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CUSTAS DE PARTE
NOTA DE DESPESAS
PRAZO DE APRESENTAÇÃO
TUTELA JUDICIAL EFECTIVA
Sumário
I. A norma que se extrai do nº 9 do art.º 14º do Regulamento das Custas Processuais, segundo a qual a parte vencedora é responsável a final pela sua quota-parte do remanescente da taxa de justiça, é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no princípio do Estado de direito consagrado no art.º 2º da Constituição e do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no art.º 20º da Constituição;
II. A norma que se extrai dos artigos 529º, nº 4, do Código de Processo Civil e 25º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais, segundo a qual a parte vencedora deve elaborar e enviar uma nota discriminativa e justificativa das custas de partes no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado sob pena de caducidade do direito de liquidação, é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no princípio do Estado de direito consagrado no art.º 2º da Constituição e do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no art.º 20º da Constituição.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA NESTES AUTOS DE ACÇÃO DECLARATIVA ENTRE S… e M… CONTRA R… e C… Réus na acção (Reclamantes da conta, Apelantes) E EM QUE É INTERVENIENTE O MINISTÉRIO PÚBLICO I – Relatório Os Autores intentaram acção declarativa contra os Réus pedindo fosse declarada a anulabilidade de contrato promessa de compra e venda de imóvel que com eles haviam celebrado e a condenação dos mesmos Réus a pagarem-lhes a quantia de 58.600,00 € (29.300,00 € referentes ao sinal e reforço de sinal pagos e 29.300,00 € relativos a cláusula penal estabelecida no contrato), acrescidos de juros desde a citação. Atribuíram à acção o valor de 58.600,00 €, tendo pago 357,00 € de taxa de justiça. Os Réus contestaram e deduziram reconvenção pedindo a absolvição do pedido e se decretasse o contrato promessa resolvido por factos imputáveis aos Autores bem como o direito do Réus a fazerem suas as quantias recebidas e, ainda, a condenação dos Autores a pagarem-lhes a quantia de 25.600,00 € (3.300,00 € de prestações não pagas, 12.300,00 de comissão paga à mediadora imobiliária e 10.000,00 € de indemnização pela mora contratualmente fixada). Atribuíram à acção o valor de 84.200,00 (58.600 + 25.600) €, tendo pago 918,00 € de taxa de justiça. Os Autores apresentaram réplica, tendo pago 229,50 € de taxa de justiça. No despacho saneador foi: - fixado o valor da acção em 289.300,00 €, e condenados os Autores nas custas do incidente; - fixado o valor da reconvenção em 285.600,00 €, e condenados os Réus nas custas do incidente; - admitida a reconvenção; - fixado o valor da causa em 574.900,00 €; - julgada inepta a petição inicial, absolvendo-se os Réus da correspondente instância e condenando-se os Autores nas custas; - ordenado o prosseguimento dos autos para apreciação do pedido reconvencional. Os Autores interpuseram recurso do despacho saneador na parte em que fixou o valor da acção e julgou a petição inicial inepta, o qual foi considerado deserto. Em face do valor fixado à causa os Réus procederam ao pagamento de 714,00 € de taxa de justiça. Foi, entretanto, deduzida reclamação nos termos do artº 643º do CPC, que foi liminarmente indeferida. Procedeu-se à audiência de julgamento na sequência da qual foi ordenado o pagamento de despesas de deslocação de testemunha indicada pelos Autores no montante de 18,36 €. A final foi proferida sentença que, julgando a reconvenção parcialmente procedente, declarou a resolução do contrato promessa de compra e venda e o direito de os Réus fazerem seus os valores entregues, com excepção de 1.800,00 € que deverão restituir aos Autores, condenou estes últimos a pagar aos Réus 10.000,00 € e absolveu-os do demais pedido. Por fim condenou as partes nas custas na medida do respectivo decaimento. Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação; indicaram como valor do recurso 10.000,00 €, tendo pago 153,00 € de taxa de justiça e 61,20 € de multa pela tardia interposição do recurso. O recurso não foi admitido, por extemporâneo; tendo os Autores sido condenados nas custas do incidente. Foi elaborada a conta nos seguintes termos:
Conta
Processo
921600001912017
09216-06-001214/2013-9-TBALQ-C/
(cv) Ação de Processo Ordinário
Responsáveis
M…; S…
Descritivos da Conta
Valores
1 - Taxas Aplicáveis
Processo
· Base Tributavel: 574.900,00 € • UC/ANO: € 102,00 / 2013
· Tabela: I A • Art.9 149-A (1/2): Não
· Art.9 69 n93 (1/10): Não • Taxa paga por injunção: Não
· Taxa Devida 5.304,00 € • Taxa Paga 586,50 €
· Taxa Dívida 4.717,50 € • Taxa Excesso 0,00 €
· obs: taxa 357€ e 229,50€
586,50 €
Recurso
· Base Tributavel: 10.000,00 € • UC/ANO: € 102,00 / 2013
· Tabela: I B • Art.9 149-A (1/2): Não
· Art.9 69 n93 (1/10): Não • Taxa paga por injunção: Não
· Taxa Devida 153,00 € • Taxa Paga 153,00 €
· Taxa Dívida 0,00 € • Taxa Excesso 0,00 €
153,00 €
4 - Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça
Sub Total
739,50 €
Multas e outras penalidades / IGFEJ (Cível)
· obs: condenação de fls. 130, 133 e 358 (valor, ineptidão e incidente)
306,00 €
Taxa de Justiça Cível
5 457,00 €
7 - Diversos a Entidades
Sub Total
5 763,00 €
Pagamentos a entidades - Compensação Testemunhas
· P… - Presidente da Camara • obs: ordenado fls. 240
Municipal de Alenquer
18,36 €
Sub Total
18,36 €
Resumo da Conta
Valores
Total da Conta / Liquidação Somatório dos grupos: 4 + 6 +701 + 702 + 703 + 704 + 705 + 706 + 8 + 1001 + 1002
+ 1003
+ 1004
+ 1005
+ 1006
5 781,36€
Liquidação do Julgado
0,00€
Saldo de Custas Prováveis
0,00€
IGFEJ (art.9 389 Port. 419-A/2009)
0,00€
Custas não cobradas (art.9 389 Port. 419-A/2009)
0,00€
PAE - saldo não utilizado
0,00
€
Taxas de Justiça já pagas
-739,50
€
Taxas de Justiça já pagas por Injunção
0,00
€
Total a Pagar
5 041,86 €€
Conta elaborada por J… M D… em 10-01-2017 -*-*-*-
Conta
Processo
921600001922017
09216-06-001214/2013-9-TBALQ-C/
(cv) Ação de Processo Ordinário
Responsáveis
R…; C…
Descritivos da Conta
Valores
1 - Taxas Aplicáveis
Processo
· Base Tributavel: 574.900,00 € • UC/ANO: € 102,00 / 2013
· Tabela: I A • Art.º 14º-A (1/2): Não
· Art.º 6º nº3 (1/10): Não • Taxa paga por injunção: Não
· Taxa Devida 5.304,00 € • Taxa Paga 1.632,00 €
· Taxa Dívida 3.672,00 € • Taxa Excesso 0,00 €
· obs: taxas 459+459+408+306
1 632,00 €
4 - Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça
Sub Total
1632,00 €
Multas e outras penalidades / IGFEJ (Cível)
· obs: condenação de fls. 133 (valor reconvenção)
102,00 €
Taxa de Justiça Cível
5 304,00 €
Sub Total
5406,00 €
Resumo da Conta
Valores
Total da Conta / Liquidação Somatório dos grupos: 4 + 6 +701 + 702 + 703 + 704 + 705 + 706 + 8 + 1001 + 1002
+ 1003
+ 1004
+ 1005
+ 1006
5
406,00
€
Liquidação do Julgado
0,00
€
Saldo de Custas Prováveis
0,00
€
IGFEJ (art.º 38º Port. 419-A/2009)
0,00
€
Custas não cobradas (art.º 38º Port. 419-A/2009)
0,00
€
PAE - saldo não utilizado
0,00
€
Taxas de Justiça já pagas
-1
632,00
€
Taxas de Justiça já pagas por Injunção
0,00
€
Total a Pagar
3
774,00
€
Conta elaborada por J… M D… em 10-01-2017 Os Réus vieram reclamar da conta invocando que a mesma não se encontra em harmonia com o julgado uma vez que não considera a proporção do decaimento das partes, designadamente exigindo-lhes por inteiro as custas da reconvenção. Pela interposição da reclamação pagaram 51,00 € de taxa de justiça. O contador emitiu parecer pela correcção da conta elaborada, em particular porque a taxa de justiça devida “corresponde ao montante devido pelos impulsos processuais dos interessados”. O MP promoveu o indeferimento da reclamação. Tal reclamação veio a ser indeferida com o fundamento de estarem os Réus obrigados a suportar na totalidade a taxa de justiça referente ao seu impulso processual, não impendendo sobre os cofres do Estado suportar reembolsos decorrentes dos custos do vencimento. Mais foram os Réus condenados nas custas do incidente. Inconformados, apelaram os Réus concluindo, em síntese, por não ter sido respeitado o julgado ao não se atender à sucumbência, não terem sido previamente notificados para proceder ao pagamento do remanescente da taxa de justiça ficando impedidos de reclamar o seu reembolso em custas de parte e dever, num juízo de proporcionalidade, ser dispensada ou reduzida a obrigação de pagamento do remanescente. Indicaram como valor do recurso 5.406,00 €, tendo pago 102,00 € de taxa de justiça. II – Questões a Resolver Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio. De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo. Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece; sob pena de indeferimento do recurso. Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras. Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, a questão a resolver por este Tribunal é a de saber se a conta de custas se encontra bem elaborada e das eventuais medidas necessárias para a sua correcta elaboração. III – Fundamentos de Facto A factualidade relevante é a constante do relatório deste acórdão, para o qual se remete. IV – Fundamentos de Direito Sendo, no espaço civilizacional em que nos inserimos, a administração da justiça tarefa fundamental e tendencialmente exclusiva do Estado, nunca[1], no entanto, a cobertura dos respectivos encargos foi deixada exclusivamente a cargo do genérico contributo colectivo dos cidadãos (impostos), sendo os utilizadores do serviço público de administração da justiça chamados a contribuir (em maior ou menor parte) para a satisfação dos inerentes encargos através do pagamento do que convencionalmente se designa por custas processuais. Há, assim, uma distribuição da responsabilidade pelos encargos do sistema de justiça entre a generalidade dos cidadãos e o conjunto particular dos cidadãos que efectivamente faz uso do sistema de justiça. Distribuição essa que de um modo muito genérico se dirá consistir em caber à comunidade em geral, através do Orçamento do Estado, suportar os encargos com o pessoal e as instalações e em caber aos utentes em particular suportar, através das custas processuais, os encargos de funcionamento. Constitui princípio geral de direito, nesse mesmo espaço civilizacional, que a imputação da responsabilidade pelas custas processuais se faz, em primeira linha, segundo um critério da causalidade. Paga as custas quem dá causa à acção. “Em geral, não deve impor-se um sacrifício patrimonial à parte em benefício da qual a intervenção do tribunal se realizou, uma vez que é do interesse do Estado que a utilização do processo não cause prejuízo ao litigante que tem razão”; “um processo não deve causar prejuízos à parte que tem razão, sendo as custas pagas pela parte vencida, e na medida em que o for, ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito da demanda”[2]. E quem dá causa à acção? O simples bom senso[3] dita a resposta: dá causa à acção a parte que se comportou da maneira a tornar necessário o recurso ao processo judicial ou que ofereceu resistência infundada à pretensão do autor. Essa relação causal é denunciada por certos índices objectivos, sendo o primeiro e principal deles a sucumbência; a parte vencida é quem deu causa à acção. Ocorre, porém, que a sucumbência, e com ela a relação de causalidade, só se vêm a apurar no final do processo, deixando insatisfeita a necessidade de assegurar as despesas de funcionamento do sistema de justiça na pendência do processo. Para assegurar as despesas de funcionamento do sistema na pendência de processo é comum estabelecer-se a obrigação de todos os intervenientes processuais contribuírem, numa medida objectiva e independente da causalidade das custas, para o custeio, pelo menos parcial, daqueles encargos de funcionamento do sistema na pendência do processo; sem prejuízo de, a final, se fazer um acerto de contas em função da responsabilidade pelas custas que vier a ser fixada em função do critério da causalidade. É este o arquétipo das custas processuais, gozando o legislador de uma larga margem de liberdade de conformação do seu concreto regime, embora limitada pelos princípios de natureza constitucional, da proporcionalidade, da proibição do excesso e do acesso aos tribunais[4]. E é nesse arquétipo que se ancora o sistema nacional plasmado no CPC e no Regulamento das Custas processuais (continuando, aliás, uma longa tradição[5]). Grosso modo, as custas processuais são da responsabilidade da parte vencida, consagrando-se a regra da causalidade no art.º 527º do CPC; as partes têm de ir em comum assegurando as despesas de funcionamento do sistema de justiça na pendência do processo com o pagamento da taxa de justiça e dos encargos com as diligências ou prestações de serviços ocorridas em função do processo, havendo lugar a final (depois de na decisão da causa o juiz ter definido a responsabilidade das partes pelas custas através da correspondente condenação) de um procedimento tendente ao acerto de contas entre o que entretanto se prestou e o que é da responsabilidade da parte. O conceito de custas processuais engloba diversos aspectos, em função da natureza dinâmica do processo. Num sentido mais restrito as custas englobam estritamente os encargos decorrentes do desenvolvimento do processo e das eventuais compensações – a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (art.º 529º do CPC e art.º 3º do RCP). Num sentido mais amplo abrangem todas as quantias que se venham a mostrar devidas no decorrer do processo, ou seja, as já referidas e ainda as multas e outras penalidades (artigos 3º e 30º, nº 2, do RCP). Momento essencial na imputação das custas processuais é o da elaboração da conta, que mais não é do que o acto em que liquida, em face dos pagamentos efectuados ao longo do processo, das despesas aí ocorridas e da condenação em custas, o que é e por quem é devido relativamente à globalidade do processo - acção, incidentes, procedimentos, recursos multas e outras penalidades (art.º 30º, nºs 1 e 2, do RCP). Havendo lugar a uma conta por procedimento isso não impede que ela seja desdobrada em diversas sub-contas, quer relativas a diversas partes do procedimento (v.g. acção, recurso, incidente, multa) quer relativas à responsabilidade subjectiva pelo seu pagamento (neste último caso é mesmo imposta a elaboração de uma conta por cada sujeito processual responsável pelas custas). A taxa de justiça é uma quantia autoritariamente fixada pelo Estado e que este cobra como contrapartida pelo funcionamento em concreto do sistema de justiça. Como taxa que é o seu montante deve ter uma correspondência com o custo do bem ou serviço prestado, que se tem de conter nos limites da proporcionalidade, mas que não tem de exacta equivalência económica, até porque são reconhecidas às taxas, para além de funções económicas, as funções de regulação de acesso aos bens ou serviços e de redistribuição de rendimentos ou repartição de encargos públicos. O montante da taxa de justiça é fixado em função do valor e complexidade da acção, segundo tabelas pré fixadas, e é pago, em regra ao longo da pendência da acção, por cada sujeito processual em função do seu impulso processual ao longo da acção; correspondendo a taxa de justiça de cada processo o somatório das diversas taxas de justiça pagas ou devidas pelos sujeitos processuais em função do seu impulso. Os encargos correspondem às quantias necessárias a assegurar as despesas originadas por diligências ou actos produzidos no processo, devendo ser pagas pelo sujeito processual que as requereu ou delas possa beneficiar durante a pendência do processo, ou, caso tal não ocorra, pelo condenado nas custas a final. As custas de parte correspondem à restituição, a final, à parte vencedora (e na proporção em que o for) daquilo que durante a pendência da acção despendeu a título de taxa de justiça e de encargos e das demais despesas que o processo originou mas que por força da condenação em custas da parte vencida são da sua responsabilidade. Este regime de repartição de encargos entre os diversos sujeitos processuais no sentido de irem, conforme o seu impulso processual, adiantando aquilo que a final será da responsabilidade exclusiva do vencido possui, no entanto, um ponto disfuncional, e por isso causador de disrupção (e bastas vezes de litigio, conforme o comprova a inúmera jurisprudência que se encontra publicada sobra a matéria) no seu funcionamento. É que as tabelas de cálculo do montante da taxa de justiça conduzam a que o montante da taxa de justiça suba sempre, e sem qualquer limite, em função do valor da acção dando azo a que o montante da taxa de justiça devida se torne desproporcionado quer por ultrapassar o critério básico da ‘contraprestação’ típico da conformação com a legalidade das taxas, quer por impor à parte que irá sair vencedora, através do pagamento da taxa de justiça na pendência da acção, um sacrifício demasiado; situações essas que tornam injusta, e por isso inaceitável, a repartição de encargos inerente aos sistema. Para obviar à imposição de um sacrifício demasiado à parte que irá sair vencedora estabeleceu-se que, na pendência da acção, só releva para o pagamento da taxa de justiça o valor da acção até determinado limite – no momento, 275.000,00 € (artº 6º, nº 7, do RCP) – relegando-se para final (depois da condenação em custas) a liquidação e pagamento do remanescente. Ou seja, durante a pendência de acção de valor superior àquele montante, as taxas de justiça devidas calculam-se apenas por referência àquele limite. Para obviar à desproporção entre o montante da taxa de justiça face à actividade de administração da justiça prestada estabeleceu-se, na mesma disposição legal, o poder-dever do juiz de a final formular um juízo de proporcionalidade relativamente ao montante da taxa de justiça resultante da aplicação da tabela e, em consequência, dispensar, total ou parcialmente, o seu pagamento. Dito de outra forma: nas acções com valor até 275.000,00 € parte-se do princípio que, regra geral, a aplicação das tabelas de cálculo da taxa de justiça satisfazem os padrões de proporcionalidade quer quanto ao sacrifício exigido à parte que irá sair vencedora, quer quanto ao montante final da taxa de justiça a cobrar por processo[6]. Estabelecidos estes limites afigurar-se-ia que o sistema poderia funcionar sem sobressaltos e com simplicidade. Na pendência da acção todos os sujeitos processuais têm de contribuir para os encargos com o funcionamento do sistema de justiça, até uma justa medida, e sem prejuízo de a final poderem recuperar o que despenderam por conta da responsabilidade do responsável final pelas custas, a quem será imputada a responsabilidade do pagamento das custas que, por força dos pagamentos efectuados durante a pendência da causa, ainda se mostrem devidas. Ocorre, porém, que o legislador veio introduzir no sistema um factor de perturbação, irracionalidade mesmo, ao determinar que mesmo no caso de a parte não vir a ser condenada nas custas deverá, logo após a decisão que põe termo à causa (e que necessariamente define quem é o responsável pelas custas) proceder ao pagamento da taxa de justiça remanescente correspondente ao seu impulso processual – art.º 14º, nº 9, do RCP. Ou seja, apesar de ter tido ganho de causa e, consequentemente, não ser o responsável pelas custas e condenado no seu pagamento, a parte tem de proceder ao pagamento do remanescente da taxa de justiça correspondente ao seu impulso processual (em cujo pagamento a parte vencida acabou de ser condenada, note-se). Chama-se isso, em português claro, dar com uma mão e tirar com a outra. Limitou-se o pagamento da taxa de justiça na pendência da causa ao limite dos 275.000,00 € para não impor um sacrifício desproporcionado àquele que irá ser vencedor e quando o mesmo vê determinada a sua condição de vencedor impõe-se-lhe o sacrifício que se dizia querer evitar. Comportamento esse que, se se não estranha por se inserir na voracidade e rapacidade que têm vindo a caracterizar toda a actividade de natureza fiscal do Estado Português nos últimos anos, não pode deixar de merecer uma censura ética e política (a ser levada a cabo pela cidadania que não pelos tribunais). Mas essa censura também se estende ao campo jurídico. Com efeito, com a citada disposição, e como já se referiu, impõe-se ao vencedor um sacrifício desproporcionado, e com isso a citada norma legal viola o princípio constitucional da proporcionalidade. Conforme, aliás, já foi decidido pelo Tribunal Constitucional[7] em situação análoga tendo sido declarada inconstitucional por infracção do aludido princípio a “imposição ao autor que já pagou a totalidade da taxa de justiça que, definitivamente, lhe competia, de um ónus de desembolsar parte do que cabe ao réu e de, posteriormente, ter de lançar mão das vias previstas para obter o reembolso”. É manifestamente desproporcionado exigir de uma parte que pague, ainda que parcialmente, a taxa de justiça em que a outra parte está há condenada a pagar. Mas também se abandona por completo a parte vencedora a quem o tribunal acaba de reconhecer o bem fundado da posição jurídica que se arrogava e de lhe conceder a protecção legal devida, impondo-lhe a obrigação de pagar aquilo que já é claramente da responsabilidade da outra parte e, em acréscimo, transferindo integralmente para a parte vencedora todos os ónus (interpelação e cobrança, ainda que coerciva) e os riscos (de cobrança e de insolvência) da pretensão de obter o reembolso dessa quantia; o que constitui uma denegação da tutela jurisdicional efectiva que deve ser garantida à posição jurídica da parte vencedora (art.º 20º da Constituição da República). Donde se conclui que a norma constante do nº 9 do art.º 14º do RCP, segundo a qual a parte vencedora é responsável a final pela sua quota-parte do remanescente da taxa de justiça, padece do vício de inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no princípio do Estado de direito consagrado no art.º 2º da Constituição e do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no art.º 20º da Constituição, devendo ser recusada a sua aplicação (art.º 204º da Constituição). Uma outra questão que se encontra imbricada no presente recurso diz respeito à liquidação, interpelação para pagamento e cobrança das custas de parte. Até 2013 as custas de partes eram oficiosamente (pelo menos na medida em que se evidenciassem nos autos) liquidadas na conta, sendo cobradas e executadas em conjunto com a globalidade das custas. Com a reforma do Código das Custas Judiciais as custas de parte deixaram de ser (regra geral) consideradas na conta (artigos 53º e 56º) devendo a parte proceder, em 60 dias, à sua liquidação através de apresentação de nota discriminativa e justificativa, podendo, no caso do seu não pagamento, requerer ao MP a instauração de execução por custas para obter o seu pagamento coercivo (art.º 33º-A). Tudo isso sem prejuízo de tomar em suas próprias mãos a cobrança das custas de parte instaurando directamente execução de sentença, dado que esta constituía para o efeito, e independentemente de apresentação de nota discriminativa e justificativa, título executivo bastante (art.º 33º, nº 5). Ou seja, passou para a parte vencedora o ónus de liquidação e interpelação para pagamento das custas de parte, tendo esta ficado com duas vias opcionais para a sua cobrança: ou sob a sua iniciativa através de execução de sentença (e dentro dos limites temporais do prazo prescricional geral de cinco anos), ou sob a iniciativa do MP através de execução por custas (mas aí dentro do limite do prazo temporal de 60 dias prescrito no art.º 33º-A). Com o regime de custas decorrente da aprovação do Regulamento das Custas judiciais, para além da eliminação de a parte vencedora poder beneficiar da assistência do MP na cobrança coerciva das custas de parte, ocorreu, ainda, um agravamento significativo dos ónus da parte vencedora quanto à liquidação das custas de parte. Ainda que se admita que do art.º 26º, nºs 1e 3, do RCP se extrai a regra de que a sentença constitui título executivo bastante, resulta sem sombra de dúvida do disposto no art.º 529º, nº 4, do CPC e do art.º 25º do RCP, que a respectiva liquidação tem de ser efectuada em cinco dias, decorridos os quais caduca o direito de proceder á liquidação das custas de parte e, consequentemente, de proceder eficazmente à interpelação para o seu pagamento e à sua cobrança. A imposição de um prazo mais curto que o prazo prescricional para a liquidação e interpelação para pagamento das custas de parte só se justifica enquanto condição da atribuição de uma vantagem, em particular o poder seguir o regime especial da execução por custas e de beneficiar da assistência do MP ou de outra entidade estadual na promoção do processo executivo; pelo que se não encontra fundamento material bastante para se impor à parte vencedora aquele ónus de liquidação, ademais num prazo tão curto - 5 dias –, ademais se atentarmos na comum dificuldade em determinar a data do trânsito em julgado, e com uma consequência tão radical como seja a caducidade do direito à liquidação e, consequentemente, à perda definitiva do direito a ser reembolsado pelas custas de parte. A imposição de tal ónus surge, assim, como um agravamento injustificado e assaz limitador do direito às custas de partes, que na prática tende a inviabilizar esse mesmo direito e, por isso, desproporcional. Donde se conclui que a norma constante dos artigos 529º, nº 4, do CPC e 25º, nº 1 do RCP, segundo a qual a parte vencedora deve elaborar e enviar uma nota discriminativa e justificativa das custas de partes no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado sob pena de caducidade do direito de liquidação, padece do vício de inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no princípio do Estado de direito consagrado no art.º 2º da Constituição e do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no art.º 20º da Constituição, devendo ser recusada a sua aplicação (art.º 204º da Constituição). Feito o enquadramento geral da situação atentemos, agora, nos particulares contornos do caso sujeito a julgamento. O valor atribuído à acção foi de 574.900,00 €. Os Autores decaíram na acção (289.300,00 €) e na reconvenção, com excepção do invocado direitos dos Réus a fazer seus 1.800,00 € e a haver uma indemnização pela comissão paga à imobiliária de 12.300,00 €; ou seja, decaíram no total em 560.800,00 €. Os Réus, por seu turno, decaíram em 14.100,00 €. A proporção de vencimento, critério da condenação em custas, será, assim de 97,5% para os Autores e 2,5% para os Réus. A taxa de justiça devida por essa acção será de (5.304,00 € + 5.304,00 €) 10.608,00 €, encontrando-se, ainda por pagar 8.389,50. Desse montante 1.045,50 € correspondem à taxa de justiça devida pelos Autores até ao limite de 275.000,00 € que lhes competia assegurar na pendência da acção. Dos remanescentes 7.304,00 caberão aos Autores 7.121,40 € e 182,60 € aos Réus. Isso se o montante da taxa de justiça resultante da aplicação das tabelas passar no teste de proporcionalidade que previamente haverá de ser levado a cabo pelo Mmo juiz a quo. Por outro lado haverá de incluir na conta (e que se não mostram referidos na conta reclamada) o recurso de apelação deduzido contra a fixação do valor da acção e o indeferimento liminar da petição, bem como da reclamação deduzida nos termos do art.º 643º do CPC e ainda do recurso de apelação deduzido contra a sentença final. Por último, afastado que se mostra qualquer limite temporal para a liquidação e interpelação para pagamento das custas de parte, declarar que os Réus sempre poderão proceder a tais actos V – Decisão Termos em que se decide: - recusar, nos termos do art.º 204º da Constituição, a aplicação da norma constante do nº 9 do art.º 14º do Regulamento das Custas Processuais, segundo a qual a parte vencedora é responsável a final pela sua quota-parte do remanescente da taxa de justiça, por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no princípio do Estado de direito consagrado no art.º 2º da Constituição e do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no art.º 20º da Constituição; - recusar, nos termos do art.º 204º da Constituição, a aplicação da norma constante dos artigos 529º, nº 4, do Código de Processo Civil e 25º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais, segundo a qual a parte vencedora deve elaborar e enviar uma nota discriminativa e justificativa das custas de partes no prazo de cinco dias após o trânsito em julgado sob pena de caducidade do direito de liquidação, por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no princípio do Estado de direito consagrado no art.º 2º da Constituição e do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no art.º 20º da Constituição; - consequentemente, e na procedência da apelação: i. declarar que os Réus se encontram em tempo de proceder à liquidação e interpelação para pagamento das custas de parte; ii. ordenar a reforma da conta de acordo com os seguintes critérios: a) realização de prévio e oficioso juízo de proporcionalidade do montante da taxa de justiça resultante da aplicação das tabelas e, se for o caso, fixação do adequado montante da taxa de justiça remanescente; b) repartição da responsabilidade pelo eventual remanescente da taxa de justiça segundo o decaimento, nos termos acima referidos; c) consideração de todos os procedimentos ocorridos no processo. Sem custas, o incidente da reclamação da conta e o recurso, uma vez que o recorrente obteve ganho de causa em matéria processual e a posição adoptada pelo tribunal recorrido não foi requerida ou sustentada pela parte contrária e delas estar no caso isento o MP. Lisboa, 05JUN2018 Rijo Ferreira Rui Vouga
Afonso Henrique Votei vencido, porquanto: Entendo que o acórdão 421/2013, de 16-10 do T. Constitucional focou a questão da constitucionalidade do regime de custas, obrigando o legislador a sanar as detectadas inconstitucionalidades quanto ao acesso à justiça, criando o tecto agora existente e obrigando o legislador a também criar mecanismos de correcção oficiosamente ou a requerimento da parte quanto ao remanescente. Por outro lado, o prazo de 5 dias corre a favor do “credor” não vislumbrando a invocada inconstitucionalidade do art. 14.º, n.º 9 do R.C.P., norma esta que teria de ser conjugada com o art. 6.º, n.º 7 do mesmo R.C.P.. Numa palavra e salvo melhor entendimento a questão das inconstitucionalidades levantadas só se punha se, na sequência do referenciado Ac. do T. Constitucional, o legislador não tivesse corrigido o diploma em apreço/R.C.P.- Emendei: “art. 6. º, n. º 7”
[1] - com a excepção da proclamação (sem realização prática, contudo) do art.º 2º do Capítulo V da Constituição Francesa de 1791, segundo a qual “a justiça será concedida gratuitamente […]”. [2] - Acórdão do Tribunal Constitucional 375/2008 (DR, I, 8AGO2008). [3] - usando a expressão de Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª ed. reimpressão, 1981, pg. 201). [4] - Cf. acórdãos do Tribunal Constitucional 471/2007 (DR, II, 31OUT2007), 375/2008 (DR, II, 08AGO2008) e 731/2013, de 22OUT2013 (www.tribunalconstitucional.pt). Por outro lado, essa exigência de proporcionalidade, de não arbitrariedade [“a ‘fair balance’ must also be struck between the demands of the general interest of the community and the requirements of the protection of the individual’s fundamental rights”] das custas judiciais, sob pena de violação do direito de propriedade, foi recentemente estabelecida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no seu acórdão de 16NOV2010, proferido no caso Perdigão v. Portugal (24768/06). [5] - Discordamos daqueles que defendem ter o regime criado com a aprovação do Regulamento das Custas processuais estabelecido um novo paradigma, pois que entendemos que ele se mantém fiel ao referido arquétipo. O que verdadeiramente de novo ele trouxe foi uma alteração muito significativa na repartição dos ónus e riscos atinentes ao financiamento do funcionamento do sistema de justiça, que na sua totalidade transferiu para os particulares. [6] - Sendo que a necessidade de proporcionalidade entre a concreta actividade de administração da justiça e o valor da correspectiva taxa de justiça, reconhecida pela apontada jurisprudência constitucional, não exclui a intervenção correctiva do juiz naquelas situações em que, por verificação de particulares e excepcionais circunstâncias, aquela relação de proporcionalidade se venha a mostrar afectada. [7] - Cf. acórdão do Tribunal Constitucional 375/2008 (DR, II, 08AGO2008).