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DESPEDIMENTO
JUSTA CAUSA
REQUISITOS
Sumário
I - A noção de justa causa de despedimento, pressupõe um comportamento culposo do trabalhador, violador de deveres estruturantes da relação de trabalho, que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral;
II - Integra justa causa de despedimento o comportamento da trabalhadora que não prestando contas de imediato dos valores que lhe eram confiados, como impunham as regras estabelecidas pelo empregador, se apropria, ainda que temporariamente, de forma dolosa e em proveito próprio, de tais valores que não lhe pertenciam, defraudando dessa forma a confiança que nela era depositada pelo empregador.
III – A longa antiguidade da trabalhadora, o bom comportamento anterior e a inexistência de antecedentes disciplinares, não afectam a adequação e a proporcionalidade do despedimento ao comportamento do trabalhador, desde que tenha sido irremediavelmente quebrada a relação de confiança que deve estar subjacente a vínculo laboral subordinado.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães
APELANTE: Manuela APELADO: Correios, S.A.,
Tribunal Judicial da Comarca de Bragança – Juízo do Trabalho de Bragança
I – RELATÓRIO
Manuela, residente na Rua … Mirandela intentou a presente acção, com processo especial, de impugnação da regularidade e licitude do despedimento promovido pela sua entidade empregadora CORREIOS, S.A., com sede na Av. … Lisboa, apresentando para tanto o respectivo formulário a que alude o artigo 98.º C do CPT. e requerendo a declaração da ilicitude ou irregularidade do seu despedimento
Realizada a audiência de partes e não tendo sido obtida a conciliação, foi a empregadora notificada para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado fundamentador do despedimento e juntar o original do procedimento disciplinar que conduziu ao despedimento do impugnante.
A entidade empregadora apresentou o respectivo articulado pugnando pela improcedência da acção e manutenção da decisão de despedimento com justa causa.
A Trabalhadora contestou, impugnando, parcialmente, os factos alegados pelo empregador, invoca a ilicitude do despedimento, por improcedência do motivo justificativo da justa causa e deduz pedido reconvencional, no qual reclama que se declare a ilicitude do despedimento e se condene o empregador, na sua reintegração e no pagamento dos salários não pagos desde o início da suspensão, tudo com as legais consequências, ou se assim não for entendido, lhe seja aplicada a sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de vencimento e de antiguidade por um período curto, com a pena suspensa por um ano, nos termos do artigo 51.º do Regulamento Disciplinar dos Correios (Portaria n.º 348/87 de 22 de Outubro).
O empregador veio responder pugnando pela improcedência da nulidade do procedimento invocada pela trabalhadora e reiterando a regularidade e licitude do despedimento.
Foi proferido despacho saneador tabelar, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizada a audiência de julgamento, foi pela Mma. Juíza a quo proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
“Perante o exposto, julgo totalmente improcedente, por não provada, a presente acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento e, em consequência, absolvo a R. empregadora Correios, S.A. do pedido contra si formulado pela A. trabalhadora Manuela. Custas pela A. trabalhadora, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido. Notifique. Registe.”
Inconformada com o decidido apelou a Trabalhadora para este Tribunal da Relação, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões:
1. A decisão em crise decidiu absolver a recorrida da ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento. 2. Tal decisão é errada por desproporcional e injusta face aos factos provados, pelas razões que a seguir se indicam:
1- A recorrente foi admitida nos quadros da requerida Correios S.A – Sociedade Aberta em 30-12-1999, tendo permanecido ao seu serviço até ao dia 28-09-2016, data em que foi suspensa do exercício das suas funções, tendo em 31-01-2017, sido notificada da sanção disciplinar de Despedimento. 2- A recorrente pertence ao grupo profissional de Técnica de Negócios e Gestão (TNA) e prestava, até à aplicação da sanção disciplinar do despedimento sem indemnização ou compensação, a sua atividade profissional aos balcões da Loja de Correios de Mirandela. 3- A recorrente desde que trabalha para a recorrida, sempre desempenhou com regularidade, e de forma honesta, as funções que desde início lhe foram confiadas, e cumpriu de forma adequada e com respeito pelas regras a que se vinculou para com os Correios, sua entidade patronal, tal como consta dos pontos 60, 62, 63 e 66 da matéria relativa aos factos provados de decisão em crise, respeitantes à matéria controvertida constante na contestação da recorrente. 4- Tal como consta do ponto 64 da matéria de facto provada na sentença em crise, a recorrente mantinha um acompanhamento regular na consulta do Centro de Saúde por quadro de perturbação depressiva e de ansiedade, diagnosticado no serviço de urgência em 2003, e encontrava-se medicada com a seguinte terapêutica: Elontril 150mg; Sedoxil 1mg e Hyfroton 50mg. 5- A acrescer à sua situação de doença a recorrente era constantemente assediada pela sua chefia, que a pressionava no cumprimento de objetivos relacionados com o número de atendimento, tal como consta da matéria a de facto provada no ponto 61 da decisão em crise. 6- Tendo ainda ficado a constar da matéria provada, que a recorrente devolveu os valores que temporariamente ficaram em sua posse (na pendencia do processo disciplinar), tal como consta do ponto 51 da matéria de facto provada da decisão em crise. 7- A arguida, não ficou com um único cêntimo dos clientes, tendo reposto todos os valores. 8- Entende assim a recorrente que não é razoável, nem humanamente correto, que se pretenda despedir, uma trabalhadora que ao longo de mais de 17 anos trabalhou honestamente para os Correios e da qual nunca houve notícia que haja praticado qualquer ato irregular suscetível de censura, sancionando-a com um despedimento, destruindo-lhe a vida de trabalho que prestou ao longo de 17 anos. 9- A recorrente foi sempre uma trabalhadora honesta, respeitadora e responsável no desempenho das suas funções e nunca esteve envolvida em qualquer processo disciplinar por factos cometidos antes, nem mesmo em qualquer tipo de irregularidade ou conflito. 10- Pelo que deverá ter-se em consideração, o seu comportamento anterior, nomeadamente de que sempre executou as tarefas que lhe foram confiadas, com acerto, eficiência e honestamente, com zelo e bom comportamento. 11- Os factos enumerados nos artigos 18 e seguinte da petição inicial, não deverão dar lugar ao despedimento sem justa causa, deverão antes, quando muito ser enquadrados na pena de suspensão prevista na alínea d) do n.° 2 do art.° 15 do Estatuto Disciplinar dos Correios ( Portaria n.° 348/87 de 28 de Abril), na qual se prevê a pena de suspensão do trabalho com perda de remuneração e de antiguidade para casos desta natureza. 12- O comportamento da arguida resulta da forte pressão de que a mesma tem sido alvo por motivos de saúde, concretamente uma depressão profunda, da qual resulta a sua incapacidade acidental. 13- Aliás, como resulta do atestado médico passado pela sua Médica Sofia, (cfr. documento junto ao presente processo) nele se diagnostica um quadro de perturbação depressiva e ansiedade, estando a mesma a ser medicada com Elontril, Sedoxil e Hyfront e doses muito elevadas, conforme atestado médico. 14- Assim quanto aos atos praticados que não nega, fê-los sob estado profunda depressão, devendo assim ser considerada como relevante a sua incapacidade acidental, o que se requer. 15- A arguida pagou os valores em dívida atestando assim o do seu total arrependimento. 16- Os factos descritos não justificam a aplicação à arguida a sanção prevista na alínea f) do n.°1 do art.° 328 do Código do Trabalho, porquanto mesmo que se entenda que a arguida agiu com culpa, a pena não poderá ser superior à prevista na alínea e) do n.° 1 do artigo 328.° do Código do Trabalho e alínea d) do n.° 2 do artigo 15.° do Estatuto Disciplinar dos Correios (Portaria n.°348/87 de 28 de Abril), por ser a primeira vez que contra si foi instaurado processo disciplinar. 17- Refere erradamente a decisão em crise que a Portaria n.°348/87 de 28 de Abril não é de aplicar ao caso em concreto. 18- Mas questiona a recorrida tal interpretação atendendo ao facto de que a prática disciplinar da entidade patronal deverá considerar-se um corolário do principio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, e tal principio também visa evitar que infracções idênticas sejam disciplinarmente sancionadas de forma diversa, pelo que se deverá entender que a mesma entidade patronal não poderá distinguir e implementar regimes sancionatórios diferentes para os seus trabalhadores. 19- Entendeu o tribunal a quo que a recorrente praticou infração, que compromete de forma irreversível a subsistência da relação laboral, constituindo justa causa de despedimento, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 351.° do mesmo Código do Trabalho, mas tal não corresponde a uma interpretação correta, proporcional e justa dos factos, nas circunstâncias em que ocorreram. 20- Não é verdade que assim seja, porquanto, relativamente à factualidade provada a pena aplicada à recorrente é desproporcional à gravidade da infração e à culpa da recorrente considerando a sua situação de doença e a “pressão” de que era sujeita por parte da sua Chefia, por isso o comportamento da recorrente não podia ter sido considerado em moldes de vir a cominar na sua condenação na pena máxima que pode ser aplicada a um trabalhador, o despedimento. 21- A decisão em crise mostra-se viciada uma vez que dos factos supra descritos, e provados, considerados no seu todo, são suficientes para afastar a aplicação da sanção mais gravoso prevista no artigo 328 n.º 1 f). do CT 22- A recorrente ao invocar, na sua defesa a nulidade do processo, não o fez invocando a preterição de qualquer formalidade de instrução, fê-lo sustentando como continua a sustentar a desproporcionalidade e inadequação da pena aplicada. 23- Na verdade, a previsão legal, quer tenhamos em consideração o Cód. do Trabalho, ou o Regulamento disciplinar dos Correios, não prevêem a pena de despedimento quando tiver existido ao longo de 17 anos uma única situação similar à que se verificou. 24- A Manuela, desde que trabalha para os Correios, nos mais de 17 anos de trabalho nunca se apropriou de qualquer quantia da entidade patronal ou dos clientes e sempre respeitou os seus superiores hierárquicos, os colegas de trabalho e demais trabalhadores com quem teve relações laborais, executando sempre acertadamente as tarefas que lhe eram distribuídas. 25- Na verdade, a pena que foi proposta na nota de culpa/acusação e que culminou no despedimento com justa causa, posição erradamente reiterada pela decisão em crise, não tem em consideração a conduta anterior da TNA Manuela nem sequer as circunstâncias de saúde psíquica e pressão psicológica de que a mesma foi sujeita. 26- O facto de a recorrente estar à data dos factos sujeita a tratamento psiquiátrico deveria ter sido ponderado pela decisão do tribunal a quo. 27- Tais circunstancias terão obviamente que ser consideradas quer na medida da culpa quer na sanção aplicar, e não o foram. 28- Por outro lado, deve ter-se em conta que do elenco das situações descritas nas alíneas do n.° 2 do artigo 351.° do Código de Trabalho de 2009, aplicável " ex vi” do art.° 20.° n.° 3 do A/E (Acordo de Empresa) de 2015, que prevê e elenca as situações em que é possível a aplicação da pena de despedimento com justa causa apenas, quando tenha havido " Provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa” (al. c) do n.° 2 do art.° 351.° do CT), ou quando se verifique a " Prática no âmbito da empresa, violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhadores da empresa, elementos de corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes” (al. i) do n.°2 do art.° 351 do CT), nas situações em que o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho (art.° 351.° n.°1 do CT de 2009), não são de aplicar no caso em concreto, não obstante o tribunal a quo tenha entendido que erradamente que sim. 29- Por outro lado, estando provado que a recorrente estava numa situação de debilidade psíquica e sentia grande pressão durante as suas jornadas de trabalho, a sua culpa deverá ser consideravelmente diminuída assim como o juízo de censurabilidade aos factos cometidos, sendo também de considerar favoravelmente a reposição de todos os valores por parte da trabalhadora, ora recorrente, a todos os clientes que se identificaram como lesados. 30- Mais se diga que a tenta a “crise” que atualmente os Correios tem enfrentado, situação essa do conhecimento público geral, qualquer comportamento menos adequado será motivador de procedimento disciplinar na sua sanção mais grave, o despedimento. 31- Com vista a evitar tal abuso, o artigo 330.º do CT impõe que a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpa do infrator, norma violada pelo tribunal a quo através do seu entendimento quando afirma que o despedimento da recorrente não é ilícito reiterando assim a aplicação da sanção mais gravosa. 32- O objetivo natural da sanção disciplinar é, assim, em primeira linha, de índole corretiva, intimidatória e conservatória. Só no caso de uma sanção deste tipo, em face das particulares circunstâncias do caso concreto, se mostrar inadequada ou insuficiente para repor a normalidade da relação de trabalho prejudicada pelo comportamento imputado ao trabalhador, se poderá aceitar, como razoável e justo, aplicar-se uma sanção rescisória do contrato. A existência de justa causa só será, assim, de admitir se os factos praticados pelo trabalhador se refletirem sobre o desenvolvimento normal da relação de trabalho, afastando-o em termos tais que o interesse do despedimento deve prevalecer sobre o interesse oposto da permanência do contrato” (do Ac. STJ de 09.06.1999; AD. 459.º-461). 33- Atento o supra mencionado entendimento é no mínimo contraditória a afirmação da entidade patronal, ora recorrida, que, ao propor a pena de despedimento sem indemnização ou compensação, no relatório da assessoria jurídica disciplinar, documento constante nos presentes autos, diz que:" Do registo disciplinar do arguido com cerca de 17 anos de serviço, não constam penalidades, pelo que beneficia a arguida da circunstância atenuante de carácter especial consubstancia o bom comportamento anteriormente evidenciado”.(Sublinhado nosso). 34- Não é lícito nem humanamente correto que se despeça, uma trabalhadora que ao longo de mais de 17 anos nunca se envolveu em conflitos nem com superiores hierárquicos nem com colegas de trabalho e sempre se pautou pelos deveres que lhe eram exigidos, garantindo dentro das possibilidades humanamente exigíveis o padrão de atendimento. 35- A impugnante, nunca violou o seu dever de respeito e urbanidade e sempre teve a preocupação de por esse modo, contribuir ao longo dos 17 anos para uma boa imagem dos Correios. 36- Resulta assim claro que os factos descritos não se enquadram, proporcionalmente, nem justificam a aplicação à recorrente da sanção prevista na f) do n.°1 do art.° 328 do Código do Trabalho, porquanto mesmo que se entenda que a arguida agiu com culpa, a sua culpa se mostra calmamente diminuída atenta o seu estado de saúde, a pressão de que era vitima e o seu comportamento anterior, a pena nunca poderia ser a do despedimento por desproporcional e inadequada.
Termina pedindo a procedência do recurso de apelação, com a revogação da sentença proferida com todas as devidas e legais consequências.
A entidade empregadora respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência
*
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Notificadas do teor de tal parecer as partes não responderam.
Mostram-se colhidos os vistos dos senhores juízes adjuntos e cumpre decidir.
II - OBJECTO DO RECURSO
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do recorrente (artigos 608º n.º 2, 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3, toos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nele não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, no recurso interposto, a única questão que se coloca à apreciação deste Tribunal da Relação é a daalegada inexistência de justa causa e despedimento ilícito, com as respectivas consequências.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Em 1ª instância considerou-se provada a seguinte matéria de facto:
a) Factos provados por confissão ou admitidos por acordo nos articulados ou por documento:
1- A trabalhadora requerente foi admitida nos quadros da requerida Correios S.A – Sociedade Aberta em 30-12-1999, por DE356199AJJSS, tendo permanecido ao seu serviço até ao dia 28-09-2016, data em que foi suspensa do exercício das suas funções por DE 05902016JL de 27 de Setembro de 2016, tendo em 31-01-2017, sido notificada da deliberação da Comissão Executiva (CE), que lhe aplicou a sanção disciplinar de Despedimento, aplicada por DE00482017CE de 26-01-2017. 2- A trabalhadora assinou “Aditamento ao Contrato de Trabalho para Pluralidade de Empregadores”, com efeitos a 1 de janeiro de 2016, passando a estar vinculada, em regime de pluralidade de empregadores, aos Correios e Banco Correios e constando da cláusula terceira do referido Aditamento ao Contrato de Trabalho que:
“1. Para efeitos do disposto na alínea c) do nº 2 do art. 101º do Código do Trabalho, os Correios são o empregador que representa o Banco Correios no cumprimento dos deveres e no exercício dos direitos emergentes do contrato de trabalho. 2. (…). 3. O exercício do poder disciplinar compete aos Correios.” 3- A Autora prestava a sua atividade de TNG (Técnica de Negócios e Gestão) aos balcões da Loja de Correios de Mirandela, em regime de pluralidade de empregadores. 4- Os factos em causa no processo disciplinar apenas dizem respeito à actividade postal, pelo que, no âmbito e por causa de factos detectados no exercício das suas funções de TNG na Loja de Correios de Mirandela, foi instaurado à trabalhadora processo disciplinar nº 20160190AJD (adiante designado por PD), que culminou no seu despedimento, pelos factos constantes da nota de culpa junta a fls. 367 a 371 do Processo Disciplinar, doravante designado por PD. 5- À data do despedimento, a trabalhadora auferia as seguintes remunerações
a) Vencimento base, €888,90;
b) Diuturnidades, €122,28;
c) Diuturnidade especial, €13,11.
6- O processo disciplinar está suportado e foi desenvolvido de acordo com o disposto no Manual de Processo e Procedimentos “Execução de Ação Disciplinar”, elaborado em conjunto pelos JL dos Correios e Banco Correios e aprovado na reunião do Comité da Rede de Lojas em 06 de junho de 2016. 7- O referido Manual decorre do acordado em sede do “Protocolo Relativo ao Regime de Pluralidade de Empregadores no Contexto do Contrato de Trabalho com Trabalhadores da Rede de Lojas dos Correios”, em matéria disciplinar, cuja responsabilidadecabe aos Correios. 8- No dia 26 de Setembro de 2016, deu entrada nos serviços Jurídico/Laborais- AJD, Assessoria Jurídico-Disciplinar, um e-mail da mesma data, remetido pela Inspeção, Dr. Manuel, do seguinte teor: “No seguimento de investigação que temos vindo a realizar, conforme e-mail abaixo, apurámos matéria indiciariamente grave da responsabilidade da TCN Manuela, conforme se extrai dos autos de declarações que a trabalhadora assinou e que constam nos 2º e 3º ficheiros anexos.(…)”. 9- Nesse mesmo dia, foi determinado que prosseguissem as diligencias necessárias no âmbito de processo prévio de inquérito com vista ao apuramento de todas as circunstâncias que rodearam a prática dos factos participados e /ou de outros que viessem a ser apurados, e nomeada Instrutora do Processo Disciplinar a Dra. Ana. 10- No âmbito da instrução do processo em referência foi elaborada informação pela Instrutora do mesmo, cuja cópia consta de fls. 11 a 12 do PD e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido, segundo a qual surgiram fortes indícios de que a trabalhadora, no exercício das suas funções de atendimento ao público na Loja de Correios de Mirandela tinha praticado factos integradores de infracções muito graves, com apropriação de €1,447,26, geradoras de quebra de confiança da Empresa na trabalhadora, tendo sido proposta a sua suspensão preventiva, por se considerar a sua presença ao serviço manifestamente prejudicial e inconveniente por haver receio da prática de comportamentos idênticos. 11- A trabalhadora foi suspensa preventivamente das suas funções, em 28 de Setembro de 2016, por DE05902016JL de 27-09-2016. 12- A Sra. Instrutora procedeu à realização de um conjunto de diligências a fim de confirmar os factos descritos, bem como as circunstâncias da sua ocorrência, com vista à dedução de eventual Nota de Culpa. 13- Em 17 de outubro de 2016, foi elaborado Relatório Preliminar, requerendo que a Comissão Executiva dos Correios deliberasse manifestar a intenção de proceder ao despedimento da TNG Manuela (fls. 353 a 355 do PD). 14- Naquela data foi dado conhecimento ao Banco Correios da proposta de manifestação de intenção de despedimento da trabalhadora no âmbito dos presentes autos (fls. 357 a 360 do PD). 15- Por DE08352016CE emitido em 2016-10-19, constante de fls. 365 do PD), com base no Relatório Preliminar de fls. 353 a 355 do PD, a Comissão Executiva dos Correios S.A, Sociedade Aberta, deliberou nos termos do nº 1 do art.º 353º CT, manifestar a intenção de proceder ao despedimento da trabalhadora, Manuela, em regime de pluralidade de empregadores (nos termos e ao abrigo do artigo 101º do Código do Trabalho), caso se confirmem os factos que lhe irão ser imputados na competente Nota de Culpa, que de acordo com a sua descrição constituem infracção disciplinar grave, integrando o conceito de justa causa de despedimento nos termos do nº1 do art. 351º do Código do Trabalho. 16- Nota de culpa deduzia contra a trabalhadora no dia 24-10-2016, constante de fls.367 a 371 do PD, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido 17- No dia 25 de outubro de 2016, a Nota de Culpa, juntamente com o despacho da CE (DE08352016CE de 19-10-2016), que manifestava a intenção de proceder ao seu despedimento foram entregues à trabalhadora por meio de TERMO DE ENTREGA E NOTIFICAÇÃO, entregue à trabalhadora nesse mesmo dia (vd. fls. 380 do PD). 18- A Nota de culpa deduzida contra a trabalhadora, bem como o referido DE, foram igualmente remetidos à Comissão de Trabalhadores no dia 25 de outubro de 2016, por carta registada com aviso de receção nº RF228154223PT (vd. fls. 373 e 374 do PD). 19- A Comissão de Trabalhadores foi regularmente notificada da Nota de Culpa no dia 26 de outubro de 2016 (fls. 383 do PD). 20- Regularmente notificada e acompanhada de Advogado a trabalhadora, apresentou defesa, que deu entrada na Assessoria Jurídico-laboral no dia, no dia 11 de novembro de 2016 (fls. 391 a 396 do volume principal do PD). 21- Realizado o competente contraditório e depois de elaborado o Relatório de fls. 400-451do PD, foi remetida cópia do processo à Comissão de Trabalhadores (Vd. fls. 453, 454 do PD). 22- A Comissão de Trabalhadores, depois de analisar o processo, decidiu emitir o seguinte parecer (cujo teor está conforme o mail remetido à JL – Dra. L. T., em 16/01/2017, fls. 454 e 456 do PD):
“Verificamos a existência de 4 páginas não numeradas nem rubricadas, entre as páginas 5 e 10, aquelas correspondem a parte dos autos de declarações de Manuela de 21/09/2016 e 23/09/2016 que não se encontram assinados nem pela trabalhadora nem pelo inspetor que recolheu as citadas declarações!... Suscitando dúvidas quanto à sua autenticidade e no nosso entender comprometem todo o processo. Perante o exposto solicitamos esclarecimentos sobre esta matéria discordando da proposta de penalidade pelas questões acima mencionadas.”. 23- Em resposta àquela posição da Comissão de Trabalhadores, JL - a Dra. L. T. -esclareceu o seguinte (Vd. fls. 455 do PD):
“1. Os originais dos dois Autos de Declarações da Trabalhadora abaixo identificada constam, respetivamente, das folhas 109 a 111 e 146 a 151 do processo disciplinar nº20160190/AJD, e, como poderão verificar melhor, encontram-se devidamente assinados e rubricados pela declarante. 2. As folhas a que se referem no e-mail antecedente respeitam à informação complementar – que nos foi dirigida pelo serviço competente – e que permitiu dar início ao processo disciplinar, não relevando para nenhuns outros fins a não ser os da abertura do processo. 3. Em face do exposto, e porque foi entregue a totalidade do processo, em conformidade com o disposto na lei, para que a Comissão de Trabalhadores pudesse emitir o respetivo parecer, não havendo nenhum problema de autenticidade, considera-se não existir fundamento para a posição manifestada pela Comissão de Trabalhadores relativamente à sanção proposta (despedimento) 4. Nestes termos, aguardamos que se pronunciem, caso o entendam, no prazo de dois dias.”. 24- A Comissão de Trabalhadores, no prazo estabelecido, nada respondeu aos esclarecimentos prestados. 25- No dia 20/01/2017, o presente procedimento disciplinar foi enviado ao Banco Correios para apreciação e deliberação. 26- No dia 24/01/2017, a CE do Banco Correios deliberou, nos termos propostos pelos Serviços Jurídico Laborais dos Correios, que deu por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, aplicar à trabalhadora a sanção disciplinar de despedimento sem indemnização ou compensação, sujeita ainda a deliberação da CE dos Correios (Vd. fls.473 a 483 do PD). 27- Foi aprovado em reunião da Comissão Executiva, por DE00482017CE de 26- 01-2017, em concordância com os fundamentos de facto e direito contidos na proposta dos Serviços Jurídico Laborais, aplicar à trabalhadora Manuela, nº mecanográfico …, em regime de pluralidade de empregadores, a sanção disciplinar de despedimento sem indemnização ou compensação (Vd. fls.493 do PD). 28- A decisão de aplicação da sanção de despedimento com justa causa foi comunicada à trabalhadora e ao seu mandatário, por registo pessoal e carta registada com aviso de recepção, respectivamente com o nº RF228155382PT e nº RF228155294PT, remetidas no dia 30 de janeiro de 2017, e recebidas a 31 de janeiro de 2017 (Vd. fls.499, 499v, 500 e 501 e 497, 497ve 498 do PD). 29- Tal decisão foi igualmente remetida à Comissão de Trabalhadores no dia 30 de janeiro de 2017 por carta registada com aviso de recepção, com o nº RF228155285PT e recebida no dia 31 de janeiro de 2017 (Vd. fls.495, 495v e 496 do PD). 30- No dia 8.04.2016, a TNG Manuela registou no sistema NAVE a entrega do objecto à cobrança nº OC15211816PT (transação nº 351-8810094-4-6905156-19) e recebeu do cliente Nuno o valor de 10,00€ e não encerrou a sessão de atendimento. 31- Nesse mesmo dia 8.04.2016, ainda na mesma sessão de atendimento, a trabalhadora Manuela, procedeu ao atendimento do cliente Miguel com a aceitação do registo nº RD701381211PT no valor de 3,67€ (transação nº 351-8810094-4-6905167-3) (três euros e sessenta e sete cêntimos), o qual não pediu recibo e cobrou a este cliente o valor total de 13,67€ (treze euros e sessenta e sete cêntimos). 32- Com este comportamento, a TNG Manuela cobrou indevidamente ao cliente Miguel o valor de 10,00€ (dez euros), referente ao objeto à cobrança que já havia cobrado anteriormente ao cliente Nuno. 33-No dia 31.08.2016 a trabalhadora Manuela procedeu à aceitação da cobrança postal da telecomunicações X, no valor de 63,78€ (leitura ótica nº 0908160830542810010969 741000063789 14) (sessenta e três euros e setenta e oito cêntimos) e da cobrança postal da Eletricidade, no valor de 40,28€ (leitura ótica nº 0000000718107603090966 521000040282 14) (quarenta euros e vinte e oito cêntimos). 34- Recebeu da cliente M. P. esses valores e colocou a marca de dia nos comprovativos de pagamento que entregou à cliente. 35- Da pesquisa de movimentos no sistema NAVE, referente às cobranças aceites pela TNG Manuela no período de 31.08.2016 a 20.09.2016 (fls. 98 a 101 do PD) não consta registo das referidas cobranças. 36- Nem constam da listagem de cobranças postais aceites e registadas no sistema informático NAVE, pela TNG Manuela no período compreendido entre 31.08.2016 e 26.09.2016. 37- Igualmente não constam do diário de lançamentos e Modelo B da TNG Manuela do dia 31.08.2016. 38- A cliente M. P., foi informada pela Telecomunicações X que a sua fatura estava por regularizar, e com o receio que o serviço lhe fosse cortado, pagou o valor da referida fatura por multibanco no dia 15.09.2016. 39- Tendo também conhecimento que a fatura da Eletricidade que pagou nos Correios no dia 31.08.2016 se encontrava por regularizar, pagou a mesma por multibanco no dia 20.09.2016. 40- No dia 9.09.2016, a trabalhadora Manuela, procedeu à aceitação da cobrança postal da Gás S. leitura ótica nº 3335729000000000150960 315 00005708914, no valor de 57,08€ (cinquenta e sete euros e oito cêntimos). 41- Recebeu do cliente esse valor e colocou a marca de dia no comprovativo de pagamento que entregou ao cliente. 42- Porém, apesar de ter recebido o dinheiro da cliente, a trabalhadora não procedeu à introdução da respetiva cobrança no sistema informático NAVE 43- Tal cobrança também não consta da listagem de cobranças postais aceites e registadas no sistema informático NAVE, pela TNG Manuela no período compreendido entre 31.08.2016 e 26.09.2016, nem do diário de lançamentos e Modelo B da trabalhadora do dia 9.09.2016. 44- Em consequência do comportamento da trabalhadora Manuela, a cliente Márcia, teve de proceder ao pagamento da reinstalação do gás no valor de 57,25€ (cinquenta e sete euros e vinte e cinco cêntimos). 45- No dia 21.09.2016, a trabalhadora Manuela, tinha na sua posse um envelope C5 dos Correios, que no seu interior continha talões de leitura ótica de cobranças de diversos clientes (alguns dos quais com data limite já ultrapassada). 46- As cobranças postais foram aceites pela trabalhadora em diversas datas (cujos dias não foi possível apurar mas recebeu dos clientes os respetivos valores das cobranças antes das datas limites de pagamento, as quais variavam entre, pelo menos, 05.09.2016 a 12.10.2016). 47- Do conteúdo desse envelope faziam parte as cobranças já mencionadas, constantes dos artigos segundo e terceiro da nota de culpa e referidas supra nos nºs 33 a 43. 48- A trabalhadora apesar de ter recebido o dinheiro dos clientes para pagamento das referidas cobranças não procedeu à introdução das respetivas cobranças no sistema informático NAVE. 49- Nem constam da listagem de cobranças postais aceites e registadas no sistema informático NAVE, pela TNG Manuela no período compreendido entre 31.08.2016 e 26.09.2016. 50- Agiu do modo descrito com as seguintes cobranças mencionadas no quadro infra:
51- Tais valores foram regularizados pela trabalhadora, já na pendência do processo disciplinar.
b) Factos provados da matéria de facto controvertida constante dos temas da prova:
Do articulado motivador do despedimento
52- A Trabalhadora não registou no sistema informático NAVE o valor das cobranças postais referidas supra no nº 33, apropriando-se dos respetivos valores, que utilizou em seu proveito próprio. 53- Com o comportamento descrito supra nos nºs 40 a 44, a TNG Manuela ao ter recebido o dinheiro da cobrança e ao não ter registado a mesma informaticamente, apropriou-se desse valor que ficou em sua posse. 54- A trabalhadora, com intenção de se apropriar daqueles valores que não lhe pertenciam, não registou as cobranças referidas supra nos nºs 45 a 50 no sistema informático NAVE nas datas em que recebeu as respetivas quantias dos clientes. 55- De forma intencional, a trabalhadora apropriou-se temporariamente dos valores que ia recebendo dos clientes para pagamento das cobranças supra descritas, pelo menos entre as datas em que lhe foram entregues pelos clientes para pagamento e a sua regularização; tais quantias estiveram na posse da trabalhadora que as utilizou em proveito próprio, situação que ocorreu pelo menos, entre 6.09.2016 e 23.09.2016. 56- Criou nos clientes a convicção do pagamento, porquanto lhes entregava o comprovativo do documento de cobrança onde apunha com uma marca de dia Correios. 57- Por sua vez e de forma a ocultar o seu comportamento do Empregador, não registava nenhuma daquelas cobranças no sistema contabilístico/informático NAVE, guardando o documento de cobrança destinado aos Correios dentro de um envelope que mantinha na sua posse. 58- A trabalhadora aproveitando-se das suas funções de atendimento ao público e da acessibilidade que tinha aos valores, com a conduta supra descrita apropriou-se de um valor relativo a cobranças cujo total perfaz a quantia de €1.453,06 (mil quatrocentos e cinquenta e três cêntimos), à qual acresce o montante de €57,25 relativo à reposição do reabastecimento de gás mencionada supra no nº 44, perfazendo o total de m 1.510,31€ (mil quinhentos e dez euros e trinta e um cêntimos), quantia que utilizou em seu proveito próprio temporariamente. 59- A trabalhadora, com cerca de 17 anos de experiência profissional, sabia e sabe que não pode receber dinheiro de clientes para pagamento de cobranças postais e ficar com ele em sua posse, para utilizar em proveito próprio, o que sucedeu.
Da contestação-reconvenção da trabalhadora
60- A A., desde que trabalha para a Ré, pelo menos até Abril de 2016, sempre desempenhou com regularidade e de forma honesta as funções que desde início lhe foram confiadas e com respeito pelas regras a que se vinculou para com os Correios, sua entidade patronal. 61- Nas reuniões mensais de avaliação da actividade da loja, por vezes, a A. era advertida pela sua chefia, a gestora de loja, Maria, para a falta de cumprimento dos objectivos relacionados com o número de atendimentos na loja. 62- A arguida, pelo menos até Abril de 2016, foi uma trabalhadora honesta, respeitadora e responsável no desempenho das suas funções e nunca esteve envolvida em qualquer processo disciplinar por factos cometidos antes. 63- Pelo menos até Abril de 2016, sempre executou as tarefas que lhe foram confiadas, com acerto, eficiência e honestamente, com zelo e bom comportamento. 64- A A. mantém seguimento regular na consulta do Centro de Saúde por quadro de perturbação depressiva e de ansiedade, diagnosticado no serviço de urgência em 2003, estando medicada com a seguinte terapêutica:
- Elontril 150mg
- Sedoxil 1mg e
- Hyfroton 50mg. 65- A A. não deu conhecimento à Ré., nem à sua chefia do facto referido no item antecedente. 66- Do registo disciplinar da A.,. com cerca de 17 anos de serviço, não constam penalidades.
IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO
Da alegada inexistência de justa causa e despedimento ilícito, com as respectivas consequências.
Importa averiguar da inexistência de justa causa de despedimento e, em caso afirmativo, das consequências decorrentes do despedimento ilícito.
Os factos materiais fixados pelo tribunal a quo não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se verifica qualquer das situações referidas no n.º 2 do art. 662.º do CPC., pelo que será com base nesses factos que há-de ser apreciada a questão suscitada no recurso
A 1ª instância conclui pela licitude do despedimento e para tanto desenvolveu a seguinte argumentação.
“ (…) Da factualidade supra descrita, resulta que, no essencial, logrou a R. fazer prova dos factos imputados à A. na decisão de despedimento, isto é, de que esta, no exercício das suas funções de TNG (Técnica de Negócios e Gestão) e aproveitando-se das suas funções de atendimento ao público e da acessibilidade que tinha aos valores, se apropriou de quantias que lhe foram entregues para pagamento de cobranças, que utilizou em proveito próprio, não registando tais cobranças no sistema informático NAVE, no valor total de €1.453,06. A este valor acresce, ainda, a quantia de €57,25 que a R. empregadora teve de despender para reposição do abastecimento de gás da cliente Márcia, por causa do comportamento da A.
Violou o A., ao proceder do modo descrito elementares deveres impostos ao trabalhador não só pela relação laboral, mas também pela ordem jurídica em geral, designadamente dos deveres de obediência às ordens e instruções legítimas do empregador, de fidelidade, de lealdade, de probidade e de honestidade para com a sua entidade patronal estabelecidos nas alíneas a), e) e f) do art. 128º do Código do Trabalho, não prestando contas de imediato dos valores que lhe eram confiados, como impunham as regras estabelecidas pela empresa e apropriando-se, ainda que de modo temporário, de valores que não lhe pertenciam, defraudando dessa forma a confiança que nele era depositada pela sua entidade patronal. A violação de tais deveres faz incorrer a A. em infracção disciplinar, entendida como a violação, pelo trabalhador, de todo e qualquer um dos deveres laborais, seja emergentes do contrato de trabalho, seja de regulamentação colectiva, seja da lei. A sua conduta é, ainda, susceptível de enquadramento nas situações de justa causa tipificadas exemplificativamente nas alíneas a) e e) do art. 351º do mesmo diploma. O comportamento da A. é obviamente culposo, intencional (cf. supra nºs 54 e 55), pois agiu com intenção de apropriação para si de um bem alheio, ainda que mais tarde a A. viesse a repor os valores de que se apropriava. Por outro lado, a gravidade da conduta da A. é evidente, face à natureza da actividade da R. e à acessibilidade que tinha aos valores que lhe eram confiados.
Quanto às consequências da conduta do trabalhador, tal como pondera Júlio Gomes (Direito do Trabalho, vol. I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, p. 951), “estas deverão consistir num prejuízo grave para o empregador, embora tal prejuízo não seja necessariamente de ordem patrimonial. Com efeito, as consequências perniciosas podem consistir em minar a autoridade do empregador (ou do superior hierárquico), lesar a imagem da empresa ou num dano por assim dizer “organizacional”. Referimo-nos, com isto, ao que vulgarmente se refere pela perda de confiança no trabalhador”. No caso concreto, verifica-se esta última hipótese, ou seja, a perda da confiança no trabalhador pela via do desrespeito, por parte deste, das regras e procedimentos instituídos pela R. no âmbito da sua organização produtiva para a prestação de contas dos valores recebidos pelos seus trabalhadores no exercício das suas funções e pela falta de lealdade e probidade reveladas ao reter na sua posse os valores que devia entregar de imediato em prestação de contas e ao manipular o sistema informático para ocultar a sua conduta, não registando de imediato no sistema NAVE as cobranças efectuadas, não obstante apor a marca de dia Correios no documento de cobrança que entregava ao cliente, de modo a criar neste a convicção do pagamento.
Alegou a A. que praticou os factos descritos em estado de incapacidade acidental, por ter actuado sob estado de profunda depressão, agravado pela pressão sobre si exercida pela sua chefia, pelo que não seria consciente dos seus actos e das suas consequências. No direito civil a incapacidade acidental está prevista no art. 257º do Código Civil e tem por requisitos que no momento do acto haja uma incapacidade de entender o sentido da declaração negocial ou falte o livre exercício da vontade, seja por doença, seja por qualquer outra causa acidental e que a incapacidade seja notória ou conhecida do declaratário. No domínio da relevância penal, diz-se no art. 20º nº 1 do Código Penal que é inimputável quem, por força de anomalia psíquica, for incapaz, no momento da prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação.
Exige-se um elemento biológico, traduzido na existência de qualquer anomalia psíquica e um elemento psicológico, que se reconduz à incapacidade de avaliar a ilicitude ou à impossibilidade de determinação de acordo com essa avaliação. No conceito de anomalia psíquica cabem toda a vasta gama de doenças ou simples estados psíquicos, transitórios ou não, desde que produzam o efeito psicológico requerido.
Ora, com relevo para esta questão provou-se, apenas, que nas reuniões mensais de avaliação da actividade da loja, por vezes, a A. era advertida pela sua chefia, a gestora de loja, Maria, para a falta de cumprimento dos objectivos relacionados com o número de atendimentos na loja (nº 61) e que a A. mantém seguimento regular na consulta do Centro de Saúde por quadro de perturbação depressiva e de ansiedade, diagnosticado no serviço de urgência em 2003, estando medicada com a seguinte terapêutica: Elontril 150mg, Sedoxil 1mg e Hyfroton 50mg. Tal factualidade é manifestamente insuficiente para se concluir pela invocada incapacidade acidental por parte da A. no momento da prática dos factos. Tem-se, pois, por afastada a tese da eventual inimputabilidade da A. no momento da prática dos factos por anomalia psíquica ou outro estado susceptível de lhe retirar a capacidade de querer e entender e de formular um juízo de ilicitude dos seus actos.
Por outro lado, a ausência de passado disciplinar da A. e a sua antiguidade de mais de 17 anos de serviço, embora se perfilem como circunstâncias atenuantes, não assumem relevo tal que afastem ou diminuam sensivelmente a gravidade dos factos e a censurabilidade da conduta da A., atentos os valores em presença, em especial os deveres de fidelidade e honestidade que se lhe impunham. Tanto mais que não se provou qualquer circunstância que pudesse explicar o comportamento da A.
As infracções disciplinares praticadas pela A. são, assim, susceptíveis de comprometer irremediavelmente a relação de confiança que deve existir entre um trabalhador e a sua entidade patronal, em termos que levam a considerar inexigível a manutenção da relação de trabalho por parte desta.
Conclui-se, pois, pelo preenchimento de todos os requisitos do conceito de justa causa e, logo, pela licitude do despedimento promovido pela R., cuja decisão está, assim, devidamente fundamentada, improcedendo a impugnação do mesmo.”
A Recorrente/Apelante discorda de tal entendimento, defendendo que em face da factualidade provada a pena aplicada é desproporcional à gravidade da infracção e à sua culpa. Há que considerar a sua situação de doença e a “pressão” de que estava sujeita por parte da sua Chefia e sendo a sua culpa de diminuta, não se revela adequado cominar a sua conduta na pena máxima que pode ser aplicada a um trabalhador, o despedimento.
Analisemos a questão.
Importa ter presente o princípio constitucional da “segurança no emprego” e a noção de justa causa de despedimento.
Estipula o art.º 351.º, n.º 1 do Código do Trabalho, que constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Neste conceito genérico de justa causa concorrem três elementos essenciais, a saber:
a)- elemento subjectivo - traduzido num comportamento culposo e grave do trabalhador por ação ou omissão;
b)- elemento objectivo - que se traduz numa situação de impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação de trabalho; c)- um nexo de causalidade - entre aquele comportamento e esta impossibilidade.
Resulta assim que só em casos culposos e particularmente graves é admissível o despedimento do trabalhador. Todavia, tanto a culpa como a gravidade do comportamento (em si mesmo e nas suas consequências) e o decorrente juízo de prognose da aludida impossibilidade estruturam-se em critérios objetivos e de razoabilidade de acordo com o entendimento de um bom pai de família ou de um empregador normal em face das circunstâncias de cada caso em concreto.
Na apreciação da justa causa – em concreto – atender-se-á ao comportamento do trabalhador no quadro de gestão da empresa, tendo em conta os danos resultantes da conduta censurada, as funções exercidas na empresa, sem olvidar os reflexos da sua conduta nos seus companheiros e/ou subordinados e demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
A justa causa traduz-se, assim, numa situação de impossibilidade prática, de inexigibilidade no confronto dos interesses opostos das partes – essencialmente o da urgência da desvinculação do empregador e o da conservação do vínculo por parte do trabalhador.
E de tal sorte que, face à vocação de perenidade subjacente à relação de trabalho, apenas se justifica o recurso à sanção expulsiva ou rescisória que o despedimento configura, quando se revelarem inadequadas para o caso as medidas conservatórias ou corretivas, representando a continuidade do vínculo laboral uma insuportável e injusta imposição ao empregador em função do princípio da proporcionalidade.
Por outro lado, sempre que a exigência da manutenção contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele pressupõe sejam de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador, não poderá deixar de concluir-se pela impossibilidade prática de manutenção da relação de trabalho.
Assim, existirá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral sempre que, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato, com a subsistência das relações pessoais e patrimoniais que isso implica, venha a ferir, de modo exagerado e violento (e por isso injusto), a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador, ou seja, sempre que a continuidade do vínculo represente uma insuportável e injusta imposição ao empregador.
Conclui-se assim que releva aqui particularmente a exigência geral da boa-fé na execução dos contratos (art. 762.º do Código Civil), atenta a específica natureza deste tipo de vínculo obrigacional, caracterizado pela sua vocação duradoura e pessoal das relações dele emergente, sendo por isso necessário que o comportamento do trabalhador se apresente caracterizado como susceptível de destruir ou abalar seriamente a confiança, ou de criar no espírito do empregador dúvidas ou reservas sobre a idoneidade futura da sua conduta.
A rutura da relação laboral terá sempre de ser irremediável, na medida em que nenhuma outra sanção seja suscetível de sanar a crise contratual aberta por aquele comportamento culposo.
Estipula, ainda, o citado artigo 351º do C.T. que:
“2. Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores; e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa ;”
Esta norma é a concretização dos deveres do trabalhador plasmados no art. 128.º, n.º 1, alíneas a), e) e f) do mesmo código, segundo as quais: Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade; deve cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias; deve guardar lealdade ao empregador.
Na verdade, o dever de respeito e de urbanidade é um dos deveres que onera o trabalhador no contexto da relação de trabalho, tem como objecto o empregador e os superiores hierárquicos do trabalhador, mas dirige-se também, para além dos colegas de trabalho, ainda ao conjunto de pessoas que entrem em relação com a empresa.
Esta multiplicidade de direcções em que este dever do trabalhador se concretiza decorre da componente organizacional do contrato de trabalho e da inserção do trabalhador numa estrutura que está para além da mera relação que se estabelece entre o trabalhador e o empregador.
O dever de urbanidade e de respeito, como refere Maria do Rosário da Palma Ramalho in ”Tratado de Direito do Trabalho - Parte II – Situações Laborais Individuais”, 5ª edição, pág. 446 «aponta genericamente para a necessidade de observância das regras de conduta social adequadas, quer em matéria de tratamento, quer em matéria de apresentação pessoal e de conduta do trabalhador.
A formulação necessariamente vaga do dever de respeito obriga à sua concretização e esta deve ter em conta o contexto específico de cada vínculo laboral – assim um tratamento mais rude poderá ser comum em determinado contexto organizacional e intolerável noutro contexto, pelo apenas no segundo caso deverá consubstanciar uma situação de incumprimento»
Em suma, carece este dever, por força desta dimensão social, de concretização, caso a caso, em função do contexto empresarial em que ocorre a prestação de trabalho e das pessoas envolvidas.
Mais à frente na mesma obra refere ainda MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, «o critério a reter na qualificação de certa conduta do trabalhador como infracção ao dever de respeito (…) deverá ser o da adequação da conduta do trabalhador no contexto laboral em que está a exercer».
Sobre o dever obediência escreve João Leal Amado in “Contrato de Trabalho”, 4ª edição, pág. 371 “Trata-se do dever que mais fielmente caracteriza o particular modo de cumprimento do contrato de trabalho, representando o lado passivo da subordinação jurídica. Como alguém disse, para o trabalhador, «cumprir é, essencialmente, obedecer», Não espanta por isso, que a «desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores surja na al. a) do n.º 2 do art.º 351.º, liderando o catálogo eventualmente constitutivas de justa causa de despedimento”
Ainda sobre este dever de obediência escreve Maria do Rosário da Palma Ramalho in ”Tratado de Direito do Trabalho - Parte II – Situações Laborais Individuais”, 5ª edição, pág.437 “Apesar de não ter merecido um destaque especial na lei (art. 128º n.º 1 e) e n.º 2 do CT), o dever de obediência é o dever acessório mais importante do trabalhador, a par do dever de lealdade. A importância do dever de obediência é reconhecida genericamente pela doutrina (que o considera a manifestação, por excelência, da subordinação jurídica), a ponto de autores como MONTEIRO FERNANDES referirem, de uma forma expressiva, que, para o trabalhador, «cumprir é, essencialmente, obedecer», bem como pela jurisprudência, que se refere a este dever como «a pedra angular do contrato de trabalho»”
Resumindo trata-se de um dever especialmente intenso, pois trabalhador deve obediência não apenas às directrizes do empregador e dos superiores hierárquicos sobre o modo de desenvolvimento da sua actividade laboral, mas também às directrizes emanadas do poder disciplinar designadamente em matéria de organização da empresa e do comportamento no seu seio, podendo este dever ainda se estender a entidades terceiras em relação ao contrato de trabalho.
Relativamente ao dever de lealdade importa salientar que é um dos deveres acessórios autónomos da prestação principal e que onera o trabalhador no contexto da relação de trabalho, já que no seu sentido mais amplo é o dever orientador geral da conduta do trabalhador no cumprimento do contrato num duplo sentido que se materializa no envolvimento pessoal do trabalhador no vínculo e na componente organizacional do contrato.
Como se refere a este propósito no Acórdão do STJ de 19-11-2014, proferido no Proc. n.º 525/07.7TTFUN.L2.S1(relator António Leones Dantas)
“O elemento «da pessoalidade explica que a lealdade do trabalhador no contrato seja, até certo ponto, uma lealdade pessoal, cuja quebra grave pode constituir motivo para a cessação do contrato. É este elemento de pessoalidade, traduzido na lealdade pessoal, que justifica por exemplo, o relevo de condutas extra-laborais do trabalhador graves para efeito de configuração de uma situação de justa causa de despedimento, bem como o relevo da perda da confiança pessoal do empregador no trabalhador para o mesmo efeito».
Por outro lado, «a componente organizacional do contrato de trabalho justifica que o dever de lealdade do trabalhador não se cifre apenas em regras de comportamento para com a contraparte mas também na exigência de um comportamento correcto do ponto de vista dos interesses da organização», dependendo, nesta segunda dimensão, o grau de intensidade do dever de lealdade e as consequências do seu incumprimento «do tipo de funções do trabalhador e da natureza do seu vínculo de trabalho em concreto».
No dizer de MONTEIRO FERNANDES, «o que pode dar-se por seguro é que o dever geral de lealdade tem uma faceta subjectiva que decorre da sua estreita relação com a permanência de confiança entre as partes (nos casos em que este elemento pode considerar-se suporte essencial de celebração do contrato e da continuidade das relações que nele se fundam)», sendo necessário «que a conduta do trabalhador não seja em si mesma, susceptível de destruir ou abalar tal confiança, isto é, capaz de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele», sendo certo que «este traço do dever de lealdade é tanto mais acentuado quanto mais extensa for a (eventual) delegação de poderes no trabalhador e quanto maior for a atinência das funções exercidas à realização final do interesse do empregador».”
Vejamos se a conduta imputada à trabalhadora, de acordo com a factualidade apurada integra ou não justa causa de despedimento, sem que antes porém não se deixe de referir, que em concordância com o juízo formulado pelo tribunal a quo, que nos dispensamos de reproduzir, ao caso dos autos não se aplica a portaria n.º 348/87, de 28 de Abril (Estatuto Disciplinar dos Correios), mas caso se aplicasse a conduta imputada à recorrente enquadraria nas als. e) e i) do n.º 2 do artigo 16.º do Estatuto Disciplinar dos Correios que tem como epígrafe “Aplicação em alternativa das penas de aposentação compulsiva e de despedimento” ou na al. b) do art.º 18.º do citado estatuto que tem como epígrafe “Aplicação da pena de despedimento”.
Tendo em atenção a matéria de facto dada como provada e supra elencada, não restam dúvidas que os factos de que a trabalhadora é acusada e referidos na Nota de Culpa datada de 25 de Outubro de 2016, em que lhe é comunicada a intenção do empregador proceder ao seu despedimento com justa causa, resultaram sobejamente demonstrados.
Procedendo à ponderação de todade toda a factualidade apurada no âmbito dos autos, podemos concluir com segurança que, com a sua conduta a trabalhadora não só desrespeitou as normas as directrizes emanadas do empregador que estava obrigada a observar, como revelou uma total falta de respeito para com os clientes do empregador, quer cobrando-lhes quantias que não lhe eram devidas, quer apoderando-se das quantias que lhe eram entregues, fazendo-os acreditar que estavam liquidar os seus pagamentos correntes, já que lhes entregava documento comprovativo do pagamento. Por fim ao apropriar-se ainda que temporariamente de parte das quantias monetárias que lhe eram confiadas, não prestando contas de imediato de tais quantias, como estava obrigada, assim defraudando o empregador, violou de forma afrontosa a confiança do empregador, infringindo sem margem para qualquer dúvida o dever de fidelidade, de lealdade, de probidade e de honestidade para com o seu empregador, incorrendo na prática de infracção disciplinar.
.Com efeito, provou-se que no dia 8.04.2016, a trabalhadora registou no sistema NAVE a entrega do objecto à cobrança nº OC15211816PT, recebeu do cliente Nuno o valor de 10,00€ e não encerrou a sessão de atendimento. Ainda na mesma sessão de atendimento, procedeu ao atendimento do cliente Miguel com a aceitação do registo nº RD701381211PT no valor de 3,67€, o qual não pediu recibo e cobrou a este cliente o valor total de 13,67€, tendo assim cobrado indevidamente a este cliente o valor de 10,00€ (dez euros), referente ao objeto à cobrança que já havia cobrado anteriormente ao cliente Nuno.
No dia 31.08.2016 a trabalhadora procedeu à aceitação da cobrança postal da Telecomunicações X, no valor de 63,78€ e da cobrança postal da Eletricidade, no valor de 40,28€, tendo recebido tais valores da cliente M. P., tendo colocado a marca de dia nos comprovativos de pagamento que entregou à cliente feito constar no sistema NAVE tais cobranças. A cliente M. P., foi informada pela Telecomunicações X que a sua fatura estava por regularizar, e com o receio que o serviço lhe fosse cortado, pagou o valor da referida fatura por multibanco no dia 15.09.2016 e tendo tido também conhecimento que a fatura da Eletricidade que pagou nos Correios no dia 31.08.2016 se encontrava por regularizar, pagou a mesma por multibanco no dia 20.09.2016.
No dia 9.09.2016, a trabalhadora, procedeu à aceitação da cobrança postal da Gás S., no valor de 57,08€, que recebeu do cliente e colocou a marca de dia no comprovativo de pagamento que lhe entregou. Porém, a trabalhadora não procedeu à introdução da respetiva cobrança no sistema informático NAVE. Em consequência do comportamento da trabalhadora, a cliente Márcia, teve de proceder ao pagamento da reinstalação do gás no valor de 57,25€.
No dia 21.09.2016, a trabalhadora, tinha na sua posse um envelope C5 dos Correios, que no seu interior continha talões de leitura ótica de cobranças de diversos clientes (alguns dos quais com data limite já ultrapassada). Tais cobranças postais foram aceites pela trabalhadora em diversas datas, em que recebeu o dinheiro dos clientes, sem que tivesse procedido à sua introdução no sistema informático NAVE, apropriando-se dos respectivos valores, que utilizou em seu proveito próprio.
De forma intencional, a trabalhadora apropriou-se temporariamente dos valores que ia recebendo dos clientes para pagamento das cobranças supra descritas, pelo menos entre as datas em que lhe foram entregues pelos clientes para pagamento e a sua regularização, o que ocorreu na pendência do procedimento disciplinar, pelo que tais quantias estiveram na sua posse entre 6.09.2016 e 23.09.2016.
Criou nos clientes a convicção do pagamento, porquanto lhes entregava o comprovativo do documento de cobrança onde apunha com uma marca de dia Correios. e de forma a ocultar o seu comportamento do Empregador, não registava nenhuma daquelas cobranças no sistema contabilístico/informático NAVE, guardando o documento de cobrança destinado aos Correios dentro de um envelope que mantinha na sua posse.
A trabalhadora aproveitando-se das suas funções de atendimento ao público e da acessibilidade que tinha aos valores, para se apropriar de um valor relativo a cobranças cujo total perfaz a quantia de €1.453,06, ao qual acresce o montante de €57,25 relativo à reposição do reabastecimento de gás acima mencionado, quantia que utilizou em seu proveito próprio temporariamente.
Estas circunstâncias apuradas integram sem dúvida o conceito de justa causa, já que o comportamento da trabalhadora enquadra-se, claramente, nas situações previstas nas alíneas a), d) e e) do nº 2, do artigo 351.° do Código de Trabalho, na medida em que constituem um manifesto desrespeito das directrizes que estava obrigada a observar, reveladores do desinteresse pelo cumprimento diligente e brioso respeitante à execução do trabalho, integradores de conduta criminal, pondo em causa a imagem de integridade e de confiança que os clientes tem de ter no empregador, o que demonstra violação do disposto no art. 128.°, nº 1, als. a) e) e f), do Código do Trabalho.
Em suma os factos demonstram um comportamento doloso da trabalhadora/ recorrente, grosseiramente violador do dever de lealdade e de honestidade, passível até de responsabilidade criminal, com consequências disciplinares que não podem deixar de afetar a estabilidade e a manutenção da relação laboral estabelecida entre as partes.
A conduta da trabalhadora abala e quebra indubitavelmente a confiança que, necessariamente terá de existir entre trabalhador e empregador e cria legitimamente, no espírito deste último, a dúvida sobre a idoneidade da conduta futura daquela, não sendo de exigir a empregador que mantenha ao seu serviço um trabalhador que tendo como uma das suas funções receber importâncias monetárias, se apropria, em seu benefício de parte das quantias que recebe.
Acresce dizer que no caso dos autos ocorrem, sem margem para dúvida, factos circunstanciais que funcionam a favor da Recorrente, designadamente a sua longa antiguidade (17 anos), a inexistência de antecedentes de cariz disciplinar e o facto de sempre ter executado as suas tarefas com acerto, eficiência e honestamente com zelo e bom comportamento, que a recorrente pretende destacar para que se conclua no sentido do despedimento proferido ser desproporcional e desadequado a toda a factualidade apurada.
Cabe-nos no entanto salientar que a gravidade da factualidade apurada não pode ser minimizada de maneira significativa por tais atenuantes, pois estando em causa importâncias pecuniárias relativas a cobranças recebidas pela recorrente de clientes da recorrida, das quais a recorrente se apropriou e utilizou em seu proveito, os factos não são demonstrativos de um comportamento meramente negligente a corporizar a violação do dever de zelo, mas sim são demonstrativos de um comportamento doloso, altamente criticável, grosseiramente violador do dever de lealdade, passível até de responsabilidade criminal, com consequências disciplinares que não podem deixar de afetar a estabilidade e a manutenção da relação laboral estabelecida entre as partes.
Por último incumbe-nos ainda dizer que os factos provados referentes à situação psíquica da autora, que se traduzem num quadro de perturbação depressiva e ansiedade, que se verifica desde 2003, conjugados com a pressão sentida no trabalho, são manifestamente insuficientes para que possamos concluir pela verificação de uma situação de incapacidade acidental, tal como se fez constar na decisão recorrida, que agora se transcreve
“No direito civil a incapacidade acidental está prevista no art. 257º do Código Civil e tem por requisitos que no momento do acto haja uma incapacidade de entender o sentido da declaração negocial ou falte o livre exercício da vontade, seja por doença, seja por qualquer outra causa acidental e que a incapacidade seja notória ou conhecida do declaratário. No domínio da relevância penal, diz-se no art. 20º nº 1 do Código Penal que é inimputável quem, por força de anomalia psíquica, for incapaz, no momento da prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação.
Exige-se um elemento biológico, traduzido na existência de qualquer anomalia psíquica e um elemento psicológico, que se reconduz à incapacidade de avaliar a ilicitude ou à impossibilidade de determinação de acordo com essa avaliação. No conceito de anomalia psíquica cabem toda a vasta gama de doenças ou simples estados psíquicos, transitórios ou não, desde que produzam o efeito psicológico requerido.”
Ora, a materialidade apurada não nos permite concluir pela incapacidade acidental por parte da recorrente no momento da prática dos factos, pois para além de não se tratar sequer de um acto isolado, mas sim de um comportamento que se repetiu e se prolongou no tempo, dizem-nos as regras da experiência conjugadas com as declarações que prestadas pela recorrente em sede de processo disciplinar, que foram as dificuldades económicas que ditaram o seu comportamento e não qualquer outra circunstância do foro psíquico.
A recorrente não logrou provar a sua eventual inimputabilidade à data da prática dos factos.
Em suma, se por um lado os factos terão ocorrido num período limitado de tempo, os valores envolvidos não são estrondosamente elevados e terão sido totalmente repostos pela recorrente, por outro lado o comportamento da recorrente acarreta uma irremediável quebra da relação de confiança que está subjacente à subsistência duma relação de trabalho, em termos que, à luz da regra da proporcionalidade acolhida no art.º 330º do C.T., evidenciam ser o despedimento a única sanção que ao caso poderia caber.
Por fim, em jeito de nota final diremos que atendendo à natureza do serviço público prestado pelo empregador, exige-se que os seus trabalhadores exerçam as respectivas funções de forma idónea e integra, de plena boa-fé, com respeito quer pelas normas emanadas pelo empregador, quer com respeito pelas disposições legais vigentes, de forma a preservar e dignificar a imagem da instituição onde prestam serviço. O comportamento da autora grave e culposo pôs em crise a confiança em que se alicerçava a relação de trabalho, tornando assim imediata e praticamente impossível a sua subsistência, não se podendo sobrepor à gravidade dos factos praticados a antiguidade e o bom comportamento anterior, o que aliás só nos permite concluir que tinha plena consciência das consequências que a sua conduta poderia causar para os Correios.
Verifica-se a existência de justa causa para o despedimento da recorrente,pelo mais não resta do julgar o recurso improcedente mantendo na íntegra a sentença recorrida.
V- DECISÃO
Pelo exposto e ao abrigo do disposto nos artigos 87º do C.P.T. e 663º do CPC., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso de apelação interposto por Manuela, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente, sem prejuízo da isenção de que beneficia
Notifique.
Guimarães, 10 de Julho de 2018
Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins
Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C.
I - A noção de justa causa de despedimento, pressupõe um comportamento culposo do trabalhador, violador de deveres estruturantes da relação de trabalho, que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral; II - Integra justa causa de despedimento o comportamento da trabalhadora que não prestando contas de imediato dos valores que lhe eram confiados, como impunham as regras estabelecidas pelo empregador, se apropria, ainda que temporariamente, de forma dolosa e em proveito próprio, de tais valores que não lhe pertenciam,defraudando dessa forma a confiança que nela era depositada pelo empregador. III – A longa antiguidade da trabalhadora, o bom comportamento anterior e a inexistência de antecedentes disciplinares, não afectam a adequação e a proporcionalidade do despedimento ao comportamento do trabalhador, desde que tenha sido irremediavelmente quebrada a relação de confiança que deve estar subjacente a vínculo laboral subordinado.