Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
ARRENDAMENTO
HIPOTECA
PENHORA
REGISTO
VENDA
IMÓVEL
EXECUÇÃO
HERANÇA INDIVISA
Sumário
I. Tendo o contrato de arrendamento sido celebrado antes de ter sido constituída e registada a hipoteca e realizada a penhora, o mesmo não caduca com a venda do imóvel em execução, nos termos do artigo 824º, nº 2, do Código Civil. Ocorre, então, a transmissão da posição contratual do senhorio, nos termos preceituados pelo artigo 1057º do Código Civil. II. Tratando-se de registo da aquisição, sem determinação de parte ou direito, o mesmo é revelador de que o prédio não se mostra partilhado entre os herdeiros, sendo o seu titular uma herança ilíquida e indivisa. O registo em comum e sem determinação de parte ou direito faz presumir, nos termos do artigo 7º do Código de Registo Predial, que o prédio pertence a uma determinada herança, que se individualiza pela referenciação, como sujeito passivo, do respectivo de cujus. III. Considerando serem os herdeiros titulares de um direito indivisível enquanto se não fizer a partilha, não pode atribuir-se à embargante - inquilina do 1º andar direito de tal prédio-, antes da partilha, a qualidade de proprietária do prédio, porquanto o mesmo integra a herança. IV. Não ocorre assim a extinção, por «confusão», do contrato de arrendamento, por não estarem verificados dois dos seus pressupostos: Reunião das qualidades de credor e de devedor na mesma pessoa; Não pertencerem o crédito e a dívida a patrimónios separados.
Texto Integral
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa,
Helena G. veio deduzir os presentes Embargos de Terceiro, por apenso à Execução que prossegue movida por BCP, S.A. (anterior credor reclamante) contra Mohamed R., pedindo o não cumprimento da entrega coerciva determinada sobre imóvel arrendado pela embargante.
Para tanto alega, em síntese, que é arrendatária de fracção autónoma cuja entrega foi determinada, sendo o referido imóvel a sua residência habitual e tendo pago as rendas atempadamente.
Recebidos os embargos, foram notificadas as partes primitivas nos termos previstos no artigo 348º, n.º 1 do Código de Processo Civil, tendo apenas o exequente BCP deduzido oposição, pugnando pelo indeferimento dos embargos.
Foi proferido despacho saneador-sentença que julgou procedentes os embargos.
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou o embargado, formulando as seguintes conclusões:
a) A embargante tem perfeito conhecimento de que, em 14.07.2008, mudou a identidade do senhorio mas, apesar disso, não invoca essa transmissão de posição contratual nos embargos de terceiro, nos termos e para os efeitos do art.º 1057.º do Código Civil, mantendo o argumento de que se mantém em vigor o contrato de arrendamento celebrado no ano de 1987;
b) O Banco embargado/recorrido[1] é o actual proprietário do imóvel, propriedade que tem como fundamento a aquisição judicial, registada com a apresentação nº 2217 de 2013/04/16, nos termos da certidão predial, junta aos autos em 05.07.2016 pela embargante.
c) O arrendamento deve estar incluído na aplicação do regime do art.º 824.º, n.º 2, do Código Civil, com a consequente caducidade dos ónus ou encargos do imóvel depois da venda executiva, conforme decidido, entre outros, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 01-06-2010, no âmbito do processo 3624/05.6TBLRA-B.C1, em que é Relator MANUEL CAPELO;
d) Acresce que existe confusão na posição jurídica da embargante/recorrida no contrato de arrendamento, de 1987, e no contrato de compra e venda, datado do ano de 2008, nos termos e para os efeitos do art.º 868º do Código Civil, com a consequente extinção das obrigações da mesma e da posse sobre o imóvel detido pela embargante a título de locação.
e) A confusão deve-se ao facto de a embargante/recorrida, no âmbito do contrato de compra e venda do imóvel datado de 14.07.2008, aparecer já como proprietária do imóvel e primeira outorgante da transmissão;
f) Sendo inconciliáveis a qualidade de credora e devedora na mesma pessoa, e a coincidência dessas qualidades opera a extinção do crédito e da dívida, o que redunda na extinção do contrato de arrendamento.
g) Para além do mais, a embargante não demonstra o pagamento das rendas entre o momento imediatamente anterior à constituição das hipotecas, isto é, desde que se constituiu como proprietária, e o ano de 2013, data da adjudicação do imóvel pelo embargado, nem no ano de 2014, não demonstrando a manutenção do contrato.
h) Assim sendo, pelo facto de o Banco embargado ter adquirido a totalidade do imóvel penhorado na execução, deve o mesmo ser investido na posse da totalidade do imóvel, revogando-se a sentença da qual se recorre e substituindo-a pelo acórdão que condene a embargante à entrega do imóvel do qual, ilegalmente, é possuidora.
*
Não se mostram juntas contra-alegações.
* Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, a questão a decidir é a de saber se o contrato de arrendamento que a embargante havia celebrado em 1987 se extinguiu, por confusão, considerando que nos anos de 2001 e 2008 lhe foi transmitido, por sucessão, em comum e sem determinação de parte ou direito, quotas de 1/16 e 1/5 de 11/16 avos do mencionado prédio.
* A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
1. Na execução a que os presentes embargos de terceiro estão apensos foi adjudicado ao embargado BCP, em 29.01.2013, o bem penhorado correspondente ao prédio urbano composto por quatro pisos, sito na Rua C..., n.ºs 83 a 87, da freguesia de São Sebastião da Pedreira, Concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 4... e inscrito na matriz sob o artigo 3... da freguesia de Campolide (fls. 224 a 227 da execução).
2. Por despacho de 05.05.2014 foi determinada a entrega efectiva do imóvel adjudicado ao embargado, a qual foi agendada para dia 07.07.2015 (fls. 260 e 290 a 295 da execução).
3. Por contrato celebrado em 25.09.1987 foi dado de arrendamento o 1º andar direito do prédio identificado em 1 pelo comproprietário João C. à embargante Helena G. (fls. 12 e 13 deste apenso C).
4. Pela ap. 17 de 2001/... foi registada sobre o prédio identificado em 1. a transmissão de posição na aquisição da quota de 1/5 em 1991/08/09, a favor da aqui embargante e outros, sem determinação de parte ou direito, por sucessão de Maria D. (fls. 58 a 63 deste apenso C).
5. Pela ap. 18 de 2001/... foi registada sobre o prédio identificado em 1. a transmissão de posição na aquisição da quota de 1/5 em 1991/10/10, a favor da aqui embargante e outros, sem determinação de parte ou direito, por sucessão de Maria D. (fls. 58 a 63 deste apenso C).
6. Pela ap. 10 de 2008/... foi registada sobre o prédio identificado em 1. a aquisição da quota de 1/16 avos e 1/5 de 11/16 avos, a favor da aqui embargante e outros, sem determinação de parte ou direito, por sucessão hereditária de Emília D., que também usava Maria A. e Maria D. (fls. 58 a 65 deste apenso C).
7. Pela ap. 12 de 2008/... foi registada sobre o prédio identificado em 1. a transmissão de posição na aquisição da quota de 1/5 em 1991/..., a favor da aqui embargante e outros, sem determinação de parte ou direito, por sucessão testamentária de João C. (fls. 58 a 66 deste apenso C).
8. Pela ap. 15 de 2008/... foi registada sobre o prédio identificado em 1. a aquisição da sua totalidade pelo executado Mohamed R., por compra à embargante e outros (fls. 58 a 68 deste apenso C).
9. Pela ap. 16 de 2008/07/04 foi registada sobre o prédio identificado em 1. A constituição de hipoteca voluntária por Mohamed R. a favor do embargado BCP (fls. 58 a 68 deste apenso C).
10. Pela ap. 5666 de 2009/... foi registada sobre o prédio identificado em 1. a constituição de hipoteca voluntária por Mohamed R. a favor do embargado BCP (fls. 58 a 69 deste apenso C).
11. Pela ap. 668 de 2010/... foi registada sobre o prédio identificado em 1. a penhora realizada nestes autos a favor dos então exequentes Lus... e Lus... II (fls. 58 a 70 deste apenso C).
12. Pela ap. 2217 de 2013/... foi registada sobre o prédio identificado em 1. a adjudicação em execução a favor do embargado BCP (fls. 58 a 70 deste apenso C).
*** FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Tendo sido adjudicado ao exequente/embargado, em acção executiva, o prédio urbano constituído em propriedade total, sem andares nem divisões de utilização independente[2], composto por 4 pisos, cuja entrega efectiva foi determinada por despacho judicial, importa aferir se o contrato de arrendamento celebrado em 25.09.1987, tendo por objecto o 1º direito do referido prédio obsta àquela entrega, como decidiu o tribunal recorrido.
Dispõe o artigo 824.º do Código Civil, quanto à «Venda em execução» que: «1. A venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida. 2. Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo. 3. Os direitos de terceiro que caducarem nos termos do número anterior transferem-se para o produto da venda dos respectivos bens.»
Sufragamos a tese maioritariamente seguida na doutrina e na jurisprudência de que é aplicável ao arrendamento o preceituado no artigo 824, nº 2, do Código Civil.
Por todos, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 2015[3]: «O citado artigo 824º, nº 2 preceitua que os bens transmitidos em execução são transmitidos livres dos direitos de garantia que os oneram, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com exceção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo. Segundo entenderam as instâncias, ao direito do arrendatário deve ser aplicado por analogia o disposto no art. 824º, nº 4 mencionado. A aplicação deste preceito ao direito do locatário posterior à constituição da hipoteca é defendida pelo Prof. Oliveira Ascenção, in Revista da Ordem dos Advogados , nº 45, pág. 363 e segs. É igualmente este o entendimento do Prof. M. Henrique Mesquita, in RLJ, 127º, 223. Também, o Prof. P. Romano Martinez, in “ Da Cessação do Contrato “, pág. 321 segue idêntica opinião. De igual opinião é Ana Carolina S. Sequeira in “ A Extinção e Direitos por Venda Executiva”, in ” Garantias das Obrigações”, págs. 23 e 43. É, assim, este o entendimento geral da doutrina. Também este Supremo Tribunal vem decidindo no mesmo sentido, de forma unânime, pelo menos, nos últimos anos, citando-se, como exemplo, os acórdãos todos no mesmo sentido que foram prolatados nos últimos anos: acórdãos de 16-09-2014, no proc. nº 351/09TVLSB.L1.S1; de 27-05-2010 no proc. nº 5425/03.7TBSXL.S1; de 5-02-2009 no proc. nº SJ200902050040872; de 28-06-2007, no proc. nº 1838/07 e de 31-10-2006, no proc. nº 3241/06. Pensamos que dada a excelência destas opiniões não nos ficam dúvidas sobre o sentido em que a questão deve ser resolvida. Esta questão está relacionada com a natureza do direito do arrendatário como direito de natureza real ou creditória. Tem sido muito discutida esta questão. Assim podemos ver os termos dessa polémica in “ Arrendamento”, de F. M. Pereira Coelho, Coimbra 1988, pág. 17 e segs. Porém, pensamos como a quase generalidade dos autores, que esse direito tem natureza pessoal ou creditícia, mas tem contornos que se assemelham aos direitos reais em que o regime dos direitos reais se lhe aplica – cfr. art. 1037º, nº 2 do Cód. Civil. As exigências de justiça e os interesses teleológicamente detetáveis no referido nº 2 do art. 824º apontam para a aplicação ao arrendamento do regime de caducidade neste último previsto. Em favor deste entendimento e rebatendo os argumentos geralmente apontados em sentido oposto – como os expostos no notável acórdão fundamento junto para legitimar a revista excecional -, acrescentaremos que o disposto no art. 1051º do Cód. Civil, que indica os casos em que o contrato de arrendamento caduca, não é taxativo, nomeadamente, por também poder caducar em caso de impossibilidade de cumprimento, nos termos do art. 795º do Cód. Civil. Também o disposto no art. 1057º do Cód. Civil não pode justificar o entendimento oposto, por tal preceito se não aplicar à venda judicial que, nesse aspecto, tem norma própria que é a do art. 824º, nº 2 referido. É certo que a hipoteca não impede o poder de alienação ou de oneração do imóvel sobre que incide, como decorre do disposto no art. 695º do Cód. Civil. Porém, gozando o titular da hipoteca do direito de preferência decorrente da prioridade do registo, fica o proprietário do bem limitado em relação ao seu direito de propriedade, como seja o de por em causa o valor do mesmo. E constituindo a hipoteca uma garantia de um crédito em que o valor do imóvel é um elemento fundamental na atribuição do empréstimo – subjacente à constituição da hipoteca – e na determinação do respectivo quantitativo, a situação de arrendamento do imóvel é um dos elementos relevantes dessa avaliação. Se o imóvel está dado de arrendamento, o credor hipotecário pode conhecer dessa circunstância e essa qualidade é-lhe oponível, por ser anterior ao da constituição da hipoteca. Se pelo contrário o prédio não está dado de arrendamento e o imóvel está livre, a constituição do arrendamento posteriormente ao registo da hipoteca, vem piorar a situação do credor hipotecário, situação esta com que o mesmo razoavelmente não podia contar, pois o arrendamento é posterior à hipoteca. E na ponderação dos interesses do credor hipotecário em face dos interesses do arrendatário, devem prevalecer os primeiros, pois o arrendatário pode saber da situação de hipotecado do imóvel, dada a obrigatoriedade da hipoteca de constar do registo. A situação de arrendado do imóvel constitui um verdadeiro ónus sobre o imóvel e sobre o seu valor, dada a natureza vinculística do arrendamento – pese embora as alterações recentes na regulamentação legal do arrendamento urbano que vieram atenuar em muito esse carácter. (…) “ Assim, por via da falada interpretação teleológica e com base em argumentos de analogia ou semelhança das situações de facto e consequências práticas, designadamente, de natureza sócio-económicas, que não, necessariamente, no sentido técnico-jurídico da integração de lacunas, deverá entender-se que a ”referida norma do art. 824º se aplica a todos os direitos de gozo, quer de natureza real quer pessoal, de que a coisa vendida seja objecto e que produzam efeitos em relação a terceiros. É que o arrendamento, dada a sua eficácia em relação a terceiros, deve ser para este efeito, equiparado a um direito real. De outra forma, pôr-se-ia em causa o escopo da lei, de que a venda em execução se faça pelo melhor preço possível” – transcrição do acórdão de 16-09-2014 acima referido que temos, aliás, seguido de perto na demais exposição.»
Determinante para o efeito de aferir da aludida caducidade do arrendamento é, assim, a data da celebração do contrato de arrendamento, por referência quer à data da constituição e registo da hipoteca, quer à data da realização da penhora.
De facto, nos termos do artigo 819.º que regula a «Disposição ou oneração dos bens penhorados» «Sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis em relação à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados.»
Assim, estabelece este preceito a «ineficácia relativa – inoponibilidade em relação à execução – dos actos de disposição ou oneração, e, agora, do arrendamento, dos bens penhorados»[4].
Refere-se o mesmo a actos posteriores à penhora, estabelecendo a sua ineficácia relativamente à execução.
Nesta medida, sendo o contrato de arrendamento celebrado depois da penhora, o mesmo é inoponível à execução, pelo que a venda do imóvel vai determinar a caducidade do contrato de arrendamento.
Se, ao invés, o contrato de arrendamento tiver sido celebrado antes de ter sido constituída e registada a hipoteca e realizada a penhora, o mesmo não caduca, ocorrendo a transmissão da posição contratual do senhorio, nos termos preceituados pelo artigo 1057º do Código Civil.
O arrendamento relativo ao 1º andar direito do prédio dos autos, data de 25.-.1987; As hipotecas a favor da recorrente estão registadas em 04.-.2008 e 16.-.2009; A penhora foi registada em 03.-.2010.
Considerando o que vem referido até agora, tendo o contrato de arrendamento sido celebrado antes da constituição das hipotecas, do seu registo, da penhora e do seu registo, o mesmo é oponível à execução, transmitindo-se a posição de locador para o adquirente do imóvel.
Os presentes autos colocam-nos, todavia, uma questão muito particular: O contrato de arrendamento, celebrado em 1987, entre o primitivo proprietário e a embargante relativamente ao 1º andar direito, extinguiu-se - ou não-, por confusão?
Atente-se a que se mostra registada, em 2001 e 2008, a transmissão da posição na aquisição de quota de 1/5, a favor da embargante e outros, sem determinação de parte ou direito e a aquisição da quota de 1/16 avos e 1/15 de 11/16 avos, a favor da embargante e outros, sem determinação de parte ou direito, respectivamente, do prédio vendido na execução.
Posteriormente a embargante, conjuntamente com os demais adquirentes, veio a outorgar escritura de compra e venda do prédio, sendo dele adquirente Mohamed R., executado nos autos de que estes são apenso, que veio posteriormente a constituir hipotecas sobre o prédio a favor do embargado/recorrente.
Vejamos, então, se se mostra extinto o contrato de arrendamento por via da aquisição de quota por sucessão na propriedade do prédio, pela inquilina, como pretende o recorrente.
Dispõe o artigo 868º do Código Civil, sobre a noção de «Confusão» nos seguintes termos: «Quando na mesma pessoa se reúnam as qualidades de credor e devedor da mesma obrigação, extinguem-se o crédito e a dívida.»
Por seu turno, dispõe o artigo 872.º sobre «Patrimónios separados» nos seguintes termos: «Não há confusão, se o crédito e a dívida pertencem a patrimónios separados.»
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-10-2005[5]: «Os pressupostos da extinção das obrigações pelo modo, denominado confusão, previsto no art.868º C.Civ. são os seguintes: a) - reunião das qualidades de credor e de devedor na mesma pessoa; b) - não pertença do crédito e da dívida a patrimónios separados; c) - inexistência de prejuízo para os direitos de terceiro.»
Verificados estes pressupostos ocorre extinção da qualidade de arrendatário, porquanto « (…) III - Impossível a conciliação, em tais condições, das qualidades de credor e devedor, a coincidência dessas qualidades na mesma pessoa, como sucede com a aquisição da propriedade do local arrendado pelo arrendatário, opera a extinção do crédito e da dívida pela forma natural de extinção das obrigações prevista no art.868º C.Civ., plenamente justificada pela evidência de que ninguém pode ser credor de si mesmo, nem dever a si mesmo.»[6]
Todavia, na situação em apreço, não ocorrem os pressupostos da extinção do contrato de arrendamento, porquanto não ocorre coincidência entre a qualidade de credor e de devedor e o crédito pertence a patrimónios autónomos.
De facto, mostra-se registada a aquisição, por via da sucessão, de 1/16 avos e 1/5 de 11/16 avos do prédio (que não está constituído em propriedade horizontal), primeiro por transmissão da posição de sucessor e depois por sucessão hereditária, juntamente com outros sucessores, sem determinação de parte e direito.
A posição de locadora, contrariamente ao que refere a recorrente, não foi transmitida à embargante, porquanto a mesma não tem mais do que o direito a uma quota-parte do património onde se inclui o prédio dos autos e, neste, o 1º andar direito, objecto do arrendamento.
Tratando-se de registo da aquisição sem determinação de parte ou direito, tal revela, inequivocamente, que o prédio não se mostra partilhado entre os herdeiros, sendo o seu titular uma herança ilíquida e indivisa. Tal registo, nos termos do artigo 49.º do Código de Registo Predial, ocorrendo aquisição em comunhão hereditária, faz-se nos seguintes termos: «O registo de aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito é feito com base em documento comprovativo da habilitação e, tratando-se de prédio não descrito, em declaração que identifique os bens.».
O registo em comum e sem determinação de parte ou direito faz presumir, nos termos do artigo 7º do Código de Registo Predial, que o prédio pertence a uma determinada herança, que se individualiza pela referenciação, como sujeito passivo, do respectivo de cujus.[7] «Este registo é um registo com feição anómala, embora consentido pelo art.49.º do Código do Registo Predial. Esta norma estabelece “O registo de aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito é feito com base em documento comprovativo da habilitação e, tratando-se de prédio não descrito, em declaração que identifique os bens.”, o que equivale a dizer que assenta apenas na qualidade de herdeiro do titular, donde não corresponde rigorosamente à inscrição do direito de propriedade sobre bem determinado, pelo que, não cria a presunção do direito de propriedade, e justamente por isso se trata de registo em comum sem determinação de parte ou direito. » [8]
Os herdeiros são titulares de um direito indivisível enquanto se não fizer a partilha. Até à partilha tal direito recai sobre o conjunto da herança e não sobre bens certos e determinados desta. Assim, não pode atribuir-se à embargante, antes da partilha, a qualidade de proprietária do prédio dos autos.
De facto, é a partilha que «converte os vários direitos a uma simples quota (indeterminada) de um todo (determinado), em direito exclusivo de uma parcela determinada do todo.»[9]
Resultando dos autos não ter sido efectuada a partilha, estamos perante uma herança não partilhada, indivisa, pelo que o imóvel pertence à mencionada herança.
Não se verifica, assim, por um lado, reunião das qualidades de credor e de devedor na mesma pessoa, pressuposto da extinção do contrato por confusão.
Por outro lado, quanto ao pressuposto de não pertença do crédito e da divida a patrimónios separados, acompanhamos a decisão recorrida: «Tem, portanto, plena aplicação ao presente caso, a previsão do artigo 872º, que supõe a existência de patrimónios separados, também ditos patrimónios autónomos, isto é, de determinadas massas ou conjuntos patrimoniais destacados do património geral dos sujeitos de direito, com afectação especial a determinado fim, e que só respondem ou respondem preferencialmente pelas dívidas com tal relacionadas, como é o caso da herança, património autónomo em relação ao próprio ou pessoal de cada um dos herdeiros, ou do património comum do casal em relação aos bens próprios de cada um dos cônjuges. (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-10-2005, processo n.º 05B2671 e Manuel de Andrade, "Teoria Geral da Relação Jurídica ", I, 1964, pág. 217 e ss., Mota Pinto, "Teoria Geral do Direito Civil ", 1992,pág. 345 e ss. e Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, II, 2011, pág. 159).»
Não ocorreu, assim, extinção do contrato de arrendamento por confusão.
Por fim, dir-se-á ainda ter a embargante invocado, para além da existência do contrato de arrendamento, o atempado pagamento das rendas relativas ao mesmo (artigo 3º da petição de embargos).
A esta matéria o embargado/recorrente respondeu nos seguintes termos «E não se deve entender que a demonstração do pagamento das rendas em consignação afecta de qualquer modo a eficácia obrigacional do contrato de arrendamento» (artigo 15º da oposição aos embargos). O pagamento das rendas não constituiu, assim, facto controvertido, pelo que o tribunal recorrido não cuidou – como não tinha que cuidar – de aferir tal matéria.
A invocação efectuada, em sede de alegações de recurso pelo embargado, de que a embargante não fez prova do pagamento das rendas, constitui a alegação perante este Tribunal de recurso de factos novos, o que lhe está inviabilizado fazer (toda a defesa deve ser deduzida na contestação, nos termos do artigo 573º do CPC), estando, ainda, vedado a este Tribunal conhecer de matéria nova. «Efectivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, podendo ver-se neste sentido os acórdãos do S.T.J. de 1.12.1998, in BMJ n.º 482/150; 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág 156; e os acórdãos de 24/2/2015, processo nº 1866/11.4TTPRT.P1.S1, e de 14/5/2015, 2428/09.1TTLSB.L1.S1 desta Secção Social.»[10]
Com os fundamentos expostos, não merecendo qualquer reparo a decisão recorrida, não resta, senão, confirmá-la integralmente.
*** DECISÃO
Em face do exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e em confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo do apelante.
Registe e notifique.
*
Lisboa, 15.05.2018
Carla Câmara
«Voto em conformidade só não assinando por não me encontrar presente (Artigo 153º, nº1, in fine do Código de Processo Civil ), Higina Castelo.»