal juízo de prognose sobre o conteúdo e sentido da decisão [neste sentido, LOPES DO REGO, in Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª edição, vol. I, pág. 33, onde afirma que «a audição excepcional e complementar das partes, precedendo a decisão do pleito e realizada fora dos momentos processuais normalmente idóneos para produzir alegações de direito, só deverá ter lugar quando se trate de apreciar questões jurídicas susceptíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão e quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ela», acrescentando, mais adiante (pág. 34), que «não deverá “banalizar-se” a audição atípica e complementar das partes, ao abrigo do [artigo 3º, nº 3 do Cód. Processo Civil], de modo a entender-se que toda e qualquer mutação do estrito enquadramento legal que as partes deram às suas pretensões passa necessariamente pela actuação do preceituado no art. 3º, nº 3».].
Ora, in casu, não pode considerar-se estar em presença de uma questão jurídica inesperada ou surpreendente no apontado sentido, porquanto a questão da incompetência material dos tribunais judiciais, para além de conhecimento oficioso do tribunal, tem sido decidida no sentido defendido na decisão recorrida (cfr., para além dos já citados na decisão recorrida, também os Ac. Rel. Porto de 21/02/2018, proc. 24893/17.3T8PRT.P1, Relator Igreja de Matos, e de 16/01/2018, Processo nº 17489/17.1 T8PRT.P1, de que é relatora a 1.ª adjunta deste colectivo).
Destarte, tal questão não surge, neste contexto, como uma nova questão jurídica que justifique uma prévia intervenção jurisdicional de observância do disposto no nº 3 do art. 3º do Cód. Processo Civil, não consubstanciando, pois, a decisão recorrida uma decisão-surpresa (A propósito do conceito de decisão-surpresa (também denominada de decisão solitária do juiz), a jurisprudência tem considerado que a mesma ocorre se o juiz de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, surgindo, pois, a sua imprevisibilidade como marca definidora – cfr., por todos, acórdãos do STJ de 27.09.2011 (processo nº 2005/03.0TVLSB.L1.S1) e de 4.06.2009 (processo nº 09B0523), acessíveis em www.dgsi.pt].
Resta dizer que seguimos aqui, de muito perto, o entendimento do Ac. do Tribunal da Relação do Porto Tribunal da Relação do Porto de 11/04/2018, relator Baldaia de Morais, proc. n.º 10888/14.2T8PRT-A.P1 in www.dgsi.pt, (cujo entendimento, nesta matéria, fazemos nosso e aqui reproduzimos).
A presente apelação terá, por conseguinte, de improceder.
*** Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação totalmente improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.
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Porto, 13 de Junho de 2018.
Estelita de Mendonça
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral