FIANÇA
CONTRATO DE MÚTUO PARA HABITAÇÃO
EXTINÇÃO DA FIANÇA
Sumário

Não há liberação do fiador no caso de declaração de insolvência do devedor, reclamando o credor os respectivos créditos na insolvência.

Texto Integral

Apelação n.º 6354/16.0T8VNG.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório

B..., e mulher, C..., intentaram acção declarativa com processo comum contra D..., S.A., pedindo que seja declarada extinta a fiança prestada pelos relativamente às obrigações resultantes dos contratos de mútuo supra identificados celebrados entre o R. e os mutuários de que os AA. são fiadores.

Alegaram para tanto, e em síntese, que se constituíram fiadores numa operação de crédito do banco R. aos mutuários E... e F..., para aquisição de habitação destes, garantido por hipoteca sobre o aludido imóvel/habitação.

E que os mutuários entraram em incumprimento no aludido contrato de financiamento/mútuo, sem que o R. alertasse os AA. para o facto, tendo, entretanto, os mutuários se apresentado à insolvência, na qual o R. reclamou o seu crédito, no valor de € 201.177,36.

O imóvel hipotecado, único bem detido pelos insolventes, após sua apreensão para massa insolvente, e feitas diligências de venda, foi pelo R. banco feita proposta de adjudicação pelo valor de € 85.317,44, tendo o bem sido vendido pelo valor de uma proposta de € 85.500,00.
Acrescentaram que bem imóvel aquando da concessão do crédito (ano de 2006) foi avaliado por € 175.000,00, tendo o R. apenas interpelado os AA. após os mutuários se terem apresentado à insolvência, onde o bem foi vendido por um valor inferior ao real, impedindo que os AA. se pudessem sub-rogar nos direitos do credor em caso de pagamento.
Entendem, assim, que para existir a sub-rogação a que alude o artigo 644º era necessário que o R. tivesse interpelado os mutuários para pagarem logo que incorresse a situação de incumprimento, e disso desse conhecimento aos AA. para iniciarem diligências juntos dos mesmos com vista ao pagamento ou que tivesse instaurado acção executiva mais cedo, como poderia ter feito, atenta a data em que os mutuários deixaram de cumprir com o pagamento das prestações, dando assim origem a que os devedores se apresentasse os dois à insolvência e que o seu único bem fosse apreendido nesse processo.
Contestou o R., dizendo que os afiançados só se constituíram em mora após 02.11.2012, o que determinou, dentro das políticas de actuação estabelecidas no seio do R, o início de uma fase (normalmente de 6 meses) de contactos pessoais e telefónicos com os mutuários com vista a ultrapassar aquela situação de mora em sede consensual, por forma a evitar a resolução dos contratos em mora, após o que a dívida segue para cobrança contenciosa, com a resolução dos contratos e interpelação de todos os intervenientes envolvidos.
Entretanto, ainda nessa fase pré-contenciosa os mutuários apresentaram-se à insolvência, tendo as respectivas sentenças sido proferidas em 11.02.2013 e de 25.02.2013, o que determinou a citação do R. naqueles autos de insolvência, atenta a sua qualidade de credor hipotecário, ali tendo reclamado os seus créditos acumulados à data de início da mora, € 201.177,36 na insolvência do mutuário e € 201.631,38 na insolvência da mutuária, devidamente reconhecidos pelo A.I. e aceite pelos demais credores.

Os anúncios das insolvências foram publicitados nos locais próprios, tendo os fiadores sido notificados após a reclamação de créditos (em 01.04.2013 e em 04.04.2013), da resolução ocorrida e valores em dívida. E entre o momento que foram notificados e o momento da venda judicial, em 16.12.2015, cerca de dois anos e meio depois, os AA. nada pagaram.

Afirma que a fracção foi vendida em leilão, tendo sido obtido o valor de venda rápida.

Conclui pela improcedência da acção.

Foi dispensada a audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador e fixado o objecto do litígio e temas da prova.

Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a acção procedente.

Inconformado, apelou o R., apresentando as seguintes conclusões:
1) A douta sentença recorrida não atendeu os factos carreados para o processo, deles não fazendo correcta interpretação, pelo que não decidiu em conformidade com os mesmos.

2) De facto, tal factualidade, salvo melhor entendimento, não permite a sua subsunção no disposto no art.º 653º do Código Civil, com a consequente liberação da fiança prestada.

3) A douta sentença violou, assim, o artigo 653º do Código Civil e números 3 a 5 do artigo 607º do Código de Processo Civil.

Termos em que, Venerandos Desembargadores, decretando Vossas Excelências a revogação da douta sentença recorrida e sua substituição por outra onde, declarando a improcedência total da acção, seja reconhecido manter-se em vigor a fiança prestada com todas as consequências daí advindas, farão a costumeira JUSTIÇA.

Contra-alegaram os AA., pugnando pela manutenção do decidido.

2. Fundamentos de facto
A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
Da petição inicial
1. Por escrito particular outorgado em 2006.11.28, o R. celebrou com E... e F... um contrato de mútuo com hipoteca e fiança, pelo qual emprestou a estes a quantia de € 116.795,00, a liquidar em 444 prestações mensais e sucessivas.
2. Também por escrito particular outorgado em 2006.11.28, o R. celebrou com E... e F... um contrato de mútuo com hipoteca e fiança, pelo qual emprestou a estes a quantia de € 34.475,87, a liquidar em 444 prestações mensais e sucessivas.
3. Por escrito particular outorgado em 2009.09.01, o R. celebrou com E... e F... um contrato de mútuo com hipoteca e fiança de reestruturação, pelo qual emprestou a estes a quantia de € 12.000,00, a liquidar em 360 prestações mensais e sucessivas.
4. Os referidos contratos foram celebrados pelo R. no exercício da sua actividade de concessão de crédito.
5. E... e F... confessaram-se devedores dessas quantias, constituindo-se direito real de hipoteca para garantia e liquidação das quantias mutuadas a favor do R. credor.
6. O A. marido interveio nos três escritos particulares outorgados em 2006.11.28 e em 2009.09.01 na qualidade de fiador, tendo a A. mulher intervindo na celebração escrito particular outorgado em 2009.09.01.
7. O R. celebrou ainda com E... e F... em 2009.08.31 um contrato de mútuo, pelo qual emprestou a estes a quantia de € 31.300,00, a liquidar em 60 prestações mensais e sucessivas. (Doc. nº 4)
8. Os mutuários movimentaram e utilizaram as quantias referidas nos empréstimos na aquisição da fracção autónoma “R” que constituía a casa de morada de família.
9. A fracção autónoma “R” constitui uma habitação do tipo T4 do prédio urbano sito na Avenida ..., nº ..., da União das freguesias ..., com a área privativa de 146 m2 e área dependente de 20 m2 e lugar de estacionamento na cave, com 123 m2, descrito na Conservatória do registo Predial sob o nº 438/19851227-R e inscrito na matriz sob o artigo 7958º.
10. O R. tem três hipotecas registadas sobre a fracção autónoma G... “R” pela AP. 90 de 2006/12/06 para garantia do crédito de € 116.795,00, pela AP. 91 de 2006/12/06 para garantia do credito de € 47.231,94 e AP. 1144 de 2009/08/31 para garantia do crédito de € 16.440,00.
11. Nesses contratos os AA. declararam que se constituem-se fiadores e principais pagadores, com renuncia ao benefício da excussão prévia de todas e quaisquer obrigações que resultem dos referidos contratos para os mutuários E... e F....
12. Os mutuários E... e F... deixaram de cumprir com o pagamento das prestações vencidas a partir de 02.10.2012.
13. Quando deixaram de cumprir encontravam-se em divida prestações no valor global de € 201.177,36, correspondendo a quantia de € 116.795,00 ao primeiro contrato, a quantia de € 34.475,87 ao segundo contrato e a quantia de € 12.000,00 ao terceiro contrato, juros nos montantes de € 3.006,62, € 889,14 e € 408,13 e despesas extrajudiciais nos montantes de € 4.671,80, € 1.379,03 e € 480,00 e a quantia de € 29.691,08 relativa a contrato outorgado em 31.08.2009 e juros no valor de € 31.226,55.
14. F... foi declarado insolvente por sentença proferida em 06.02.2013 no âmbito do processo que sob o nº 901/13.6TBVNG, transitada em julgado em 22.03.2013 e E... foi declarada insolvente por sentença proferida em 21.02.2013 no âmbito do processo que sob o nº 1316/13.1TBVNG, transitada em julgado em 22.03.2013 do extinto 1º Juízo Cível de Vila Nova Gaia.
15. O R. reclamou créditos no âmbito dos processos de insolvência dos mutuários no valor global de € 201.177,36.
16. A fracção autónoma “R” constituiu o único bem apreendido aos mutuários no âmbito dos processos de insolvência dos mutuários.
17. A fracção autónoma “R” foi avaliada no ano de 2012 para efeitos de IMI no valor de € 97.240,00.
18. A prospecção de mercado de venda realizada no ano de 2014 de acordo com as características, localização e envolvente da fracção, mediante pesquisa em zonas próximas à zona onde se localiza o imóvel para valores de venda de fracções semelhantes e comparáveis obtiveram-se valores entre o mínimo de € 115.000,00 e um máximo de € 170.000,00.
19. A prospecção de mercado de arrendamento realizada no ano de 2014 de acordo com as características, localização e envolvente da fracção, mediante pesquisa em zonas próximas à zona onde se localiza o imóvel para valores de renda/mês de fracções semelhantes e comparáveis obtiveram-se valores entre o mínimo de € 550,00 e um máximo de 1.300,00.
20. Os créditos do R. foram reconhecidos no valor global de € 201.177,36 correspondente ao exacto valor reclamado.
21. O R. apresentou proposta de adjudicação da fracção autónoma “R” pelo montante de € 85.317,44.
22. O AI promoveu a venda da fracção autónoma através de leilão, tendo por base o valor mínimo indicado pelo credor hipotecário R.
23. Teve lugar leilão para venda da fracção autónoma “R” em 2015.12.05 da qual resultou uma proposta no montante de € 72.500,00.
24. Em 2015.12.16, o AI recebeu proposta de compra da fracção no montante de € 85.500,00.
25. O R. na qualidade de credor hipotecário foi notificado para se pronunciar sobre a aceitação da nova proposta apresentada, tendo aceitado o valor proposto.
26. A escritura pública de compra e venda da fracção teve lugar no dia 01.03.2016 no Cartório do Notário H... pelo preço de € 85.500,00 tendo sido compradores I... e J....
27. O R. credor hipotecário foi o único credor a recebe pagamento dos seus créditos pelo produto da venda da fracção. (Docs. n.ºs 17 e 18)
28. A fracção autónoma foi avaliada para efeitos de concessão de crédito pelo R. aos mutuários em 2006.09.22 pelo valor de € 175.000,00. (Doc. nº 19)
29. O R. interpelou os AA. para procederem ao pagamento, na qualidade de fiadores, das quantias vencidas decorrentes dos contratos de créditos mencionados supra datados de 28.11.2006 e 31.08.2009, por missivas datadas de 02.04.2013.
30. O R. comunicou ao Banco de Portugal a existência de créditos em situação de incumprimento por parte dos AA. na qualidade de fiadores relativos aos contratos de créditos mencionados supra.
31. Os AA. figuram ao Banco de Portugal na Central de Responsabilidades de crédito como clientes em situação de risco fundada na existência de créditos em situação de incumprimento por parte dos AA. na qualidade de fiadores relativos aos contratos de créditos mencionados supra.
32. Os mutuários já se encontravam em incumprimento no pagamento das prestações desde 02.10.2012 e o R. nenhumas diligências tomou no sentido da cobrança das prestações vencidas e em divida juntos dos mutuários.
33. Não enviou cartas aos mutuários interpelando-os para procederem ao pagamento das prestações em atraso, aviso de instauração de processo judicial para cobrança coactiva dos valores em divida.
34. Não instaurou acção executiva para cobrança coerciva das prestações em atraso.
35. Não enviou nenhuma comunicação aos AA., garantes nesses contratos, informando-os de que os mutuários não se encontravam a cumprir o plano de pagamentos a que contratualmente se vincularam e por cujo cumprimento os AA. também podiam vir a ser chamados à responsabilidade.
36. A primeira comunicação que os mutuários receberam do R. ocorreu em 02.04.2013, já depois dos mutuários terem apresentado pedido de declaração da sua insolvência e de esta ter sido judicialmente declarada, por sentença transitada em julgado.
37. A primeira comunicação que os AA. receberam do R. a informar do incumprimento e da insolvência dos mutuários ocorreu em 02.04.2013, já depois dos mutuários terem apresentado pedido de declaração da sua insolvência e de esta ter sido judicialmente declarada, por sentença transitada em julgado.
38. Foi no mesmo momento 04.04.2013 que o R. interpela o AA. para procederem ao pagamento da totalidade dos três empréstimos em divida pelos mutuários.
39. Foram os mutuários que por sua iniciativa livre e espontânea, se apresentaram a solicitar a declaração da sua insolvência.
40. À data da entrada em incumprimento dos empréstimos, os mutuários não tinham quaisquer outros bens à excepção da fracção autónoma dada em hipoteca ao R.
41. Presentemente os mutuários não têm quaisquer bens susceptíveis de penhora.
42. Auferem o vencimento de valor correspondente ao SMN na qualidade de trabalhadores por conta de outrem, vivem em casas arrendadas e com filha, pai e irmão a seu cargo.
43. Os mutuários encontram-se dispensados de entrega do rendimento disponível ao fiduciário no âmbito dos processos de insolvência.
44. Não tem quaisquer bens ou rendimentos disponíveis que permitam aos AA. em via de regresso obter o pagamento dos créditos cujo pagamento o R. pretende por via do accionamento da garantia os AA. sejam chamados a pagar.
45. Era necessário que o R. tivesse interpelado os mutuários para pagarem logo que incorresse a situação de incumprimento, e disso desse conhecimento aos AA. para iniciarem diligências juntos dos mesmos com vista ao pagamento ou que tivesse instaurado acção executiva mais cedo, como poderia ter feito, atenta a data em que os mutuários deixaram de cumprir com o pagamento das prestações, dando assim origem a que os devedores se apresentasse os dois à insolvência e que o seu único bem fosse apreendido nesses processos.
Da contestação
46. O incumprimento dos afiançados se inicia com as prestações reportadas a 02.11.2012.
47. Só após tal data de 02.11.2012 se constituem os afiançados em situação de mora.
48. O R. tem como método de actuação, de início e numa fase (normalmente de 6 meses) de contactos pessoais e telefónicos com os mutuários com vista a ultrapassar aquela situação de mora em sede consensual.
49. Sucede, porém, que no decurso de tal prazo de resolução da mora em sede consensual, os mutuários apresentaram-se à insolvência.
50. Ora, no seguimento das reclamações de créditos apresentada pelo R. em 19.03.2013 e em 01.04.2013, logo este se apresta a notificar mutuários e fiadores, em 01.04.2013 e em 04.04.2013 respectivamente, da resolução ocorrida e valores em dívida.
51. O A.I. solicitou ao R. avaliação actualizada do imóvel.
52. Pedido ao que o R. acedeu, solicitando a entidade externa tal avaliação e promovendo a sua junção aos autos. Naquela avaliação, in fine, vem definido um valor comercial de € 105.000,00, próximo do invocado pelos AA., e um valor de venda rápida de € 85.317,44.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não há.
3. Do mérito do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigo 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 5, CPC), consubstancia-se em saber se estão preenchidos os pressupostos da liberação da fiança, nos termos do artigo 653.º CC.
Nos termos do artigo 653.º, CC, Os fiadores, ainda que solidários, ficam desonerados da obrigação que contraíram, na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não puderem ficar sub-rogados nos direitos que a este competem.
Este artigo tem de ser equacionado com o artigo 644.º CC, nos termos do qual O fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes foram por ele satisfeitos.
Assim, facilmente se compreende que se o credor, por acção ou omissão voluntária, mas não necessariamente culposa, inviabilizar a sub-rogação do fiador este seja exonerado da fiança na mesma medida.
Em anotação a este artigo, escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra editora, vol. I, 4.ª edição, pg. 671,
«Consagra-se neste artigo a doutrina do artigo 853.° do Código Civil de 1867. As alterações na forma não correspondem a alterações de conteúdo. Não obstante, agora, não se fazer referência especial à sub-rogação nos privilégios e hipotecas do credor, estas garantias, como acessórias, estão abrangidas na referência genérica que se faz aos direitos que a este competem (cfr. art. 644º).
Como casos de aplicação deste artigo, podem citar-se os seguintes: o credor não reclamou o seu crédito na falência do devedor, não deduziu uma preferência em concurso de credores, renunciou a um privilégio, não registou uma hipoteca, remitiu a obrigação de outro fiador, etc.
Esta desoneração só se verifica, diz o artigo, na medida em que os fiadores não puderem ficar sub-rogados nos direitos do credor. Pode, por conseguinte, apenas ficar reduzida a sua obrigação e não extinta. Se um crédito de 100 é reduzido, por culpa do credor, a 50 e só quanto a esta importância pode ficar sub-rogado o fiador, a fiança mantém-se quanto a esta quantia.
Para tanto será necessário determinar, caso por caso, o prejuízo real que a perda do direito imputável ao credor acarreta para o direito eventual do fiador. Mas será ao credor que incumbe a prova de ser o prejuízo real do fiador inferior ao valor do direito cuja sub-rogação ele tomou inviável.
O texto do artigo 653º tem o mérito de esclarecer que a sanção cominada contra o credor vale tanto para a hipótese de a impossibilidade (prática) da sub-rogação provir de facto positivo (actuação dolosa ou negligente) deste, como para a de ela resultar de simples omissão.
Por outro lado, também fica suficientemente explícita a ideia de que a previsão legal abrange tanto a perda dos direitos anteriores à fiança ou contemporâneos dela, como a dos direitos posteriores.»
Estando a desoneração do fiador dependente da impossibilidade de sub-rogação nos direitos do credor, por facto imputável ao credor, importa determinar o alcance da expressão “não puderem ficar sub-rogados nos direitos que a este competem” utilizada no artigo 653.º CC.
O campo de aplicação privilegiado do artigo 653.º CC será o da perda das garantias associadas ao crédito. Recorde-se que, nos termos do artigo 582.º, ex vi artigos 593.º e 594.º, CC, ocorrendo sub-rogação, o crédito transfere-se para o fiador com todas as garantias que o acompanham (hipoteca, privilégios, penhor, penhora).
Daí que os exemplos que a doutrina apresenta de impossibilidade de sub-rogação se prendam frequentemente com perda de garantias: credor que não deduz preferência em concurso de credores, que não regista a hipoteca ou a ela renuncia.
Questão problemática é quando está em causa apenas o património do credor que constitui garantia geral das obrigações, nos termos do artigo 601.º CC, como dá conta Januário Gomes, Assunção Fidejussória de Dívida, Almedina, pg. 929 e ss..
Como refere este autor, a sub-rogação no crédito é sempre possível, pelo que não estará em causa a consistência jurídica do crédito, mas apenas a sua consistência económica: a insuficiência patrimonial do devedor não impede a sub-rogação, embora possa inviabilizar o ressarcimento.
Neste sentido, os acórdãos do STJ, de 2012.02.28, Fonseca Ramos, www.dgsi.pt.stj, proc. n.º 106/2001.L1.S1, da Relação de Coimbra, de 2016.11.08, Maria João Areias, www.dgsi.pt.trc, proc. n.º 1343/14.1TBFIG-A.C1, e o acórdão da Relação de Guimarães, de 2006.01.18, Rosa Tching, www.dgsi.pt.trg, proc. n.º 2421/05.
Por essa razão, tem-se entendido que a declaração de insolvência do devedor não releva para efeito de liberação do fiador nos termos do artigo 653.º CC: “Nenhuma impotência patrimonial do superveniente do devedor impede que o fiador, cumprindo, fique sub-rogado na posição de credor ─ no direito de crédito” (Januário Gomes, op. cit., pg. 930).
Só assim não sucederia se o credor não reclamasse os créditos na insolvência, pois dadas as especificidades do regime insolvencial, ficaria precludida ao fiador que pagasse a possibilidade de sub-rogação já que o direito apenas podia ser exercido no âmbito do processo de insolvência e nos prazos legalmente estabelecidos: neste caso não estaria apenas em causa a consistência económica, mas também a própria consistência jurídica do direito que é tutelada pelo artigo 653.º CC.
Tal não sucede no caso vertente porque a apelante reclamou oportunamente os seus créditos nas insolvências dos devedores.
A sentença recorrida considerou procedente a pretensão dos apelados por apelante, banco mutuante, não ter informado os fiadores do incumprimento dos mutuários antes de ter sido declarada a sua insolvência, onde foi vendido o imóvel que constituía o seu único bem, por um valor que consideram inferior ao real.
Segundo Januário Gomes, op. cit., pg. 930, que acompanhamos, não impende sobre o credor nenhuma obrigação de zelar pelo património do devedor por forma a garantir uma futura recuperação do crédito por parte do fiador que venha a ficar sub-rogado pelo pagamento.
Concluímos, pois, que não se pode imputar à apelante qualquer acção ou omissão que tenha inviabilizado a possibilidade de sub-rogação dos fiadores, caso pagassem.
As considerações tecidas nas contra-alegações acerca do abuso do direito não podem ser apreciadas porquanto a 1.ª instância considerou improcedente esse segmento, e os apelados não ampliaram o objecto do recurso.
O acórdão da Relação do Porto, de 2011.06.16, Pinto de Almeida, www.dgsi.pt.trp,
proc. n.º 18/07.2TBTBC.P1 versa uma situação completamente distinta da que nos ocupa: o cancelamento do registo de uma hipoteca pelo credor, caso em que não teríamos dúvidas quanto à liberação dos fiadores.
Quanto à falta de interpelação dos fiadores para pagamento, e sem entrar na controvérsia que acompanhe esta questão, admitindo que sobre o credor impendia tal obrigação, a consequência dessa omissão nunca seria a liberação da fiança, mas sim a reparação dos prejuízos que pudessem ter sofrido. Idêntica solução para a situação de um bem ser adquirido pelo credor hipotecário por um valor inferior ao real, impedindo que o crédito afiançado fosse satisfeito através do accionamento da hipoteca.
Neste sentido, o acórdão da Relação do Porto de 2017.01.30, Cura Mariano, www.dgsi.pt.trp, proc. n.º 3388/12.7TBMTS.P1, sendo de realçar que no caso vertente o bem não foi adquirido pelo credor hipotecário, ora apelante, e o valor foi o que foi alcançado no âmbito do processo de insolvência, com a anuência de todos os interessados.
Finalmente, tendo em conta o curto espaço de tempo que mediou entre o início do incumprimento e a declaração de insolvência dos afiançados (escassos meses) não se pode assacar qualquer má fé à apelante por um arrastamento injustificado da situação de incumprimento.
Por todo o exposto, conclui-se que não se verifica nenhuma situação de impossibilidade de sub-rogação dos fiadores por acção ou omissão imputável à apelante que justifique a liberação da fiança.

4. Decisão
Termos em que, julgando a apelação procedente, revoga-se a decisão recorrida, absolvendo-se a apelante do pedido.
Custas pelos apelados.

Porto, 30 de Maio de 2018
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
José Igreja Matos