EMBARGO DE OBRA NOVA
HERDEIRO
Sumário

O herdeiro, que não exerce as funções de cabeça de casal, tem legitimidade para, por si só, desacompanhado dos restantes co-herdeiros, requerer embargo de obra nova levada a efeito em prédio da herança.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:



B………………….., arrogando-se como cabeça de casal da herança indivisa aberta por óbito de C………………….. e D……………………., instaurou procedimento cautelar de embargo de obra nova contra E……………….., F………………., G………………. e H……………….., requerendo a suspensão de obras que os requeridos estarão a levar a cabo num prédio da herança.
O Mmo. Juiz, com fundamento na falta de alegação pela requerente das circunstâncias legalmente necessárias lhe conferir tal qualidade, e em que, como herdeira, a requerente é apenas titular de um direito indivisível, que não recai sobre bens certos e determinados da herança, não pode atribuir-se-lhe, antes da partilha, a qualidade de proprietário de qualquer bem da herança, e ainda em não ter a requerente alegado os pressupostos do embargo de obra nova - a existência de prejuízo ou ameaça de prejuízo - indeferiu liminarmente a providência, por considerar o pedido manifestamente improcedente.
Inconformada com tal decisão, dela interpôs a requerente o presente agravo, terminando a sua alegação pelas seguintes conclusões:
A) A Requerente é herdeira de C…………………. e D………………..
B) A Requerente aceitou e aceita a herança
C) O domínio e a posse dos bens da herança adquirem-se pela aceitação, independentemente da sua apreensão material - art.º 2050° C.C..
D) Logo a Requerente faz prova do seu direito de posse sobre os bens da herança.
E) A providência cautelar de Embargo de obra nova não é aplicável o requisito do receio de lesão grave ou difícil reparação.
F) Assim deve o pedido de Embargo de Obra Nova prosseguir e revogado o Despacho de Indeferimento Liminar.

***
Não houve contra-alegações e o Mmo. Juiz sustentou o despacho recorrido.
***
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
A questões suscitadas no presente agravo consistem em saber se:
a) o herdeiro de uma herança indivisa que não exerce as funções de cabeça de casal tem legitimidade para, por si, requerer o embargo de obra nova levada a efeito em prédio da herança;
b) Se foi devidamente invocada pela requerente a existência ou ameaça de prejuízo decorrente da realização da obra.
Nos termos do artigo 412.º, n.º 1, do CPCiv., "Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de trinta dias, a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente". Através de tal dispositivo colocou o legislador ao alcance do titular ou contitular do direito de propriedade ou de outro direito real ou pessoal de gozo, bem como do possuidor, a possibilidade de requerer o embargo de obra, trabalho ou serviço que ofenda tais direito ou a correspectiva posse.
A agravante invoca para tal a qualidade de herdeira e cabeça de casal das heranças indivisas por óbito de C……………….. e de D………………., sendo certo que, por não ter aduzido as circunstâncias constantes dos n.ºs 2 a 4 do art.º 2080.º do C.Civil, não pode reconhecer-se-lhe tal qualidade de cabeça de casal.
Como simples herdeira, até ao momento da realização da partilha, é a agravante titular de um direito indivisível sobre o conjunto dos bens da herança, enquanto "universitas juris", existindo uma comunhão de mão comum distinta da compropriedade. No entanto, não obstante nenhum dos herdeiros ser ele próprio titular de qualquer direito real de gozo sobre os bens em concreto que integram a herança, nem por isso pode entender-se que o direito de propriedade que aos herdeiros conjuntamente pertence não goza da tutela conferida pelo artigo 412º do CPCiv.. É certo que, atenta a relação jurídica de comunhão hereditária, para que a providência cautelar de embargo de obra nova produzisse o seu efeito útil normal, seria, em abstracto, necessária a intervenção de todos os interessados, ou seja, de todos os co-herdeiros. Há, no entanto, que considerar a natureza urgente do embargo, que não se compadece com o accionamento dos poderes conferidos pelo art. 265º nº 2 do Cód. de Proc. Civil. Para obviar a tal dificuldade, facultou o legislador a qualquer titular de direito de propriedade, singular ou comum, a possibilidade de requerer o embargo de obra que o ofenda. Aí se compreendendo os consortes na comunhão hereditária, que a lei não distinguiu, sendo certo que o art.º 1.404.º do C.Civil manda aplicar as regras da compropriedade, com as necessárias adaptações, à comunhão de quaisquer outros direitos, sem prejuízo do disposto para cada um deles.
É, pelo exposto, de concluir pela legitimidade do herdeiro para, por si só e desacompanhado dos restantes co-herdeiros, requerer o embargo. Neste sentido se decidiu nos Acs. desta Relação de 06/01/95 (JTRP00014235) e de 03/07/2002 (JTRP00034233); em sentido contrário, Ac. desta Relação de 21/05/92 (JTRP00002615), todos acessíveis através de www.dgsi.pt.
Entendeu ainda o despacho recorrido que não se verificam, face à alegação da requerente, a existência de prejuízo ou ameaça de prejuízo, também pressupostos do embargo de obra nova. Será assim?
No n.º 11 do req. inicial alegou a requerente, ora agravante, que os requeridos destruíram o telhado, destruíram as divisões interiores, colocaram uma placa e estão a fazer quartos de banho, a colocar novas paredes interiores, novo telhado. Mais adiante, porém, vem a requerente hipotizar controvérsias relacionadas com a eventual exigência do pagamento dessas obras como benfeitorias, circunstância que poderá ter levado o Mmo. Juiz "a quo" a afastar a ocorrência, in casu, de prejuízos. Deve, no entanto, notar-se que em ponto algum da sua alegação a requerente lhes atribuiu natureza de benfeitorias. E é medianamente claro que todas as descritas destruições envolvem, por si só, ofensa ao direito (colectivo) de propriedade sobre o imóvel, independentemente do resultado final das obras projectadas pelos requeridos, cuja bondade está longe de poder considerar-se verificada. A destruição das divisões interiores importa até em alteração da estrutura interna do imóvel, susceptível de afectar a fruição do imóvel.
Crê-se, assim, encontrar-se suficientemente caracterizado o prejuízo que as obras em questão envolvem para o direito de propriedade sobre o imóvel, em termos suficientes para que o procedimento prossiga.

DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao agravo, revogando o despacho recorrido e determinando se substitua por outro que ordene o prosseguimento dos normais termos dos autos, designando data e hora para a produção da prova oferecida pela agravante.

Sem custas, por não serem devidas.

Porto, 30 de Outubro de 2007
João Carlos Proença de Oliveira Costa
Carlos António Paula Moreira
Maria da Graça pereira Marques Mira