I – A categoria-função ou contratual do trabalhador corresponde ao essencial das funções a que o trabalhador se obrigou pelo contrato de trabalho e pelas alterações ocorridas no seu âmbito, constituindo a dimensão qualitativa da prestação do trabalho, ou seja, o conjunto de tarefas que constituem o objecto da prestação de trabalho por parte do trabalhador e à qual corresponde normalmente uma designação.
II – A categoria-estatuto ou normativa define a posição do trabalhador na organização da empresa através da correspondência das suas funções a uma determinada categoria cujas tarefas típicas se descrevem na lei ou nos instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho, daí decorrendo a aplicação do regime laboral previsto para essa situação, p. ex. em matéria de progressão salarial e de posição na estrutura hierárquica da empresa.
III – A categoria profissional de um trabalhador só é vinculativa para a entidade empregadora quando institucionalizada, isto é, quando prevista na lei, regulamento ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, aferindo-se pelas funções efectivamente exercidas pelo trabalhador, em conjungação com a norma ou convenção que, para a respetiva atividade, indique as funções próprias de cada uma, sendo elemento decisivo o núcleo funcional (núcleo ‘duro’ de funções) que caracteriza ou determina a categoria em questão, sendo irrelevante a denominação ou ‘nomen juris’ atribuída pela entidade empregadora.
IV – A atribuição de uma categoria-estatuto ou normativa a um dado trabalhador implica a ponderação de três planos, a saber: o primeiro resultante de descrição o mais completa possível da situação de facto e, portanto, da análise das funções desempenhadas, dos seus requisitos profissionais e das características do posto de trabalho; o segundo decorrente do IRCTe das grelhas classificativas; o último que supõe a justaposição dos dois anteriores para detetar a congruência classificatória operada em face da situação dada como verificada.
O autor propôs contra a ré a presente acção com a forma de processo comum e emergente de contrato de trabalho, tendo deduzido o pedido seguidamente transcrito:
“PEDE:
1- Que seja declarado que a Ré deve ao A. diferenças salariais a título de retribuições mensais, proporcionais de férias, subsídio de férias e Natal, nos montantes discriminados ao longo da presente petição inicial.
2- Que a Ré seja condenada no pagamento:
a) Das indicadas quantias em dívida, no montante total de 14.270,56 €;
b) Do montante que a título de juros que computem desde a data do vencimento dos créditos e até integral pagamento das quantias peticionadas na antecedente alínea a).”.
Como fundamento da sua pretensão alegou, em resumo, que tendo sido trabalhador subordinado da ré, esta não lhe satisfez todas as retribuições correspondentes à categoria profissional para cujo desempenho funcional foi contratado e que desempenhou efectivamente, acrescendo a esse crédito de diferenças salariais outros relativos a violação do direito a férias no ano de 2012, a férias vencidas e não gozadas proporcionais ao trabalho prestado nos anos de 2013 e 2015, e a formação profissional não ministrada relativa aos últimos 3 anos que trabalhou para a ré.
A ré contestou, pugnando pela improcedência da acção.
Alegou, em resumo, que estão prescritos os créditos a que o autor se arroga e que o autor nunca desempenhou, nem foi contratado para desempenhar, as funções correspondentes à categoria profissional a que se arroga.
Respondeu o autor para sustentar a improcedência da excepção de prescrição e para peticionar a condenação da ré como litigante de má-fé.
O processo prosseguiu os seus regulares termos, acabando por ser proferida sentença de cujo dispositivo consta, designadamente, o seguinte:
“Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:
a) Condenar a Ré a pagar ao Autor, a quantias de 4,50 € (quatro euros e cinquenta cêntimos) a título de diferenças de subsídios de alimentação;
b) Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de 65,38 € (sessenta e cinco euros e trinta e oito cêntimos) a título de formação profissional não ministrada;
c) Condenar a Ré a pagar ao Autor os juros de mora, à taxa legal, desde a data do seu vencimento [a referida em a)] e da cessação do contrato [a referida em b)] até integral pagamento;
d) Absolver a Ré do demais peticionado pelo Autor.
» Custas: pelo Autor e Ré, na proporção do respectivo vencimento (cfr. art. 527º, nºs 1 e 2 do CPC, sem prejuízo da isenção que beneficia o Autor, estando o valor da causa já fixado a fls. 99).”.
Não se conformando com o assim decidido, apelou o autor, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:
“1ª- Fundamentando o Tribunal a quo a decisão quanto à matéria de facto relativa aos Factos Provados 2, 3 e 7 e inclusão nos Factos Não Provados a admissão do A. ora recorrente para prestar as funções inerentes à categoria profissional de “esmerilador de artigos de vidro” nos depoimento das testemunhas 4) A... , (5) B... , (6) C... e (7) D... , e às declarações de parte do trabalhador ora recorrente E... , entendemos que essa matéria de facto não foi correctamente julgada;
2ª- A prova produzida através dos depoimentos dessas testemunhas e declarações de parte do ora recorrente, bem como a prova documental produzida através dos Docs. 1 e 3 a 114 com a petição inicial, determinaria que se tivessem julgado diferentemente tais pontos da matéria de facto.
3ª- Fixando o facto provado 2. como: O autor foi admitido ao serviço da ré em 01.01.2005, por acordo verbal, para exercer sob as suas ordens, orientação e fiscalização, as funções inerentes à categoria profissional de “esmerilador de artigos de laboratório”, a qual aceitou.
4ª- Fixando o facto provado 3. como: Ao autor, nos termos acordados, competia-lhe exercer as funções de ajustar ou pulir, por desbaste, utilizando material abrasivo, artigos de laboratório em vidro e preparar a ferramenta necessária às suas funções.
5ª- Fixando o facto provado 7. como: Nos recibos de vencimento do autor e em listagens, relatórios e participações de acidentes de trabalho sofridos constou sempre a referência à categoria profissional de “esmerilador”;
6ª- E, sendo certo que não foi produzida prova que pudesse conduzir a decisão diferente, deve o Facto Não Provado constante no penúltimo parágrafo da página 4 da sentença recorrida - O Autor foi admitido ao serviço da Ré para prestar funções inerentes à categoria profissional de “esmerilador de artigos de laboratório” - ser excluído dos “Factos não Provados”.
7ª- Decidida a procedência do pedido deduzido quanto à matéria de facto nos termos enunciados supra, impor-se-á decisão diversa da recorrida, devendo ser julgado procedente o pedido de pagamento ao recorrente das diferenças salariais que peticiona, enquanto admitido/contratado com a categoria profissional e para o exercício de funções de “esmerilador de artigos de laboratório” e mantida a sua correspondente classificação profissional ao longo de toda a relação laboral.
8ª- Feito apelo às regras de distribuição do ónus da prova para a tomada de decisão quanto à procedência ou improcedência do pedido assim formulado, entendemos que bastaria ao A. (trabalhador) provar a sua admissão e classificação com a respectiva categoria profissional de “esmerilador de artigos de laboratório” - o que fez -, nos termos da correcta interpretação e aplicação do artº. 342º, n.º 1, do Código Civil.
9ª- E, entendemos que bastaria tal prova, independentemente das funções que ao trabalhador A. (ora recorrente) tenham sido determinadas exercer pela entidade empregadora Ré (ora recorrida) – por ter direito a manter tal classificação profissional e estar protegido pelo princípio da irredutibilidade da retribuição.
10ª- Errando na interpretação dessa norma o Tribunal a quo julgando necessária a prova além da contratação com a categoria profissional respectiva do simultânea exercício das funções.
11ª- Cumprindo o A. o ónus da prova a seu cargo, impunha-se e impõe-se julgar procedente o seu pedido para pagamento das diferenças salariais para a retribuição inerente à categoria profissional com que foi admitido/contratado.
12ª- Esta é única interpretação decorre, a nosso ver, também do conceito de “contrato de trabalho”, actual artº. 11º do actual Código do Trabalho, sendo certo que a obrigação fixada foi – quer para trabalhador quer para empregador – a contratação para o exercício da actividade acordada entre as partes (e que determinou a classificação profissional acordada e atribuída ao ora recorrente de “esmerilador de artigos de laboratório”), independentemente da emanação ou não de ordens para exercer a actividade acordada, não poderia o empregador incumprir os inerentes deveres contratuais inerentes – entre os quais o pagamento da correspondente retribuição – pela actividade que o trabalhador se manteve sempre disponível para exercer.
13ª- Só desse modo se interpretando e aplicando correctamente a previsão do artº. 115º do Código do Trabalho actual (anterior artº. 111º do CT 2003 - que regulava a relação laboral à data da outorga do contrato de trabalho); incorrendo em errada e interpretação da mesma a sentença recorrida ao decidir diferentemente – por que os outorgantes do contrato de trabalho definiram a actividade para que o trabalhador é contratado, por remissão para categoria constante do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável, devendo cumprir o contrato nos termos em que assim o estipularam.
14ª- Estando atribuída como estava ao A. (ora recorrente) a categoria profissional de “esmerilador de artigos de vidro”, exactamente por remissão para tal categoria prevista em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, estava legalmente proibido, conforme artigo 129º, n.-º 1, do Código do Trabalho de 2009 (Garantias do trabalhador): d) Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho; e) Mudar o trabalhador para categoria inferior, salvo nos casos previstos neste Código.
15ª- Face a estas normas não poderia a empregadora recorrida operar a baixa da categoria profissional e/ou reduzir a retribuição ao trabalhador (eventualmente sob a forma de não o aumentar para salário previsto para a respectiva categoria como mínimo), sendo que a tal equivaleria a decisão proferida quanto à matéria de facto na sentença recorrida e o julgamento como improcedente da acção nos termos que foram julgados pela sentença que colocamos em crise.
16ª- Sendo notória a implausibilidade, por contrariar as regras da lógica e do bom sendo, que a Ré nunca tivesse dado conta do alegado “lapso” que afirmou nestes autos ter cometido ao fazer constar nos recibos de salário do trabalhador a categoria profissional do trabalhador – durante cerca de 10 anos de duração da relação de trabalho, durante a qual sofreu também ao seu serviço vários acidentes de trabalho, constando nos documentos da segurança no trabalho identificada também a categoria profissional de “esmerilador de artigos de vidro”.
17ª- Tendo o empregador podido atempadamente, sem necessidade de motivar a sua decisão, ter denunciado o contrato de trabalho no período experimental, o qual (ante o contrato por tempo indeterminado que outorgou com o trabalhador aqui recorrente) tinha uma duração que era de 90 dias ou mesmo 180 dias, nos termos do artº 107º do Código do Trabalho de 2003.
18ª- Assim não procedendo, poderia ter pretendido operar a “Mudança para categoria profissional inferior”, se reunidas as condições legalmente previstas – neste sentido o artº. 119º do Código do Trabalho de 2009.
19ª- Não tendo assim actuado, estava vedada a mudança da categoria profissional do trabalhador, que lhe esteve atribuída/reconhecida desde o momento da admissão do trabalhador e ao longo de toda a relação laboral.
20ª- Neste conspecto, o facto de a entidade empregadora ter determinado ao trabalhador mobilidade funcional, encarregando-o do exercício de funções não compreendidas na actividade contratada (nos termos em que a mobilidade funcional está legalmente definida – artº. 120º do Código do Trabalho de 2009) e não correspondentes às funções da categoria profissional com que o contratou e sempre o manteve classificado, sem que sequer estivessem cumpridas as condições legalmente estabelecidas para essa mobilidade funcional – porque o exercício das funções não compreendidas na actividade contratada implicava modificação substancial da posição do trabalhador e implicou diminuição da retribuição, ao arrepio da previsão dos nºs. 1 e 4 do artº. 120º do CT2009.
21ª- Tendo a Ré ora recorrente violado, para com o A. ora recorrente, o artº. 118º do CT200.
22ª- Não podendo o Tribunal a quo, sem estarem cumpridas as condições legalmente previstas para o efeito, decidir a modificação da categoria profissional do trabalhador, como resultou afinal através da prolação da sentença recorrida em que, decidindo dar como provada a admissão categoria profissional diferente (e inferior) da que sempre esteve atribuída/reconhecida ao trabalhador, decidindo ser lícito o pagamento de retribuição abaixo da prevista para esta categoria reconhecida, julgando improcedente o pedido do A. para pagamentos das diferenças salariais devidas enquanto titular daquela categoria profissional com que sempre se manteve, e o empregador o manteve classificado.
23ª- Não podendo decidir-se em tais termos, como o fez o Tribunal a quo, com fundamento na falta de prova sobre a actividade exercida pelo trabalhador, a qual, de forma ilegal, pode ter sido determinada pelo empregador ao longo da relação laboral incumprindo o artº. 118º, impondo uma mobilidade funcional ao trabalhador a que ele não devia obediência, podendo contudo muitas vezes tê-la efectivamente cumprido.
24ª- A não se entender do modo que sustentamos, aos empregadores bastaria dar causa e depois invocar esse exercício de funções diverso do inerente às categorias profissionais atribuídas, a par da alegação de que, por lapso, inscreveram em documentação produzida (contratos de trabalho; recibos de vencimento; documentação relativa a acidentes de trabalho ou seguros de acidentes de trabalho; ….) categoria profissional superior àquela com que pretenderam contratar, pretendendo assim “justificar” as ordens emanadas para o exercício de funções inerentes a categorias profissionais hierarquicamente inferiores (e não funcionalmente interligadas); e, “justificar” o pagamento de retribuições inferiores às devidas relativamente à categoria que estava desde sempre reconhecida aos trabalhadores.
25ª- Tal não ser judicialmente acolhido, para mais, com é o caso dos autos, invocando o empregador - somente após findo o contrato de trabalho e após a instauração de acção judicial pelo trabalhador - o alegado lapso na indicação escrita da categoria profissional do trabalhador.
26ª- Ao não entender conforme sustentamos, entendemos, salvo o devido respeito, que o Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação das normas enunciadas, as quais devem ser interpretadas e aplicadas nos termos expostos em sede do presente recurso, impondo-se decisão diversa.
27ª- Devendo ser revogada a sentença recorrida e julgando procedente o presente recurso, ser prolatada decisão julgando procedente o pedido deduzido pelo ora recorrente – de procedência do pedido formulado de condenação da aqui recorrida no pagamento de diferenças salariais relativas à categoria profissional com que a recorrida contratou o recorrente e sempre o manteve contratado.”.
Contra-alegou a ré, pugnando pela improcedência da apelação,
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Importa começar por recordar que invocando o autor o direito ao reconhecimento de uma determinada categoria profissional (normativa) e outros direitos decorrentes daquele, incumbia-lhe o ónus de alegação e prova de todos os factos com base nos quais se possa alicerçar aquele primeiro direito (art, 342º/1 do CC).
Como assim, pretendendo o autor que se lhe reconheça uma dada categoria-estatuto ou normativa prevista em IRCT aplicável à relação de trabalho entre ele e a ré, o mesmo tinha o ónus de alegar e provar as funções que efectivamente exercia no desempenho quotidiano da sua actividade funcional, por forma a poder concluir-se no sentido de que esse desempenho funcional deveria integrar-se no núcleo essencial da categoria normativa a que se arroga.
Na verdade, é certo que o trabalhador deve exercer, em regra, uma actividade que se enquadre no conteúdo funcional da categoria para que foi contratado.
Porém, menos certo não é que o conceito de categoria profissional é utilizado em vários sentidos, entre os quais se contam os de categoria-função ou contratual e de categoria-estatuto ou normativa.
A categoria-função ou contratual do trabalhador corresponde ao essencial das funções a que o trabalhador se obrigou pelo contrato de trabalho e pelas alterações ocorridas no seu âmbito, constituindo a dimensão qualitativa da prestação do trabalho, ou seja, o conjunto de tarefas que constituem o objecto da prestação de trabalho por parte do trabalhador e à qual corresponde normalmente uma designação[1].
Por sua vez, a categoria-estatuto ou normativa define a posição do trabalhador na organização da empresa através da correspondência das suas funções a uma determinada categoria cujas tarefas típicas se descrevem na lei ou nos instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho, daí decorrendo a aplicação do regime laboral previsto para essa situação, por exemplo, em matéria de progressão salarial e de posição na estrutura hierárquica da empresa[2].
A categoria–estatuto revela, pois, o posicionamento sócio-profissional do trabalhador, não sendo despiciendo recordar que os conceitos de função e de categoria são incindíveis: a categoria decorre das funções e estas impõem uma categoria.
A categoria profissional de um trabalhador só é vinculativa para a entidade empregadora quando institucionalizada, isto é, quando prevista na lei, regulamento ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
Por outro lado, afere-se pelas funções efectivamente exercidas pelo trabalhador, em conjugação com a norma ou convenção que, para a respectiva actividade, indique as funções próprias de cada uma, sendo elemento decisivo o núcleo funcional (núcleo “duro" de funções) que caracteriza ou determina a categoria em questão; é irrelevante, pois, a denominação ou "nomen juris" atribuído unilateralmente pela entidade empregadora[3], assim como a denominação ou "nomen juris" feito constar do instrumento a que tenha sido reduzido o contrato de trabalho ou verbalmente fixado entre as partes.
Por outras palavras, mais do que saber qual foi a designação formal que a empregadora e o trabalhador atribuíram (verbalmente ou por escrito) ao “conteúdo funcional”[4] a que o trabalhador se obrigou e de que a empregadora se tornou credora, o que realmente importa determinar é qual “conteúdo funcional” que o trabalhador realmente desempenhou no cumprimento do contrato de trabalho, sendo que, para efeitos de enquadramento numa determinada categoria profissional, em caso de divergência entre aqueles “conteúdos funcionais”, o segundo prevalece sobre o primeiro.
Com efeito, como ensina Bernardo Xavier[5], a atribuição de uma categoria-estatuto ou normativa a um dado trabalhador implica a ponderação de três planos, a saber: o primeiro resultante da descrição o mais completa possível da situação de facto e, portanto, da análise das funções desempenhadas, dos seus requisitos profissionais e das características do posto de trabalho; o segundo decorrente do IRCT e das grelhas classificativas; o último que supõe a justaposição dos dois anteriores para detectar a congruência classificatória operada em face da situação dada como verificada.
Importa referir, igualmente, que para efeitos de enquadramento do trabalhador numa determinada categoria profissional deve levar-se em consideração a essencialidade das funções exercidas, não sendo necessário que o trabalhador exerça todas as funções correspondentes a determinada categoria – tal como ela decorre da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva – mas apenas que nela se enquadre o núcleo essencial das funções efectivamente desempenhadas.
Exercendo o trabalhador diversas actividades enquadráveis em diferentes categorias profissionais, a sua classificação deve fazer-se tendo em consideração o núcleo essencial das funções por ele desempenhadas ou a actividade predominante e, sendo tal diversidade indistinta, deve o trabalhador ser classificado na categoria mais elevada que se aproxima das funções efectivamente exercidas, ou seja, em caso de dúvida quanto à categoria profissional, a atracção deve fazer-se para a categoria profissional mais favorável ao trabalhador[6].
Ao invés, se o trabalhador exerce funções que não se enquadram exactamente nas categorias institucionalizadas, deve ser integrado na categoria que, tendo em conta as tarefas nucleares de cada uma delas, mais se aproxima daquelas funções efectivamente exercidas sendo que também aqui, em caso de dúvida, a atracção deve fazer-se para a categoria profissional mais favorável ao trabalhador[7].
Flui de tudo quanto vem de referir-se que no caso em apreço independentemente da qualificação formal que o autor e a ré tenham atribuído ao “conjunto funcional” a desempenhar pelo primeiro em benefício da segunda, por ocasião da contratação do mesmo pela ré, o que realmente releva é: i) determinar o “conteúdo funcional” efectivamente desempenhado pelo autor ao serviço da ré; ii) saber se esse “conteúdo funcional” efectivo correspondente ao núcleo essencial da categoria normativa de esmerilador de artigos de laboratório prevista no IRCT aplicável e a que o autor se arroga, a saber: proceder ao ajuste ou polimento de artigos de laboratório em vidro, por desbaste, utilizando material abrasivo, preparando para tanto a ferramenta necessária às suas funções.
Não logrando o trabalhador provar o referido no antecedente parágrafo e na ausência de acordo entre as partes quanto à categoria normativa do autor, de nada releva saber que “categoria” foi formalmente convencionada entre o autor e a ré, pela simples circunstância de que o assim convencionado não é suficiente – porque não alicerçado e desacompanhado do “conteúdo funcional” efectivo para tanto imprescindível – não sendo igualmente necessário, para que ao autor seja reconhecida aquela categoria normativa.
Revertendo ao caso em apreço e aplicando-se-lhe quanto acaba de referir-se, é forçoso concluir-se no sentido de que: i) de nada releva para efeitos de ser reconhecida ao autor a categoria normativa a que se arroga (esmerilador de artigos de laboratório), a categoria formalmente acordada entre o autor e a ré, por ocasião da contratação do primeiro pela segunda[8], nem a categoria aposta nos recibos de vencimento do autor; ii) o que verdadeiramente releva são as efectivas funções que o autor desempenhou para a ré no cumprimento do substancialmente acordado entre ambos[9]; iii) se o autor não lograr provar, como exclusivamente lhe compete (art. 342º/1 do CC) um “conteúdo funcional” efectivo susceptível de ser enquadrado no núcleo essencial da categoria normativa de esmerilador de artigos de laboratório e porque as partes não estão de acordo quanto à categoria normativa a atribuir ao autor, não pode aquela categoria ser-lhe reconhecida, ainda que pudesse ter sido a formalmente convencionada e mesmo que corresponda à formalmente aposta nos recibos de vencimento; iv) se o autor lograr fazer a prova referida em iii), teria de reconhecer-se-lhe a categoria normativa a que se arroga, mesmo que divergente da formalmente acordada entre o autor e a ré e da que porventura tenha sido aposta nos recibos de vencimento.
Importa não perder de vista, ainda, que seja na delimitação dos temas da prova, seja na subsequente decisão sobre a matéria de facto deve continuar a respeitar-se a regra de que deve ser tida em consideração e emitir-se pronúncia apenas sobre a matéria de facto que for processualmente atendível e que releve para a correcta decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis para a questão de direito[10], devendo a decisão fáctica ser expurgada de toda a matéria que não seja susceptível de tal enquadramento.
Por isso mesmo, em caso de divergência sobre a categoria normativa a atribuir a um trabalhador por igual divergência quanto às funções efectivamente exercidas em cumprimento do contrato de trabalho, discutir em sede de decisão da matéria de facto que categoria foi formalmente acordada entre o autor e a ré por ocasião da contratação do primeiro pela segunda, e que categoria foi formalmente aposta nos recibos de vencimento do trabalhador e as razões de tal aposição, representa desenvolver uma actividade cognitiva e decisória incidente sobre matéria irrelevante para a decisão da causa, ou seja, uma actividade inútil e, por isso proibida por lei (art. 130º do NCPC).
Foi nesse vício em que incorreu o tribunal recorrido a afirmar a categoria de “cortador” no ponto 2º) dos factos descritos como provados, ao dar como provado que “Nos recibos de vencimento do Autor constou sempre a referência à categoria profissional de “esmerilador”, o que sucedeu por lapso dos serviços contabilísticos da Ré” (ponto 7º dos factos descritos como provados), e ao negar no primeiro ponto dos factos descritos como não provados a categoria de “esmerilador de artigos de laboratório”.
Importa, assim, corrigir esse vício, no uso dos poderes conferidos pelo art. 661º/1 do NCPC, eliminando-se dos factos descritos como não provados que “O Autor foi admitido ao serviço da Ré para prestar as funções inerentes à categoria profissional de “esmerilador de artigos de laboratório”, eliminando o ponto 7º) dos factos descritos como provados, e passando a constar do ponto 2º) dos factos descritos como provados apenas que “O Autor foi admitido ao serviço da Ré, como seu trabalhador, em 01.01.2005, assim se mantendo até à data em que se reformou por velhice;”.
Por outro lado, decorre do supra exposto que representaria igualmente a prática um acto inútil e proibido, a actividade cognitiva e decisória a desenvolver por este Tribunal da Relação, em sede de reapreciação da matéria de facto e a incidir sobre aquele matéria de facto que, por ser juridicamente irrelevante, foi expurgada da decisão fáctica recorrida, seja por via da eliminação de factos descritos como não provados ou provados, seja pela nova redacção conferida ao ponto 2º dos factos descritos como provados, razão pela qual não se empreenderá tal actividade.
Consequentemente, a actividade reapreciadora deste tribunal incidirá, apenas, sobre a matéria do “conteúdo funcional” efectivo que o autor desempenhou ao abrigo do contrato de trabalho celebrado com a ré, concretamente sobre o descrito no ponto 3º) dos factos descrito como provados (“Ao Autor, nos termos acordados, competia-lhe efectuar o corte de artigos de vidro por meio de riscagem ou roda com um diamante da passagem por uma chama seguida de ligeiro toque por uma superfície fria;”) e no segundo parágrafo dos factos enunciados como não provados (“O Autor, enquanto ao serviço da Ré, exerceu as funções correspondentes a tal categoria (de esmerilador), que consistiam em proceder ao ajuste, por desbaste, utilizando material abrasivo, de artigos de laboratório em vidro, preparando a ferramenta necessária às suas funções;”).
Isto posto, importa apreciar a pretensão recursiva fáctica do apelante referente aos segmentos fácticos enunciados no antecedente parágrafo.