Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
Sumário
1. As sociedades SGPS enquadram-se na figura geral das sociedades holding, sendo sociedades constituídas com o objectivo de intervir na gestão e controlo das sociedades participadas, exercendo os direitos sociais inerentes às respectivas participações, recebendo os respectivos lucros ou dividendos, bem como os rendimentos resultantes de eventuais alienações dessas participações sociais. 2. Na holding funciona também o princípio da separação. As sociedades agrupadas conservam em pleno a sua personalidade jurídica individual, mantendo a respectiva autonomia jurídico-patrimonial e jurídico-organizativa. 3. Por virtude dos riscos derivados das relações de domínio para as sociedades dependentes, seus sócios minoritários e credores, o Código das Sociedades Comerciais estabeleceu uma disciplina típica – artigos 486º a 508º-G - destinada a regulamentar a actuação das sociedades em relação de domínio. 4. A responsabilidade da sociedade totalmente dominante pelas dívidas da sociedade subordinada, é uma responsabilidade objectiva e está prevista no artigo 501º do CSC, situação que se encontra salvaguardada pelo artigo 11º, nº 1 do Decreto-Lei nº 495/88 de 30 de Dezembro que regulamenta a constituição e funcionamento das sociedades SGPS. 5. A desconsideração da personalidade jurídica (ou levantamento da personalidade colectiva) é um instituto que foi arquitectado como forma de evitar que, sob a capa da personalidade jurídica colectiva, se prossigam interesses individuais em detrimento de terceiros, defraudando o escopo institucional e, em última análise, a respectiva intencionalidade normativa. 6. É possível o recurso ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica, que tem natureza subsidiária, quando o efeito que se pretende alcançar não seja possível obter através da aplicação de normas jurídicas especificamente formuladas pelo legislador e consagradas no CSC, mormente nos artigos 78º, 84º, 270º-F, 501º a 504º. 7. No caso de ineficácia dos mecanismos de tutela dos credores sociais consignados na lei, poderá haver necessidade de recorrer à aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, o qual surgiu precisamente para corrigir abusos da pessoa colectiva, e que apenas poderá ser aplicado a título excepcional e para o caso concreto. 8. Não obstante a diversa sistematização e nomen iuris dados ao aludido instituto o mesmo é chamado a resolver situações concretas em grupos de casos em que está em causa a tutela dos credores perante comportamentos abusivos e ilegítimos e que se poderão sintetizar nas seguintes situações mais frequentes: a) subcapitalização da sociedade e descapitalização provocada; b) confusão das esferas jurídicas / mistura de patrimónios /Domínio qualificado de uma sociedade sobre a outra ou outras. 9. Não é possível o recurso ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica para se considerar que a personalidade coletiva foi usada, de modo ilícito ou abusivo para prejudicar terceiros, se não estiverem claramente identificados os actos danosos contrários a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios, e as respectivas consequências no património social.
Texto Integral
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I. RELATÓRIO
Em 10.10.2014, o Administrador da Insolvência nomeado no processo de insolvência de R.R. II – IMOBILIÁRIA, S.A., apresentou lista de credores reconhecidos da insolvente.
Tal lista foi impugnada pelo credor ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, S.A., com sede na ……., inovando que o crédito, no valor de €241.737,15, que lhe foi reconhecido, tem natureza privilegiada, por estar garantido por direito de retenção sobre o prédio descrito sob o nº 4345, da freguesia de Oeiras, requerendo a sua qualificação como tal.
Fundamentou a impugnante a sua pretensão da seguinte forma:
1. A Requerente reclamou créditos no âmbito da Insolvência da R.R. II – IMOBILIÁRIA, S.A., no valor de € 241.737,15.
2. No dia 29.09.2014, o Sr. Administrador de Insolvência enviou aos presentes autos a lista definitiva de credores reconhecidos, nos termos do disposto no artigo 129.º do CIRE, reconhecendo o crédito reclamado pela ora Requerente, na íntegra, qualificando-o como comum.
3. A Requerente possui um crédito garantido sobre a Massa Insolvente da R.R. II – Imobiliária, S.A..
4. A Requerente tem a retenção do prédio urbano sito ….., registado na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob a ficha 4345, na matriz 6553 da respectiva freguesia.
5. A Requerente dedica-se, entre outras, à actividade de construção de vias de comunicação, urbanização, engenharia, construção civil, compra e venda de imóveis e infra-estruturas de desporto e lazer.
6. A Insolvente entre outras actividades, dedica-se à compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, promoção imobiliária, construção civil, empreitadas e a prestação de serviços afins, incluindo estudos económicos, projectos e fiscalização de obras.
7. No exercício da sua actividade comercial, a Requerente celebrou com a sociedade R.R. – Construções, S.A. um contrato de subempreitada relativo à empreitada de construção de arranjos exteriores paisagísticos na envolvente da torre de Oeiras, pelo preço global de € 320.148,15.
8. No âmbito da referida subempreitada, a Requerente cumpriu as suas obrigações, tendo os trabalhos por si executados sido acompanhados e medidos pela empreiteira R.R. – Construções, S.A. e, em consequência, lavrados os respectivos autos de medição subscritos pelas partes.
9. Com base nesses autos de medição, a Requerente emitiu e remeteu à empreiteira R.R – Construções, S.A., que recebeu sem devolver, diversas facturas e notas de débito.
10. Para pagamento da totalidade das Facturas e Notas de Débito, a R.R. – Construções, S.A. emitiu diversas letras, que até à data não pagou, e cujas reformas originaram despesas à A., a título de saque.
11. Após o vencimento das referidas facturas, notas de débito, despesas de saque e letras, e apesar de reiteradamente interpelada para o efeito, a R. R.– Construções, S.A., até à presente data, não pagou à Requerente o capital em dívida.
12. A empreiteira R.R. - Construções, S.A. não pagou atempadamente o preço devido pelos trabalhos executados no âmbito do referido contrato de subempreitada, motivo pelo qual a Requerente, empreiteira R.R.– Construções, S.A., e Promoção Imobiliária, Lda. – sociedade do grupo R.R. – celebraram, em 06.02.2012, acordo de pagamento, promessa de cessão de créditos, promessa de dação em pagamento e compromisso de conclusão da obra.
13. Nos termos do referido acordo, a empreiteira R.R.– Construções, S.A., confessou-se devedora da Requerente no valor total de € 167.161,97.
14. Por efeito do mesmo acordo e para pagamento do valor confessado dever, a Requerente prometeu ceder parte do seu crédito (€ 73.466,00) à Promoção Imobiliária, Lda.
15. O pagamento da cessão de crédito entre a Requerente e a Promoção Imobiliária, Lda. seria efectuado por via da dação em cumprimento da fracção autónoma designada pela letra “U”, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito na Avenida …, Amadora.
16. O negócio prometido deveria ter sido definitivamente celebrado até ao dia 23.03.2012 e até àquela data o contrato de dação em cumprimento da referida fracção autónoma não foi celebrado.
17. Nos termos da cláusula segunda, nºs 5 e 6 do acordo de pagamento referido, pela não realização do contrato de dação em cumprimento até ao dia 23.03.2012, Promoção Imobiliária, Lda. e empreiteira R.R. – Construções, S.A., obrigaram-se, solidariamente entre si, a pagar à Requerente a quantia de € 73.466,00 até ao dia 15.9.2012.
18. A Promoção Imobiliária, Lda. e a empreiteira R.R.– Construções, S.A., não pagaram à Requerente a quantia referida.
19. Nos termos da cláusula sexta do acordo já referido, a Requerente, Promoção Imobiliária, Lda. e empreiteira R.R. – Construções, S.A., conferiram plena exequibilidade extrínseca a tal documento, nos termos e para os efeitos da alínea c) do nº 1 do artigo 46º do CPC.
20. Tendo por base este título executivo, a Requerente instaurou contra a I Promoção Imobiliária, Lda. e contra a empreiteira R.R.– Construções, S.A., em 26.09.2012, uma acção executiva, que se encontra a correr termos na Comarca da Grande Lisboa-Noroeste-Sintra-Juízo de Execução-Juiz 2, sob o Processo nº 23245/12.6T2SNT.
21. Em 31.10.2013, a Promoção Imobiliária, Lda. e a empreiteira R.R.– Construções, S.A., requereram nesses autos ao senhor agente de execução o seguinte: “que se digne a proceder à liquidação da responsabilidade das Executadas, com vista à cessão da execução pelo pagamento voluntário da quantia exequenda”, o que vieram efectivamente a fazer, entregando ao senhor agente de execução o valor de € 83.669,63, correspondente aos valores de capital, juros de mora e despesas com a execução em dívida.
22. Do montante total, € 75.244,96 foram entregues à Requerente, sendo € 73.683,05 a título de quantia exequenda e € 1.561,91 a título de juros calculados às respectivas taxas comerciais supletivas, desde 26.09.2012 a 1.11.2013.
23. A R.R. – Construções, S.A. é devedora da Requerente, até à presente data, na quantia de € 188.280,41, a título de capital, pela soma das facturas, notas de débito, saques e letras enunciadas, já deduzida a quantia paga pela Requerida e pela R.R. – Construções, S.A. no âmbito do processo 23245/12.6T2SNT.
24. Devido aos sucessivos atrasos no cumprimento, a R.R. – Construções, S.A. caiu e continua em mora e, consequentemente, constituiu-se na obrigação de indemnizar a Requerente pelos prejuízos que daí decorrem, os quais se traduzem em juros moratórios, no valor total de € 53.456,74.
25. A R.R. – Construções, S.A. deve à Requerente a quantia global de € 241.737,15, acrescida dos juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento do capital em dívida, sendo que a devedora primária da Requerente é a R.R.– Construções, S.A., embora a Promoção Imobiliária, Lda. também o fosse – a título solidário – quanto à parcela de € 73.466,00.
26. Existem estreitas relações comerciais entre a ora Requerida, a R.R. – Construções, S.A. e a Promoção Imobiliária, Lda., as quais são constituídas pelas mesmas pessoas e ainda actuam de forma concertada, sem distinção efectiva das personalidades jurídicas individuais.
27. A R.R. – Construções, S.A. e a Requerida são administradas por Daniel …., na qualidade de Presidente do Conselho de Administração, e Rosário …., na qualidade de Vice-Presidente do Conselho de Administração, que são gerentes da Promoção Imobiliária, Lda..
28. A R.R. – Construções, S.A. e a Requerida são detidas pela sociedade R.R.– Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A., com sede na Rua .., gerida pelos mesmos Administradores, num quadro de grupo societário, sociedade que, a par da Requerida, detém a totalidade das quotas da Promoção Imobiliária, Lda..
29. A Requerida, a Promoção Imobiliária, Lda., a R.R. – Construções, S.A. e demais sociedades de grupo, partilham a mesma sede, na Rua dos ….., a qual está fechada e desocupada, sem quaisquer bens ou pessoas.
30. Na obra dos autos, a R.R. – Construções, S.A. sempre apresentou o prédio em crise como sendo seu, sem alguma vez mencionar a existência da qualquer uma das restantes sociedades do grupo R. R.
31. A Requerente sempre tratou dos assuntos da obra dos autos com a R.R.– Construções, S.A., razão pela qual, A Requerente – e sabe-se hoje, todos os credores da R.R. – Construções, S.A. e demais sociedades do grupo, entre as quais se inclui a ora Requerida – sempre desconheceram a existência do grupo R.R..
32. A R.R. – Construções, S.A. é a sociedade comercial que, de empreitada, executa as obras nos prédios propriedade da Requerida, com vista ao seu aproveitamento imobiliário posterior, designadamente mediante venda, por estas.
33. Na sequência da diminuição da actividade do imobiliário e da construção civil, a R.R. – Construções, S.A. deixou progressivamente de honrar os seus compromissos perante os seus credores.
34. A R.R.–Construções, S.A., a Requerida e demais sociedades do grupo são, presentemente, demandadas, como ré, executada, ou requerida, em diversos processos de condenação cível, execução, insolvência ou injunção, por falta de pagamento a subempreiteiros e a fornecedores dos trabalhos ou serviços a eles contratados.
35. Tendo a mesma administração, a Requerida, R.R. – Construções, S.A. e demais sociedades do grupo conhecem a existência das dívidas umas das outras – sobretudo da R.R. – Construções, S.A. –, já vencidas, em relação a terceiros, designadamente, a subempreiteiros, como a Requerente, em obras nas quais a Requerida é dona de obra.
36. Nos processos em curso entre as partes narrados, a R.R.– Construções, S.A., a Requerida e demais sociedades do grupo, nunca contestam os valores reclamados pela Requerente, assumindo a Requerida as expensas processuais das respectivas lides.
37. Entre todos os processos as mandatárias da Requerida, R.R. – Construções, S.A. e demais sociedades do grupo são as mesmas e as testemunhas por elas arroladas são, grosso modo, as mesmas.
38. A Requerente tem recebido amiúde comunicações de funcionários das sociedades do grupo R.R.–, entre elas da Requerida, referentes ao decurso dos processos que opõem as partes.
39. As comunicações que a Requerente tem recebido já lhe são endossadas pelo administrador de todas as sociedades do grupo R.R., Daniel …., na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da R.R.– Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A..
40. As sociedades do grupo R.R.–, entre as quais a ora Requerida, em conluio, estão também a dissipar património da esfera jurídica da R.R.– Construções, S.A., para o das restantes, assumindo a R.R. – Construções, S.A. todas as dívidas do grupo, ficam as demais com os seus activos, na sua maioria imóveis construídos e não pagos aos subempreiteiros e fornecedores, por forma a prejudicar os créditos não só da R.R.– Construções, S.A., como dos demais credores.
41. Na presente data, a R.R. – Construções, S.A. não possui quaisquer bens em seu nome, designadamente depósitos bancários, bens imóveis ou veículos susceptíveis de penhora, ou todos estão já penhorados ao abrigo de execuções promovidas pelos seus diversos credores.
42. A Requerida, por seu turno, tem todos os seus bens onerados a instituições bancárias, enquanto não proceder à sua venda no âmbito da sua actividade de compra e venda para revenda de imóveis.
43. Todas as sociedades do grupo R. R., incluindo a ora Requerida, agiam e continuam a agir como se de uma única sociedade se tratasse.
44. A Requerida, R.R.– Construções, S.A., e demais sociedades do grupo, multiplicam-se em actividades diversas para, através da segmentação, da distinção de personalidades jurídicas e da limitação da responsabilidade típica das sociedades comerciais por cada uma delas, beneficiarem dos acréscimos patrimoniais que umas dão às outras, designadamente decorrentes (i) da execução de obras de construção de civil por entidades diferentes (R.R.– Construções, S.A.) dos proprietários dos imóveis onde elas decorrem (a Requerida) e (ii) do posterior incumprimento das obrigações de umas delas (R.R.– Construções, S.A.) perante terceiros (como a Requerente), deixando as demais (Requerida e demais sociedades do grupo) titulares de activos prontos a comercializar, percepcionando os rendimentos correspondes, sem contabilização dos respectivos custos, decorrentes daquele incumprimento (ii) .
45. Tal prática, de actuação encapotada da R.R.– Construções, S.A., da Insolvente e demais sociedades do grupo, consubstancia um abuso inaceitável do instituto da personalidade colectiva, já que atenta contra a confiança legítima e da fé pública que deve merecer tal instituto jurídico, actuando em manifesto abuso de direito, conforme previsto no artigo 334.º do Código Civil.
46. No caso em apreço, estamos perante uma clara situação de personalidades jurídicas individuais meramente aparente, sendo manifesto que a Requerida, a R.R. – Construções, S.A. e demais sociedades do grupo funcionam na prática como se não houvesse autonomia patrimonial ou sequer esferas jurídicas diferentes, agindo em nome umas das outras, por forma a criar confusão junto dos credores, e a prejudicá-los nos seus créditos, e a receber os incrementos patrimoniais correspondentes, em claro abuso de direito,
47. É imperativo que venha a ser reconhecido e utilizado o instituto da desconsideração da personalidade jurídica da Requerida, da R.R. – Construções, S.A. e demais sociedades do grupo R.R., passando aquelas a ser consideradas apenas uma única sociedade, e a Requerente e demais credores de todas aquelas, legitimados a exercer contra as mesmas todos os seus direitos.
48. A Requerente apresentou, em 30.12.2013, providência cautelar de arresto contra a Requerida, a R.R.– Construções, S.A., a Promoção Imobiliária, Lda., e a R.R.– Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A., junto do Juízo de Grande Instância Cível de Sintra da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, que aí corre termos no Juiz 1 da 1.ª Secção, sob o n.º 28202/13.2T2SNT, requerendo, por desconsideração da personalidade jurídica de todas as quatro sociedades mencionadas, incluindo a Requerida, o arresto dos bens daquelas para garantia do pagamento do crédito existente.
49. Ficou demonstrado no âmbito dessa providência cautelar, devido não só à prova documental aí oferecida, mas também à prova testemunhal produzida, que todas as quatro sociedades, incluindo a aqui Requerida, agiam e continuam a agir como se de uma única sociedade se tratasse, constituindo a relação de grupo entre sociedades comerciais formalmente distintas, neste caso, uma mera aparência.
50. Em acção de pedido de insolvência da sociedade Promoção Imobiliária, Lda., apresentada pela ora Requerente, que corre termos no Juízo do Comércio de Sintra, na Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, sob o processo 7117/14.2T2SNT, foi proferida sentença ainda não transitada em julgado, que decidiu: “( …)
51. De igual forma, em providência cautelar movida contra a sociedade Construção e Reabilitação, S.A., pela ora Requerente, que corre termos no 2.º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial de Oeiras, sob o processo n.º 1673/14.2TBOER, ficou demonstrado que também esta sociedade faz parte do Grupo R.R.,conforme sentença que decidiu: “( …)
52. O crédito reclamado perante a Insolvente foi já reconhecido pelo Sr. Administrador de Insolvência, sendo que só não o foi como garantido, titulado pela retenção do prédio urbano sito em Cacilhas, Rua ... registado na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob a ficha 4345, na matriz 6553 da freguesia de Oeiras e São Julião da Barra.
53. Em 11 de Maio de 2012, a Requerente comunicou à R.R.– Construções, por missiva por esta recebida, o seguinte: (…)
54. Em 11 de Julho de 2012, a Requerente comunicou à R.R.- Construções, por missiva por esta recebida, a retenção da obra, e para fazer valer os direitos daí advenientes, a Requerente procedeu à vedação do perímetro exterior da obra, com redes suas, colocando um portão com cadeado com chave sua junto à entrada do estaleiro da obra sendo esta a única porta de acesso à mesma, por forma a impedir o acesso à obra de qualquer terceiro, designadamente das várias sociedades do Grupo R.R.
55. Recebidas as comunicações de suspensão dos trabalhos e de retenção da obra, nenhuma das sociedades do Grupo R.R. nada mais disseram à Requerente, não provocaram qualquer nova tentativa de conciliação entre as partes, nem procuraram por qualquer meio que a Requerente lhes entregasse a obra.
56. A obra adjudicada pela R.R.- Construções à Requerente continuou suspensa, razão pela qual nenhuma das sociedades do Grupo R.R. recebeu a obra da Requerente para efeitos de recepção provisória.
57. A Requerente tinha, desde então, a posse da obra propriedade da Insolvente, a qual beneficia da obra que a Requerente construiu sem lhe pagar o preço devido.
58. Em 22.08.2012, as sociedades do Grupo R.R. fizeram deslocar à Torre de Oeiras, ao local retido pela Requerente, diversos trabalhadores e colaboradores, com o intuito de recuperarem a posse do mesmo.
59. Logo em 22 de Agosto de 2012, a Requerente intentou nas Varas Cíveis de Lisboa, sob o nº 1669/12.9TVLSB, a competente providência cautelar de restituída provisória da posse da obra dos autos, acompanhada da injunção contra a 1.ª Requerida de se abster de perturbar a posse da Requerente e da aplicação de competente sanção dissuasora dessa conduta.
60. Após a remessa do processo para o Tribunal Judicial de Oeiras, em 4 de Outubro de 2012, notificada à Requerente por notificação expedida em 8 de Outubro de 2012, foi concedida parcialmente a providência requerida, tendo sido proferida a seguinte Decisão: “Pelo exposto, restitui-se provisoriamente à requerente a posse da obra ‘Construção de arranjos exteriores e arranjos paisagísticos na envolvente da Torre de Oeiras ’ – e autoriza-se a vedação da obra com redes metálicas, deixando-se livre um corredor de acesso directo, com pelo menos 3 metros de largura, à entrada principal da “Torre de Oeiras ”.
61. A posse da obra veio a ser restituída à Requerente, que a mantém desde então, tendo a Requerente já dado entrada da respectiva acção principal, que naquele Tribunal de Oeiras corre termos sob o nº 7969/12.0TBOER.
62. Provada que está a inexistência de real separação de personalidades jurídicas entre as sociedades do Grupo R.R., e especificamente entre a Insolvente e a R.R.-Construções, suficiente para o levantamento da personalidade jurídica de cada uma destas sociedades do grupo R,R, a Requerente é também credora da ora Insolvente, e como tal, tem o direito de retenção sobre o prédio objecto da empreitada, o qual é oponível a qualquer uma das sociedades do Grupo, em particular, à Insolvente e à R.R. - Construções, S.A..
63. O crédito ora referido, relativo a capital, constitui um crédito garantido sobre a insolvência nos termos do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 47º do CIRE, não podendo deixar de assim ser graduado.
Termina a impugnante, requerendo que seja ordenada a graduação como garantidos dos créditos já reconhecidos e reclamados pela Requerente, no valor de € 188.280,41, referentes a capital em dívida, mantendo a graduação como subordinados dos créditos relativos a juros, conforme lista de credores reconhecidos.
Foi apresentada resposta pelo credor BANCO, S.A., impugnando os factos alegados por ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, S.A., concluindo pela inexistência do crédito ou, quando assim não se entenda, pela sua qualificação como comum.
Invocou o aludido credor, na sua resposta, o seguinte:
1. Da lista junta pelo Senhor Administrador de Insolvência em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 129º do ClRE, foram reconhecidos à sociedade Engenharia e Construção S.A., com natureza comum, créditos no montante global de € 241.737,15, decorrentes de "subempreitada", impugnando Banco S.A. o reconhecimento de tais créditos.
2. Reclama a credora impugnante "Engenharia e Construção S.A." nos presentes autos, o pagamento da quantia de € 188.280,41, que apurou decorrente i) da alegada emissão de várias facturas e notas de débito por conta dos trabalhos executados na obra que terão sido, por si, enviadas à R.R.- Construções S.A ... "que as aceitou sem as devolver ou delas reclamar"; ii) despesas de saque e reformas de letras, vencidas e não pagas que aquela sociedade entretanto terá emitido para pagamento das mesmas facturas.
3. E cujo pagamento agora reclama da Insolvente R.R. II Imobiliária, S.A. por entender que "existem e estreitas relações comerciais" entre a Insolvente, a sociedade R.R.-Construções, S.A. e a Promoção Imobiliária, Lda, que "actuam de forma concertada, sem distinção efectiva das personalidades juridicas individuais", "como se de uma única sociedade se tratasse", "em manifesto abuso de direito ", funcionando "na prática como se não houvesse autonomia patrimonial ou sequer esferas jurídicas diferentes, agindo em nome umas das outras por forma a criar confusão junto dos credores e a prejudica-la nos seus créditos".
4. Entende, assim, a impugnante, para efeitos de reconhecimento do seu crédito na presente insolvência, ser de atender ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica dessas sociedades, para poder exigir (também) da Insolvente o crédito que agora reclama.
5. O crédito da impugnante não deveria ter sido reconhecido pelo Senhor Administrador da Insolvência
6. O BES não foi parte no alegado contrato de subempreitada nem tão pouco teve intervenção nos acordos alegadamente celebrados entre a ora Reclamante e as sociedades R.R.- Construções SA. e Promoção Imobiliária, Lda., sendo, por isso, absolutamente alheio a todas as vicissitudes contratuais alegadas em sede de reclamação de créditos.
7. De todo o modo, face aos factos articulados pela própria Reclamante não pode o BANCO S.A., deixar de se insurgir quanto ao reconhecimento do crédito da credora aqui em apreço, por parte do Senhor Administrador da Insolvência.
8. Desde logo, o que decorre da Reclamação de créditos e dos documentos que a acompanham é que a sociedade devedora do crédito aqui reclamado pela ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, S.A., é a sociedade R.R.- Construções Lda. que, contrariamente ao alegado/pretendido pela Reclamante, não se confunde com a ora Insolvente ainda que se admita que integram um mesmo grupo societário.
9. E, contrariamente ao que acontece nas fusões, o grupo de sociedades pressupõe que cada sociedade participante mantenha a sua completa autonomia jurídica e patrimonial.
10. Assim, ainda que a Insolvente integre uma das sociedades do designado Grupo "R.R." não é dominada nem domina qualquer uma das duas sociedades acima referidas.
11. Pelo que, contrariamente ao pretendido pela ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, S.A.,. cada uma das indicadas sociedades responde com o seu património próprio, pelas respectivas dívidas – cfr. art.º 817.º C.C.
12. Não obstante, sendo a R.R-Construções Lda e a Promoção Imobiliária, Lda., efectivamente participadas da sociedade R.R. - Sociedade Gestora de Participações Sociais SA., também ela insolvente, no limite, só esta - e apenas se e enquanto sociedade totalmente dominante - poderia ser responsabilizada pelo pagamento das dívidas das suas participadas/subordinadas - cfr. artigo 510.º do CSC - e já não as participadas entre si.
13. Para cada uma das aludidas sociedades foram - disso bem sabendo a Reclamante - que para cada uma das supra identificadas sociedade correm termos processos de declaração de Insolvência distintos; a saber: i) A sociedade R.R.-Construções SA foi declarada insolvente por sentença proferida em 14/0212014, pelo extinto Juízo do Comércio de Sintra no âmbito do processo que corre termos sob o n.º 355/12.4TYLSB.
ii) A sociedade R.R. - Sociedade Gestora de Participações Sociais SA., foi declarada insolvente por douta sentença proferida em 05/02/2014, pelo extinto Juízo do Comércio de Sintra no âmbito do processo que corre termos sob o n.º 25834113.2TYLSB.
iii) A sociedade Promoção Imobiliária, Lda. foi declarada insolvente por sentença proferida pelo mesmo juízo do comércio em 14/07/2014, no âmbito do processo n.º 7117/14.2 T2SNT.
14. Encontrando-se, designadamente, o crédito reclamado pela credora ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, S.A., aqui em crise definitivamente reconhecido no processo de insolvência n.º 355/12.4TYLSB da R.R.- Construções SA., pelo que não poderia/deveria ter sido, igualmente, reconhecido, pelo Senhor Administrador da Insolvência, nos presentes autos.
15. Com efeito, é por demais evidente que não tendo sido parte no contrato de subempreitada do qual emerge o crédito que se impugna, não pode o seu pagamento ser exigido à ora Insolvente.
16. Em síntese, a R.R. II sociedade Imobiliária Lda., enquanto sociedade absolutamente distinta das demais sociedades do grupo, não pode ser responsabilizada pelo pagamento de dívidas, reconhecidamente, contraídas pela sociedade R.R.-Construções, SA.
17. Acresce que a alegada desconsideração da personalidade colectiva das referidas sociedades - o que, desde logo, se impugna por se desconhecer se a factualidade alegada pela impugnante é verdadeira – sai prejudicada com a declaração de insolvência de cada uma das sociedades envolvidas na empreitada da obra aqui em apreço.
18. Apenas podendo ter ainda alguma relevância - admite-se por hipótese - para efeitos de qualificação da insolvência.
19. Em síntese, não sendo a insolvente devedora, a nenhum título da "Estrela do Norte, SA.", não pode o crédito reclamado por esta credora ser reconhecido nos presentes autos.
20. Caso assim se não entenda, o que apenas por hipótese se admite, sempre se dirá que dos documentos juntos e dos factos alegados pela Reclamante, não se apura o montante do crédito reclamado pelo que deve a ora Reclamante ser notificada para vir aos autos esclarecer de que forma foi o mesmo liquidado.
Termina a credora BANCO, S.A., requerendo que a presente impugnação seja julgada procedente, por provada e, em consequência, não ser reconhecido à credora Engenharia e Construção S.A, a totalidade dos créditos, por esta, reclamados. Ou, caso assim se não entenda, o que apenas por hipótese admite, e ser reconhecido algum crédito à credora Engenharia e Construção S.A., deve a mesma ser notificada para vir aos autos esclarecer como procedeu ao cálculo do crédito reclamado uma vez que o mesmo não resulta cabalmente demonstrado dos documentos juntos e dos factos, por si, articulados.
Em 24.11.2017 foi proferido despacho, nos seguintes termos: 1) DO VALOR DA CAUSA Nos termos dos arts. 297º, nº 1, 1ª parte, e 306º, nº 1, do CPC, fixo o valor da causa em conformidade com o valor do crédito invocado pela impugnante ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, S.A.: €188.280,41, e respondido pelo credor BANCO, S.A.; 2) DA AUDIÊNCIA PRÉVIA Dispenso a sua realização, de harmonia com o previsto no art. 593º, nº 1, do CPC. 3) SANEAMENTO (…) 4) DA VERIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS NÃO IMPUGNADOS Nos termos do previsto no art. 47º, nº 1, do CIRE: “Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração são considerados credores da insolvência (…)”. Dispondo o art. 136º, n.º 4, do CIRE que se consideram sempre reconhecidos “os créditos incluídos na respectiva lista e não impugnados Assim sendo, julgo verificados os créditos constantes da lista apresentada e que não foram objecto de impugnação, pelos valores e com a classificação ali constante. Estatui o art. 131º nº 3, do CIRE que a resposta à impugnação deduzida deve ser apresentada dentro de 10 dias subsequentes ao termo do prazo para impugnação, sob pena de a impugnação ser julgada procedente. Consequentemente, uma vez que não existiu resposta à impugnação apresentada pelo Banco, S. A. pugnando pela eliminação do crédito de PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. e atento o efeito cominatório estatuído no citado preceito legal, julgo procedente a impugnação e, consequentemente não reconhecido o crédito de PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA.. 5) OBJECTO DO LITÍGIO Verificação, classificação e graduação do crédito invocado pela impugnante ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, S.A.. 6) TEMAS DA PROVA - Cumpre aferir(…)
Em tal despacho foi ainda admitida a prova documental e testemunhal e designada data para a audiência de julgamento.
Foi levada a efeito a audiência de julgamento, em 30.01.2018, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, em 16.03.2018, na qual se considerou que: No caso dos autos, provou-se que a sociedade dominante é a R.R. – SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A. uma vez que é a titular de 100% das acções da sociedade R.R. – CONSTRUÇÕES, S.A. e de 100% das acções da sociedade insolvente, as quais consubstanciam as sociedades dominadas. Ora, inexiste qualquer fundamento legal para responsabilizar uma sociedade subordinada pelas dívidas de outra. Sendo que, não resultaram provados quaisquer factos que permitam concluir pela existência de confusão patrimonial entre a impugnante e a insolvente. Assim sendo, julgo não verificado o crédito da impugnante ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, S.A..
Consta do Dispositivo da Sentença o seguinte: Nos termos do exposto: A) Não reconheço o crédito da impugnante ESTRELA DO NORTE – ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, S.A. B) Graduo os créditos do seguinte modo: (…) Sem tributação autónoma. Registe e notifique.
Inconformada com o assim decidido, a impugnante ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, S.A., interpôs, em 03.04.2018, recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.
São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente: i. O Douto Tribunal a quo errou na apreciação da prova trazida aos presentes autos e produzida em sede de audiência de julgamento. ii. Com efeito, foi produzida prova suficiente para dar como provados os factos que constam da sentença como não provados “a.” e “b.”, os quais são essenciais para o mérito da decisão. iii. Do testemunho prestado pelo Administrador de Insolvência, apenas o desconhecimento que demonstrou sobre factos passíveis de analisar na contabilidade das sociedades, foi valorado pelo Tribunal como prova contrária ao alegado pela Recorrente. iv. Ficou assim por valorar e apreciar as declarações prestadas pelo Administrador de Insolvência no sentido de que existia de facto uma confusão de patrimónios entre a Insolvente e as restantes sociedades do grupo. v. No caso em apreço a Insolvente e as restantes empresas do grupo R.R. funcionavam no mesmo local, com vista a um mesmo fim, com os mesmos representantes legais, com o mesmo técnico oficial de contas, com conhecimento mútuo das dívidas umas das outras, com os mesmos trabalhadores e mesmos objectivos e actuavam como se de uma única sociedade se tratasse. vi. Desta forma as fronteiras da autonomia patrimonial de cada uma das sociedades revelavam-se fluidas. vii. A R.R.- Construções, S.A. era quem assumia as dívidas decorrentes da construção de imóveis ao passo que a propriedade de tais imóveis permanecia na esfera das outras empresas do grupo. viii. Através do esquema supra referido a Insolvente bem como as restantes sociedades do grupo, dando um uso manifestamente ilícito e abusivo à personalidade jurídica de cada uma delas, prejudicavam os interesses dos Credores. ix. Este facto, para além de plenamente suportado pelo depoimento do Administrador de Insolvência, também facilmente se extrai da prova documental junta com a impugnação de créditos, nomeadamente da sentença proferida pelo mesmo Tribunal, no âmbito do processo n.º 7117/14.2T2SN, a qual reconheceu na íntegra o crédito da Recorrente, por meio da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica ao grupo R.R., não tendo esta sido valorada pelo Tribunal a quo. x. Não obstante ter sido produzida prova bastante dos factos acima descritos, o Tribunal optou por valorar apenas a prova testemunhal e, exclusivamente, no sentido que bem entendeu. xi. Encontram-se verificados os pressupostos que permitem a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, ainda que no presente caso estejamos perante uma relação de domínio total, pelo que o crédito da Recorrente deveria ter sido verificado. xii. Pelo facto das sociedades que contrataram com a Recorrente não terem cumprido com as suas obrigações, aquela exerceu o direito de retenção sobre a obra, até pagamento dos valores que lhe eram devidos. xiii. A existência deste direito de retenção foi confirmado pelo Administrador de Insolvência e bem assim pelos documentos juntos pela Recorrente na sua impugnação. xiv. Pelo que o referido crédito, para além de verificado deverá ser qualificado como garantido.
Pede, por isso, a recorrente, que a apelação seja julgada totalmente procedente, por provada e, em consequência, ser a sentença recorrida revogada, julgando-se o crédito da Recorrente como verificado e graduado como garantido.
A credora/recorrida BANCO, S.A apresentou contra-alegações, em 23.03.2018, propugnando pela improcedência do recurso e formulou as seguintes CONCLUSÕES:
i. Vem a Recorrente interpor recurso da douta sentença do Tribunal a quo por entender que ficou demonstrado a confusão patrimonial entre sociedades do mesmo grupo que contrataram com a credora e, como tal, com recurso ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica, julgado o seu crédito verificado e graduado como garantido.
ii. É completamente infundado o presente recurso, na medida em que nenhuma censura merece a douta sentença proferida.
iii. Com efeito, não foi produzida qualquer prova - documental e testemunhal- indiciária que permitisse aplicar o instituto da desconsideração da personalidade colectiva da sociedade Insolvente.
iv. Pelo que, concluiu bem o douto tribunal a quo ao considerar iaexistir qualquer fundamento legal (por manifesta ausência de prova) para responsabilizar uma sociedade subordinada pelas dívidas de outra, tanto mais que não resultaram provados quaisquer factos que permitam concluir pela existência de confusão patrimonial entre a impugnante e a insolvente.
v. Por maioria de razão, inexistindo crédito sobre a insolvente, não podia ser reconhecido à ora Recorrente direito de retenção sobre o imóvel melhor descrito na verba n.º J do auto de apreensão, propriedade da insolvente.
vi. Acresce que, não resultaram também provados quer o incumprimento do contrato, quer a posse do imóvel, pela Recorrente. vii. Face ao exposto, não merce qualquer censura a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões: i) DA REAPRECIAÇÃO DA PROVAGRAVADA em resultado da impugnação da matéria de facto ii) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS O que implica a ponderação sobre a problemática do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
III . FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Foi dado como provado na sentença recorrida, o seguinte:
1. A impugnante ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, S.A. e a sociedade R.R.– CONSTRUÇÕES, S.A., acordaram, em Dezembro de 2010, que a primeira efectuaria os trabalhos de execução de arranjos exteriores e arranjo paisagístico, na obra que a segunda se encontrava a efectuar no prédio descrito sob o nº 4345, da freguesia de Oeiras e São Julião da Barra, concelho de Oeiras.
2. R.R. – CONSTRUÇÕES, S.A., a impugnante e PROMOÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA, em 06-02-2012, declararam, de relevante, que: a. A primeira reconhece que se encontram executados trabalhos pela segunda, no valor de €236.237,98, dever à primeira a quantia de €236.237,98; b. A primeira reconhece dever à segunda €167.161,88. c. A segunda que efectuará, para além dos trabalhos referidos em 1., os trabalhos de adicionais de electricidade, pelo valor de €93.218,60.
3. A impugnante emitiu as facturas e as notas de débito concernentes aos acordos referidos em 1. e 2. à sociedade R. R.– CONSTRUÇÕES, S.A..
4. A sociedade R.R. – SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A. é titular de 100% das acções da sociedade R.R. – CONSTRUÇÕES, S.A. e de 100% das acções da sociedade insolvente.
B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
i. DA REAPRECIAÇÃO DA PROVAGRAVADA em resultado da impugnação da matéria de facto
Os poderes do Tribunal da Relação, relativamente à modificabilidade da decisão de facto, estão consagrados no artigo 662º do CPC, no qual se estatui: (…)
No que concerne ao ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelece o nº 1 do artigo 640º do CPC que o recorrente deve, sob pena de rejeição, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Acresce que, nos termos do n.º 2 alínea a) do artigo 640.º do CPC, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Considerando que, no caso vertente, a prova produzida em audiência foi gravada, e a recorrente cumpriu o preceituado no supra referido artigo 640º do CPC, pode este Tribunal da Relação proceder à sua reapreciação uma vez que dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os factos em causa.
A recorrente está em desacordo com a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, relativamente à matéria dada como não provada.
Defende, portanto, a recorrente, que deverão ser aditados aos Factos Provados a seguinte factualidade dada como não provada porquanto a mesma, segundo a recorrente, resultou provada:
a) A existência de confusão entre os patrimónios da insolvente e da sociedade R. R.–Construções, S.A., e demais sociedades do grupo.
b) A existência de um intuito de prejudicar terceiros por parte dos legais representantes da insolvente e das restantes sociedades do grupo.
Fundamenta a recorrente, em suma, que:
§ a sociedade R.R. – Construções, S.A. e a Insolvente são administradas por Daniel …., na qualidade de Presidente do Conselho de Administração, e . Rosário …., na qualidade de Vice-Presidente do Conselho de Administração, que também são Gerentes da Promoção Imobiliária Lda.
§ Tanto a R.R.- Construções, S.A., como a Insolvente são detidas pela sociedade R. R.– Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A., a qual é gerida pelos aludidos Administradores, Sociedade que, a par da aqui Insolvente, detém a totalidade das quotas da Promoção Imobiliária, Lda.
§ As aludidas sociedades partilham a mesma sede, sita na Rua ….
Há que aferir da pertinência da alegação da apelante, ponderando se, in casu, se verifica a ausência da razoabilidade da respectiva decisão em face de todas as provas produzidas, conduzindo necessariamente à modificabilidade da decisão de facto.
Foi auditado o suporte áudio e, concomitantemente, ponderada a convicção criada no espírito da Exma. Juíza do Tribunal a quo, a qual tem a seu favor o importante princípio da imediação da prova, que não pode ser descurado, sendo esse contacto directo com a prova testemunhal que, em regra, melhor possibilita ao julgador a percepção da frontalidade, da lucidez, do rigor da informação transmitida e da firmeza dos depoimentos prestados, levando-o ao convencimento quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas.
Há, pois, que atentar na prova gravada e na supra referida ponderação, por forma a concluir se a convicção criada no espírito do julgador de 1ª instância é, ou não, merecedora de reparos.
Vejamos:
Como acima ficou dito o Tribunal a quo não deu como provado que:
a) existisse confusão entre os patrimónios da insolvente e da sociedade R. R.–CONSTRUÇÕES, S.A. de confusão patrimonial entre as sociedades que contrataram com a credora impugnante e a sociedade Insolvente.
b) houvesse intuito de prejudicar terceiros por parte dos legais representantes de tais sociedades e da sociedade insolvente.
Fundamentou a Exma. Juíza do Tribunal a quo, da seguinte formaa factualidade provada: (…)
Foi ouvido em audiência, em declarações, unicamente o Administrador da Insolvência, Alexandre, defendendo a apelante que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova produzida, no que concerne às declarações que foram prestadas pelo aludido Administrador da Insolvência.
Importa, então, analisar as citadas declarações prestados em audiência, a propósito da matéria de facto aqui em causa, em confronto com a restante prova produzida, nomeadamente documental, já que não foi produzida qualquer prova testemunhal, para verificar se a factualidade impugnada deveria merecer decisão em consonância com o preconizado pela apelante, ou se, ao invés, a mesma não merece censura, atenta a fundamentação aduzida pela Exma. Juíza do Tribunal a quo.
Todavia, há que ter em consideração que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a Lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial.
De harmonia com este princípio, que se contrapõe ao princípio da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, apenas cedendo este princípio perante situações de prova legal, nomeadamente nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, documentos particulares e por presunções legais.
E, com efeito, em face do teor das declarações prestadas pelo Administrador da Insolvência, globalmente analisado e ponderado, entende-se, tendo em conta as considerações antes aduzidas, que não há como alterar a decisão sobre a matéria de facto determinada na 1ª instância, no que concerne à factualidade dada como não provada.
Confirmou o Administrador da Insolvência a existência de um crédito da reclamante/apelante, relativamente à sociedade R.R. -Construções, S.A., decorrente de um contrato de sub-empreitada, inexistindo qualquer contrato firmado com a insolvente. Fez igualmente referência à circunstância da insolvente, tal como a devedora da reclamante, serem empresas do Grupo R.r., sendo este sócio o denominador comum de todas as sociedades, as quais funcionavam no mesmo espaço, sendo os mesmos os sócios.
Todavia, questionado em termos objectivos pela Exma. Juíza do Tribunal a quo, esclareceu que desconhecia se existia confusão patrimonial entre as sociedades do grupo. Não conseguiu apurar se alguma das empresas pagava dívidas de outras empresas ou se trabalhadores de uma das empresas eram pagos por outra.
Fez o Administrador da Insolvência referência a uma situação que constatou, consistente no facto da insolvente se ter associado a outra empresa para efectuarem um negócio em Carnaxide, não tendo a insolvente avançado com qualquer soma em dinheiro, antes resultando de um encontro de contas resultante de uma dívida do vendedor à empresa R.R.- Construções, S.A. Afirmou desconhece, no entanto, a origem desse encontro de contas, em que consistia o mesmo, se existiam dívidas entre as empresas do grupo, designadamente entre R.R. -Construções, S.A. e R.R. II – IMOBILIÁRIA, S.A., não revelando a contabilidade que se pretendesse beneficiar uma empresa do grupo em benefício de outra.
Mais esclareceu que, quando tomou posse do imóvel designado por Torre de Oeiras, ali se encontrava um guarda contratado pela R.R. II, declarada insolvente o qual ele próprio, enquanto Administrador da Insolvência, manteve até à entrega do imóvel ao BANCO. Nessa altura que tomou posse do imóvel não se encontrava ninguém da sociedade reclamante, admitindo que no logradouro do imóvel estava estacionado um camião àquela pertencente, que foi retirado a seu pedido.
Sobre a origem do imóvel “Torre de Oeiras” referiu que o dito imóvel foi comprado pela R. R. II a uma empresa que já estava insolvente, tendo o negócio sido efectuado, na altura, com o BES.
As declarações prestadas pelo Administrador da Insolvência foram objectivas, revestiram-se de credibilidade, segurança, sendo manifesta a sua isenção, não tendo sido produzida qualquer outra prova testemunhal, pelo que a convicção do julgador foi alicerçada com base nessas declarações para dar como não provada a factualidade subordinada aos Temas da Prova.
Perante tais declarações do Administrador da Insolvência, globalmente analisadas, em conformidade com o que acima ficou dito, e sendo certo que nenhuma das demais decisões, cujas cópias a reclamante/apelante juntou aos autos poderão ser atendíveis neste processo, nem fazem caso julgado nestes autos, uma vez que nelas não foi parte o credor Banco, S.A.
Entende-se, por conseguinte, que nada permite afastar a convicção criada no espírito do julgador do tribunal recorrido, convicção essa que não é merecedora de reparo, sendo perfeitamente adequada à prova produzida, quer no que concerne aos demais factos dados como provados, quer perante a ausência de prova credível para incluir nos Factos Provados, a matéria propugnada pela reclamante/apelante na sua alegação de recurso.
Aliás, fazendo apelo ao disposto no artigo 346º do Código Civil e, sobretudo, ao que decorre do artigo 414º do CPC, a dúvida sobre a realidade dum facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, pelo que sempre se teria de concluir, que não poderia ser dada como provada tal matéria propugnada pela reclamante/apelante, na sua alegação de recurso.
Mantém-se, pois, e nos seus precisos termos, a factualidade dada como não provada na 1ª instância.
Improcede, por conseguinte, tudo o que, em adverso, consta da alegação de recurso da apelante.
ii. DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.
No caso vertente verifica-se que o crédito reclamado pela apelante se reconduz, nomeadamente, a facturas e notas de débito emitidas pela reclamante, não em nome da insolvente, mas em nome da sociedade R.R-CONSTRUÇÕES, S.A., com a qual a reclamante havia celebrado um contrato de sub-empreitada.
Mais ficou apurado que a sociedade R.R-SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A. era detentora da globalidade do capital social das sociedades R.R.-CONSTRUÇÕES, S.A. e R. R. II-IMOBILIÁRIA, S.A., todas já declaradas insolventes – v. Nº 4 da Fundamentação de Facto.
A constituição e funcionamento das sociedades SGPS mostra-se regulada pelo Decreto-Lei nº 495/88 de 30 de Dezembro, sucessivamente alterado, sendo sociedades distintas das suas participadas.
Enquadram-se na figura geral das sociedades holding, sendo sociedades constituídas com o objectivo de intervir na gestão e controlo das sociedades participadas, exercendo os direitos sociais inerentes às respectivas participações, recebendo os respectivos lucros ou dividendos, bem como os rendimentos resultantes de eventuais alienações dessas participações sociais.
Na holding funciona também o princípio da separação. As sociedades agrupadas conservam em pleno a sua personalidade jurídica individual, mantendo a respectiva autonomia jurídico-patrimonial e jurídico-organizativa.
Como salienta MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, “A tutela dos credores das sociedades por quotas e a Desconsideração da Personalidade Jurídica”, 405-408, Os grupos de sociedades permitem, normalmente, a manutenção da independência jurídica entre cada um dos membros desses grupo, mas a sua constituição visa garantir uma direcção económica comum (…). O facto de uma sociedade se encontrar integrada num grupo altera a sua situação patrimonial, dado que o eventual sacrifício do seu interesse social ao interesse do grupo vai gerar na esfera deste último vantagens que só muito dificilmente poderão ser quantificadas, a troco de um sacrifício pelo qual a sociedade poder não ser, em concreto, compensada. Os grupos de sociedades caracterizam-se ainda por uma típica permeabilidade do património das sociedades do grupo. A garantia patrimonial dos credores de uma sociedade de grupo vê-se assim ameaçada.
Por virtude desses riscos derivados das relações de domínio para as sociedades dependentes, seus sócios minoritários e credores, o Código das Sociedades Comerciais estabeleceu uma disciplina típica – artigos 486º a 508º-G - destinada a regulamentar a actuação das sociedades em relação de domínio.
Resulta do nº 1 do artigo 486º do CSC que existe relação de domínio entre duas sociedades se uma delas puder exercer, directamente ou por sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo 483.º, n.º 2, sobre a outra, dita dependente, uma influência dominante.
Mas, como a “influência dominante” é um conceito indeterminado (ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, O levantamento da Personalidade Colectiva, 78), a lei presume, no nº 2 do citado normativo, que uma sociedade é dependente de outra, se esta detém uma participação maioritária no capital, se dispõe de mais de metade dos votos ou se tem a possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização.
Assim, no caso das sociedades em relação de domínio total aplicam-se, por remissão legal, designadamente, os artigos 501º a 504º do C.Soc.Com., sendo que a situação da responsabilidade da sociedade totalmente dominante pelas dívidas da sociedade subordinada, está prevista no artigo 501º, situação que se encontra salvaguardada pelo artigo 11º, nº 1 do mencionado diploma (DL nº 495/88 de 30 de Dezembro).
Preceitua, com efeito, o artigo 501º do CSC. sob a epígrafe “Responsabilidade para com os credores da sociedade subordinada”: 1. A sociedade directora é responsável pelas obrigações da sociedade subordinada, constituídas antes ou depois da celebração do contrato de subordinação, até ao termo deste. 2. A responsabilidade da sociedade directora não pode ser exigida antes de decorridos 30 dias sobre a constituição em mora da sociedade subordinada. 3. Não pode mover-se execução contra a sociedade directora com base em título exequível contra a sociedade subordinada.
E, dispõe o artigo 502º, sob a epígrafe, “Responsabilidade por perdas da sociedade subordinada”: 1. A sociedade subordinada tem o direito de exigir que a sociedade directora compense as perdas anuais que, por qualquer razão, se verifiquem durante a vigência do contrato de subordinação, sempre que estas não forem compensadas pelas reservas constituídas durante o mesmo período. 2. A responsabilidade prevista no número anterior só é exigível após o termo do contrato de subordinação, mas torna-se exigível durante a vigência do contrato, se a sociedade subordinada for declarada falida.
Resulta do artigo 503º sob a epígrafe, “Direito de dar instruções”: 1. A partir da publicação do contrato de subordinação, a sociedade directora tem o direito de dar à administração da sociedade subordinada instruções vinculantes. 2. Se o contrato não dispuser o contrário, podem ser dadas instruções desvantajosas para a sociedade subordinada, se tais instruções servirem os interesses da sociedade directora ou das outras sociedades do mesmo grupo. Em caso algum serão lícitas instruções para a prática de actos que em si mesmos sejam proibidos por disposições legais não respeitantes ao funcionamento de sociedades. 3. Se forem dadas instruções para a administração da sociedade subordinada efectuar um negócio que, por lei ou pelo contrato de sociedade, dependa de parecer ou consentimento de outro órgão da sociedade subordinada e este não for dado, devem as instruções ser acatadas se, verificada a recusa, elas forem repetidas, acompanhadas do consentimento ou parecer favorável do órgão correspondente da sociedade directora, caso esta o tenha. 4. É proibido à sociedade directora determinar a transferência de bens do activo da sociedade subordinada para outras sociedades do grupo sem justa contrapartida, a não ser no caso do artigo 502º.
E, dispõe o artigo 504º sob a epígrafe “Deveres e responsabilidades”: 1. Os membros do órgão de administração da sociedade directora devem adoptar, relativamente ao grupo, a diligência exigida por lei quanto à administração da sua própria sociedade. 2. Os membros do órgão de administração da sociedade directora são responsáveis também para com a sociedade subordinada, nos termos dos artigos 72º a 77º desta lei, com as necessárias adaptações; a acção de responsabilidade pode ser proposta por qualquer sócio ou accionista livre da sociedade subordinada, em nome desta. 3. Os membros do órgão de administração da sociedade subordinada não são responsáveis pelos actos ou omissões praticados na execução de instruções lícitas recebidas.
A responsabilidade estabelecida no aludido artigo 501º C.Soc.Com., é uma responsabilidade objectiva, assente na redistribuição do risco da exploração empresarial no seio de grupos societários, respondendo a sociedade dominante pelas dívidas da sociedade dependente, independentemente da culpa que tenha no não cumprimento (art. 84º do C.Soc.Com), sendo uma responsabilidade solidária, o que faz com que, pelo cumprimento unitário e integral das obrigações contraídas pela sociedade filha, responde esta e a sociedade mãe, com a particularidade relativa ao momento da sua exigibilidade à sociedade mãe, 30 dias sobre a constituição em mora da sociedade dominada. Subjacente ao aludido normativo está a tutela especial dos direitos dos credores de uma sociedade integrada no perímetro de um grupo societário em face dos riscos patrimoniais resultantes dessa integração – cfr. a propósito, Ac. STJ, de 31.05.2005 (Pº 05A1413), acessível em www.dgsi.pt.
Consagra-se, portanto, a responsabilidade da entidade que exerce o poder de subordinar a gestão da entidade subordinada, poder que se traduz no direito de a sociedade directora dar à administração da sociedade subordinada instruções vinculativas, mesmo que sejam desvantajosas para a sociedade subordinada, como se prevê no nº 2 do aludido artigo 503º do CSC.
De resto, resulta do nº 4 do mesmo normativo que a sociedade directora pode determinar a transferência de bens do activo da sociedade subordinada para outras sociedades, desde que exista uma “justa contrapartida”.
Por outro lado, o nº 1 do artigo 504º do CSC estabelece que os membros do órgão de administração da sociedade directora devem adoptar, relativamente ao grupo, a diligência que a lei exige na administração da própria sociedade, ou seja, a diligência de um gestor criterioso e ordenado, remetendo, por conseguinte, para o disposto no artigo 64º do CSC.
Sucede, porém, que ao sacrifício autorizado do interesse da sociedade subordinada devem corresponder determinadas contrapartidas que visem acautelar não só os interesses da própria sociedade subordinada e respectivos sócios, como também os interesses dos seus credores, regendo, quanto a este aspecto, o disposto nos artigos 501º e 502º do CSC que postulam, inequivocamente, a tutela dos credores da sociedade subordinada, uma vez que estes credores podem contar com um dupla protecção – cfr. MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, ob. cit., 420-421.
Mas, sempre que a norma prevista na lei societária não tiver aplicação ao caso em apreciação é possível o recurso ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade filha, que permite na falta de norma legal expressa a imputação de um dado efeito jurídico para além da própria pessoa colectiva a que ele formalmente respeita.
A desconsideração da personalidade jurídica (ou levantamento da personalidade coletiva (como refere Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo III, Almedina, Coimbra, 2004, pp. 627-649), é um instituto que foi arquitectado como forma de evitar que, sob a capa da personalidade jurídica colectiva, se prossigam interesses individuais em detrimento de terceiros, defraudando o escopo institucional e, em última análise, a respectiva intencionalidade normativa.
Todavia, para não pôr em causa a segurança jurídica decorrente do reconhecimento legal da pessoa coletiva, nem quebrar a relação de confiança entre os diversos sujeitos de direito, é possível o recurso ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica, que tem natureza subsidiária, i.e., quando o efeito que se pretende alcançar não seja possível obter através da aplicação de normas jurídicas especificamente formuladas pelo legislador e consagradas no CSC, como aquelas que acima se enumerou, para os casos de sociedades controladas por outra ou outras, ou ainda no artigo 78º, para os casos de tutela do crédito por inobservância culposa das disposições legais ou contratuais dos administradores-gerentes, ou, finalmente, nos artigos 84º e 270º-F, para os casos de mistura de patrimónios nas sociedades por quotas unipessoais.
Assim, no caso de ineficácia de todos estes mecanismos de tutela dos credores sociais, poderá haver necessidade de recorrer à aplicação da técnica da desconsideração da personalidade jurídica que obedece a rigorosos pressupostos, nomeadamente ao nível do abuso do direito, já que o aludido instituto da desconsideração da personalidade jurídica surgiu precisamente para corrigir abusos da pessoa colectiva, apenas podendo ser aplicado a título excepcional e para o caso concreto – cfr. neste sentido Ac. TRL de 08.11.2012 (Pº 1988/11.1TVLSB-B.L1), relatado pelo ora 1º adjunto, citando PEDRO CORDEIRO, A desconsideração da personalidade jurídica nas sociedades comerciais, in Novas perspectivas do direito comercial, Faculdade de direito da universidade clássica de Lisboa, Centro de estudos judiciários, Livraria almedina, Coimbra, 1988.
Não obstante a diversa sistematização e nomen iuris dados pelos autores que se têm debruçado sobre esta temática, este instituto é, em regra, chamado a resolver situações concretas em grupos de casos em que está em causa a tutela dos credores perante comportamentos abusivos e ilegítimos.
Pode sintetizar-se a sua aplicação, pelo menos, nas seguintes situações mais frequentes:
a) Subcapitalização da sociedade e Descapitalização provocada.
b) Confusão das esferas jurídicas / Mistura de patrimónios /Domínio qualificado de uma sociedade sobre a outra ou outras.
Defende ainda ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, autonomamente, a desconsideração da personalidade (levantamento da personalidade) no caso de atentado a terceiros e abuso de personalidade.
Sucede que em todos os casos nos quais se convoca o instituto da desconsideração da personalidade jurídica estão subjacentes situações de abuso de direito ou de exercício inadmissível de posições jurídicas.
Imposta analisar, ainda que perfunctoriamente, as identificadas situações.
Pode entender-se por subcapitalização a desproporção anormal entre o capital próprio e o volume de negócios da sociedade, podendo a desproporção ser meramente nominal (formal) ou material. Na primeira tratar-se-á de uma insuficiência meramente contabilística e que poderá ser resolvida pelos artigos 243º e ss do CSC (suprimentos). Será material, (originária ou superveniente) se essa insuficiência não for suprida por qualquer forma (capitais alheios, suprimentos, empréstimos), sendo reconhecida pelos sócios que nada fizeram para a suprir – v. JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. II, 3ª ed., 181-182.
Verifica-se uma subcapitalização relevante, para efeitos de desconsideração da personalidade jurídica, apenas as situações de desproporção material, manifesta ou qualificada.
Na descapitalização provocada, nomem juris atribuído a JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Diálogos com a jurisprudência, II - Responsabilidade dos administradores para com credores sociais e desconsideração da personalidade jurídica, Direito das Sociedades em Revista, Ano 2, Vol. 3, Almedina, Maio 2010, 56, podem estar em causa situações em que sócios de uma sociedade de responsabilidade limitada transferem o património da sociedade para outra, ou deslocam a produção para uma sociedade nova, por eles constituída, ou para uma sociedade já existente e que deles são sócios, tendo esta sociedade um objecto idêntico à descapitalizada.
Tratam-se de casos em que alguns autores entendem ser admissível a desconsideração da personalidade jurídica, posto que jamais será permitido que, deliberada e voluntariamente, os sócios agravem ou desencadeiem crises na sociedade, continuando a actividade empresarial noutra sociedade, sem dissolver a anterior sociedade ou declarar a sua insolvência.
Na responsabilização dos sócios através da descapitalização provocada estará sempre em causa o disposto no artigo 334º do Código Civil, ou seja, o abuso do direito, através da análise dos actos negociais tomados para atingir um fim ilegítimo de delapidação do património social da capacidade empresarial da sociedade.
A desconsideração nas apontadas circunstâncias não deixa de ser, para quem assim defende, mais uma resposta a uma manifestação de abuso institucional na utilização e funcionamento da forma jurídica societária – v. neste sentido, RICARDO COSTA, A responsabilidade dos gerentes de sociedade por quotas perante credores e desconsideração da personalidade jurídica, Cadernos de Direito Privado, nº 32, 2010, 52-70. E, do mesmo autor, Os administradores de facto das sociedades comerciais, Almedina, Março 2014, 184-185.
Para outros autores, nas situações designadas de descapitalização provocada, em que os sócios quase sempre actuam dolosamente e causam graves danos aos credores sociais, o resultado que se pretende atingir pela via de recurso à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica poderá ser alcançado através de normas jurídicas especificamente formuladas pelo legislador, como defende MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, ob. cit., 295-298, nomeadamente qualificando essas actuações como de “concorrência de sócios” em relação à sociedade, com as consequências decorrentes da lei (caso do artigo 254º do CSC), reconhecendo, é certo, por outro lado, a lei, a liberdade dos sócios de procederem a uma redução da própria dimensão do projecto empresarial, devendo a tutela dos credores realizar-se por respeito pelas regras da insolvência, mormente através do cumprimento pontual do dever de apresentação da sociedade à insolvência.
Finalmente, no que concerne à confusão de esferas jurídicas verifica-se esta situação quando, por inobservância de certas regras societárias ou, mesmo, por decorrências puramente objectivas, não fique clara, na prática, a separação entre o património da sociedade e a do sócio ou sócios ou entre o património da sociedade directora e o das sociedades subordinadas, com desrespeito à regras societárias, nomeadamente contabilísticas.
MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, ob. cit., 265 e ss. e 641 ponto 15, assume a posição de que, nos casos de a mistura de património ser reveladora da inexistência de uma “organização contabilística”, tal poderá requerer o recurso a soluções desconsiderantes.
Nas relações de coligação entre sociedades pode ocorrer relações de domínio nas quais a sociedade mãe possui um poder de direcção sobre as sociedades controladas, nelas existindo uma subordinação do interesse dos sócios individuais destas, encontrando-se esse poder e subordinação legitimados pelo regime jurídico destas sociedade de grupo já anteriormente analisado.
É, porém, admissível o recurso à desconsideração da personalidade jurídica da sociedade subordinada, em relação aos grupos de facto, responsabilizando subsidiariamente a sociedade dominante face à instrumentalização da sociedade dominada em exclusivo proveito da sociedade dominante.
Já no que concerne aos grupos de direito, não obstante serem permitidas instruções desvantajosas para a(s) sociedade(s) subordinada(s), a sociedade dominante poderá também ser responsabilizada através da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade dominante, caso se verifique uma subversão do interesse do grupo, ou seja, sempre que determinada actuação não foi praticada no interesse do grupo e que cause danos, nomeadamente aos credores ou aos trabalhadores, danos esses que se não mostrem salvaguardados por previsão legal especifica, nomeadamente pelos artigos 499º a 502º do CSC, acima analisados.
Nesses casos, a sociedade dominante utilizou abusivamente o regime societário e a segurança entre a mesma e a(s) sociedade(s) subordinada(s), justificando deste modo o recurso ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
É que, não são admissíveis abusos da personalidade colectiva, não se permitindo a utilização da sociedade como instrumento para provocar danos aos credores.
Como elucida J. M. COUTINHO DE ABREU, Responsabilidade Civil nas Sociedades em Relação de Domínio, Scientia Ivridica, Maio-Agosto 2012, Tomo LXI – Nº 329, 237, não é permitido aos sócios agravar ou despoletar a crise descapitalizando a sociedade, liquidando-a “a frio” ou inanindo-a em detrimento dos credores sociais. Menos ainda quando eles continuam a mesma atividade em outra sociedade; quando em vez que (re)investirem na sociedade em crise, investem noutra ou descapitalizam (mais) a primeira, desacautelando direitos e interesses dos credores desta. Havendo abuso de direito (abuso institucional), há ilícito. Se houver também culpa dos sócios, dano para os credores e nexo de causalidade entre ele e o comportamento ilícito e culposo, temos os pressupostos para responsabilizar os sócios para com os credores sociais – apesar de ser a sociedade devedora e pese embora o “princípio da separação (derrogado).
Importa, portanto, reiterar que ocorre sempre violação das regras impostas pela boa-fé quando a personalidade colectiva for usada, de modo ilícito ou abusivo, para prejudicar terceiros.
Não basta, portanto, uma ocorrência de prejuízo, causada a terceiros através da pessoa coletiva. É que, para haver “desconsideração” será necessário que se assista a uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios, sendo necessário, para tanto, a clara identificação dos actos danosos e as respectivas consequências no património social.
Ora, no caso em apreço, estamos perante um grupo de direito, no qual uma sociedade SGPS – R.R-SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A. - detém a totalidade do capital social das sociedades que integram o grupo – R. R.- CONSTRUÇÕES, S.A. e R.R. II IMOBILIÁRIA, S.A. (ora insolvente). Goza aquela, através dos respectivos administradores, do poder de direcção em relação às demais sociedades, encontrando-se estas subordinadas àquela, sendo, aliás, os administradores comuns a todas as sociedades.
Sabe-se também que, quer a sociedade dominante, quer as sociedades dominadas, todas já insolventes, tinham sede no mesmo local, reclamando a apelante o seu crédito sobre a sociedade dominada, R.R. - CONSTRUÇÕES, S.A., neste processo de insolvência da sociedade R. R. II IMOBILIÁRIA, S.A., invocando precisamente o recurso ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
Sucede que ainda que se pudesse entender que, designadamente, os credores sociais, não se encontram, em princípio, em condições de fazer prova da existência de comportamentos que impliquem o desrespeito pela separação de património, a verdade é que terão de estar demonstrados indícios seguros da existência de comportamentos societários que impliquem esse desrespeito pela separação de patrimónios.
E, na verdade, no caso em apreciação esses indícios seguros não se mostram evidenciados neste processo.
Não se produziu qualquer prova no sentido de demonstrar que todas as sociedades do grupo actuassem como se de uma sociedade única se tratasse, com actuações distintas daquelas que ocorrem em sociedades de grupo e, fundamentalmente, não se apurou que existisse uma actuação concertada no sentido de ser a sociedade R. R. - CONSTRUÇÕES, S.A., a assumir as dívidas do grupo, ficando os respectivos activos na esfera da outra sociedade dominada - a ora insolvente - ou que se tivesse apurado a ocorrência de qualquer transferência de património para outras empresas, ainda que não integradas neste grupo de empresas, provocando uma diminuição dos activos das empresas, mormente da sociedade devedora da reclamante/apelante, com prejuízo para os credores sociais individuais de cada empresa.
Considerando que por verificar ficou qualquer uma das situações acima tipificadas e sucintamente analisadas, susceptíveis de levar à aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica (subcapitalização, descapitalização, ou comportamentos ilícitos e abusivos que implicassem desrespeito pela separação de patrimónios), não se lobriga como seria possível responsabilizar uma das sociedades subordinadas pelas dívidas da outra sociedade subordinada, a ora insolvente, como bem se decidiu na sentença recorrida.
E, assim sendo, a apelação não poderá deixar de improceder, confirmando-se a sentença recorrida.
A apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Condena-se a apelante no pagamento das custas respectivas.
Lisboa, 6 de Setembro de 2018 Ondina Carmo Alves - Relatora Pedro Martins Arlindo Crua