RECURSO PENAL
VÍCIOS DO ART.º 410 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
CONTRADIÇÃO INSANÁVEL
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
IN DUBIO PRO REO
PERÍCIA SOBRE A PERSONALIDADE
RECUSA DE PARENTES E AFINS
CONVERSA INFORMAL
PROVA TESTEMUNHAL
HOMICÍDIO QUALIFICADO
NAMORO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Sumário


I  -   Os vícios previstos nos n.ºs 2 e 3 do art. 410.º, do CPP, não podem constituir objecto do recurso de revista a interpor para o STJ e este tribunal deles somente conhece ex oficio, quando constatar que a decisão recorrida, devido aos vícios que denota ao nível da matéria de facto, inviabiliza a correcta aplicação do direito ao caso sub judice.
II -   Há que rejeitar o recurso no segmento em que o recorrente invoca os vícios da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e do erro notório na apreciação da prova.
III - A contradição insanável - vício previsto pela al. b) do n.º 2 do art. 410.º do CPP - verifica-se quando não possa ser ultrapassada ainda que com recurso ao contexto da decisão no seu todo ou às regras da experiência comum - da fundamentação - quando se dá como provado e não provado determinado facto, quando ao mesmo tempo se afirma ou nega a mesma coisa, quando simultaneamente se dão como assentes factos contraditórios, e ainda quando se estabelece confronto insuperável e contraditório entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, quando a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão.
IV - O erro notório na apreciação da prova - vício previsto pela al. c) do n.º 2 do art. 410.º, do CPP - verifica-se quando, partindo do texto da decisão recorrida, a matéria de facto considerada provada e não provada pelo tribunal a quo, atenta, de forma notória, evidente ou manifesta, contra as regras da experiência comum, avaliadas de acordo com o padrão do homem médio. É um vício intrínseco da sentença, isto é, que há-de resultar do texto da decisão recorrida, de tal forma que, lendo-o, logo o cidadão comum se dê conta que os fundamentos são contraditórios entre si, ou com a decisão tomada.
V - Os vícios contemplados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, no respeito pelos princípios da imediação e da livre apreciação da prova.
VI - A violação do princípio “in dubio pro reo” pressupõe que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de incerteza, de dúvida, quanto aos factos dados como provados e não provados.
VII - Tratando-se de uma perícia destinada a avaliar a personalidade do arguido é perfeitamente admissível que os peritos tenham contactado com as pessoas com quem ele se relacionou, ou se relaciona, nomeadamente seu ex-cônjuge e com a sua filha no âmbito da possibilidade que está prevista no art. 156.º, n.º 3, in fine, do CPP, segundo a qual os peritos, se carecerem de esclarecimentos, podem ter acesso a quaisquer actos ou documentos do processo.
VIII - O facto de essas testemunhas não terem prestado depoimento em julgamento é questão distinta - até porque se não terão recusado a depor, em Inquérito.
IX - O art. 129.º, do CPP, reporta-se, a uma proibição de valoração do depoimento indirecto relativo a pessoas determinadas que podem ser testemunhas – arts. 138.º e 348.º - assistentes e partes civis – arts. 145.º, 346.º e 347.º.
X  - Nada impede o depoimento de testemunha sobre o que ouviu ao arguido, sendo pertinente sublinhar que, no caso presente, o que foi ouvido pelas testemunhas do agora recorrente ocorreu em momento em que o mesmo não detinha o estatuto de arguido, desconhecendo-se então a existência de qualquer crime, cumprindo ainda referir que o arguido não exerceu o direito ao silêncio que lhe assistia na medida em que, em audiência de julgamento, negou a prática dos factos imputados.
XI - A constituição de arguido constitui, uma linha de fronteira na admissibilidade das denominadas "conversas informais", pois que é a partir daí que as suas declarações só podem ser recolhidas, e valoradas, nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas, ou quaisquer outras provas, recolhidas informalmente.
XII - Não estão abrangidos pela proibição de prova prevista no art. 129.º do CPP, os depoimentos de agentes da autoridade quanto ao que ouviram dizer ao arguido no âmbito de diligências visando a descoberta do paradeiro da vítima, num momento temporal em que não havia ainda arguido constituído e em que também se desconhecia que tinha havido crime.
XIII - A possibilidade de "recusa do depoimento", nos termos do disposto no art. 120.º, n.º 3, al. a), do CPP, limita-se a factos ocorridos durante o período de coabitação, não se impondo qualquer dever de comunicação quanto à possibilidade de recusa de depoimento se o depoimento da testemunha se reporta a factos descritos na acusação que ocorreram fora do período da “união de facto”.
XIV - Uma relação amorosa entre o arguido e a vítima que revela uma insuficiente estabilidade e solidez não pode ser valorada, como uma situação muito semelhante à prevista no art. 132.º, n.º 2, al. b), do CP.
XV - Uma «situação de namoro» não se compreende no catálogo dos exemplos-padrão do n.º 2 do art. 132.º, do CP e, concretamente, na situação contemplada na sua alínea b), sob pena de violação do princípio da tipicidade e da legalidade penal.
XVI - Resultando dos factos provados, uma escassez de informação sobre as circunstâncias que antecederam e que rodearam a prática do crime, ignorando-se deste modo os motivos que levaram o arguido e a vítima à «mata arbustiva», ao local onde o arguido, com objecto contundente, matou a vítima, ignora-se qual o motivo concreto e imediato que desencadeou a execução do crime, não existindo assim circunstâncias que nos possam fornecer uma «imagem global do facto» reveladora de uma especial censurabilidade ou perversidade, não podendo o arguido ser condenado pelo crime de homicídio qualificado, antes devendo sê-lo pelo crime de homicídio simples, p. e p. pelo artigo 131.º do CP.
XVII - Ponderando o muito elevado o grau de ilicitude dos factos, assumindo a culpa do arguido a forma de dolo directo, em elevada intensidade, muito embora se ignorem o circunstancialismo que rodeou o cometimento do crime, não existem dúvidas quanto à personalidade muito desvaliosa manifestada pelo arguido bem revelada no facto de ter tirado a vida a uma mulher com quem mantinha um relacionamento afectivo a ponto de aquela se ter convencido que o arguido a amava, que ia fazer vida em comum com ele, e ainda que o arguido já foi condenado, em Dezembro de 2003, pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada e pelo crime de detenção ilegal de arma de defesa, na pena única de 10 anos e 3 meses de prisão, tem-se por justa e adequada a pena de 16 anos de prisão, pela prática do crime de homicídio previsto no art. 131.º do CP.

Texto Integral




Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I - RELATÓRIO

1. Nestes autos de Processo Comum com Tribunal de Júri foi o arguido AA condenado na pena de 21 anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal.

2. Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão de 6 de Março de 2017, julgou improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida, «excepto quanto à imputação legal, que passa a ser a de homicídio qualificado, mas p. e p. pelos arts. 131.º e 132.º/1 e n.º 2, circunstância inominada, C.P.» (do dispositivo, com os destacados no original).

3. De novo inconformado, recorre o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, rematando a respectiva motivação com as conclusões que se transcrevem[1]:

«CONCLUSÕES:
1. O ora Recorrente havia interposto recurso do douto acórdão condenatório proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de ... – ... – Inst. Central – Sec. Criminal – ..., por do mesmo discordar.
2. Alicerçava a respectiva discordância, sobretudo, acerca do que em sede conclusiva referiu conforme supra exposto o que não se repete por economia processual.
3. O acórdão de que ora se recorre decidiu negar provimento ao recurso do recorrente, fundamentalmente, pelas seguintes razões também supra aduzidas, as quais não se transcrevem por economia processual.
4. Porém, com todo o respeito entendemos que não andou bem este acórdão ao negar provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida, e alterando imputação legal.
5. De facto, acreditamos que foram olvidadas questões fulcrais elencadas pelo recorrente.
Como é jurisprudência pacífica, ao STJ é admitido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no art. 410.º, n.º 2, do CPP – Ac. do Plenário da Secção Criminal n.º 7/95, de 19-10-95, Proc. n.º 46580, publicado no DR, I Série-A, n.º 298, de 28-12-95, que fixou jurisprudência então obrigatória (É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito) - e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos arts. 379.º, n.º 2, e 410.º, n.º 3, do CPP.
7. Posto isto, o recorrente considera os seguintes fundamentos para interposição do presente recurso:
Assim vejamos:

8. DA PROVA PROIBIDA - Inobservância de requisitos cominados sob pena de nulidade e/ou inexistência, os quais não foram sanados pelo Tribunal “a quo” (art.º 410.º, n.º 3 do CPP, por aplicação do art.º 434.º do CPP):
8.1. EXAMES PERICIAIS A FLS. 1169 A 1178, FLS. 1779 e SEGS. E 1657 A 1662 E NA SUA DEPENDÊNCIA OS ESCLARECIMENTOS PRESTADOS PELOS PERITOS DR. ... E DR.ª ...:
8.1.1. O Recorrente invocou que os exames periciais contantes a fls. 1169 a 1178, fls. 1779 e seguintes e 1657 a 1662, foram elaborados, entre outros elementos, com base em depoimentos da ex-cônjuge do arguido BB e a filha do arguido, CC, prestados ainda em inquérito, e apenas neste, as quais se recusaram a depor em audiência de julgamento e como tal são considerados prova proibida.
8.1.2. O Tribunal a “quo” considerou que “ … nas referidas perícias, nenhuma alusão expressa se faz e estes dois depoimentos – embora seja certo que, em julgamento, ambos referiram ter consultado o Proc.º” e que “não foi pois realizado pelos Srs. Peritos qualquer ato tido como ilegal e que determine a nulidade ou invalidade das perícias”, não havendo assim “nenhuma nulidade …a declarar, nem quanto às perícias … nem quanto aos esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos”.
8.1.3. Ora, socorre-se o Recorrente, agora diga-se em desespero de causa!!!, desta instância, para que haja cumprimento dos princípios mais elementares do processo penal, independentemente de qualquer juízo de valor.
8.1.4. E para isso reiteramos, a Testemunha BB e CC, respectivamente ex-cônjuge e filha do arguido, se recusaram validamente a depor, por escrito, ainda antes do início da audiência de julgamento, e que os referidos relatórios periciais foram elaborados com recurso ao depoimento destas duas testemunhas, os referidos relatórios estão feridos de nulidade, trata-se pois de prova proibida, a qual tem que ser considerada inexistente.
8.1.5. No relatório de fls. 1169 e seguintes, consta que: “o arguido é descrito pela ex-mulher como não violento do ponto de vista físico. Este tipo de descrição é partilhado por um grupo de testemunhas, cujos depoimentos reforçam a existência dos comportamentos manipulativos…”; e “ausência de sentido de responsabilidade, fraca vinculação afectiva para com os outros (mesmo coma filha…)”.
8.1.6. Pode-se ler no relatório de fls. 1657 a 1662, que: “da análise da entrevista, do exame do estado mental e da consulta das peças processuais revelam elementos clínicos que configurem quadro nosológico psiquiátrico compatível com transtorno de personalidade anormal tipo psicopático (com traços anormais explosivos e acentuação sociopática).
8.1.7. Alude o relatório de fls. 1778 e seguintes, que: “foram consideradas a consulta e análise de todas as peças processuais, englobando depoimentos, perícias, interrogatórios e declarações constantes no processo, assim como na informação contida no relatório de análise e elaboração de perfil criminal”; quanto à perturbação da personalidade, pág. 1787, “… este é caracterizado como não violento do ponto de vista físico (por exemplo a sua ex-mulher); e quanto à ausência de suporte social, pág. 1790, “…as relações que mantem, mesmo com a sua filha, é de natureza instrumental”.
8.1.8. É absolutamente notório que os Senhores Peritos quando elaboraram os relatórios levaram em consideração as declarações que ambas as Testemunham prestaram em sede de inquérito, pode ler-se, no texto de tais documentos.
8.1.10. Obviamente que tais depoimentos ajudaram a influenciar a convicção dos Senhores Peritos na elaboração de tais exames e consequentemente nas declarações que prestaram em julgamento.
8.1.11. Trata-se portante de prova proibida, a qual contamina a restante prova se houver um nexo de dependência cronológica, lógica e valorativa entre a prova proibida e a restante prova, conforme art.º 122.º, n.º 1 do C.P.P..
8.1.12. É inválida toda a prova subsequente que esteja lógica e valorativamente dependente de uma prova antecedente também ela inválida. O apuramento do efeito à distância da proibição da prova, ou “dos frutos da árvore envenenada”, há-de, pois resultar de uma necessária ponderação do nexo que liga a prova proibida e a prova mediata dela resultante.
8.1.13. Consequentemente, os peritos que elaboraram os supramencionados relatórios periciais, que consubstancia prova proibida (obviamente que tiveram acesso aos depoimentos prestados em sede de inquérito, por estas testemunhas), ao prestarem esclarecimentos sobre o conteúdo dos referidos relatórios em sede de audiência de julgamento, são estes esclarecimentos, em si mesmos, também prova proibida. O aproveitamento do conteúdo dos relatórios, mediante a utilização como prova do depoimento dos peritos, que a eles presidiram, constitui, fraude à lei.
8.1.14. Diga-se ainda que, o Tribunal de primeira instância e posteriormente o Tribunal “a quo” oficiosamente podiam, solicitar novos exames periciais a ser elaborados por novos peritos, os quais como é óbvio, não poderiam ter acesso aos depoimentos, prestados em sede de inquérito, e acima de tudo, aos depoimento prestados pelas testemunhas que se recusaram validamente a depor em audiência de julgamento. Ora, tal nunca aconteceu.
8.1.15. Pelo exposto, a valoração de Prova Proibida consubstancia, a sua nulidade absoluta ou inexistência.
8.1.16. Em consequência, o Tribunal recorrido errou notoriamente ao considerar como provados factos relativos a estas questões, nomeadamente os mencionados em 44 e 109 dos factos provados.
8.2.1.DEPOIMENTOS INDIRETOS – VIOLAÇÃO DO ART.º 125.º, ART.º 129.º, ART.º 355.º, ART.º 356.º, N.º 7 E ART.º 357.º, N.º 2 TODOS DO C.P.P. e ART. º 32.º, N.º 1 DA C.R.P.
8.2.2. O depoimento das testemunhas DD, EE, sobre o que ouviram o arguido dizer, são prova também ela considerada proibida, pelo que o Tribunal a quo deveria abster-se de a utilizar, devendo antes considerá-la como inexistente.
8.2.3. Ora, não vale como prova o depoimento indirecto das referidas testemunhas sobre o que ouviram dizer ao arguido porque as “pessoas” a que a ressalva do n.º 1 do art.º 129.º se refere são apenas as testemunhas. E sendo o art.º 129.º uma norma excepcional, ela não pode, em prejuízo do princípio constitucional da imediação, ser aplicada analogicamente ao depoimento de uma testemunha sobre o que ouviu dizer ao arguido, com o argumento de que quanto aos sujeitos processuais decisivas são as declarações prestadas na audiência.
8.2.4. Às limitações do regime do depoimento indirecto decorrentes do princípio constitucional da imediação acrescem, no caso de depoimento de ouvi dizer a arguido, as limitações decorrentes do direito constitucional do arguido ao silêncio, consagrado entre as garantias de defesa do art.º 32, n.º 1 da C.R.P.
8.2.5. Portanto, não viola a C.R.P. o depoimento da testemunha sobre o que ouviu dizer ao arguido durante a prática dos factos criminosos a que ela assistiu, mas é inconstitucional o art.º 129.º, n.º 1 do C.P.P., por violação do art.º 32.º da C.R.P., se interpretado no sentido de permitir o depoimento indirecto de testemunha sobre o que ouviu dizer ao arguido depois da ocorrência do suposto crime, se ele fez uso do direito ao silêncio.
8.2.6. Mais, o depoimento dos agentes policiais, FF e GG, está sujeito a um regime diferente de quaisquer outras testemunhas, em virtude da proibição legal dos art.º 356.º, n.º 7 e 357.º, n.º 2. Esta proibição veda o aproveitamento na audiência do depoimento do agente policial sobre declarações que ouviu dos suspeitos, arguidos, testemunhas, assistentes, ofendidos, partes civis, lesados ou quaisquer outros declarantes, quer elas tenham sido feitas antes ou depois da abertura formal do inquérito, quer o agente policial venha a ser instrutor do inquérito ou não.
8.2.7. Desta forma, o Tribunal recorrido considerou o depoimento dos agentes policiais, sobre o que ouviram o arguido dizer, porém trata-se de prova considerada proibida, pelo que, deveria abster-se de a utilizar, devendo antes considerá-la como inexistente.
8.2.8. Pelo exposto, a valoração de Prova Proibida consubstancia, a sua nulidade absoluta ou inexistência.
8.2.9. Em consequência, o Tribunal recorrido errou notoriamente ao considerar como provados factos relativos a estas questões, entre outros os mencionados em 59 dos factos provados.
8.3. FALTA DE COMUNICAÇÃO À TESTEMUNHA HH DO IMPEDIMENTO CONSTANTE DO ART.º 134.º N.º 1 AL. B) DO C.P.P.:
8.3.1. Aquando da prestação de depoimento, como testemunha, por parte da HH, o Tribunal de primeira instância não comunicou à mesma que esta se poderia recusar a depor nos termos do art.º 134.º, n.º 1 al. b) do C.P.P., ou seja, pelo facto de esta ter relatado factos ocorridos durante o tempo em que vivia em condições análogas às dos cônjuges, com o arguido.
8.3.2.Veja-se para que não restem dúvidas que os factos dados como provados sob os pontos 3 a 10 do acórdão proferido em primeira instância e agora confirmados pelo Tribunal recorrido, são única e exclusivamente factos que ocorreram durante a coabitação entre a Testemunha e o arguido – porque quanto aos crimes imputados ao arguido a mesma nada sabia.
8.3.3. Como companheira que foi do arguido, tinha o direito de ser advertida do direito à recusa.
8.3.4. A omissão da advertência é uma nulidade, que consubstancia uma verdadeira proibição de prova resultante da intromissão na vida privada, art.º 134.º, n.º 1b) e n.º 2 do CPP.
8.3.5. Pelo exposto, a valoração de Prova Proibida consubstancia, a sua nulidade absoluta ou inexistência.
8.3.6. Em consequência, o Tribunal recorrido, errou notoriamente ao considerar como provados factos relativos a estas questões, nomeadamente os mencionados em 3 a 10 dos factos provados.
9. Em consequência do ora exposto, deverão os referidos meios de prova constantes do processado ser tidos por afectados pela declaração de nulidade e/ou inexistência, com a consequente proibição de prova, que se requer seja declarada.
10. IMPUGNAÇÃO DE DIREITO: CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO OU ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E A DECISÃO E ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA - art.º 410.º, n.º 2 als. b) e c) do C.P.P.
O recorrente não praticou os factos concretos, factos descritos supra e constantes do ponto B.1 do douto acórdão proferido em primeira instância e confirmados pelo Tribunal ora recorrido e susceptíveis de serem considerados ilícitos.
10.1. DA CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO OU ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E A DECISÃO:
10.1.1. O recorrente invocou o vício da contradição insanável a que alude o artigo 410.º, n.º 2, al. b) do CPP, porém o Tribunal a quo faz tábua rasa de tal invocação.
10.1.2. O vício a que alude o art.º 410.º, nº 2, b) do CPP, apenas se verificará quando, analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões antagónicas entre si e que não podem ser ultrapassadas, ou seja, quando se dá por provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa, ao mesmo tempo, ou quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios ou quando a contradição se estabelece entre a fundamentação probatória da matéria de facto, sendo ainda de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão.
10.1.3. É o que sucede no caso dos autos, tendo o Tribunal de primeira instância dado como provado os pontos 39. a 49., considerando que o arguido no dia 27 ou nas primeira horas do dia 28 de agosto de 2012, na mata arbustiva, sita em ..., munido de objecto contundente, não concretamente apurado, fazendo uso da força golpeou a extremidade vertebral da II, provocando a morte desta, agindo de modo a tirar-lhe a vida, causando-lhe lesões, lesões essas que atacaram um órgão vital, provocando traumatismo e hemorragia. Com tal comportamento o arguido representou, quis e conseguiu a morte da vítima, tendo agido de forma deliberada e consciente, com intenção de causar a morte, o que veio a conseguiu. O arguido sabia ser a conduta proibida e punida por lei.
10.1.4. E por outro lado, em contrário, considerou o Tribunal de primeira instância como não provados os pontos 114, 115, 116, 123, 124, 127 e 128.
10.1.5. Em sede de recurso foi pelo recorrente invocado que existe contradição insanável, entre os factos dados como provados e os factos dados como não provados, sendo que, no entanto o Tribunal a quo, entendeu que não existe qualquer erro. Ora, tal erro é absolutamente notório e gritante!!!
10.1.6. Ora, como é que se o Tribunal não consegue apurar se existiu qualquer conduta sobre o cadáver, por forma a condenar o arguido pelo crime de ocultação ou profanação de cadáver, mas consegue apurar com tanta precisão (aliás no mundo das probabilidades e possibilidades), até mesmo acima do que o relatório pericial e a própria Sr.ª Perita mencionam, sem recurso a qualquer outro meio de prova seja ele directo ou indirecto, a ocorrência das supostas lesões, perpetradas pelo arguido e que provocaram, da forma descrita, a morte, à vítima.
10.1.7. Mais se diga que, o Tribunal não consegue apurar se houve apenas um golpe (ou mais!!) mas consegue apurar – imaginem!!! - que fazendo uso da força, golpeou e provocou traumatismo e hemorragia em região vital, e que tal provocou a morte da falecida.
10.1.8.Já para não mencionar que, diz-nos a experiencia que não pode existir vestígios na folhagem de hemorragia, já que o suposto golpe foi com um objecto contundente, não provocou qualquer orifício e como tal não pode ter escorrido qualquer sangue. O que se verifica na folhagem - a suposta mancha - é deterioração dos restos cadavéricos. Isto é óbvio, mas falaremos disto mais à frente.
10.1.9. Consegue apurar-se que o arguido escondeu o corpo com a finalidade de não ser descoberto, porém ao assim actuar não se sabe se o corpo é ou não já cadáver, mas sabe-se que ocorreu hemorragia interna…
10.1.9. Pelo vindo a referir, é absolutamente notório, o vício da contradição insanável a que alude o artigo 410.º, n.º 2, al. b) do CPP, quer no acórdão proferido pelo Tribunal de primeira instância, quer pelo agora proferido acórdão do Tribunal a quo, o qual mais uma vez expressamente se invoca.
10.2. DO ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA E CONSEQUENTE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROVA VINCULADA:
10.2.1. O erro notório na apreciação da prova, vício da decisão previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.
10.2.2. Ao dar como provado que os pontos 37. e 38, o Tribunal a quo considera que a falecida II e o arguido se encontram em ..., entre 23h29m09s do dia 27 de agosto de 2012 e as 2h20m48s, do dia 28 de agosto de 2012. Então não pode o Tribunal conforme afirma sob o ponto 39., considerar que na última hora do dia 27 de agosto de 2012 ou nas primeiras horas do dia 28 de agosto de 2012 o arguido, na mata arbustiva, sita no ..., fazendo uso da força, terá golpeado com um objecto de natureza contundente a extremidade vertebral da D. II, provocando a morte desta.
10.2.3. Pois o arguido e a falecida não podem estar em dois locais ao mesmo tempo, ou estão em ... ou estão em ....
10.2.4. Nada existe nos autos que coloque o arguido e a falecida naquela mata nos referidos dias 27 e 28 de agosto de 2012.
10.2.5. Acresce que, também não pode o Tribunal em contrário do Relatório da Autopsia Médico-legal e sem qualquer outro elemento, que corrobore dar como provado o ponto 40. e 41. do douto acórdão.
10.2.6. Não pode o Tribunal em primeira instância afirmar (com a certeza que o caso existe e sem qualquer outro elemento nem que seja indiciário), e o Tribunal a quo concordar, que as lesões infligidas supostamente pelo arguido, com um objecto de natureza contundente, melhor descritas sob o ponto 40., determinaram ferimentos em região vital da vítima II, que originaram além de outras consequências, traumatismo e hemorragia (era visível e notória uma mancha escura ao nível da folhagem/matéria vegetal perecida e inerte junto ao corpo da vítima aquando do seu achamento em 4-11-12).
10.2.7. Antes de mais cumpre reiterar novamente que, existem vários objectos/instrumentos de naturezas distintas, a título exemplificativo:
- Instrumentos cortantes, que são aqueles que produzem as chamadas feridas incisas, ou “cortes”, como vulgarmente se chamam. As feridas incisas possuem duas características básicas: levam ao sangramento e possuem comprimento maior que a distância entre as bordas. Além disso, possuem maior profundidade no centro da ferida. Facas, giletes e navalhas são típicos objectos cortantes.
- Instrumentos perfurantes, produzem o que se chama feridas punctórias, ou as vulgares “perfurações” ou “furos”. Nelas, a profundidade da ferida é maior que o diâmetro de sua superfície. Geralmente não há sangramento, ou ele ocorre em pequena quantidade. Pregos, garfos e chaves de fenda são considerados objectos perfurantes.
- Instrumentos contundentes, provocam lesões através da pressão exercida em alguma parte do corpo, batendo ou chocando. A forma da lesão provocada é irregular, manifestando-se com hematomas ou escoriações. Esses instrumentos podem ser a mão de uma outra pessoa (soco), um pedaço de madeira, uma pedra etc.
- Instrumentos perfuro contundentes, são caracterizadas pela acção de um mecanismo que perfura e contunde ao mesmo tempo, sendo que tais ferimentos são geralmente produzidos pela utilização de armas de fogo.

10.2.8. Nesta sequência, a Sr.ª Perita ao afirmar, num cenário de probabilidades, que poderia ter existido um traumatismo e hemorragia – por exemplo “numa artéria” -, quanto à hemorragia, teria necessariamente que ser interna, já que, conforme cenário que lhe foi colocado, o objecto era de natureza contundente e não cortante e/ou perfurante, sendo absolutamente impossível uma hemorragia para o exterior do corpo, a não ser que estivesse em causa um objecto de natureza cortante, por exemplo uma faca.
10.2.9. Dizem-nos as regras da experiência comum que, quando existe um golpe com um objecto contundente, nas costas, não há hemorragias para o exterior do corpo, muito menos em grande quantidade e como tal, o Tribunal não pode afirmar que tal ocorreu, conforme a mancha na vegetação.
10.2.10. Diga-se ainda que as ossadas inferiores estavam num local e as demais ossadas como sejam as costelas estavam todas espalhadas em redor de 50m2, as lesões conforme foi dito pela Sr. Perita podem ter sido causadas por acção dos animais e ou até, pisadas, seja por pessoas e animais.
10.2.11. Aliás a mancha está na lateral do corpo, se tal fosse proveniente de hemorragia, sempre teria que tal mancha estar debaixo do corpo.
10.2.12. Mais grave, erro absolutamente grosseiro afirmar que se trata de hemorragia, já que a Informação de Serviço de páginas 4 e seguintes é absolutamente clara, inequívoca!!!
10.2.13. O Tribunal de primeira instância e agora o Tribunal recorrido não podem afirmar peremptoriamente à revelia de todos estes dados, o constante do ponto 41. dos factos dados como provados, para proceder simplesmente à condenação do arguido!
10.2.14. Trata-se de um erro judiciário grave.
10.2.15.Diga-se ainda a este respeito que, a mancha na folhagem junto ao corpo, é inerente à ocorrência de decomposição dos restos cadavéricos da falecida e nunca uma suposta hemorragia.
10.2.16. Não se pode o Tribunal basear em probabilidades e isso prejudicar o arguido, sob pena de violação do princípio in dúbio pro reo.
10.2.17. O descrito em 39., 40., e 41., é inadmissível, impossível e inaceitável, seguindo o Tribunal a quo, o preconceito do Tribunal de primeira instância e antes da acusação.
10.2.18. No relatório de autópsia não consta a causa de morte, nem tão pouco a Sr.ª Perita avançou de livre e espontânea vontade qualquer cenário, já que conforme a mesma assume podem ter ocorrido diversas situações possíveis.
10.2.19. Já se disse e reitera-se, se a falecida foi agredida com um objecto de natureza contundente, de trás para a frente, conforme ponto 39, 40 e 41 do douto acórdão, então nunca o corpo estaria na posição em que foi encontrado, em decúbito dorsal original, já que teria caído de frente.
10.2.20. Acresce ainda que, nada nos autos nos diz que a falecida II não tinha problemas de saúde e que possa ter falecido de causa natural, ocorrendo as lesões constantes dos relatórios periciais, após a morte, no manuseamento do corpo e/ou das ossadas, quer por alguém que passou na mata, quer por quem encontrou as ossadas, quer até pelos peritos. Apenas existe documentação da última vez que a falecida se dirigiu ao SNS, desconhecendo-se inclusive se tinha problemas cardíacos ou outros…
10.2.21. Pode inclusive ter ocorrido um acidente!
10.2.22. Certo é que se desconhece a causa da morte, não é possível aferir a mesma, são infinitas as possibilidades, não pode o Tribunal a quo escolher uma, e condenar o arguido!!! Sim porque se for necessário inventar uma causa de morte, é possível encontrar várias.
10.2.23. Estes não são os princípios basilares do processo penal.
10.2.24. Em processo penal a regra é a de livre apreciação da prova, como decorre do estatuído no art.º 127.º do CPP, onde se estabelece que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
10.2.25. Tal princípio não é absoluto, e entre as excepções a tal regra incluem-se o valor probatório dos documentos autênticos e autenticados, o caso julgado, a confissão integral e sem reservas no julgamento e a prova pericial.
10.2.26. Segundo Maia Gonçalves (Código de Processo Penal Anotado, 9.ª edição, pág. 323), estas excepções integram-se no princípio da prova legal ou tarifada, que é usualmente baseado na segurança e certeza das decisões, consagração de regras de experiência comum e facilidade e celeridade das decisões.
10.2.27. Na definição do art.º 388.º do CC, a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial.
10.2.28. E, de acordo com o art.º 151.º do CPP, a prova pericial tem lugar quando a percepção ou apreciação dos factos exigem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos. A perícia é, assim, a actividade de percepção ou apreciação dos factos probandos, efectuada por pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos.
10.2.29. Segundo José Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, pág. 161), a função característica da testemunha é narrar o facto e a do perito é avaliar ou valorar o facto, emitir quanto a ele juízo de valor, utilizando a sua cultura e experiência.
10.2.30. A regra geral, relativa ao valor probatório das perícias, de que se presume subtraído à livre convicção do magistrado o juízo técnico, científico e artístico inerente àquelas, com obrigação de fundamentação de eventual divergência, foi indicada na Lei 43/86, de 26-09 (Lei de autorização legislativa de que emergiu o CPP87) e veio a ser estabelecida no art.º 163.º do CPP, trata-se portante de prova vinculada.
10.2.31. Para Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, Editorial Verbo, 1999, vol. II, pág. 178), «a presunção que o art.º 163.º, n.º 1, consagra não é uma verdadeira presunção, no sentido de ilação, o que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido; o que a lei verdadeiramente dispõe é que salvo com fundamento numa crítica material da mesma natureza, isto é, científica, técnica ou artística, o relatório pericial se impõe ao julgador. Não é necessária uma contraprova, basta a valoração diversa dos argumentos invocados pelos peritos e que são fundamento do juízo pericial».
10.2.32. Na verdade, a Sr.ª Perita afirma não saber qual a causa de morte, emitindo uma pronúncia sustentada; por outro lado, o tribunal dá como provados os factos 39, 40 e 41 do douto acórdão, aproveitando um juízo opinativo e de probabilidade da Sr.ª Perita, sem analisar a demais prova, adiantando assim o Tribunal de primeira instancia e agora o Tribunal recorrido, apenas para condenar o arguido, uma mera probabilidade, avançando um palpite.
10.2.33. Ora, num caso, como o dos autos, está em causa o erro judiciário, pois está em causa um juízo técnico-científico, com o sinal de certeza requerido, mas e não antes uma mera probabilidade.
10.2.34. A força vinculativa própria da prova tarifada é absoluta, não ficando à responsabilidade do tribunal, nos termos do art.º 127.º do CPP, ir contra um relatório pericial, e até contra o relatório de páginas 4 e seguintes, condenando o arguido por supostamente este ter praticado um cenário, sem qualquer outro indício, não podendo ser afastada a aplicação do disposto no art.º 163.º do CPP.
10.2.35. Ora se a Sr.ª Perita não consegue responder com a certeza que o caso exige, não pode o Tribunal substituir o Perito, avançando uma condenação pelo crime mais grave do nosso ordenamento jurídico.
10.2.36. Nos autos não constam, nem poderia constar, porque não existe, motivo para o arguido tirar a vida à falecida II, não existindo prova de qualquer agressão, nem tão pouco indícios de que ocorreu homicídio, pelo que não pode o Tribunal afirmar os factos descritos sob os pontos 3 a 10, 17, 29, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 54, 55, 56, 58, 59, 60, 64, 65, 67, 68, 74, 75, 76 e 109.
10.2.37. O Tribunal recorrido continua a aceitar os erros graves inicialmente da acusação, depois do Tribunal de primeira instância.
10.2.38. Não há nenhuma prova, quanto à matéria que permitiu enquadrar o comportamento do arguido no ilícito pelo qual veio a ser condenado, assim sendo, os factos dados como provados nos pontos 3 a 10, 17, 29, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 54, 55, 56, 58, 59, 60, 64, 65, 67, 68, 74, 75, 76 e 109 da fundamentação de facto, devem integrar os dos que não foi possível provar, face à insuficiência e insubsistência da prova produzida, erro notório na apreciação da prova.
10.2.39. Ao ter julgado de facto de outra forma, que não a absolvição do arguido, violou a decisão recorrida, o princípio da presunção de inocência do arguido previsto no art.º 32.º n.º 2 da CRP, bem como o princípio in dubio pro reo e o disposto no art.º 163.º e 127.º do C.P.Penal.
10.2.40. Assim deve ser revogada a decisão recorrida por se entender que a matéria gravosa imputada não está provada, podendo estar em causa um grave erro judiciário.
11. Sem prescindir e por mera cautela de patrocínio:
12. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO “IN DUBIO PRO REO”:
12.1. Do exposto supra, resulta que, não fora os sucessivos erros notórios na apreciação da prova, erro notório que a decisão recorrida, globalmente representa;
12.2. E não fora a referida violação das regras sobre a “prova proibida”, sobre a “prova vinculada” em que reiteradamente incorreu o acórdão recorrido;
12.3. E a referida violação das regras sobre a prova, nomeadamente e sobretudo a violação das regras da experiência comum;
12.4. E tivesse o acórdão recorrido conhecido partes elencadas no presente recurso que devia ter apreciado em conformidade e não apreciou;
12.5. Com toda a certeza que o Tribunal recorrido e atendendo a um imenso estado de dúvida que impunha, como impõe, a ABSOLVIÇÃO do arguido.
12.6. O acórdão recorrido, violou assim, o princípio do “in dubio pro reo”.
12.7. Nessa medida, porque ressalta evidente do texto da decisão recorrida por si só e conjugada com as regras da experiência comum, que o “Tribunal a quo” só não reconheceu aquele estado de dúvida em virtude de erro notório na apreciação da prova, muita da qual proibida – do conhecimento oficioso deste STJ – e das demais deficiências supra descritas, este STJ pode e deve sindicar a apreciação do Princípio “in dúbio pro reo”.
12.8. É o que sucede no caso da decisão recorrida.
12.9. Declarando-se como não provados todos os factos, que o Tribunal recorrido considerou como provados – todos os considerados ilícitos – em clara oposição ao princípio “in dúbio pro reo”.
13. ERRO DE INTERPRETAÇÃO NA SUBSUNÇÃO DOS FACTOS AO DIREITO   QUANTO AO CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO E/OU CRIME DE HOMICIDIO SIMPLES:
13.1. O art.º 131.º do C. Penal diz: “Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de oito a dezasseis anos.”
13.2. O art.º 132.º n.º 1 do C. Penal menciona: “ Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos.”
13.3. No n.º 2, al. b) pode ler-se a título de exemplo padrão, que: “Praticar o facto contra cônjuge, ex-cônjuge, pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, ou contra progenitor de descendente comum em primeiro grau”.
13.4. O homicídio qualificado não é senão uma forma agravada do homicídio simples.
13.5. Importando referir que o tipo objectivo de ilícito do homicídio simples se consuma com a morte de outra pessoa, isto é, com o causar, por acção ou omissão, a morte de pessoa diferente do agente. É necessária uma actividade humana perpetrada pelo agente sobre a vítima. E que essa conduta tenha causado lesões. Sendo absolutamente imprescindível acentuar que causar a morte implica a necessidade de se estabelecer o nexo de imputação objectiva (e subjectiva) do resultado à conduta, ou seja, que as lesões que foram causadas na vítima levaram objectivamente à morte.
13.6. No art.º 132.º do Cód. Penal, é o móbil que aparece como uma circunstância agravante qualificativa, determinando uma pena mais grave que no homicídio simples.
13.7. O ser humano e, por conseguinte, o delinquente, actua com o desígnio de atingir uma finalidade - tem, por isso, uma motivação.
13.8. Os motivos e objectivos do agente, a atitude interna que se reflecte no ato e a medida de infracção do dever, são circunstâncias que relevam para a avaliação da formação da vontade do mesmo agente, atenuando ou aumentando o grau de responsabilidade do crime.
13.9. In casu, a especial censurabilidade e perversidade exigida pela norma, não se verificou.
13.10. Comecemos por escrutinar o factor de qualificação expressamente imputado ao arguido, agora pelo Tribunal recorrido:  “… situação de namoro, a utilização de objecto contundente, o matar em mata arbustiva, certamente lugar ermo dado tempo que demorou a localização do corpo da vítima e o abandonar do corpo, nesse local, sem qualquer expressão de arrependimento.
As situações de namoro estabelecem também fortes vínculos afectivos entre as pessoas, não se podendo dizer que, por não haver união de facto, se mostram diluídas a censurabilidade e perversidade, na actuação do arguido…
Assim, todo este quadro se mantém especialmente censurável e perverso.”
13.11. A jurisprudência vem sustentando que só há lugar ao preenchimento de uma circunstância qualificativa agravante prevista no art.º 132.º do Código Penal, caso as ocorrências revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, como acima se referiu.
 13.12. Sendo assim quando estamos perante crime de homicídio, parece mais ou menos óbvio que a simples utilização de um objecto contundente (e que fosse uma arma de fogo, ou uma faca…) não integra, por si só, aquele juízo desvalorativo da conduta do agente.
13.13. É que, se o agente tem (e atua com) intenção de matar, parece lógico que escolha um instrumento ou objecto adequado àquela finalidade. Será o caso de uma arma. Nesta medida, no caso de crime de homicídio, compreende-se e aceita-se que a simples utilização de um objecto adequado a matar alguém (p. ex. um objecto contundente) não seja elemento bastante para, por si só, se poder concluir, pela existência de especial perversidade ou censurabilidade.
13.14. É que, nestes casos (homicídio) a censura e o desvalor da conduta - tirar a vida de outrem - já estão previstas na norma incriminadora base (homicídio simples).
13.15. Do circunstancialismo descrito entendemos que o uso de um objecto contundente, aparece como um instrumento adequado e proporcional ao objectivo do arguido, suposto agressor. Não é um meio completamente desajustado ao propósito do arguido, suposto agressor. 13.16. A sua utilização, dentro do contexto do demais que se deixa dito, não é, em nosso entender, passível de um acrescido juízo de censura, de um significativo aumento de desvalor da actuação, que integra o conceito acima enunciado e constante no n.º 1 do art.º 132.° do C. Penal.
13.17. O simples facto do arguido - suposto agressor - e vítima serem namorados, não pode, per si, constituir consequência necessária e directa daquelas especiais censurabilidade e perversidade.
Quanto ao local, sem mais, também não constituirá necessariamente especial censurabilidade e perversidade, já que não foi possível ao Tribunal à quo escrutinar qual o motivo para a vítima e o suposto agressor, se encontrarem naquele local, qual o motivo que os levou lá, se foi premeditado, se foram passear, o que em concreto aconteceu.
13.18. Também não apurou o Tribunal a quo apurar em que circunstâncias terá ocorrido o desfecho trágico.
13.19. Não sendo possível integrar, a conduta do arguido em nenhum dos exemplos­ padrão, haverá, ainda, que reconhecer que a factualidade apurada só por si também não é susceptível de atingir o especial grau de censurabilidade ou perversidade que o legislador considerou inerente ao homicídio qualificado.
13.20. É pacífico que, designadamente conforme acórdão do STJ de 13.07.2005, in CJ Acs. STJ ano XIII, tomo II, pág. 247, o crime de homicídio qualificado é definido a partir da enunciação de uma cláusula geral – especial censurabilidade ou perversidade – contida no nº 1 do preceito e concretizada ou desenvolvida no nº 2 através de exemplos-padrão. Esses dois critérios – um generalizador e outro especificador – são complementares e têm mútua implicação. A partir deles, poder-se-á sintetizar assim a estrutura do tipo agravado: ocorre o homicídio qualificado sempre que do facto resulta uma especial censurabilidade ou perversidade que possa ser imputada ao arguido por força da ocorrência de qualquer dos exemplos-padrão enumerados no nº 2, ou, tendo estes natureza exemplificativa, sem deixarem de ser elementos constitutivos de um tipo de culpa, qualquer outra circunstância substancialmente análoga (…) Com esta formulação dual pretende assinalar-se a interacção recíproca entre o chamado critério generalizador e os exemplos-padrão.
13.21. Esse critério generalizador é determinante de um especial tipo de culpa, assente numa cláusula geral extensiva e descrito com recurso a conceitos indeterminados, devendo resultar de uma imagem global do facto agravada (v. Figueiredo Dias, in “Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial”, Coimbra, 1999, Tomo I, a págs. 25 e seg.).
13.22. Derivando, pois, a qualificação, de uma culpa agravada – ainda que algumas das circunstâncias elencadas no n.º 2 do art. 132.º contendam com um mais acentuado desvalor da acção, enquanto elementos da ilicitude -, o pensamento da lei é o de pretender imputar à “especial censurabilidade” aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas, e à “especial perversidade” aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas (v. Figueiredo Dias, ob. cit., a pág. 29, citando ainda Teresa Serra, in “Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena”, 1990, a págs. 62 e segs.), pelo que, mesmo para quem defenda que tais circunstâncias constituem tipos de ilícito (J. Curado Neves, in “Indícios de Culpa ou Tipos de Ilícito. A difícil relação entre o nº 1 e o nº 2 do artigo 132º do C.P”. in “Liber Discipulorum, Figueiredo Dias, Coimbra, 2003, a págs. 721 e segs.), toda a punição passará pela efectiva comprovação da especial censurabilidade ou perversidade do agente.
13.23. Assim, à luz da fundamentação do tribunal recorrido, pode dizer-se, que não operou adequada ponderação da imagem dos factos, não sendo justificada a conclusão que extraiu, termos em que não se afiguram acertados.
13.24. não resulta bastante para suportar a ideia de que, o arguido, suposto agressor, se tivesse rodeado de especiais (excepcionais) circunstâncias para lograr a sua conduta.
13.25. Por seu lado, se bem que, em geral, os laços de namoro básicos com a vítima devem constituir para o agente factores inibitórios acrescidos, cujo vencimento supõe uma especial censurabilidade os elementos disponíveis, considerando tão-só a relação bastante recente, existente entre o arguido e a vítima, não confluem para desvalor de acção e de resultado, de excepcionalidade tal, que fundamente a referida culpa agravada, para a necessária qualificação do homicídio.
13.26. Não se concorda, pois, com o enquadramento sufragado pelo acórdão, de que o arguido, suposto agressor terá cometido crime de homicídio qualificado, mas p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e n.º2, circunstância inominada do C.P., mas quanto muito crime de homicídio (simples) p. e p. pelo art. 131.º do CP.
13.27. Nunca poderá o arguido ser condenado com a agravante, por não verificação da al. b) do n.º 2 do art.º 132.º do C.P., nem tão pouco da actuação que supostamente é imputada ao arguido, se consegue percepcionar a existência das circunstâncias que revelem a especial censurabilidade ou perversidade da actuação por parte do arguido.  Pelo exposto, porque não há factos que conduzam a essa conclusão, o arguido não cometeu o crime de homicídio qualificado, pelo qual foi condenado, nos termos do artigo 132º n.ºs n.º 1 e 2 al. b) do C. Penal.
13.28. Porém, por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que caso se entenda que os factos provados permitem a condenação do arguido, sempre tal condenação terá que ser apenas pelo crime se homicídio simples e não pelo crime de homicídio qualificado.
15. SEM PRESCINDIR, E POR DEVER DE PATROCINIO:
16. DA MEDIDA DA PENA:
16.1. Estabelece o artgº. 71º., nº. 2 do CP que
“(…) na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime dependem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente (…)
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência.
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
16.2. Fluí daqui e desde já que o Tribunal a quo pouco relevou as concretas condições pessoais do arguido, assim como a sua situação económica.
16.3. Na verdade, o que se deixa realçado aponta para que, estas circunstâncias fossem devida e adequadamente ponderadas, fossem aplicadas ao recorrente penas substancialmente inferiores às que, efectivamente, foram.
16.4. Sabido que são as exigências de prevenção geral que definem o limite mínimo da pena e culpa o limite máximo criando, assim, a moldura dentro da qual se hão-de fazer sentir as exigências de prevenção especial ou de ressocialização.
16.5. (A nível conceptual, a culpa traduz-se essencialmente na consciência por parte do agente do carácter proibido da sua conduta. O grau de consciência que o agente tem da positividade ou negatividade da sua actuação determina o grau de culpa que lhe é imputável, na medida da sua capacidade e vontade de atingir aquele fim proibido.
16.6. A prevenção geral positiva ou de integração é dirigida à satisfação da consciência colectiva, com o objectivo de repor a conformidade para com o Direito. Atende, fundamentalmente, ao sentimento que o crime causa na comunidade, tendo em conta diversos índices, designadamente a frequência com que o crime ocorre, o espaço onde ocorre e o alarme que esteja a provocar na comunidade. Neste âmbito, importa determinar o mínimo de pena, aquele limite absoluto e, intransponível que satisfará a consciência colectiva.
16.7. A prevenção especial ou de ressocialização, por seu lado, serve, essencialmente, o escopo de reintegração do agente na comunidade, tentando evitar a quebra da sua inserção nessa mesma comunidade, o que traduz, em última análise, na ideia base da ressocialização.)
16.8. Tendo em atenção o que se deixa dito adequar-se-iam, ao comportamento do recorrente a seguinte pena encontrada dentro da moldura penal abstracta:
- 12 (doze) anos pela prática do crime de homicídio simples, p. e p. pelo art.º 131.º do C. Penal; ou caso se entenda pela manutenção da condenação do arguido pelo crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo art.º 132.º, n.º 2 al. b) do C. Penal em 15 (quinze) anos.
16.9. É que, ao entender-se de outra forma, terá violado a decisão recorrida o disposto nos art.º 71.º, n.º 1 e 2 al. d) e 77.º todos do C. Penal.
17. Decidindo como peticionado farão V. Exas., como é apanágio desse Colendo Tribunal, Sã Justiça.»

4. Respondeu o Ministério Público, dizendo:

«Em  Conclusão :

1 - Embora em julgamento os peritos tenham referido haverem consultado o processo, com possível acesso ao declarado por testemunhas que, validamente, se recusaram a depor em julgamento, não se vê que daí decorra qualquer acto tido como ilegal, ou que possa determinar a invalidade das perícias pelos mesmos realizada, já que de acordo com o entendimento que se vem firmando, na realização do tipo de peritagens em causa, aquele procedimento, com acesso ao processo se afigura, sob o ponto de vista científico, como o mais correcto, sendo certo que embora tais testemunhas, no seu pleno direito se tenham recusado a depor em julgamento, não o fizeram em sede de inquérito.

2 - Não constitui depoimento indirecto e portanto, prova proibida, o depoimento em que a testemunha relata o que o arguido lhe disse, ainda que este, presente na audiência, não tenha prestado declarações, já que o que se relatou foram factos, percepcionados de forma imediata, e não intermediada, através da visão e da audição, tendo, de resto, o recorrente tido plena possibilidade de contraditar os depoimentos dessas testemunhas em audiência,

3 - A testemunha, HH, admitiu ter vivido juntamente com o arguido entre Setembro/Outubro de 2011 e Março de 2012, pelo que reportando-se os factos descritos na acusação a 27/28 de Agosto de 2012, facilmente se adquire que neste último período não subsistia a união de facto, encontrando-se, pois, tal testemunha obrigada a depor e, consequentemente, o tribunal desonerado da comunicação da possibilidade em contrário.

4 – Não existe qualquer contradição na fundamentação, ou entre esta e a decisão, pelo facto de não se ter conseguido apurar se existiu qualquer conduta sobre o cadáver e se terem as pesões perpetradas pelo arguido e que provocaram, pela forma descrita, a morte da vítima.

5 - Sendo certo que em matéria de prova em processo penal as ilações derivadas de presunções naturais se têm que formular com exigência de segurança, tornando-se necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável, devendo existir um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido, constata-se que, no caso, o tribunal de 1ª instância não teve dúvidas em estabelecer o facto probandi, colhendo-se do douto acórdão condenatório, de forma clara, consistente e congruente, o estabelecimento dos factos-base, donde derivam as conclusões estabelecidas, com um nexo preciso e directo, encontrando-se os indícios demonstrados de forma directa, a reforçarem o juízo de inferência operado, juízo esse que se apresenta como razoável e respeitador da lógica e da experiência de vida, constatando-se a existência de vários comportamentos do arguido, cuja conjugação denuncia a implicação na morte da vítima e a sua etiologia homicida.

6 – Verificando-se que a formação da convicção do tribunal se mostra suficientemente objectivada no texto do acórdão, claramente despida de qualquer arbitrariedade, não se vê como se possa, validamente convocar o princípio, in dubio pro reo, já que na análise e valoração empreendidas, o tribunal não balanceou, não ficou numa dúvida intolerável perante formas diversas de observar os factos, antes chegando a uma certeza jurídica sobre os mesmos, para além de qualquer dúvida razoável, sendo que só as dúvidas assumidas pelo próprio julgador – que não as dúvidas sugeridas por uma certa interpretação da prova apresentada pelo recorrente – poderiam conduzir à aplicação desse princípio.

7 - No que tange à subsunção legal, pese embora se aceite que a utilização de um objecto contundente, por si só, não seja apto a configurar especial censurabilidade ou perversidade exigidas pela qualificação do ilícito em causa, o certo é que, a conjugação de tal facto com o restante circunstancialismo a rodear o caso (a situação de namoro, o local ermo em que se perpetrou o homicídio, o abandono do corpo no local, sem qualquer expressão de arrependimento) revelam, de facto, quadro que mantém a especial censurabilidade e perversidade do agente, a justificar a qualificação nos termos do artº 132º, nº 2, circunstância inominada, C.P.

8 – O acórdão em crise fundamenta e esclarece de forma satisfatória as razões da escolha da pena aplicada e da determinação da sua medida, equacionando, analisando e valorando adequadamente o grau de ilicitude dos factos, o modo de execução do crime, as circunstâncias em que foi cometido e a gravidade das suas consequências, a intensidade da culpa, bem como as exigências da prevenção, não nos parecendo, à luz dos critérios definidos nos artigos 70º e 71º, do C. Penal, bem como das finalidades das penas (artigo 40º do mesmo Código), que mereça censura o decidido, pois que qualquer reacção criminal de cariz mais acentuado não satisfaria, designadamente, a necessidade de ressocialização, de reintegração social do visado, bem como os fins, a tutela de defesa do ordenamento jurídico

9 - Por não ter violado qualquer normativo legal, nenhuma censura merece a decisão sob escrutínio.»

5. Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o proficiente parecer que se transcreve[2]:

«I Como decorre das respectivas conclusões, são as seguintes as questões submetidas a reexame:
- Prova proibida: Exames periciais, depoimentos indirectos, falta de comunicação à testemunha de que poderia recusar-se a depor;
- Contradição insanável da fundamentação ou entre fundamentação e decisão;
- Erro notório na apreciação da prova;
- Violação do princípio in dubio pro reo;
- Erro na subsunção dos factos no homicídio qualificado;
-Medida da pena.

II Respondeu o Ministério Público (3350-3358) defendendo a improcedência do recurso.
 Concluiu, nomeadamente, que embora «em julgamento os peritos tenham referido haverem consultado o processo, com possível acesso ao declarado por testemunhas que, validamente se recusaram a depor em julgamento, não se vê que daí decorra qualquer acto tido como ilegal, ou que possa determinar a invalidade das perícias…»
 «Não constitui depoimento indirecto e portanto, prova proibida, o depoimento em que a testemunha relata o que o arguido lhe disse, ainda que este, presente na audiência, não tenha prestado declarações…»
 «A testemunha …admitiu ter vivido juntamente com o arguido entre Setembro/Outubro de 2011 e Março de 2012, pelo que reportando-se os factos… a 27/28 de Agosto de 2012, facilmente se adquire que neste último período não subsistia a união de facto, encontrando-se… obrigada a depor e, consequentemente, o tribunal desonerado da comunicação da possibilidade em contrário.»
«No que tange à subsunção legal, pese embora se aceite que a utilização de um objecto contundente, por si só, não seja apto a configurar especial censurabilidade ou perversidade…, o certo é que, a conjugação de tal facto com o restante circunstancialismo a rodear o caso (situação de namoro, o local ermo em que perpetrou o homicídio, o abandono do corpo no local sem qualquer expressão de arrependimento) revelam, de facto, quadro que mantem a especial censurabilidade e perversidade do agente….»
III Nossa perspectiva
1. Do depoimento indirecto:
Refere o arguido que o «depoimento das testemunhas DD, EE, sobre o que ouviram o arguido dizer, são prova… considerada proibida, pelo que o Tribunal a quo deveria abster-se de a utilizar, devendo antes considera-la inexistente…»
 Acrescenta que «o depoimento dos agentes policiais, FF e GG, está sujeito a um regime diferente de quaisquer outras testemunhas, em virtude da proibição legal dos art.º 356.º, n.º 7 e 357.º, n.º2. Esta proibição veda o aproveitamento na audiência do depoimento do agente policial sobre declarações que ouviu dos suspeitos, arguidos, testemunhas, assistentes, ofendidos, partes civis, lesados ou quaisquer outros declarantes, quer elas tenham sido feitas antes ou depois da abertura formal do inquérito, quer o agente policial venha a ser instrutor do inquérito ou não. Desta forma, o Tribunal recorrido considerou o depoimento dos agentes policiais, sobre o que ouviram o arguido dizer, porém trata-se de prova considerada proibida, pelo que deveria abster-se de a utilizar, devendo antes considera-la como inexistente.»
1.1 Em primeiro lugar, importa referir que o arguido, no julgamento, prestou declaração de inocência, como se lê na acta, a fls. 2890.
 Vale por dizer que negou os factos constantes da acusação, não prestando quaisquer outras declarações complementares.
 Por outro lado, o arguido, submetido a interrogatório judicial em inquérito, foi informado de “De que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não prestar declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas a livre apreciação de prova.” (fls. 1320).
 E daí que o tribunal, na fundamentação da matéria de facto, se tenha legitimamente socorrido e apreciado livremente o que este declarara em interrogatório, em inquérito, de harmonia com o preceituado no artigo 357.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal.
 O mesmo sucede relativamente às testemunhas DD e EE.
 Não se olvidando que o arguido prestou declaração, negando a prática dos factos, o que abriu a porta à possibilidade das testemunhas serem ouvidas sobre declarações daquele, convirá atentar que as testemunhas, referiram que a vítima dissera (ao EE) que ia com o arguido para o Norte iniciar uma nova vida e que a partir de determinada altura receberam sms provenientes do telemóvel da mesma.
 Referiram, também, que mantiveram contacto telefónico com o arguido que lhes disse (ao DD) que a vítima “estaria numa clínica a ser tratada”, ou (ao EE) no Luxemburgo com outro homem – fls. 3047.
 Ora, a proibição de testemunho de ouvir dizer ao arguido só releva quando se invalida o direito do arguido ao silêncio.
1.2 As mesmas considerações se impõem quanto aos testemunhos de FF e GG, elementos da GNR, que em fase de investigação e a propósito do paradeiro da vítima, trocaram telefonemas com o arguido (ainda não constituído como tal) que lhes respondeu nos termos constantes de fls. 3048 e 3056.
 Importa salientar que o referido direito não tem expressão na fase de recolha de indícios. Como se disse no acórdão deste Supremo Tribunal de 15.02.2007, proc. n.º 4593, da 5.ª secção, Esta é uma fase de pura recolha de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto; as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo.
 O mesmo se dilucida no acórdão desta Alta Instância de 12.12.2013, proc. n.º 292/11.0JAFAR.E1.S1, Precisa-se, assim, que a proibição do artigo 129 do Código Penal visa os testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, mas não os depoimentos dos agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática de providências cautelares a que se refere o art. 249.º do CPP…
Nessa fase não há ainda inquérito instaurado, não há ainda arguidos constituídos.
 Como se explicitou no n.º VIII do Sumário deste acórdão, Não há qualquer impedimento ou proibição de depoimento que incida sobre aspectos, orais ou materiais, descritivos ou impressivos, narrativos ou conclusivos, que a lei não obriga a estar registados em auto ou, ainda, relativamente a diligências ou meios de obtenção de prova que tenham autonomia material e jurídica, quer quanto ao meio de prova que geram, quer quanto a afirmações não retratáveis em auto em que o arguido tenha proferido na ocasião da realização de diligências e meio de obtenção de prova.
1.3 Nada se nos oferece acrescentar ao que consta da fundamentação do acórdão da Relação relativamente à validade das perícias (Perfil Criminal, Avaliação do Risco ed Violência e Perícia Psiquiátrica), a fls. 3254 e 325, e à falta de comunicação à testemunha HH da faculdade prevista no artigo 134.º, 1, al. b), do CPP, cuja correcção é reafirmada pelo Ex. mo Procurador-Geral Adjunto, na sua resposta.
2. No que respeita à alegada contradição insanável da fundamentação ou entre fundamentação e decisão, erro notório na apreciação da prova e violação do princípio in dubio pro reo, deve-se referir que é jurisprudência solidificada desta Alta Instância que o recurso do acórdão proferido (em recurso) pela Relação, [3]agora puramente de revista – terá que visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito (com exclusão, por isso, dos eventuais «erro(s)» - das instâncias «na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa)
 O (objecto do) recurso de revista terá assim que circunscrever-se a questões «exclusivamente» de direito. Pois que... as questões «de facto» (ou delas instrumentais) deverão considerar-se definitivamente decididas pela Relação.
 Acresce que, contrariamente ao que alega, o tribunal não manifestou qualquer dúvida quanto a qualquer dos factos dados como provados, decorrendo da motivação de facto do acórdão a consistência e coerência da formação da convicção dos julgadores.
 Não ocorre, pois, violação do princípio in dubio pro reo, na vertente que poderia ser conhecida pelo STJ.
3. Cremos não oferecer dúvidas a qualificação do homicídio pelas razões constantes do acórdão recorrido a fls. 3262.
 Ainda que o aresto não tenha considerado a circunstância da alínea b), do n.º 2, do artigo 132.º, do Código Penal, por não se dar como provada a união de facto ou uma situação análoga à dos cônjuges, procedeu à qualificação pela conjugação do facto ter sido praticado contra a namorada, em lugar ermo (mata arbustiva) e com utilização de objecto contundente.
 Julgamos ser de acompanhar a fundamentação expendida.
 As situações de namoro estabelecem fortes vínculos afectivos entre as pessoas, e de confiança, acrescentamos nós. O facto de ter conduzido a namorada para um lugar ermo, colocando-a em situação de completa impossibilidade de defesa, e aí a matando, é revelador da especial censurabilidade prevista no tipo de crime.
 Na verdade, no decurso de um passeio de namoro ao Norte, o arguido, certamente pela aparente segurança que oferecia à vítima, logrou levá-la para local completamente isolado (veja-se o tempo que o cadáver ali permaneceu sem ser encontrado) onde a surpreendeu, abatendo-a com objecto contundente, indiferente à afectividade que esta lhe dedicava.
4. No que respeita à pena pelo homicídio, fixada em 21 anos de prisão, verifica-se que esta medida mostra-se inteiramente fundamentada na condensação efectuada no acórdão recorrido a fls. 3078 e 3079.
 Na verdade, mostra-se adequada à culpa do arguido, acatando os critérios fixados no art. 71.º do Cód. Penal, acautelando as exigências de prevenção geral, muito elevadas, e especial de socialização, também de grau superior, nada existindo que justifique maior redução desta.
IV Em conclusão, deverá o recurso ser julgado improcedente

6. Foi dado cumprimento ao artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, doravante CPP, nada tendo sido dito.

7. Colhidos os vistos, e por não ter sido requerida a audiência, este recurso é julgado em conferência – artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP – cumprindo decidir.
           
II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Os factos

O Tribunal do Júri, com confirmação pelo Tribunal da Relação de Guimarães, considerou provada e não provada a seguinte matéria de facto:

1.1. «MATÉRIA DE FACTO PROVADA (com relevo para a decisão)

1. Pelo menos no ano de 2010, o arguido AA era ..., trabalhando para a empresa “JJ, Lda.”, com, sede na ..., cabendo-lhe fiscalizar obras que estavam a ser realizadas no âmbito do Parque Escolar e das Câmaras Municipais.
2. Fiscalizava, entre outras, obras que estavam a ser realizadas na Escola EB-2/3 de ....
3. Em data não determinada de 2011, mas próximo do final do ano, o arguido AA encetou uma relação amorosa e trato sexual com a HH, divorciada e residente em ..., para a casa da qual o arguido foi viver, situação que se manteve por seis meses.
4. O arguido AA nunca pediu dinheiro emprestado à HH, no entanto, de vez em quando, desaparecia-lhe dinheiro de casa.
5. O arguido conheceu II e passou a relacionar-se com esta quando ainda vivia na casa de HH.
6. Nesta data, o arguido AA era titular e utilizador do telemóvel com o cartão de acesso n.º ....
7. A HH confrontou o arguido AA com aquele relacionamento, já após ter cessado o seu relacionamento com o arguido, confirmando-lho este e exibindo-lhe uma fotografia no telemóvel onde a II lhe estava a fazer sexo oral.
8. HH, pelo facto do arguido ter outras mulheres, querer que o seu filho saísse de casa e que lhe satisfizesse fantasias sexuais, a que se negava, expulsou o arguido de casa em 01 de Maio de 2012.
9. Em data não concretamente apurada, mas posterior a 01 de Maio de 2012, HH contou ao LL, companheiro da II, o relacionamento dela com o arguido AA, e recebeu mensagens escritas para o seu telemóvel, enviadas pelo arguido, cujo teor a fizeram sentir medo e receio pela sua vida e integridade física.
10. Durante o relacionamento com HH, o arguido AA apresentava-se, aparentemente, calmo, mas quando se enervava ficava muito transtornado e tomava atitudes esquisitas, como a de anunciar que se matava.
11. O arguido AA, quando ainda se encontrava na área de ..., enviou ao companheiro da II, LL, mensagens de texto via telemóvel, às quais anexava fotografias da II, com o teor seguinte: “então esta é que é a puta da tua mulher”; “é esta a mãe que queres para a tua filha”.
12. A II e LL, com quem aquela viveu em união de facto, são pais de uma filha, a ..., nascida em ....2008.
13. Uns meses antes de Agosto de 2012, em ..., o arguido AA começou relacionamento amoroso e trato sexual com a II .
14. Em 16.06.2012, às 00H03M, o arguido, através do seu telemóvel com o cartão de acesso n.º ..., enviou para o telemóvel que II usava, mensagem escrita com o teor seguinte: “E o que eu mais quero é casar e ser feliz com essa Maria”.
15. Resposta da II às 00:03 horas de 16.06.2012; “também quero ser muito feliz com os filhos e com o sr AA”.
16. Resposta do arguido à II às 00:09 horas de 16.02.2012; “Então sendo assim vamos fazer tudo para ser mos felizes os quatro. Agora vou tentar dormir amor. Dorme bem. Amo te muito. Bjs fofos”.
17. A vítima II estava convencida que o arguido a amava, que ia fazer vida em comum com ele e que de tal “família” fariam parte os seus dois filhos.
18. II tem um outro filho, ..., nascido em .....2001, fruto de uma relação anterior com ..., o qual vive com os avós paternos.
19. O relacionamento entre o arguido e a II não era desejado pela família desta.
20. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 16 de Junho de 2012, a II emprestou dinheiro ao arguido, a pedido deste.
21. Após, II reclamava, com insistência e desespero, o dinheiro que tinha emprestado ao arguido, pois ela tinha que pagar a renda de casa.
22. Assim, em 16 de Junho de 2012, a II enviou 5 (cinco) mensagens escritas para o telemóvel do arguido, entre as 13:45 e as 17:34 horas, a pedir-lhe de volta o dinheiro que lhe emprestou.
23. Às 17:14 horas de 16.06.2012, II enviou ao arguido AA mensagem escrita com o teor seguinte: “Eu juro k te mato eu quero o dinheiro agora tenho a renda para pagar es um falso mentiroso”.
24. Resposta do arguido às 18:14 horas de 16.06.2012; “Vai chatear o caralho. Não sei do que falas”.
25. II emprestou ao arguido dinheiro, no montante de, pelo menos, € 300,00.
26. A II tinha trabalho certo, como empregada de limpeza, com o último registo de remunerações datado de agosto de 2012, pela entidade empregadora “MM, SA”, de Torres Novas.
27. Numa troca de mensagens entre o arguido e II entre as 15:33 e as 16:19 horas de 17.06.2012, ela responde – “Não sabia k por amor matavas”.
28. No dia 09 de agosto de 2012, o arguido AA e II abandonam a localidade de Torres Novas, no carro utilizado e conduzido pelo arguido, veículo automóvel ligeiro, marca “Renault”, modelo “Clio”, preto, com a matrícula ...-XV, em direcção ao Minho.
29. Antes de ter abandonado Torres Novas, o que aconteceu em 09/08/2012, o arguido associava o seu cartão de acesso ... a dois equipamentos de telemóvel, um com o IMEI ... (em 05/08/2012, às 20:59:37 e 07/08/2012, às 17:25:01) e outro com o IMEI ... (em 07/08/2012, às 16:51:08) e em 11/05/2013, às 15:57:28, associou ainda o cartão ao IMEI ....
30. Por sua vez, a vítima II, também antes de ter abandonado ..., o que aconteceu em 09/08/2012 na companhia do arguido AA, tinha o seu cartão de acesso ... associado, desde 23/07/2012, ao IMEI ....
31. Ainda neste dia 09 de Agosto de 2012, o arguido alugou um quarto de casal, com casa de banho privativa, na residencial “...”, sita na Rua ....
32. Desde o dia 09 de Agosto de 2012 até ao dia 27 de Agosto de 2012, o arguido AA e II passearam por aquela zona de ... e concelhos vizinhos de ... e ....
33. II , durante o sobredito período de tempo (09 a 27 de Agosto de 2012), estabelece contactos telefónicos assíduos com familiares (mãe, padrasto, companheiro e filhos).
34. Neste período de tempo, quando usam os telemóveis, arguido e II accionam as mesmas células.
35. Nos dias 26 e 27 de Agosto de 2012, o arguido AA e II trocam entre si várias mensagens curtas de texto via telemóvel, o que significa que, aquando dos sms, não se encontravam juntos.
36. No dia 27 de Agosto de 2012, o arguido AA e a II saem juntos, durante a manhã, da residencial “...”.
37. Neste mesmo dia, 27 de Agosto de 2012, a II estabelece contactos, à noite, pela primeira vez, com os cartões ... e ..., sendo para este que estabelece, às 23:29:09, a sua última chamada (moc), accionando a célula de ... DCS2.
38. A última célula accionada na região minhota pelo arguido AA é às 02:20:48 de 28 de Agosto de 2012, identificada em .. 2.
39. Na última hora do dia 27 ou nas primeiras horas do dia 28 de Agosto de 2012, na mata arbustiva, sita no ..., o arguido AA, munido de um objecto de características não concretamente apuradas, mas de natureza contundente, fazendo uso de força, golpeou a extremidade vertebral da II, provocando a morte desta.
40. Como consequência necessária e directa da conduta do arguido, a II sentiu dores e sofreu as lesões seguintes: “lesões da quarta costela direita e terceira costela esquerda, que apresentam características de lesão perimortem, ou mais correctamente, apresentam características de produção em que o osso preservou as qualidades físicas de osso fresco (e não seco). Tais lesões produziram linhas de fractura em forma triangular (oblíqua), os bordos oblíquos/afilados da cortical e a coloração uniforma na zona de fractura (Sauer, 1988). A produção de linhas de fractura em forma triangular, é indicativa de um mecanismo de produção que envolve a dobragem das costelas ao nível do terço posterior, com força de compressão actuando na zona externa e forças de tensão actuando na zona interna (Galloway, 1999). Considerando a localização das lesões, este mecanismo configura a aplicação de uma força de natureza contundente sobre a extremidade vertebral ao nível da terceira-quarta costela, de trás para a frente”.
41. As lesões infligidas pelo arguido e ora descritas determinaram ferimentos em região vital da vítima II, que originaram, além de outras consequências, traumatismo e hemorragia (era visível e notória uma mancha escura ao nível da folhagem/matéria vegetal perecida a inerte junto ao corpo da vítima aquando do seu achamento em 04-11-2012), as quais tinham aptidão para causar, como causaram, de forma directa, necessária e adequada, a morte da vítima.
42. O arguido representou, quis e conseguiu a morte da vítima, sua companheira, II.
43. O arguido AA agiu de forma livre, deliberada e consciente, com intenção de causar a morte a II , o que veio a conseguir.
44. O arguido AA é imputável.
45. Mais sabia o arguido ser a sua conduta de provocação da morte da II proibida e punida por lei penal.
46. Neste contexto, o arguido AA apoderou-se do telemóvel e cartão de acesso ... que lhe estava associado e documentação pessoal, que se encontravam na bolsa, tudo pertença de II, passando-os para o seu domínio
47. O arguido, não querendo ser responsabilizado pela morte da sua companheira II, decidiu obstar a que tal morte fosse conhecida de terceiros.
48. O arguido escondeu o corpo da II na mata arbustiva, sita no ..., com a finalidade de não ser descoberto pelas autoridades e seguidamente abandonou o local e o corpo da II.
49. A mata arbustiva, sita no ..., no local onde o corpo de II foi encontrado é um local ermo, descampado, onde o auxílio à vítima era impensável e a sua indefesa uma realidade certa.
50. O arguido não voltou, então, à residencial “...” em ..., ali deixando toda a roupa, calçado e artigos pessoais de ambos.
51. A partir de 29/08/2012, o cartão de acesso ... da II passou a estar associado a equipamentos de telemóvel pertencentes ao AA, nomeadamente, ao IMEI ... e ao IMEI ....
52. O arguido AA abandonou ... no seu veículo automóvel, seguindo viagem em direcção à sua terra natal, concelho de ....
53. Às 13:14:35 de 28 de Agosto de 2012, o arguido liga o seu telemóvel, encontrando-se a accionar a célula de Campeã 3 (...), localidade que dista uns 20 km de ..., e termina o dia a accionar a célula de ... 1 (...).
54. Ainda no dia 28 de Agosto de 2012, o arguido AA usa o cartão de telemóvel da vítima ..., que insere em aparelhos de telemóvel seus, e estabelece contactos com terceiros, nomeadamente com o último cartão para o qual ela ligou no dia 27 de agosto (...), accionando a mesma célula quando faz uso do seu cartão - Campeã 3.
55. A partir de 28 de Agosto de 2012 associa alternada e indistintamente o cartão 927 054 604 da II, aos seus dois aparelhos de telemóvel (com os IMEIS ... e ...), estabelecendo contactos com terceiros e com familiares da vítima, aos quais mandava mensagens escritas (vulgo SMS) como se dela proviessem, isto é, fazendo crer que eram enviados pela II (nestas comunicações acciona as mesmas células que acciona quando usa o seu cartão de acesso ...), para o padrasto desta, entre os dia 02 e 18 de Outubro de 2012, com vista a não ser descoberto pelas autoridades.
56. Em 03.09.2012, pelas 19H22M, o arguido, fazendo-se passar pela II e fazendo uso do cartão de acesso que esta utilizava, com o n.º ..., enviou a DD, padrasto de II, comunicação escrita com o teor seguinte: “Eu já disse q vou aí resolver tudo isso mas por favor tenham calma brevemente vou aí de surpresa. Beijinho para o .... De ....”.
57. Nos contactos de voz que o arguido estabelece com os familiares da ofendida, refere-lhes que esta, a II o abandonou por outro indivíduo, um tal ..., emigrante no ....
58. Nas mensagens escritas de telemóvel (vulgo SMS) que o arguido manda aos familiares da II, usando o cartão desta (com o n.º 00000), fazendo-se passar por ela, o arguido dá conta disso mesmo, fazendo-lhes crer, em 08.10.2012, ao cunhado da vítima, EE, com o n.º ..., que II emigrou com o ... para o ..., onde já arranjou trabalho e que devido à vergonha que lhes causou, não sabe se volta a Portugal.
59. Em 30 de Agosto de 2012, o arguido AAs, quando contactado pelas Autoridades Policiais de ..., dá conta que a sua mulher (a vítima II), tinha sido internada de urgência no Hospital de ... e que ia ser transferida para Hospital do ..., daí ter abandonado sem aviso a residencial, propondo-se, logo que possível, a acertar contas, dando autorização para os seus pertences e da mulher (a vítima), serem guardados em outro local, libertando o quarto ao proprietário da residencial para poder realizar novo aluguer.
60. Somente mais de um mês depois de ter abandonado a residencial “...”, em 09 de Outubro de 2012, o arguido voltou àquela para acertar contas com o proprietário, levantar a sua roupa, calçado e artigos pessoais, bem como o mesmo tipo de artigos pertença da ofendida, tais como, artigos de vestuário, calçado, artigos de higiene, e saco de viagem, tudo de valor não concretamente apurado e pertença de II, objectos dos quais se apropriou, levando-os dali consigo e fazendo dos mesmos coisas suas.
61. Nesta ocasião, o arguido apresentou-se sozinho, conduzindo o seu veículo automóvel ligeiro, marca “Renault”, modelo “Clio”, preto, com a matrícula ...-XV.
62. Abandonou o local o arguido sem pagar uma dívida que tinha para com o indivíduo que explora o restaurante “...”, situado no rés-do-chão da residencial com o mesmo nome.
63. O arguido termina este dia 09 de Outubro de 2012 a accionar células de ....
64. De 09 a 13 de Maio de 2013, o arguido AA deslocou-se até à localidade de ....
65. Em 13 de Maio de 2013, o arguido deu a NN o telemóvel de marca Nokia onde a partir de 28 de Agosto de 2012 o arguido inseriu o cartão da vítima com o número ...
66. Em Agosto de 2012, quando e apesar de ainda se encontrar com a II, assim como nos meses subsequentes, já depois de esta estar morta, o arguido trocava comunicações (vulgo SMS) com as namoradas, ... e ....
67. II tinha, à data da sua morte, 32 (trinta e dois) anos de idade, não possuindo qualquer problema de saúde que pudesse levar à sua morte.
68. Por razões alheias à vontade do arguido, no dia 04 de Novembro de 2012, pelas 10H00M, o corpo da falecida II , veio a ser encontrado, em decúbito dorsal original, junto de um eucalipto de grande porte implantado numa mata e em contexto rural, localizada a cerca de 150 (cento e cinquenta) mts da EM525, à esquerda no sentido de ...; o corpo da II encontrava-se em avançado estado de decomposição/putrefacção (por acção de larvas necrófagas ainda vivas).
69. Acede-se ao sobredito local através de um caminho em terra batida, que pela sua aparência àquela data, denotava ter parco trânsito de viaturas e pessoas.
70. A camisa que a vítima II usava e a qual foi encontrada vestida no seu cadáver mantinha as mangas dobradas – vulgo arregaçadas, estando, aparentemente, intacta e sem danos visíveis, não indiciando luta/agressão.
71. Em 04.11.2012, no emaranhado de cabelo do hábito externo do corpo de II foram encontrados adornos pessoais, visíveis por serem reluzentes, tais como, brincos, em metal amarelo, presumivelmente ouro amarelo, em formato circular, e objecto dourado constituído por um conjunto de cinco artigos (corno, figa, estrela de David, quarto de lua e coração) para uso em fio de pescoço.
72. Em 26 de Março de 2015, por baixo do banco do condutor do seu veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, de cor preta, com a marca “Renault”, modelo “Clio”, com a matrícula ...-XV, estacionado na Rua ..., em frente ao n.º ..., o arguido AA tinha em seu poder, guardados, os objectos seguintes: -» 1 (uma) faca, marca “Jomafe”, com cabo em madeira, com 10 (dez) cm de lâmina; -» 1 (uma) faca, marca “Smart Cook”, com cabo em plástico, cor preta, com 11 (onze) cm lamina.
73. Os objectos acima descritos pertenciam ao arguido e eram facas de cozinha e encontravam-se em bom estado de conservação e funcionamento
74. Ao actuar da forma acima descrita, o arguido AA quis apoderar-se dos objectos que pertenciam a II , como efectivamente sucedeu, e integrá-los no seu património, não obstante saber que os mesmos lhe não pertenciam, nem a eles tinha direito, e que agia contra a vontade do seu legítimo proprietário.
75. Agindo o arguido ainda com vista a que a II não mais fosse encontrada, escondendo-a em local não apropriado para o efeito, por forma a tentar não ser responsabilizado pela sua morte.
76. Ao esconder o corpo da II, agiu o arguido AA com o objectivo de retardar ao máximo a reacção das autoridades.
77. No âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 394/01.0GCVRL, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de ..., que transitou em julgado em 22.12.2003, após confirmação pelo Supremo Tribunal de Justiça, o arguido AA foi condenado na pena única de 10 (dez) anos e 3 (três) meses de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada e detenção ilegal de arma de defesa, bem como ao pagamento de uma indemnização à vítima, no valor de € 4.500,00.
78. AA, nascido a ...-1956, é natural de ....
79. O processo de desenvolvimento psicossocial de AA decorreu em contexto familiar numeroso, sendo o mais novo de uma fratria de 6.
80. De modesta condição socioeconómica, a família subsistia dos rendimentos provenientes do exercício profissional do pai, como comerciante, na exploração de uma mercearia local, enquanto a mãe geria as lides caseiras e se dedicava à agricultura.
81. A família procurou transmitir regras e valores de orientação normativos, de promoção social através da valorização escolar e profissional, num ambiente avaliado como protector.
82. O arguido frequentou o ensino até ao grau correspondente ao actual 11º ano, iniciando vida profissional activa junto do pai.
83. No decorrer da sua vida adulta exerce funções de fiscalização, inicialmente na Direcção Geral de Saneamento Básico (serviço entretanto extinto) a que esteve vinculado durante 7 anos, com destacamento em ..., serviço público onde recebeu formação adequada ao exercício destas funções.
84. Posteriormente, AA desenvolveu funções de fiscalização de obras na Câmara de ....
85. Regista entretanto período de emigração na ... a que se segue o exercício de funções de encarregado numa empresa associada ao sector da construção civil - .... - .... SA, onde refere ter exercido funções de administrador, empresa entretanto falida.
86. No plano familiar, AA contraiu matrimónio em 15.02.1976 com BB nascendo desta união, em ...-1976, uma filha, CC
87. Manteve relacionamentos extraconjugais, em que após acções de investigação de paternidade, foram perfilhados os seus filhos ..., nascido em 1981 (a residir no ...) e ..., nascido em ...-1986 (falecido).
88. Nunca manteve contactos significativos com estes os filhos nem estes entre si.
89. No decurso do cumprimento desta pena, iniciada em 19.12.2001, ocorreu o divórcio (em 2004) mas continuou a beneficiar do apoio incondicional de BB, usufruiu de sete saídas precárias prolongadas e de regime aberto voltado para o interior, apresentando bom comportamento prisional, pelo que foi decidido, pelo Tribunal de Execução de Penas do Porto (Procº nº 2245/04.5 TXPRT), conceder-lhe liberdade condicional, em 19.10.2008, pelo período que decorreu até 19.03.2012, mediante imposição de deveres e regras de conduta.
90. AA fixou residência no Bairro ..., junto de BB, ex-cônjuge, mas com quem sempre manteve relacionamento afectivo e coabitação, incluindo no decurso das saídas precárias. A dinâmica familiar era avaliada pelo casal como harmoniosa e estável, ultrapassado o conhecimento dos relacionamentos extraconjugais de AA e a autoria e gravidade do crime.
91. AA conseguiu colocação laboral na ..., para exercer funções de fiscalização de obras em estabelecimentos do parque escolar, o que lhe permitia usufruir de uma situação económica favorável.
92. Foi colocado a trabalhar em obras localizadas na ..., cidade onde passou a residir, em local próximo do posto de trabalho, vindo a casa de morada de família aos fins-de-semana. Entretanto foi chamado a exercer funções em ... (01.02.2010) e ... (2011), sendo reportado um incidente laboral do qual resultou a sua suspensão em 2012 e posterior despedimento, passando a receber em subsídio de desemprego.
93. No decurso da liberdade condicional foram sendo mantidos contactos regulares com o libertado, com o ex-cônjuge e com a entidade patronal, concluindo-se por uma avaliação positiva da sua adesão e cumprimento da medida, extinta em 21.05.2012.
94. AA mantinha relacionamento afectivo com ... desde 2010, que conservou até à prisão. Durante o período de relacionamento, avaliado como positivo e gratificante pela companheira e seus familiares, o arguido detinha uma mobilidade significativa que justificava na sua empregabilidade regular, pelo que a permanência em Alijó (zona habitacional de ...) decorria com periodicidade quinzenal.
95. Esta companheira desconhecia a situação que avalia agora de desfavorecimento social inerente a uma situação de desemprego prolongado.
96. No período a que se reportam os factos descritos na acusação AA havia deixado de se relacionar com o ex-cônjuge, estabelecendo outros relacionamentos afectivos, cuja vinculação terá sido efémera e superficial, incluindo com a vítima no presente processo. Mantinha distanciamento de familiares (ex-cônjuge, filhos, irmã e cunhado), adoptando uma atitude defensiva/evasiva da forma como estruturava o seu quotidiano, referindo apenas viver em casa de amigas, sem as identificar.
97. Laboralmente inactivo o arguido era beneficiário do subsídio de desemprego, no valor de 682,50 €, valor com que fazia face às suas despesas fixas mensais.
98. Relativamente ao futuro, AA indicou como possibilidade de acolhimento a irmã ... e o cunhado, residentes em Gaia, familiares que negam esta possibilidade de apoio e inclusive de se deslocar à equipa ou a receber técnicos em casa, salientando o distanciamento afectivo do arguido deste núcleo familiar e adopção de um estilo de vida que avaliam como transgressivo/criminal.
99. AA, quando em liberdade, não tem assegurado qualquer projecto nem dispõe de perspectivas de emprego, prevendo requerer prestações sociais.
100. ... deu entrada no Estabelecimento Prisional do Porto, em 31.03.2015, à ordem do presente processo. Em ambiente institucional tem revelado capacidade de adaptação e cumprimento de regras.
101. Beneficia de acompanhamento clínico, na especialidade de psiquiatria, encontrando-se a frequentar o terceiro ciclo do ensino.
102. Relativamente ao presente processo, o arguido com aparente frieza emocional, tece considerações desprestigiantes sobre a eficácia da investigação policial pela fragilidade dos indícios que levaram à sua qualidade de arguido, encarando a sua prisão condicionada pela existência dos seus antecedentes criminais, acreditando apenas num desfecho positivo do mesmo.
103. Instado a reflectir sobre os seus antecedentes criminais, persiste na atitude defensiva, reservada na avaliação do desvalor das condutas por si protagonizadas e da admissão da existência de vítimas e de danos tanto para terceiros como para a sociedade em geral. Faz denotar a sua presente incapacidade de análise da sua realidade e a consequente ausência de noção da necessidade de mudança, por considerar que existem comportamentos criminais que são justificados e minimizados perante comportamentos assumidos pelas vítimas, pelo que se antecipam dificuldades no compromisso do arguido para com um conjunto de estratégias pró sociais de resolução dos seus problemas.
104. Na comunidade de origem, em ..., o arguido não possui referências familiares próximas. O conhecimento e divulgação do presente processo provocam na comunidade sinais de rejeição à sua presença.
105. AA, até à sua anterior reclusão pela prática de crime de homicídio qualificado na forma tentada, manteve um percurso profissional ajustado e integração familiar junto da família constituída, tendo entretanto ocorrido o divórcio.
106. Restituído a liberdade condicional, restabeleceu laços familiares e profissionais, mantendo em simultâneo outros relacionamentos afectivos, num quotidiano caracterizado pela elevada errância/mobilidade geográfica o que dificulta, na actualidade, a avaliação de outros factores de risco, bem como o conhecimento do seu percurso vivencial até à sua actual reclusão.
107. Apesar da crença num desfecho favorável no presente processo, encara a sua prisão como injusta, sendo crítico do funcionamento da justiça e revelando falta de ressonância normativa e de suficiente interiorização do respeito pelos direitos de terceiros.
108. A negação ou a externalização da responsabilidade, a permeabilidade a um padrão de comportamento antissocial, com natural tendência em distanciar-se da realidade de terceiros, comprometem o processo de reinserção social.
109.Realizado relatório pericial de avaliação de risco de violência e reincidência criminal por referência ao arguido, verteu-se no mesmo: “1. O arguido AA manifesta desprezo pela vida humana e possui concretos indicadores comportamentais que indicam motivação instrumental, uma capacidade de manipulação através do recurso a estratégias de comunicação que interferem com as emoções dos visados que convivem com o arguido, estratégias de poder e controlo nas situações em que sente que não domina os outros e recurso a violência letal quando as situações são sentidas como estando fora do seu controlo.
Estes indicadores remetem para a presença de traços psicopáticos.
Os comportamentos manipulativos do arguido são concretizados através de actos que envolvem pressão psicológica para com os outros e comportamentos de vitimização para influenciar os outros no sentido dos seus objectivos, geralmente a obtenção de favores sexuais e bens tangíveis.
No relacionamento interpessoal o arguido assume comportamentos com uma base motivacional instrumental em que consegue obter dos outros sobretudo dinheiro, recorrendo a comportamentos manipulativos como ameaçar suicidar-se ou outros comportamentos de vitimação que levam a que os outros façam o que ele pretende.
Instrumentaliza os outros em termos financeiros, recorrendo ainda a comportamentos coercivos para obter ganhos.
Em termos relacionais apresenta fraca vinculação com as suas parceiras, sendo estas ligações muito centradas em ganhos principalmente monetários ou sexuais.
Denota poucos indicadores de empatia para com os outros atendendo ao tipo de abordagem utilitária que possui.
Este padrão de comportamento está associado a uma forma de relacionamento instrumental com os outros o que geralmente promove interacções em que estes indivíduos apresentam uma postura autocentrada e fraca empatia para com os outros.
Isto corresponde a um comportamento manipulativo e instrumental, utilizando o âmbito das relações amorosas para obter ganhos pessoais sem apresentar qualquer tipo de remorsos relativamente ao impacto que o seu comportamento possui para as mulheres com quem possui este tipo de relacionamento.
A avaliação do comportamento criminal e a presença de importantes factores de risco de reincidência de comportamentos violento permite concluir que o arguido AA, apresenta um perfil de risco elevado de violência letal que se enquadra no comportamento criminal de homicídio.
Para esta conclusão contribuem os seguintes factores de risco de violência que correspondem ao grupo dos mais graves na explicação de possíveis ocorrências futuras de comportamentos de violência em geral e de violência letal em particular:
- A presença de indicadores elevados de psicopatia – e os níveis baixos de tratabilidade, em termos psicoterapêutico;
- A presença de história prévia de violência, neste caso já num crime de homicídio sobre a forma tentada, factor que explica igualmente o aumento do risco de reincidência criminal no presente caso;
- Fracasso das medidas de supervisão aplicadas pelo sistema de justiça perante os crimes cometidos anteriormente;
- Presença de distorções cognitivas de negação e minimização perante os actos violentos cometidos.
O arguido AA não apresenta qualquer anomalia psíquica grave que o incapacite de avaliar a ilicitude dos actos por si praticados nem de se determinar de acordo com essa avaliação, apresentando quadro psiquiátrico compatível com Transtorno de Personalidade Anormal tipo Psicopático (com traços anormais explosivos e acentuação sociopática).”

1.2. FACTOS NÃO PROVADOS
110. Que durante o relacionamento que o arguido manteve com HH, o mesmo tenha pedido a esta que lhe apresentasse amigas, o que HH tenha feito, sabendo que ele se encontrava com elas.
111.Que tenha sido HH a apresentar a II ao arguido.
112. Que a II tenha emprestado ao arguido o total estimado de €1.000,00 (mil euros), dinheiro que seria resultado das poupanças do abono do seu filho ....
113. Que a circunstância de terem trocado mensagens entre si nos dias 26 e 27 de Agosto significasse que algo na relação poderia não estar a correr de feição.
114. Que o acto de golpear dado como provado sob o n.º 39 se tenha reportado a um único golpe.
115. Que quando o arguido golpeou a II no facto dado como provado sob o n.º 39 tenha pretendido que a II não pudesse ter qualquer possibilidade de resistir.
116. Que o arguido, após golpear a vítima II, se tenha assegurado que estava morta, verificando que não respirava nem reagia.
117. Que o arguido tenha usado o aparelho de telemóvel da vítima II, que tornou seu, onde estava inserido o cartão dela a partir do dia 28 de Agosto de 2012.
118. Que quando o arguido foi contactado pelas autoridades policiais de ... desse conta que a II estava internada no Hospital de ... e que ia ser transferida para o Hospital do ....
119. Que quando o arguido foi buscar os seus pertences à residencial o Garfo o mesmo não tenha falado na II.
120. Que a deslocação a ... tenha tido como objectivo encontrar-se com a sua “namorada” NN, cidadã brasileira, que ali trabalhava num bar de alterne.
121. Que o telemóvel que o arguido ofereceu a NN tenha sido o telemóvel usado pela vítima II, um Samsung táctil, oferecido pelo seu ex-companheiro LL, em Julho de 2012, com o IMEI ... , que antes havia usado para inserir o cartão da II ... e que o arguido transportava no suporte da porta do lado do condutor do seu veículo automóvel ligeiro, marca “Renault”, modelo “Clio”, preto, com a matrícula ...-XV.
122. Que as facas apreendidas ao arguido não tivessem uso definido.
123. Que o arguido AA tenha preparado com uma antecedência razoável, de pelo menos um dia antes, todos os passos necessários até completar os procedimentos necessários a provocar a morte da II e subsequentemente, o desaparecimento do cadáver sem restarem vestígios aparentes.
124. Que para concretizar o seu propósito de matar, o arguido AA tenha tomado cuidados necessários, com vista a apanhar a vítima desprevenida, o que conseguiria, infringido o ataque (as agressões) sem que houvesse manifestação ou sinais para o exterior ou qualquer reacção da vítima.
125. Que tenha sido estalecida uma obrigação do arguido prestar alimentos ao filho, ..., no valor mensal de €150,00 (cento e cinquenta euros), que o arguido nunca pagou.
126. Que tenha sido estabelecida a obrigação do arguido prestar pensão de alimentos ao filho ..., no valor mensal de €155,00 (cento e cinquenta e cinco euros), que o arguido nunca pagou.
127. Que ao agir da forma dada como provada sob os números 47 e 48, o arguido tivesse actuado sobre o corpo já cadáver da II.
128. Que o arguido tivesse agido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade das suas condutas, ao nível da detenção das facas mencionadas nos factos dados como provados, bem como ao nível de uma actuação sobre o corpo já cadáver da II.»

2. A convicção do tribunal, relativamente à matéria de facto provada e não provada assenta na motivação cuja transcrição aqui se justifica fazer.

«A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados e não provados, alicerçou-se na apreciação crítica, conjunta e articulada dos diversos elementos probatórios produzidos e/ou analisados em sede de audiência de julgamento, desde a prova pericial (relatórios juntos aos autos e esclarecimentos prestados em sede de audiência de julgamento pelos peritos) e documental juntos aos autos, intercepções e transcrições de comunicações telefónicas, exames, até ao depoimento prestado pelo arguido, de negação singela na audiência de julgamento e as suas declarações mais vastas em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, com a credibilidade que, face aos benefícios da oralidade e da imediação, cada um mereceu, não se olvidando as regras da experiência, da lógica, normalidade e previsibilidade, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, tudo conforme o preceituado no art.º 127.º do Código de Processo Penal, sumariando-se:
Relativamente ao depoimento do arguido, constatou-se que o mesmo, em sede de audiência de julgamento, negou em singelo a autoria da morte da II, não pretendendo desenvolver as suas declarações e em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido (declarações valoráveis ao abrigo do artigo 141.º, n.º 4, al.ª b), do Código de Processo Penal), negou igualmente essa autoria, mencionando que ambos decidiram tentar uma relação de vida a dois, imputando à vítima um comportamento volátil associado à ingestão de álcool e à decisão da mesma de abandonar o arguido e comunicando-lhe, numa discoteca, que iria ficar com um indivíduo de seu nome Carlos;
No que se refere ao depoimento prestado pela testemunha ..., Inspector da Polícia Judiciária, o mesmo relatou a forma como surgiu o cadáver da II, a sua identificação e as diligências efectuadas, designadamente por referência ao que se encontra documentado nos autos;
Ouvida a perita médico-legal Dra. ..., a mesma prestou esclarecimentos quanto ao relatório médico-legal por si efectuado;
Igualmente com o depoimento prestado pelo perito Dr. ..., relativamente à perícia por si efectuada;
E idem aspas quanto ao depoimento prestado pela perita Dra. ..., no que respeita à perícia da sua lavra;
Por seu turno a testemunha DD, “padrasto” da II relatou o relacionamento entre o arguido e a II, o desagrado da família, a súbita ausência dos contactos telefónicos habituais de voz por parte da mesma e a estranha e inabitual forma como os contactos, a partir de finais de Agosto de 2012 se processaram: por sms (que o mesmo chegou a ver) e fazendo os familiares suspeitar de que não seriam enviados pela mesma, apesar de remetidos do número de telemóvel desta; declarou, igualmente, a estranheza e inabitualidade inerente de a II não ter dado os parabéns pelo aniversário de familiar próximo; fez, ainda, menção de um contacto telefónico mantido directamente com o arguido, em que este ter-lhe-ia dito que a II estaria numa clínica a ser tratada;
A testemunha EE, cunhado da II, declarou que esta lhe disse que ia para o norte iniciar uma nova vida com um homem (o arguido) e a dada altura começou a receber sms vindos do número de telemóvel da II, o que estranhou, a dizer-lhe que estava no Luxemburgo com outro homem (teria abandonado o arguido), o que lhe teria sido confirmado em contacto telefónico mantido, também, com o próprio arguido;
A testemunha LL referiu-se ao relacionamento que teve com a II e ao estranhar do comportamento da mesma após a vinda desta para o norte com o arguido, achando que haveria algo de estranho, pois não a sentia à vontade quando falavam ao telefone;
Depois, a testemunha HH relatou o género de relacionamento que manteve com o arguido, mencionando-o como uma pessoa instável quando se enervava;
Por seu turno a testemunha GG, chefe da PSP, relatou que lhe foi comunicado o “desaparecimento” da II e que entrou em contacto telefónico com o arguido, o qual comunicou-lhe que, numa noite, o arguido sentiu uma indisposição e a II saiu para lhe ir buscar um medicamento, não mais regressando, encontrando-a mais tarde nessa noite numa discoteca e onde esta lhe comunicou que estava agora com um tal de Carlos e que iria para o Luxemburgo com este;
A testemunha ... fez menção do relacionamento com o arguido, nada de relevante adiantando;
Inquirida a testemunha ..., responsável pelo restaurante da residencial onde o arguido e a II se instalaram fez menção da forma de estar do casal (referindo-se aos dois, precisamente como casal, duas pessoas juntas, envolvidas numa relação idêntica à do casamento, ou seja, numa relação análoga às dos cônjuges, assim sendo os dois reconhecidos e tratados, declarando que o arguido referia-se à II como a “sua senhora/mulher”), acrescentando que subitamente ambos desapareceram sem dar explicações e que apenas mais tarde e já depois de ter contactado com a polícia o arguido o contactou; que sobre a II o arguido teria dito que a mesma estava internada no Porto;
Por seu turno a testemunha ..., dona da residencial onde o arguido e a II se instalaram, fez menção da forma de relacionamento do casal (referindo-se aos dois, precisamente como casal, duas pessoas juntas, envolvidas numa relação idêntica à do casamento, ou seja, numa relação análoga às dos cônjuges, assim sendo os dois reconhecidos e tratados, declarando que o arguido referia-se à II como a “sua senhora/mulher”, inclusive quando pedia à testemunha para passar a ferro roupa da II), do seu súbito desaparecimento, do abandono dos seus haveres no quarto que ocupavam e de que tempos mais tarde o arguido regressou, não se recordando a testemunha sobre se o arguido fez qualquer menção da II;
A testemunha FF, ...R, declarou que foi contactado pela residencial onde o arguido e a II se havia instalado, dando-lhe conta de que os mesmos teriam deixado de aparecer, continuando o quarto ocupado com os haveres pessoais de ambos, na sequência do que contactou telefonicamente com o arguido, não tendo este atendido, deixou mensagem de voz, na sequência do que o arguido mais tarde lhe retribuiu a chamada, dando como explicação que estaria no ... com uma senhora que estava com problemas de saúde, tendo dado autorização para que os haveres que estavam no quarto da residencial fosse empacotados e assim se “libertasse” o quarto para outros clientes;
Depois a testemunha ..., ex-companheira do arguido relatou o relacionamento que teve com o arguido;
O mesmo sucedeu com a testemunha ..., a qual especificou que a dado momento “deixou de confiar” no arguido;
Também a testemunha ... relatou o género de relacionamento que manteve com o arguido, essencialmente sexual, fazendo menção de episódios de agressividade/violência física encetados pelo arguido quando esta se recusava a certas práticas sexuais, designadamente em locais isolados como matas, agressividade/violência à qual a testemunha conseguiu furtar-se fugindo do mesmo;
A testemunha ... relatou, também, o género de contactos que manteve com o arguido, inclusivamente telefónicos a partir de finais de Agosto de 2012;
Nada de relevante, para além dos contactos, designadamente telefónicos, mantidos pela mesma com o arguido, resultou do depoimento da testemunha ...;
Idem aspas quanto ao depoimento prestado pela testemunha ...;
A testemunha ... fez menção de preocupação por parte da família da II quanto à falta de contacto de voz da II e de estranheza por esta supostamente estar a contactar por sms apenas, o que não seria habitual;
A testemunha ..., colega/superiora de trabalho da II prestou depoimento quanto aos termos contratuais e profissionais da II e à postura tida pela mesma na parte final;
            Para além e complementarmente com o supra exposto, consigna-se:
            […]
            Relativamente à factualidade dada como provada:
            Os factos dados como provados sob os números 1 e 2 (ocupação laboral do arguido nas datas aí referidas) assentaram nos elementos documentais juntos a fls. 1626 a 1629 e não infirmados por nenhum outro elemento de prova.
            Os factos dados como provados sob o n.º 3 a 5, 7 a 11 (relacionamento do arguido com HH e o sucedido nesse âmbito e ainda por referência à II), foi confirmado pelo depoimento prestado por esta última, assim como, em parte, pela testemunha LL, cada um dos quais explicitando de forma credível e coerente a factualidade correspondente, nas partes respectivas com conhecimento directo.
            O facto dado como provado sob o n.º 12 (relação entre a II e LL e filha em comum), para além do que resultou das declarações prestadas pelos familiares da vítima, inquiridos em sede de julgamento (padrasto deste e companheiro LL), resultou, igualmente, do documento de fls. 1455 (assento de nascimento da filha da II e de LL, confirmando a filiação, de resto, nos termos dos artigos 1.º a 4.º e 211.º, todos do Código de Registo Civil).
            No que respeita ao facto dado como provado sob o n.º 13 (relacionamento - e início do mesmo – entre arguido e vítima), não tendo sido possível confirmar exactamente quando o mesmo teve lugar, dos depoimentos prestados pelas testemunhas supra mencionadas, HH, LL e familiares da II, confirmaram esse relacionamento e o seu início em momento anterior à data referida.
            A factualidade dada como provada sob os números 14.º a 16.º, 22.º a 24.º e ainda 27.º (mensagens de telemóvel trocadas entre o arguido e a II), resultam da documentação transcrita desses mesmos sms, constantes dos autos.
            Por inerência lógica e objectiva, os factos dados como provados sob os números 17.º, 20.º, 21.º e 25.º, em todo o caso pelo menos parcialmente comprovados pelas testemunhas inquiridos familiares/próximos da II, designadamente a testemunha Nuno Simões.
            O facto dado como provado sob o n.º 18 (outro filho da II e com quem o mesmo reside) resulta do documento de fls. 1453 (assento de nascimento do filho da II e de ..., confirmando a filiação, de resto, nos termos dos artigos 1.º a 4.º e 211.º, todos do Código de Registo Civil), bem como do depoimento prestado pelas testemunhas inquiridas familiares/próximos da II, designadamente o seu “padrasto” (companheiro da mãe da mesma), Jorge Conceição.
            O facto dado como provado sob o n.º 19 (descontentamento dos familiares da II relativamente ao relacionamento desta com o arguido), resulta, também, dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas familiares/próximos da II, designadamente do referido DD
            O facto dado como provado sob o n.º 26 (ocupação profissional da vítima), resultou designadamente do depoimento prestado pela testemunha ..., colega de trabalho da II, que demonstrou conhecimento directo e objectivo sobre tal factualidade, assim se dando a mesma como provada.
            A factualidade dada como provada sob o n.º 28.º (deslocação do arguido e da vítima para o norte), resultam dos depoimentos das testemunhas familiares/próximos da vítima, bem como dos dados de tráfego dos cartões de telemóvel do arguido e da II, que permitem aferir da sua localização, não se olvidando os depoimentos dos donos da residencial e do restaurante “...”, onde arguido e vítima se instalaram; teve-se, ainda, em consideração o elemento fotográfico constante de fls. 235.
            Os factos dados como provados sob os números 6.º, 29.º e 30.º (telemóveis e dados subjacentes) resultam dos elementos documentais juntos aos autos, designadamente de fls. 176 e da análise dos dados de tráfego dos telemóveis em apreço, não se olvidando as apreensões de telemóveis efectuadas.
            Esta mesma análise dos dados de tráfego e os depoimentos prestados pelos donos da residencial e do restaurante supra referidos lograram o convencimento da prova da factualidade assim dada sob os números 31.º a 38.º (localizações/deslocações de arguido e vítima e contactos mantidos – este último segmento também confirmado genericamente pelas testemunhas familiares próximos da vítima).
            Partimos em seguida para aquele que é o núcleo essencial da acusação e que se prende com a factualidade dada como provada sob os números 39.º a 48.º, relacionadas, de forma ora sumariada, com a morte da II, termos da mesma, sua autoria, processo causal e intenção subjacente, motivação a expor de forma, obviamente, bem mais desenvolvida.
            Neste domínio (não havendo dúvidas quanto à identificação da vítimavide o relatório pericial de identificação genética individual de fls. 558 a 561), haverá que ter em consideração, em primeira linha, os elementos probatórios reportados aos exames periciais (médico-legais – cfr. fls. 43 a 48 e 589 a 591) e esclarecimentos prestados em sede de audiência de julgamento pela Sra. Perita, Dra. ....
            Assim, dos relatórios periciais (médico-legais) efectuados e do depoimento referido resulta, de forma objectiva a constatação das lesões descritas no artigo 40.º dos factos dados como provados.
            No que respeita à forma de actuação do arguido, descrita sob o n.º 39.º e primeira parte do n.º 40.º, reportada ao golpear da extremidade vertebral da II e lesões assim consequentes, haverá que ter em consideração que pese embora o relatório pericial em apreço afirme que não é possível aferir se tais lesões foram causadas no momento antes da morte, durante a morte ou após a mesma, dúvidas não há para o tribunal, porquanto a perita em apreço assim o esclareceu em sede de audiência de julgamento, que tais lesões encontram-se relacionadas com as circunstâncias em que ocorreu a morte da II, tendo as lesões em apreço sido produzidas através de movimento/energia cinética, de trás para a frente, o que é compatível com a forma como se descreveu o processamento das lesões, ou seja, através do golpear da extremidade vertebral da II com um objecto de natureza contundente.
            Resta, no entanto, apurar, se tais lesões poderiam ter sido provocadas por outra forma; do depoimento prestado pela Sra. Perita em sede de audiência de julgamento excluímos outras hipóteses, ante ora o afastamento expresso de algumas delas pela Sra. Perita, ora pela conclusão da vasta improbabilidade respectiva; na verdade, pese embora a Sra. Perita não pretendesse afirmar de forma conclusiva uma ou outra hipótese, cotejado o seu depoimento, todas as outras ficam excluídas, com excepção da que se deu como provada; assim, salientando-se que a Sra. Perita não esteve no local onde o cadáver foi encontrado e aparentava desconhecer alguns pormenores sobre o local e quanto à forma como o cadáver se encontrava posicionado, quando confrontada com alguns dados sobre tais factos, acabou por dar um relevante contributo ao tribunal, no sentido de apurar a dinâmica em apreço; suscitou-se, em primeiro lugar, a hipótese de as lesões descritas na factualidade dada como provada no n.º 40 terem resultado da acção de animais de grande porte que sobre a II tivessem actuado, sendo que quando confrontada com a circunstância de a vítima se encontrar em posição de decúbito dorsal (deitada de barriga para cima/costas para baixo), declarou expressamente ser muito pouco provável, não estando a ver como é que tais lesões poderiam ter sido produzidas pela acção de animais de grande porte, tanto mais que tais lesões terão sido produzidas através de movimento/energia cinética, de trás para a frente, o que não é compatível com a posição em que estava a vítima, assim se excluindo esta hipótese; o mesmo se concluiu e com o mesmo fundamento, quanto à possibilidade de tais lesões terem sido produzidas pelo eventual acto de a vítima ter sido atirada para o chão (“arremessada qual saco de batatas”, como, pertinentemente, foi questionado pelo Ministério Público à Sra. Perita em audiência de julgamento); suscitou-se, ainda, a hipótese de tais lesões terem sido consequência de uma incorrecta manipulação das ossadas, todavia e conforme referido, considerando a posição de decúbito dorsal e a circunstância de as lesões terem sido provocadas através de movimento/energia cinética de trás para a frente, não resulta viável tal conclusão, sendo certo que, no âmbito da retirada/manipulação das ossadas do local, estamos a falar de profissionais com formação nessa área/actividade/acto e, em todo o caso, inexiste rigorosa e absolutamente nenhum elemento de prova carreado para os autos que nos permita concluir minimamente que tal possa ter ocorrido; da mesma forma a Sra. P... afastou a possibilidade de as lesões terem sido provocadas no âmbito de uma conduta da vítima a debater-se contra uma agressão, por exemplo, de asfixia/estrangulamento; resta, então, a hipótese de as lesões em apreço terem sido produzidas tal como vem descrito na acusação pública e tal como se deu como provado: através da agressão por trás com um objecto de natureza contundente, sendo que quando expressamente inquirida quanto a tal possibilidade, a mesma admitiu-a de forma bastante plausível, bem mais plausível que qualquer outra hipótese, tendo todas as demais sido afastadas, na sequência do que se deu o correspondente segmento factual como provado.
Depois quanto à causa de morte, a Sra. P......foi inconclusiva na indicação da mesma, ante o avançado estado de decomposição do corpo, que não lhe permitiu realizar outros exames, designadamente complementares, que lhe permitam formular uma conclusão quanto à causa de morte; não quis formular essa conclusão, mas prestou um contributo relevante no sentido de permitir ao Tribunal dar a mesma como apurada, não se podendo olvidar que, se a intervenção dos Srs. Peritos se justifica quando em causa está a necessidade de conhecimentos técnicos, designadamente científicos, como, no caso dos autos, do ponto de vista médico, não se pode olvidar, dizíamos, que, conforme resulta do entendimento preconizado no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27-04-2006, in www.dgsi.pt/jtrg, importa concluir que o Tribunal é o Peritos dos Peritos, podendo aí ler-se, com as necessárias adaptações ao caso dos autos: “No caso dos autos a função do perito é a de auxiliar do juiz tão só no que concerne à apreciação (…), não se substituindo ao juiz na avaliação (…)” dos factos; citando-se, ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-03-2009, in www.dgsi.pt/jtrc, onde se pode ler: “A prova pericial é valorada pelo julgador a três níveis: quanto à sua validade (respeitante à sua regularidade formal), quanto à matéria de facto em que se baseia a conclusão e quanto à própria conclusão. Quanto à validade, importa aferir se a prova foi produzida de acordo com a lei, ou se não foi produzida contra proibições legais e examinar se o procedimento da perícia está de acordo com normas da técnica ou da prática corrente. Com relação à matéria de facto em que se baseia a conclusão pericial, é lícito ao julgador divergir dela, sem que haja necessidade de fundamentação científica, porque não é posto em causa o juízo de carácter técnico-científico expendido pelos peritos, aos quais escapa o poder de fixação daquela matéria”, o tribunal é, pois, o perito dos peritos, sendo certo, que no caso dos autos nem sequer se diverge da perícia e depoimento respectivo, retirando-se somente, as conclusões que a perícia não retira, mas que também não afasta e que ante os esclarecimentos prestados em sede de audiência de julgamento, até reforça a conclusão do tribunal.
            Este entendimento, aplicável a toda a matéria relacionada com a prova pericial (salientando-se que é ao tribunal que incumbe concluir se há ou não homicídio e quem foi o seu autor), no que respeita à causa de morte, há que ter em consideração que – e ante, também, o que ficou exposto quanto à dinâmica das lesões – a única explicação plausível que a Sra. Perita deu para a causa da morte (e, instada expressamente pelo tribunal, declarou que não encontrou outras causas possíveis de morte!) foi, precisamente, a circunstância de, na sequência das lesões sofridas nas costelas pela vítima, ter havido complicações por via do atingir de um órgão vital e hemorragia, nenhuma outra explicação plausível tendo sido encontrada e/ou fornecida; salientaremos que a Sra. Perita foi bastante clara ao referir, por exemplo, o rompimento de uma artéria, sendo que por referência a hemorragia daí decorrente, há que considerar que inclusivamente no local onde estava o cadáver havia sinais compatíveis com a mesma: “mancha escura ao nível da folhagem/matéria vegetal junto ao corpo da vítima, aquando do seu achamento”.
            Em suma, os termos em que foi encontrado o cadáver, a sua posição, as lesões objectivamente constatadas, a dinâmica das mesmas e a exclusão das outras hipóteses possíveis e imaginadas, bem como a forte plausibilidade da única viável, tudo ponderado no quadro do contributo e auxílio decorrentes do depoimento da Sra. Perita, permite-nos concluir pela factualidade em apreço, assim se tendo dado a mesma como provada.
            Por último, mas seguramente não menos importante, quanto à autoria da morte por parte do arguido: tendo em consideração a dinâmica das lesões e todo o processo subsequente, aliado à circunstância de o arguido ser a única pessoa que estava presencialmente em contacto e a residir com a vítima na altura dos factos, a circunstância de o cartão com o número de telemóvel da vítima, depois de morta, ter sido usado no aparelho de telemóvel do arguido, fazendo-se passar pela mesma (repete-se, estando esta morta e os mortos não falam e nem mandam sms!), dando explicações por mensagens quanto ao seu alegado paradeiro, no que não era nada habitual por parte da mesma (conforme depoimentos dos seus familiares e pessoas próximas, que em sede de audiência de julgamento declararam, como, para além do mais e já referido supra, a testemunha Jorge Conceição, terem efectivamente lido esses sms), tudo pretendendo dar a aparência de que estava viva e não pretendia contactar de viva voz ou presencialmente com os seus familiares e pessoas próximas, sendo que a activação das células por via do telemóvel do arguido com o cartão da vítima, acompanham o percurso geográfico das deslocações do próprio arguido, não se podendo esquecer que o cartão de telemóvel da vítima – depois de esta estar morta – foi carregado nada mais nada menos do que através de uma conta bancária do próprio (!) arguido, ao que acresce que as declarações prestadas pelo mesmo, em sede de audiência de julgamento, negando singelamente, e em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido, detido, são totalmente incoerentes, ilógicas e destituídas de qualquer credibilidade, no seguimento de qualquer pessoa média, aliás com um mínimo de senso comum – e é a isso que se refere o princípio da livre apreciação da prova por nós no início deste capítulo enunciado – faz-nos concluir sem margem para qualquer dúvida, o que aqui se faz menção de consignar de forma bem peremptória, que o arguido foi o autor dos factos!
            De resto e debruçando-nos sobre as declarações que o arguido prestou em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, há que ter em consideração que este declarou que a II comunicou-lhe numa discoteca o rompimento da relação e a decisão de ficar com outro homem que conhecera; curiosamente, o arguido fornece esta versão, que aparece “surgida do nada” e sem qualquer lógica, inclusive sequencial, falando este, qual fait divers, de um alegado problema de “alcoolismo” da II (não mencionado sequer por rigorosa e absolutamente mais ninguém), mas segundo outros depoimentos (que, ante a fruição dos benefícios da oralidade e da imediação nos mereceram total credibilidade), ao longo do tempo e ante pessoas distintas, algumas das quais nem sequer se conhecem entre si, deu outras e distintas explicações para a ausência da II:
            - Ao padrasto da mesma (testemunha DD) disse que a mesma estava numa clínica a ser tratada;
            - Ao cunhado da mesma (testemunha EE) disse que a II estava no Luxemburgo com outro homem;
            - À PSP (testemunha GG) disse que o mesmo se sentiu indisposto, que a II saiu para comprar um medicamento, não mais voltou e mais tarde nessa noite encontrou-a numa discoteca (a 30 kms de distância!), onde esta lhe disse que conhecera outro homem e que ia com ele para o estrangeiro;
            - Ao dono do restaurante associado à residencial (testemunha ...), disse que a II estaria internado no Porto;
            - À GNR (testemunha FF) disse que o arguido estava no Porto, com uma Senhora, parecendo deixar em aberto que seria a II;
            Ora (e mesmo que se abstraia deste último item relativo ao GNR, um pouco vago), temos que perante pelo menos cinco pessoas distintas (as quatro primeiras supra referidas e o JIC em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido), o arguido deu várias e distintas explicações, em todas incoerente e nada credível, salientando-se que relativamente à versão que forneceu à PSP, fica-se até sem se saber como é que, nessa versão do arguido, saindo a II para lhe comprar um medicamento, em face de uma indisposição do mesmo, não lhe diz nada, desaparece e por estranha coincidência, o arguido acaba por encontrá-la numa discoteca onde esta lhe comunica o rompimento da relação entre ambos e a abalada para o estrangeiro com outro homem; curiosamente quem supostamente iria para o estrangeiro, nem sequer regressa à residencial para levar os seus haveres e por estranha e inexplicável coincidência, o arguido também não regressa aí, “abandonando” os seus haveres e só muito mais tarde – e depois de instado pela própria entidade policial - aí regressando.
            Tudo isto não tem explicação, não tem coerência, não tem lógica, sendo por demais evidente que o arguido mente, tentando eximir-se à responsabilidade criminal que efectivamente lhe assiste, precisamente por ser o autor dos factos.
            A versão ou versões fornecidas pelo arguido compreendem-se apenas por via de quem está em desespero de causa (repete-se, de forma totalmente incoerente e ilógica) para não ser responsabilizado por aquilo que se apurou ter sucedido: a morte da II; esta versão do arguido vai contra a plausibilidade, lógica e coerência das coisas e da vivência, absolutamente ninguém acreditando na versão do arguido, sendo que as suas declarações são livremente valoráveis por parte do tribunal.
            A propósito de todo o exposto, há, ainda, que, pertinentemente, consignar o seguinte:
            O caso dos autos não se integra num daqueles casos típicos ou clássicos em que uma pessoa mata outra e há, por exemplo, elementos de prova directos e absolutamente irrefutáveis que confirmam a autoria e o nexo causal, como testemunhas que presenciaram efectivamente o acto de matar e um relatório médico-legal de autópsia absolutamente conclusivo.
            Ora se esses elementos, efectivamente não existem, não será pela sua falta que o tribunal fica impedido de lograr a convicção do ocorrido, tanto mais que conforme entendimento tido pelo Supremo Tribunal de Justiça, é admissível inclusivamente a condenação de uma pessoa pela prática do crime de homicídio mesmo nos casos em que inexiste corpo/cadáver da vítima; veja-se, a este propósito, o Acórdão do STJ de 20-04-2006, in www.dgsi.pt/jstj, onde se pode ler: “1 - A criminalidade moderna e os meios que hoje existem para fazer desaparecer totalmente os vestígios de um cadáver impõem que não se exija um exame directo ao corpo da vítima no caso de crime que tenha como resultado ou como pressuposto a morte de outrem, sendo certo que os riscos de impunidade são acrescidos, quer por força de uma alta criminalidade de teor sofisticado, quer por força do engenho ou sorte ocasional do criminoso comum, que consiga desfazer-se da principal prova directa do seu crime. 2 - O risco de condenar alguém por homicídio sem a presença física do cadáver ou de algum vestígio material que possa seguramente certificar a morte da vítima (por exemplo, o aparecimento de um órgão vital) coloca na primeira linha a hipótese do erro judiciário. 3 - Todavia, o erro judiciário existe em qualquer caso penal e não é um exclusivo dos crimes de homicídio, pelo que não faz sentido não condenar o agente por homicídio só porque não foi examinado directamente o cadáver, como não o faz não condenar alguém por crime de violação só porque não foi possível o exame directo à vítima. 4 - Na ponderação entre os riscos da impunidade e do erro judiciário, há que optar por uma solução de compromisso que assegure simultaneamente as exigências de repressão do crime e a de presunção de inocência do condenado: no caso em que um crime tenha como elemento típico a morte da vítima (v.g., o crime de homicídio), ou como pressuposto prévio a sua morte (v.g., o crime de profanação de cadáver), a morte deve ser provada por exame pericial directo, mas, na impossibilidade de proceder a tal exame e não havendo norma legal que o imponha, devem ser admitidos outros meios de prova que indiquem "a certeza moral sobre a ocorrência do evento"; este entendimento, que até vai mais longe do que o caso dos autos, pois refere-se a um caso em que nem sequer havia cadáver, pois o mesmo nunca chegou a ser encontrado – tendo aí se confirmado a condenação do arguido pela prática do crime de homicídio, vai ao encontro do entendimento seguido por este tribunal, em que não há testemunhas directas e presenciais quanto ao acto de matar e em que o relatório de autópsia, sendo conclusivo quanto à morte, não o é quanto à causa de morte, podendo – e devendo – o tribunal socorrer-se da generalidade da demais prova para lograr a sua convicção quanto à responsabilidade do arguido, como aqui se fez, veja-se, ainda, o entendimento seguido pelo Tribunal da Relação de Guimarães de 22-10-2013, in , onde se pode ler: “Na ausência de prova directa, o tribunal pode decidir em face da prova indiciária. Porém, a prova indiciária requer, em princípio, uma pluralidade de dados indiciários plenamente provados ou absolutamente credíveis”, sendo que todos os demais elementos probatórios enunciados (comportamento posterior do arguido, contradições do mesmo, comparação dos dados de tráfego, utilização do cartão do telemóvel da vítima no aparelho telefónico do arguido, carregamento do saldo do cartão daquela através da conta bancária do arguido e depoimentos testemunhais apontam coerente e indubitavelmente, de forma bastante segura no entendimento deste tribunal, para a prova da factualidade em apreço.
            Todo o exposto - e designadamente todo o comportamento posterior do arguido - serve, igualmente, para o apuramento da factualidade inerente ao dolo, nos termos da qual era vontade e intenção, matar a II, pois que a circunstância de o arguido ter pretendido esconder o corpo da II para não ser encontrado, ter-se feito passar pela mesma no envio dos sms, tendo tido o cuidado de até carregar o cartão de telemóvel da mesma, depois de morta, através da conta bancária do próprio arguido, para ter saldo e enviar os sms referidos, o abandono da residencial em que se encontrava sem qualquer explicação, as próprias explicações que o arguido deu, inclusivamente contraditórias entre si (ora estava com um homem no Luxemburgo, ora estava internada!), revelam a exteriorização de todo um comportamento e de cuidados tidos, os quais denotam um comportamento, uma vontade e uma intenção assumidos e concretizados nos moldes e dimensões dados como apurados; permitimo-nos citar, a este propósito, o entendimento preconizado no Acórdão do STJ de 09-07-2014, in www.dgsi.pt/jstj, onde, com as necessárias adaptações se revela uma especial pertinência para o caso dos nossos autos e do reenvio determinado, se pode ler:
“ Uma outra questão suscitada prende-se com a prova do elemento subjectivo do crime imputado.
Como se referiu a afirmação da intenção (…) encerra uma conclusão sobre um facto (…).
Sem embargo da proclamação da intangibilidade de tal matéria não podemos deixar de salientar a especial sensibilidade que reveste a afirmação dum fenómeno de natureza psicológica em qualquer uma das suas vertentes (intelectual ou volitiva) (…) o qual só é detectável através dos indícios que a exprimem.
Na verdade, a constatação da existência de qualquer um dos elementos em que se decompõe o dolo tem como pressuposto uma valoração que tem de arrancar dos indícios existentes, nomeadamente o perfil da actuação do arguido e extrair das mesmas as consequências que as regras da experiência quando não as próprias leis científicas permitem. Como refere Ragués i Vallès, ao pronunciar-se sobre a prova do dolo em processo penal, na prova indiciária intervêm dois tipos de enunciados distintos que se empregam num juízo de inferência: as chamadas regras da lógica formal e as regras da experiência. Para se poder afirmar que a conclusão obtida através da prova de indícios coincide com a realidade afirma o mesmo Autor que são necessários dois pressupostos básicos e irrenunciáveis: as regras da experiência que se apliquem em termos de premissa maior devem ser enunciados para que transmitam declarações seguras, e irrefutáveis, sobe o conteúdo da referida realidade e, em segundo lugar, é necessário também que os factos provados, que se conjugam em termos de premissa menor do silogismo judiciário correspondam inteiramente à realidade.
Dentro das regras da experiência que vigoram na nossa sociedade podem identificar-se dois grandes grupos: por um lado as leis científicas e, por outro, todas aquelas ilações que não são mais do que as regras de experiência quotidiana. As primeiras formam-se a partir dos resultados obtidos pelas investigações das ciências, a que se atribui o carácter de empíricas, enquanto que as outras assentam na denominada experiência quotidiana que surge através da observação, ainda que não exclusivamente cientifica, de determinados fenómenos ou práticas e a respeito das quais se podem estabelecer consenso.
Na verdade, a máxima da experiência é uma regra que exprime aquilo que sucede na maior parte dos casos, mais precisamente é uma regra extraída de casos semelhantes. A experiência permite formular um juízo de relação entre factos, ou seja, é uma inferência que permite a afirmação que uma determinada categoria de casos é normalmente acompanhada de uma outra categoria de factos. Parte-se do pressuposto de que “em casos semelhantes existe um idêntico comportamento humano” e este relacionamento permite afirmar um facto histórico não com plena certeza mas, como afirma Tonini, como uma possibilidade mais ou menos ampla.
Tais referências, transponíveis, para toda e qualquer hipótese em que procure indagar uma afirmação de vontade subjacente à culpa, têm implícitas, na sua aplicação prática, a necessidade de afirmação que, face às concretas circunstâncias, a experiência comum, ou a experiência de vida do cidadão normal, permite a afirmação, sem qualquer dúvida, de que, quem assim actua, tem intenção (…)”.
Ora, seguindo, com as necessárias adaptações, o entendimento preconizado neste Acórdão (os sublinhados são da nossa lavra), por referência ao caso dos autos e à valoração da prova na factualidade dada como apurada, o aferimento da vontade e intenção do arguido há-de partir, para além do mais, do comportamento exteriorizado pelo mesmo, sendo manifesto, no entendimento deste tribunal, que todo o comportamento do arguido, aquando da sua prática e nas semanas/meses que se seguiram, no contexto descrito, segundo as regras da experiência, da lógica e da normalidade, permitem concluir pela factualidade dada como apurada, designadamente quanto à autoria objectiva e subjectiva por parte do arguido.
Quanto à motivação em apreço, importa, ainda ter em consideração, quanto à admissibilidade e valoração dos meios de prova, o seguinte:
As declarações do arguido são valoráveis e encontram-se sujeitas à livre apreciação por parte do tribunal, designadamente por referência às declarações por si prestadas em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido e/ou em sede de julgamento, conforme decorre do teor do artigo 141.º, n.º 4, al.ª b), do Código de Processo Penal e 343.º, do mesmo Código, sendo que, conforme exposto por Ana Maria Barata de Brito, Juíza Desembargadora, no Curso de temas do Direito Penal e Processual Penal, CEJ, Maio de 2013: “As declarações de arguido, meio de defesa por excelência, são também um meio de prova. Foi essa a opção do legislador na disciplina do art. 344º do CPP. Ao ter optado por abandonar uma defesa de nada dizer, as declarações do arguido passaram a integrar o conjunto das provas livremente valoráveis, de acordo com o princípio da aquisição processual, sendo que o Supremo Tribunal de Justiça considerou, já – vide o Acórdão de 12-03-2009, Relator Santos Cabral – a possibilidade de condenação de arguido com fundamento na “apresentação de uma versão inverídica pelo arguido”.
Depois as conversas tidas pelo arguido com terceiros são igualmente valoráveis, agora na perspectiva da valoração da prova testemunhal respeitante a quem relata o que ouviu do arguido, seja por referência aos familiares da II, não comportando nada de anómalo do ponto de vista processual, seja por referência aos elementos das forças policiais que informalmente o contactaram e obtiveram respostas, sendo certo que, ante o contacto informal, o arguido nem sequer era obrigado a colaborar, mas optou por fazê-lo (e num dos casos até de forma mais do que espontânea, respondendo a uma mensagem de voz que lhe fora deixada), salientando-se que no âmbito de todas essas conversas, o arguido não só não era arguido como nem sequer se sabia se havia crime, já que o cadáver da II nem sequer havido sido encontrado.
No sentido do exposto, vide, entre outros, no respectivo sítio electrónico, os Acórdãos do STJ 15-02-2007, Relação de Évora de 04-06-2013, Relação de Coimbra de 11-09-2013, aqui se podendo ler: “Tendo o arguido relatado, espontaneamente, a órgão de polícia criminal, antes da existência de processo e, consequentemente, em momento anterior ao da constituição do primeiro na dita qualidade, o acto de condução em estado de embriaguez que praticou, a valoração do depoimento do segundo, ao narrar, em audiência de julgamento, o acima descrito, não viola qualquer norma processual penal, nomeadamente o disposto nos arts. 356º, n.º 7, do CPP”, da mesma Relação de Coimbra, datado de 18-06-2014: “(…) uma testemunha - agente da PSP - que em audiência de julgamento depõe relatando o que lhe foi transmitido pelo “futuro” arguido, não profere um depoimento indirecto, antes sendo algo que aquele ouviu directamente da sua boca, de viva voz; E um tal depoimento constitui prova que é legalmente admissível, sendo valorado dentro da livre apreciação pelo Tribunal, nos termos do art. 127 CPP.”; ainda o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-06-2015.
Tudo ponderado, tendo em consideração que a apreciação da prova deverá conduzir a uma reconstituição fáctico-histórica do ocorrido, tendo em consideração vectores de lógica, coerência, previsibilidade e normalidade (cfr., também, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-09-2015, in www.dgsi.pt/jtrp), assim como o tribunal não é um mero depositário de depoimentos e de outros meios de prova, competindo-lhe conjugá-los e concluir pelos termos da sua valoração (vide o muito recente Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães datado de 21-11-2016 no âmbito do recurso do processo n.º 638/15.1JABRG-2, tendo o Acórdão então recorrido sido da lavra deste tribunal, por referência ao colectivo a que então presidiu o ora primeiro signatário), ainda Maia Gonçalves, no seu Código de Processo Penal Anotado, 16.º Edição e da Relação do Porto, o Acórdão de 09-12-2015, in wwwdgsi.pt/jtrp, que consignou que “I - A prova não pode ser analisada de forma compartimentada, segmentada, atomizada, mas, ao invés, dever ser valorada na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou hominis que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção. II – A convicção do tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto como em prova indiciária da qual se infere o facto probando. III – É legítimo o recurso a presunções simples ou naturais, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei [Art. 125º, do CPP e Art. 349º e 351º do Código Civil]. IV – As provas não têm forçosamente que criar no espírito do julgador uma absoluta certeza dos factos a provar – certeza essa que, muitas vezes, seria impossível, ou quase impossível de alcançar. O que é necessário é que as mesmas indiquem um grau de probabilidade tão elevado que se baste como certeza possível para as necessidades da vida, de forma a se poder concluir, sem dúvida razoável, que um indivíduo praticou determinados factos.”
Na conjugação de todos os enunciados vectores, ultrapassou o tribunal o princípio da presunção de inocência do arguido e concluiu, para além de qualquer dúvida, o que aqui se faz questão de consignar, pela prova dos factos objectivos e subjectivos nucleares da autoria do crime de homicídio a que, no fundo, corresponde todo o segmento ora analisado, toda a prova apontando de forma harmoniosa nesse sentido, inclusive as declarações do arguido, ante a sua incoerência e falta de credibilidade.
            Menção, ainda, no que se refere ao segmento factual dado como provado reportado ao local onde decorreu a morte da II (na mata onde o corpo foi encontrado), importará ter em consideração que tendo em consideração a posição de decúbito dorsal em que a vítima se encontrava, a existência de sinais de hemorragia na vegetação junto ao corpo encontrado e relevantemente ponderando que o exame efectuado ao veículo automóvel não detectou ADN (sangue) da vítima II (cfr. fls. 930), levam-nos a concluir que a agressão e morte da mesma terá ocorrido na mata em apreço e não em local diverso.
            Prosseguindo com a demais factualidade dada como provada:
            Relativamente à factualidade dada como provada sob o número 49.º (características da mata arbustiva) resultou do depoimento da testemunha H....., Inspector da PJ que acompanhou o caso, bem como dos elementos documentais constantes de fls. 13 a 20.
            Por seu turno a factualidade dada como provada sob o n.º 50.º (não ter o arguido então regressado à residencial), tal resultou dos depoimentos prestados pelos donos da Residencial e do Restaurante “O Garfo”, que objectivamente demonstraram tal facto, fazendo menção da ausência do arguido (e da vítima) e de que o quarto estava ocupado com os seus haveres, não sendo liberto para ser ocupado por outros clientes, o que inclusivamente lhes provocaria prejuízo.
            Os factos dados como provados sob os números 51.º a 58.º, resultam em grande parte dos dados de tráfego dos telemóveis juntos aos autos e ainda dos depoimentos prestados nos autos, designadamente dos familiares/próximos da II, que dão conta dos contactos mantidos no que diz respeito aos mesmos e teor respectivo.
            O facto dado como provado sob o n.º 59.º (contacto e teor do mesmo entre o arguido e a entidade policial a propósito do paradeiro da II e do que fazer quanto ao quarto da residencial) resultou do depoimento prestado pela testemunha FF, elemento policial de ..., que o confirmou.
            Relativamente à factualidade dada como provada sob os números 60.º a 62.º (termos do regresso bastante posterior do arguido à residencial), teve-se em consideração os depoimentos prestados pelas testemunhas donos da Residencial e Restaurante, que confirmaram a mesma.
            Depois, no que se refere à factualidade dada como provada sob os números 63.º e 64.º (localização do arguido e accionar de células telefónicas), tal resulta da análise documental e informativa a esse nível efectuada, constante dos autos, não se olvidando o depoimento prestado pela testemunha ..., Inspector da Polícia Judiciária que acompanhou o caso e explicou, para além do mais, as diligências nesse contexto efectuadas.
            O facto dado como provado sob o n.º 65.º (oferta de telemóvel por parte do arguido à NN) resulta da documentação reportada às transcrições das intercepções telefónicas realizadas, não se olvidando a apreensão constante de fls. 360 e 361.
            A análise dos dados de tráfego permitiu dar como provada a factualidade levada ao n.º 66.º.
            O facto dado como provado sob o n.º 67.º (idade da vítima e saúde da mesma), resultam dos depoimentos das pessoas próximas da mesma, designadamente seus familiares, não se olvidando o relatório pericial e esclarecimentos prestados por referência a tal matéria.
            O depoimento da testemunha ..., Inspector da Polícia Judiciária, que, conforme referido, acompanhou o caso, e os relatórios e elementos documentais constantes de fls. 13 a 20, bem como os relatórios médico-legais, objectivamente comprovam a factualidade dada como provada sob os números 68.º a 71.º (descoberta do corpo da vítima e objectos da mesma, estado do corpo/cadáver e configuração do local).
            A factualidade dada como apurada sob os artigos 72.º e 73.º (facas apreendidas ao arguido), resultou das buscas e apreensões, constantes de fls. 1302 e 1303, bem como do exame efectuado a tais objectos, constantes de fls. 1793.
            O facto dado como provado sob o n.º 74 (apropriação dos objectos e demais factualidade inerente), resulta desde logo da análise das declarações prestadas pelo próprio arguido em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, onde admitiu essa integração no seu domínio.
            Os factos dados como provados sob os números 75 e 76 (esconder do corpo da II) resultam da análise dos depoimentos, designadamente do Sr. Inspector da PJ, ... e por inerência das condições do local e termos em que a vítima foi encontrada, já dadas como provadas anteriormente, tudo a apontar para uma situação em que intencionalmente se visou o escondimento em apreço.
            O facto dado como provado sob o n.º 77 (antecedente criminal do arguido por referência a uma condenação pela prática do crime de tentativa de crime de homicídio qualificado), resulta do registo criminal do mesmo (cfr. fls. 2879 a 2882) e do elemento documental reportado a certidão do processo a que esse antecedente criminal se refere (cfr. fls. 828 a 924).
            Depois os factos dados como provados sob os números 78.º a 108, teve-se em consideração o teor do relatório social, constante de fls. 2418 a 2422 e quanto à factualidade dada como provada sob o n.º 109, reportando-se ao teor transcrito de uma perícia, teve-se em consideração a mesma, constante de fls. 1779 a 1792, tudo a confirma a dita factualidade, não se olvidando os esclarecimentos prestados nesse âmbito em sede de audiência de julgamento.
[…]
No que respeita à factualidade dada como não provada:
Os factos dados como não provados resultam, no essencial, da circunstância de nenhum elemento de prova confirmar os mesmos de forma suficiente e objectiva, não sendo comprovados por elementos documentais, periciais ou depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento.
Assim sucedeu com os factos dados como não provados sob os números 110 e 111 (reportados à interacção aí descrita entre HH e arguido, nem sequer a própria HH aí referida confirmando os correspondentes factos), 112 (empréstimo daquela concreta e exacta quantia de dinheiro - não confirmado por nenhuma testemunha ou elemento documental), 113 (facto conclusivo e, em todo o caso, não confirmado por nenhum elemento de prova), 114 (que o acto de golpear tivesse sido um – aqui se esclarecendo que o sentido e alcance é o de que o golpe tivesse sido, como se refere na acusação, apenas um único, nada confirmando que tenha sido efectivamente apenas um único golpe, pelo contrário, sendo até sugerido pela perita médico-legal que tivessem sido pelo menos dois, termos em que se deu como não provado o que vinha na acusação pública – um golpe); igualmente nenhum elemento de prova confirma o facto dado como não provado sob o n.º 115 (incapacidade de resistência da vítima – pois o que o mesmo pretendia com o golpear, conforme factualidade dada como provada, era mesmo provocar a morte daquela); da mesma forma nenhum elemento de prova confirma o facto dado como não provado sob o n.º 116 (confirmação por parte do arguido da morte da vítima), aqui se esclarecendo que o sentido e alcance deste segmento factual se reporta ao concreto acto de confirmação da morte, o que não é incompatível como desígnio e ocorrência da morte em si, pois uma pessoa pode matar e não se dar ao trabalho de confirmar o resultado por si pretendido); nada confirma, designadamente prova documental ou pericial, o facto dado como não provado sob o n.º 117 (utilização do aparelho de telemóvel da vítima); a prova testemunhal produzida também não confirmou o facto dado como não provado sob o n.º 118 (explicação dada pelo arguido aí mencionada); o facto dado como não provado sob o n.º 119 (não ter o arguido falado da II quando regressou, mais tarde, à residencial), não só não resulta comprovado, como até resulta desmentido pelo depoimento das testemunhas que laboram naquela residencial, designadamente no restaurante, termos em que se deu o segmento respectivo como não provado; nenhum elemento probatório, designadamente testemunhal, confirmou o facto dado como não provado sob o n.º 120.º (interacção entre o arguido e a aí referida NN nos termos aí mencionados), o mesmo sucedendo com o facto dado como não provado sob o n.º 121.º, de resto também não confirmado por prova documental ou pericial (telemóvel aí mencionado, salientando-se que das intercepções telefónicas realizadas e do depoimento da testemunha ..., resulta que o telemóvel que o arguido deu à NN não foi o mencionado neste segmento mas um outro); o facto dado como não provado sob o n.º 122 (uso não definido das facas) resulta desmentido pela própria apreensão e exame a tais objectos, termos em que se deu o mesmo como não provado; o facto dado como não provado sob o n.º 123 (premeditação) resulta da circunstância de nenhum elemento de prova o confirmar, sugerindo-se até o oposto, pois conforme depoimento prestado pela testemunha ... (com quem o arguido se relacionou sexualmente), os actos de fúria/violência eram súbitos e, conforme depoimento prestado em sede de audiência de julgamento pelo Perito, Dr. ..., nestes casos, basta um simples “não” da parte de quem interage com o arguido para despoletar os actos de violência do mesmo, destituído que é de alma (“desalmado” foi a palavra utilizada pelo mesmo), pelo que resulta não provada a premeditação; depois relativamente ao facto dado como não provado sob o n.º 124 (termos do ataque à vítima por parte do arguido), nenhum elemento de prova permitiu a constatação do segmento em apreço, pelo que se deu o mesmo como não provado; a factualidade dada como não provada sob os números 125 e 126 resulta da circunstância de rigorosa e absolutamente nenhum elemento de prova mínimo, designadamente documental ou testemunhal, ter confirmado tal factualidade; a factualidade dada como não provada sob o número 127 não resultou, igualmente, confirmada por qualquer elemento de prova, salientando-se, relativamente à circunstância de se ter dado como não provado que a actuação do arguido aí descrita relativamente à II, designadamente ao esconder o corpo da mesma, que fosse já cadáver, ou seja, que esta estivesse efectivamente morta, prende-se com a circunstância de nenhum elemento de prova (designadamente pericial) permitir a confirmação de que nessa altura esta estivesse já e efectivamente morta, podendo dar-se o caso de a mesma estar, ainda, em processo de morte, expressamente se consignando que o segmento factual ora sob análise se reporta à parte respeitante ao crime de profanação de cadáver, pelo que é por referência a este que a motivação em apreço deverá ser interpretada; por último, nenhum elemento de prova produzido em sede de audiência de julgamento confirmou a factualidade dada como não provada sob o n.º 128.»


3. Questões propostas a reapreciação e decisão

         Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP – e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior

Como resulta das conclusões do recurso, onde o recorrente resume as razões de divergência com o deliberado pelo Tribunal recorrido, as questões propostas a reapreciação por este Supremo Tribunal, são as seguintes:

- Prova proibida - exames periciais, depoimentos indirectos, falta de comunicação à testemunha HH de que poderia recusar-se a depor;
- Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
- Erro notório na apreciação da prova;
- Violação do princípio in dúbio pro reo:
- Erro na subsunção dos factos no homicídio qualificado;
- Medida da pena.


4. Apreciação

Avancemos para a apreciação destas questões controvertidas, iniciando tal tarefa com a análise das que se reportam à alegada contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova.

4.1. Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova

Invoca o recorrente os vícios da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova, vícios contemplados no artigo 410.º, n.º 2, alíneas a) e c), do CPP.

Como se refere no acórdão de 02-03-2016, proferido no processo n.º 81/12.4GCBNV.L1.S1- 3.ª Secção[4], relatado pelo ora relator, o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, conforme dispõe o artigo 434.º do CPP, somente reaprecia matéria de direito, sem prejuízo do conhecimento (oficioso) dos vícios previstos no artigo 410.º, n.os 2, alíneas a) a c), e 3, do CPP.
Desta feita, ao Supremo Tribunal de Justiça está-lhe vedado proceder à análise crítica da prova testemunhal ou documental produzida nos autos, substituindo-se às instâncias na valoração dos meios de prova e na fixação da matéria de facto provada e não provada. Veja-se neste sentido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-12-2006 (Proc. n.º 4356/06 - 5.ª Secção):
«I. Tendo os recorrentes ao seu dispor a Relação para discutir a decisão de facto do tribunal colectivo, vedado lhes ficará pedir ao Supremo Tribunal a reapreciação da decisão de facto tomada pela Relação. II. E isso porque a competência das Relações, quanto ao conhecimento de facto, esgota os poderes de cognição dos tribunais sobre tal matéria, não podendo pretender-se colmatar o eventual mau uso do poder de fazer actuar aquela competência, reeditando-se no STJ pretensões pertinentes à decisão de facto que lhe são estranhas, pois se hão-de haver como precludidas todas as razões quanto a tal decisão invocadas perante a Relação, bem como as que o poderiam ter sido.»

Como se lê nos acórdãos deste Supremo Tribunal de 09-06-2010 (Proc. n.º 1/05.2GCMTS.P1.S1 – 3.ª Secção), e de 18-06-2014 (Proc. n.º 659/06.5GACSC.L1.S1 – 3.ª Secção), do mesmo Ex.mo Relator (Cons. Oliveira Mendes), o recurso da matéria de facto, ainda que circunscrito à arguição dos vícios previstos nas alíneas a), b) e c) do artigo 410.º do CPP, tem de ser dirigido ao tribunal da Relação e que da decisão desta instância de recurso, quanto a tal vertente, não é admissível recurso para o STJ, pois o conhecimento daqueles vícios, constituindo actividade de sindicação da matéria de facto, excede os poderes de cognição do STJ, enquanto tribunal de revista. O STJ, todavia, não está impedido de conhecer aqueles vícios, por iniciativa própria, nos circunscritos casos em que a sua ocorrência torne impossível decisão da causa, assim evitando uma decisão de direito alicerçada em matéria de facto manifestamente insuficiente, visivelmente contraditória ou viciada por erro notório de apreciação.

Este Supremo Tribunal tem afirmado repetidamente que, decidido o recurso pela Relação, ficam esgotados os poderes de apreciação da matéria de facto, tornando-se esta definitivamente adquirida, salvo se ocorrer algum dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, de que o Supremo Tribunal de Justiça deva conhecer oficiosamente.

Como igualmente se tem considerado, os vícios elencados no artigo 410.º, n.º 2, do CPP pertinem à matéria de facto. Constituem anomalias decisórias ao nível da confecção da sentença, circunscritos à matéria de facto, apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito (acórdão do STJ de 08-11-2006, proferido no processo n.º 3102/06 – 3.ª Secção).

Tem-se entendido, pois, de modo pacífico, que os vícios previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º do CPP não podem constituir objecto do recurso de revista a interpor para o Supremo Tribunal de Justiça e que este tribunal deles somente conhece ex oficio, quando constatar que a decisão recorrida, devido aos vícios que denota ao nível da matéria de facto, inviabiliza a correcta aplicação do direito ao caso sub judice[5].

Posto isto, não é admissível um recurso interposto de um acórdão proferido pelo Tribunal da Relação para este Supremo Tribunal, na parte em que convoca a reapreciação da decisão proferida sobre matéria de facto, quer em termos amplos, quer por erro de julgamento (erro na apreciação da prova), quer no quadro dos vícios do artigo 410.º do CPP.

Impõe-se apenas conhecer oficiosamente dos vícios do artigo 410.º, n.os 2 e 3 do CPP, porque o conhecimento destes vícios não constitui mais do que uma válvula de segurança a utilizar naquelas situações em que não seja possível tomar uma decisão (ou uma decisão correcta e rigorosa) sobre a questão de direito, por a matéria de facto se revelar ostensivamente insuficiente, por se fundar em manifesto erro de apreciação ou ainda por assentar em premissas que se mostram contraditórias e por fim quanto se verifiquem nulidades que não se devam considerar sanadas.

Em face do exposto, há que rejeitar o recurso no segmento em que o recorrente invoca os vícios da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e do erro notório na apreciação da prova, consignando-se ser patente que o acórdão recorrido não enferma de tais vícios.


Perante os vícios que o recorrente invoca, cumpre dizer que a contradição insanável - vício previsto pela alínea b) do n.º 2 do art. 410.º do CPP – verifica-se quando não possa ser ultrapassada ainda que com recurso ao contexto da decisão no seu todo ou às regras da experiência comum – da fundamentação - quando se dá como provado e não provado determinado facto, quando ao mesmo tempo se afirma ou nega a mesma coisa, quando simultaneamente se dão como assentes factos contraditórios, e ainda quando se estabelece confronto insuperável e contraditório entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, quando a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão.

Quanto ao vício previsto pela alínea c) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, o mesmo verifica-se quando, partindo do texto da decisão recorrida, a matéria de facto considerada provada e não provada pelo tribunal a quo, atenta, de forma notória, evidente ou manifesta, contra as regras da experiência comum, avaliadas de acordo com o padrão do homem médio. É um vício intrínseco da sentença, isto é, que há-de resultar do texto da decisão recorrida, de tal forma que, lendo-o, logo o cidadão comum se dê conta que os fundamentos são contraditórios entre si, ou com a decisão tomada.

Este vício é caracterizado no acórdão deste Supremo Tribunal de 04-07-2013, proferido no processo n.º 1243/10.4PAALM.L1.S1 – 3.ª Secção, em termos que interessa apreender.

«O erro notório na apreciação da prova – lê-se ali – comporta a uma definição que se não se afasta do facto notório, da notoriedade relevante no direito, enquanto realidade de todos conhecida e por isso não carente de alegação e prova, impondo-se ao julgador, vício aqui circunscrito aos termos da decisão e sempre que se dê como assente algo que forçosamente, não podia ter ocorrido, que a lógica comum repudia, de tão evidente que assim é, perceptível pelo cidadão comum, sem formação qualificada, a uma análise perfunctória, sem esforço

O vício é prefigurável quando se depara ter sido usado um processo racional, mas retirando-se de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária, absurda; a prova produzida não pode, sob pena de atropelo das mais elementares regras da lógica, conduzir ao resultado factual assente, mercê de uma incongruência lógica, ela também, ofensiva de princípios ou leis formulados cientificamente, nomeadamente das ciências da natureza e das ciências físicas, – cfr. Acs . do STJ, de 3.7.2002, P.º n.º 1748/02 e de 10.2.2005, P.º n.º 3207 /04 -5.ª Sec. e de 20.04.2006.

O tribunal dissociou-se, então, numa análise simples, na confecção decisória, da harmonia e da conciliação que entre os seus termos deverão imperar».

Da leitura dos termos da decisão, não ressalta qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, tal como se não observa o alegado erro notório na apreciação da prova.

A matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido é suficiente para fundamentar a condenação do arguido não se detectando os vícios invocados pelo recorrente. Quanto ao alegado erro notório na apreciação da prova, há que enfatizar que as provas evidenciadas pela simples leitura do texto da decisão recorrida revelam um sentido que a decisão respeitou, sem quaisquer distorções de ordem lógica entre os factos provados ou descoordenações factuais patentes.

Conforme se elucida no acórdão deste Supremo Tribunal de 12-03-2015, proferido no processo n.º 724/01.5SWLSB.L1.S1 - 3.ª Secção:
 
«O erro notório na apreciação da prova só ocorre quando se retira de um facto dado como provado, algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou, quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, notoriamente violadora das regras da experiência comum e da lógica, que ressalta à vista de qualquer pessoa de formação média, perante a simples leitura da decisão recorrida. O recorrente impugna a convicção do tribunal, com a valoração feita das provas, mas tal desiderato não se confunde com os vícios do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, que têm de resultar do texto da decisão recorrida, ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, sem recurso a quaisquer elementos exteriores à decisão. Erro de julgamento sobre valoração das provas só em recurso da matéria de facto pode ser questionado. Sendo que o tribunal competente para a apreciação do facto é exclusivamente o Tribunal da Relação, como resulta do disposto no artigo 428.º do CPP.»

Reafirmando considerações já expostas, os vícios contemplados no artigo 410.º, n.º 2, do CPP não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, no respeito pelos princípios da imediação e da livre apreciação da prova.
Assim, o que releva, necessariamente, é a convicção que o tribunal forme perante as provas produzidas em audiência, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função do controlo ínsita na identificação dos vícios daquele preceito legal, a convicção pessoalmente formada pelo recorrente e que ele próprio alcançou sobre os factos».

A discordância entre o que o recorrente entende que deveria ter sido dado como provado e o que na realidade o foi pelo tribunal a quo, não se enquadra no vício de que vimos tratando, tal como está na nossa lei estruturado, pelo que, se existe uma discordância, face aos elementos de prova apreciados, entre aquilo que foi dado como provado e aquilo que a recorrente entende não ter resultado da prova produzida – ou que devia ter ficado provado – já estamos no domínio da livre apreciação da prova e não no do erro notório na sua apreciação.

A eleição de certos factos provados em detrimento de outros não é sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, como justamente é lembrado no citado acórdão de 04-07-2013.

Conhecendo o princípio da livre convicção, nos termos já descritos, como um dos limites a prova tarifada ou vinculada, convoca-se o trecho do acórdão recorrido em que a questão, que o recorrente já suscitara, é examinada:

«Questão que o recorrente põe de seguida é a da causa da morte, com um relatório de autópsia omisso nesta matéria, por não a conseguir ter apurado cientificamente.
            E problematiza:
- se a falecida foi agredida com um objecto de natureza contundente de trás para a frente, porque está em decúbito dorsal, já que assim teria caído de frente?
- podia a vítima ter problemas de saúde, ter morrido de causa natural, ocorrendo as  lesões constantes dos relatórios periciais após a morte, no manuseamento do corpo, das ossadas, por alguém que passou na mata, por quem as encontrou ou até, pelos peritos;
- pode até ter havido um acidente.
            Do que retira não poder o Tribunal de Júri ir além do relatório pericial, por esta não ser matéria de livre apreciação (Art.º 127º C.P.P.) e dado o disposto no art.º 163º/1 C.P.P.
            Que dizer?
            Em primeiro lugar, que a matéria referente à causa da morte não é de prova tarifada e limitada à autópsia.
            Com efeito, nos autos o relatório final de autópsia de fls. 589/591vº continua a não poder esclarecer a causa e circunstâncias da morte, o que aliás coincidiu com os esclarecimentos prestados em audiência pela Sr.ª Dr.ª ..., perita médica que a realizou.
            Mas, isso não obsta a que possa ser completada por outros meios de prova ou até contrariada pelo julgador, desde que também baseado em critérios científicos (art.º 163º/1 C.P.P.)  – no mesmo sentido, Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, 2º Vol., Ed. Verbo, 1 993, fls. 153/154.
            Não há pois, quanto a esta questão, um sistema de prova tarifada, nem o relatório de autópsia constitui prova absoluta, do que refere.
            Pelo contrário, pode ser complementado com outros meios de prova.
            No caso contrário, é o próprio comportamento do arguido, que descarta a morte por causa natural ou até por acidente.
            Porquê então o arguido apossar-se do telemóvel da vítima e mandar sms`s como se esta fosse, aos seus familiares, referindo que estava bem, no ... – e sabe-se que o seu cartão foi utilizado pelo arguido em dois dos seus telemóveis e que as antenas BTS`s utilizadas foram da zona de ..., local onde morava o arguido.
            Porquê, o arguido dizer a uns que estava com a sua Companheira doente, no ... (casos de ..., padrasto da mesma e ..., da G.N.R. de ..., a quem ... dono da “Residencial ...” recorreu e de LL, Companheiro da vítima – neste caso em ...) e a outros, nomeadamente pelos referidos sms`s, que a mesma teria fugido para o Luxemburgo, com um tal de “...” (casos de ..., Cunhado da vítima, de GG, Chefe da P.S.P. de ... e de ..., Irmã da vítima, que viu mensagens enviadas aos Pais)?
            Porquê o arguido, no dia seguinte a estes factos deixar a Residencial com a roupa que lá estava e voltar apenas dias depois, recolher a roupa de ambos, já sem a vítima – cfr. depoimentos de ..., dono da “Residencial ...” e mulher ..., que ali trabalha também.
            Porquê o arguido ter-se apoderado do cartão de telemóvel da vítima, mandando sms`s como se fosse ela e que acabaram, no exacto dia em que foi noticiado o aparecimento do cadáver – como resulta dos dados de tráfego recebidos, em que o cartão da vítima é usado num telemóvel (I.M.E.I.) do arguido?
            Ora, é todo este comportamento errático por parte do arguido, que acompanhava a vítima, que afasta qualquer morte por acidente ou causa natural, denunciando a sua implicação na morte da mesma e a sua etiologia homicida.
            Quanto à outra questão posta, dir-se-á que numa pancada de trás para a frente nas costas, não é obrigatório que se caia logo, de “barriga para baixo”. É que a queda pode não ser logo após a pancada, podendo a vítima ainda cambalear ou rebolar-se, no chão.
            Não há testemunhas ou provas directas do homicídio. Mas há todos estes indícios, toda esta prova indiciária ou indirecta, que congrega suspeitas para a actuação do arguido. A propósito da “prova indirecta” escreveu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22/10/2 013 que,
  “a prova indirecta funda-se em presunções naturais, ou seja, ilações                             que, com base nas regras da experiência se retiram de um facto                             conhecido, para firmar um facto desconhecido”, em www.dgsi.pt.
            Ora, é isto que ocorre no nosso caso concreto. Temos vários comportamentos do arguido que, no seu todo, apontam para a sua participação numa morte que não foi natural, mas de etiologia homicida – embora disso não haja prova directa. Mas, por ilação e segundo as regras da experiência, vários indícios apontam para aí, chegando-se a um grau de certeza, por inferência.
            Surge então, a questão da “causa da morte”.
            Apontando-se para um homicídio, a causa da morte tinha de basear-se nas únicas lesões traumáticas visíveis ao nível das costelas, para com elas se justificar uma causa de morte.
            Porque estavam em causa fracturas da 2ª e 3ª costela junto da coluna, produzidas por objecto contundente, o Tribunal deu como provado que a morte decorreu daquelas lesões traumáticas e hemorragia, já que era visível e notória uma mancha escura, ao nível da folhagem/matéria vegetal, que estava junto do corpo da vítima, quando do seu aparecimento – aliás, na sequência de possível causa de morte adiantada pela perita, Sr.ª Dr.ª ..., nos esclarecimentos prestados em audiência.»

Concordando-se com esta fundamentação, tudo visto e ponderado, percorrendo a motivação da formação da convicção quanto à factualidade dada como provada e não provada, a versão factual vertida nos factos dados como provados e não provados a que chegou o tribunal a quo mostra-se claramente fundamentada no seu percurso lógico-racional, não se apresentando como logicamente inaceitável, manifestamente errada, impossível de ter acontecido ou violadora das regras da experiência comum.

Encontrando-se afastado do poder de sindicância do Supremo Tribunal de Justiça o uso que as instâncias fizeram do princípio da livre convicção probatória que, como é justamente salientado no acórdão deste Tribunal, de 04-07-2013, proferido no processo n.º 1243/10.4PAALM.L1.S1 – 3.ª Secção, «não pode ser entendido como operação puramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável, antes como uma valoração racional, crítica, de acordo com as regras da lógica comum, da razão, das máximas da experiência e das regras cientificas, que permitam ao julgador objectivar a sua decisão (Acs. do TC n.º 1165/96 e 464/97), pese embora não possa desligar-se de elementos subjectivos, a intervir ponderosa, parcimoniosa e compreensivelmente ligados à mundivivência do julgador, às suas concepções da vida e do mundo».

Acompanhando-se ainda o mencionado acórdão:

«O princípio da livre convicção assim concebido só conhece como limites a confissão, a prova tarifada ou vinculada, por documentos autênticos ou pericial, o caso julgado, a proibição de meios de prova e o princípio in dubio pro reo – cfr. Cons.º Maia Gonçalves, in CPP, Anotado, comentário ao art.º 127.º.
Mas a eleição de certos factos provados em detrimento de outros não é sindicável pelo STJ.
A livre apreciação da prova é indissociável do princípio da oralidade com que decorre o julgamento em primeira instância e não ante este STJ.
Como ensinava o Prof. Alberto dos Reis: “a oralidade, entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares) é condição indispensável para a actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal”, citando Chiovenda, segundo o qual “ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar necessário para respirar” – CPCivil anotado, Vol. IV, pág. 566 e segs.».

Estas considerações assumem particular relevância na presente situação, em que, contrariamente ao que o recorrente alega, da leitura dos termos da decisão recorrida não se descortina qualquer manifesta violação das regras sobre a valoração de provas, sendo patente ainda que o acórdão recorrido não enferma de qualquer um dos demais vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP.


4.2. Da violação do princípio in dubio pro reo

Quanto à questão da alegada violação do princípio in dubio pro reo, cumpre dizer o seguinte:

O princípio in dubio pro reo é um princípio geral, estruturante do processo penal, decorrente do princípio constitucional da presunção da inocência do arguido, assumindo, como tal e como qualquer outro princípio jurídico, a natureza de uma questão de direito de que o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, deve conhecer.

O princípio in dubio pro reo significa, segundo PAULO DE SOUSA MENDES, que «a dúvida sobre os pressupostos de facto da decisão a proferir deve ser valorada a favor da pessoa visada pelo processo»[6].
De acordo com este princípio, citando-se MARIA JOÃO ANTUNES, «o tribunal deve dar como provados os factos favoráveis ao arguido, quando fica aquém da dúvida razoável, apesar de toda a prova produzida»[7]. A dúvida que fique aquém da razoável deverá ser valorada, prossegue a mesma autora, de forma favorável ao arguido, tanto mais que este se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação.

Convocando o acórdão deste Supremo Tribunal, de 08-01-2014 (Proc. n.º 7/10.0TELSB.L1.S1 – 3.ª Secção), associou-se a este princípio a natureza exclusiva de «princípio referente à prova dos factos, ligado à sua valoração pelas instâncias, com o fundamento de que escapam a este STJ a refracção das provas na convicção do julgador, os elementos influentes na sua formação que só ele pela sua subtileza, atenção, emoção e inteligência pode apreender, proporcionados pela oralidade e imediação. O princípio valia ao nível da dúvida razoável com relação aos factos, desde que se alcançasse que o tribunal incorreu naquele estado e não o declarou seja porque não atentou na sua sucumbência seja porque era uma consequência de erro notório na apreciação da prova e não extraiu a consequência derivada da sua infracção.

O princípio serve para controlar o procedimento do tribunal quando teve dúvidas em termos de matéria de facto e não para controlar as dúvidas que o recorrente entende que o tribunal recorrido não teve.

Não se pense, no entanto, que tudo o que diz respeito à aquisição da matéria da facto se cinge a esta natureza porque todo o processo aquisitivo da matéria de facto envolve a observância de normas e a convicção probatória não é uma consequência do arbítrio e de um processo irracional, pois que o princípio obedece a uma orientação normativa, envolvente da convicção probatória em moldes de esta ser motivada e objectivada».

Assim, como se refere no acórdão que se vem acompanhando:
«Baseado no princípio constitucional da presunção de inocência (art.º 32.º n.º 2, da CRP), constituindo um limite normativo da livre convicção probatória, assume vertente de direito, passível de controle deste STJ, quando ao debruçar-se sobre o conjunto dos factos, procura detectar se se decidiu contra o arguido, não declarando a dúvida evidente já porque esta resultava de uma valoração emergente da simples texto da decisão recorrida por si ou de acordo com as regras da experiência, de acordo com aquilo que é usual acontecer, já por incurso em erro notório na apreciação da prova.- cfr. Ac. do STJ, de 8.7.2004 , P.º nº 111221/04 - 5.ª Sec.
Nesta conformidade este STJ tem afirmado, nem sempre com uniformidade, o seu teor de princípio de direito, por ele controlável, de afirmação de regra de decisão, pilar de uma convicção sã e escorreita, que só o é quando o juiz ele próprio já não tem dúvidas, no dizer de Eberardt Schmidt, pois que se se lhe suscitam várias possibilidades que, conscientemente, não logra remover, trilha ainda o caminho da incerteza, deve actuar o princípio».

Neste conspecto, devendo ser o princípio in dubio pro reo configurado como princípio de direito, como princípio jurídico atinente à avaliação e valoração da prova, certo é também que, como tem sido reconhecido, ele tem uma íntima correlação com a matéria de facto, em cujo domínio ele é verdadeiramente operativo, aí assumindo toda a relevância prática. Para PAULO DE SOUSA MENDES, «[o] princípio só diz respeito à prova da questão-de-facto»[8].

Nesta perspectiva, como se lê no acórdão deste Supremo Tribunal, de 27-04-2011 (Proc. n.º 7266/08.6TBRG.G1.S1 – 3.ª Secção), «a violação do princípio in dubio pro reo, que dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, só se verifica quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção.
Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à condenação do arguido, fica afastado o princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência, sendo que tal juízo factual não teve por fundamento uma imposição de inversão da prova, ou ónus da prova a cargo do arguido, mas resultou do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o artigo 355º nº 1 do CPP, subordinadas ao princípio do contraditório, conforme artº 32º nº 1 da Constituição da República».

Em sentido muito próximo, veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal, de 05-06-2012 (Proc. n.º 442/08.3GALSD.P1.S1 - 5.ª Secção»[9]:
«O STJ, enquanto tribunal de revista, conhece exclusivamente sobre matéria de direito (art. 434.º do CPP). Se a alegação da violação do princípio in dubio pro reo e, por essa via, do princípio da presunção da inocência, constitui, em certa perspectiva, uma questão de direito, já está fora dos poderes de cognição do STJ, por constituir questão de facto, a alegação de que o tribunal se deparou com uma dúvida insanável acerca da verificação de um ou mais factos e que a resolveu contra o arguido».

Em suma, como lapidarmente se refere no acórdão de 29-05-2013, proferido no processo n.º 344/11.6JALRA.E1.S1 – 3.ª Secção, «o STJ só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo quando da decisão recorrida resulta que o tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido».

Ora, compulsadas, tanto a decisão recorrida, como também a decisão da 1.ª instância, não se detecta, tendo em atenção nomeadamente, a fundamentação da matéria de facto, qualquer dúvida quanto aos factos que se devia dar por provados ou não provados.

A violação do princípio in dubio pro reo pressupõe que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de incerteza, de dúvida, quanto aos factos dados como provados e não provados.

Como não é manifestamente o caso, «o recorrente só pode pretender que, apesar de o Tribunal da 1.ª instância [tal como o Tribunal da Relação] não ter tido dúvidas sobre o que considerou provado, deveria tê-las tido» (acórdão de 27-02-2014 (Proc. n.º 160/10.2GCVFR.S1 - 5.ª Secção)[10]. Mas isso, lê-se neste acórdão, «não constitui qualquer vício da decisão recorrida, mas antes discordância do recorrente para com ela».

Ora, a divergência do recorrente quanto à avaliação e valoração das provas feitas pelo tribunal recorrido é irrelevante.
Como também, a este propósito, se considera no acórdão de 06-12-2006, proferido no proc. n.º 06P3651 – 3.ª Secção, «o STJ só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo quando da decisão impugnada resulta, por forma evidente, que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido, posto que, saber se o tribunal recorrido deveria ter ficado em estado de dúvida é uma questão de facto que exorbita os poderes de cognição do STJ enquanto tribunal de revista». Ou, como se lê no acórdão do STJ de 09-02-2012, proferido no processo n.º 233/08.1PBGDM.P3.S1 – 3.ª Secção[11], «[o] STJ apenas pode sindicar o uso desse princípio quando da sentença resultar que o tribunal chegou a um estado de dúvida e não a declarou in malam partem ou quando esse estado de dúvida não foi declarado por via de manifesto erro notório na apreciação da prova, visível a partir do texto da decisão, nos termos do art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP».

Do exposto, não podemos concluir que tenha havido violação do princípio in dubio pro reo, reafirmando-se que a decisão recorrida não evidencia qualquer dúvida em relação a qualquer facto, improcedendo o recurso nesta parte.


4.3. Das proibições de prova

Reeditando alegações feitas perante a Relação, suscita o recorrente questões no âmbito de proibições de prova, questionando a validade da prova pericial realizada e a validação de alegados depoimentos indirectos, bem como a falta de comunicação à testemunha HH do impedimento constante do artigo 124.º, n.º 1, alínea b), do CPP.

Vejamos:


4.3.1. A prova pericial questionada pelo recorrente respeita à avaliação de risco de violência e de reincidência criminal cujo relatório foi determinante para a prova do facto n.º 109. Considera o recorrente que os peritos intervenientes «levaram em consideração» as declarações das testemunhas BB, sua ex-cônjuge, e de ..., sua filha, «prestadas ainda em inquérito, e apenas neste, as quais se recusaram a depor em audiência de julgamento e como tal são considerados prova proibida [,,,] que tais depoimentos ajudaram a influenciar a convicção dos Senhores Peritos na elaboração de tais exames e consequentemente nas declarações que prestaram em julgamento», tratando-se «portanto de prova proibida, a qual contamina a restante prova se houver um nexo de dependência cronológica, lógica e valorativa» com a restante prova. Entende, assim, que «o Tribunal recorrido errou notoriamente ao considerar como provados os factos relativos a tais questões, nomeadamente os mencionados em 44 [imputabilidade] e 109 [avaliação do risco de violência e reincidência] dos factos provados».

De acordo com o disposto no artigo 151.º do CPP, a prova pericial tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos.

Como faz notar SANTOS CABRAL, «[o] perito é um colaborador do tribunal. De tal circunstância deriva que o perito condiciona a sua actuação dentro dos limites impostos pelas tarefas requisitadas e inscritas no âmbito do objectivo legal da perícia. Por exemplo, a afirmação de que o arguido é incapaz de culpa não é uma informação de factos, regras de experiência ou conclusões, mas uma apreciação jurídica que cai dentro da competência do tribunal»[12].
O relatório pericial é apreciado segundo a sua força persuasiva, sublinha o mesmo autor, força «que é directamente proporcional ao seu peso científico, e não deve adoptar na sentença os resultados apresentados pelo perito sem os ter previamente controlado. Pelo contrário, a fundamentação da sentença deve deixar transparecer que o tribunal efectuou uma apreciação autónoma»[13].

Como se decidiu no acórdão deste Tribunal, de 16-10-2013, proferido no processo n.º 36/11.6PJOER.L1.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo autor que se vem citando, «a prova pericial é valorada pelo julgador em três níveis distintos: quanto à sua validade (respeitante à sua regularidade formal), quanto à matéria de facto em que se baseia a conclusão e quanto à própria conclusão. Quanto à validade formal, deve apreciar se a prova foi produzida de acordo com a lei ou se não colide com proibições legais».


No caso que nos ocupa, estamos perante uma perícia determinada pelo tribunal para avaliação do risco de violência e de reincidência criminal, um tipo de perícia que bem pode integrar-se na chamada perícia sobre a personalidade, referenciada no artigo 160.º do CPP e na perícia relativa a questões psiquiátricas a que alude o artigo 159.º, n.ºs 6 e 7 do mesmo Código. Pretende-se essencialmente com ela proceder a uma avaliação e gestão de diversos factores indicadores de risco de violência e de reincidência através da sistematização da informação que possa recolher-se sobre manifestações anteriores de violência por parte do arguido, psicopatia, atitudes negativas, impulsividade, relações interpessoais, exposição a factores desestabilizantes, etc. O trecho do relatório pericial vertido no n.º 109 dos factos provados e, bem assim, a imputabilidade do arguido-recorrente considerada no n.º 44, decorrem, justamente, de uma perícia com esta fisionomia.

Enferma a metodologia seguida na realização da dita perícia do vício invocado pelo recorrente? Entendemos convictamente que não.
Sobre a questão que o recorrente suscitou, considerou-se no acórdão recorrido:

«Invoca o recorrente a nulidade das perícias e esclarecimentos prestados pelos peritos, por os mesmos terem tido acesso ao processo, na realização das suas peritagens. Dali constam dois depoimentos, da ex-mulher do arguido BB a da filha do mesmo CC, que se recusaram validamente a depor em julgamento, dados os referidos laços de parentesco.
            Trata-se de questão metodológica discutida, na realização de peritagens psicológicas/psiquiátricas, saber se o Perito deve ou não ter acesso ao processo. Porém e actualmente, a consulta de todo o Proc.º continua a ser o procedimento adoptado unanimemente, certamente porque cientificamente e segundo as “leges artis”, continua a ser o método tido por correto.
            O facto de as testemunhas não terem prestado depoimento em julgamento é questão distinta – até porque se não terão recusado a depor, em Inquérito.
            Aliás e nas referidas perícias, nenhuma alusão expressa se faz a estes dois depoimentos – embora seja certo que, em julgamento, ambos referiram ter consultado o Proc.º.
            Não foi pois realizado pelos Srs. Peritos qualquer acto tido como ilegal e que determine a nulidade ou invalidade das perícias realizadas.
            Assim e nesta parte, nenhuma nulidade há a declarar, nem quanto às perícias realizadas, nem quanto aos esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos.
            Improcede pois aqui, o recurso interposto».

Já o Ex.mo Magistrado do Ministério Público no Tribunal da Relação referira, a este propósito, no parecer então emitido, que, «não utilizando o visado argumentos que se coloquem no mesmo patamar científico daqueles que foram utilizados para fundamentar as conclusões que se pretende contrariar, não pode o mesmo validamente questionar os fundamentos e a validade científica do método pericial, a possibilitar a valoração segundo a livre convicção do julgador».

De todo o modo, cumpre sublinhar que, no tipo de perícia realizada, a metodologia prosseguida pelos Ex.mos Peritos afigura-se-nos isenta de reparos. Tratando-se de avaliar a personalidade do arguido-recorrente, consideramos perfeitamente admissível que tenham contactado com as pessoas com quem ele se relacionou, ou se relaciona, nomeadamente seu ex-cônjuge e com a sua filha no âmbito da possibilidade que está prevista no artigo 156.º, n.º 3, in fine, do CPP, segundo a qual os peritos, se carecerem de esclarecimentos, podem ter acesso a quaisquer actos ou documentos do processo.
 
Nestes termos, improcede o recurso nesta parte.


4.3.2. Depoimentos indirectos - Testemunhas DD, EE, FF e GG

            Sobre esta questão, pronunciou-se o Tribunal da Relação nos seguintes termos:
«Refere ainda o recorrente que os depoimentos das referidas testemunhas constituem prova proibida, na parte em que referem o que ouviram dizer ao arguido. Na sua opinião são testemunhos indirectos sobre factos, que vão contra o direito ao silêncio do próprio arguido. Diz, que será inconstitucional por violação disposto no art.º 32º C.R.P., o art.º 129º C.P.P. se interpretado no sentido de permitir o depoimento indirecto da testemunha sobre o que ouviu dizer ao arguido depois da ocorrência do suposto crime, se ele fez uso do direito ao silêncio.
            Mais, refere que se trata de meios de prova ilegais, nos termos do disposto nos arts.º 356º/7 e 357º/2 C.P.P., os testemunhos dos Agentes Policiais ... e ....
            Ora, cabe referir em primeiro lugar, que todos mantiveram conversas com o arguido. Ao primeiro DD], ele terá dito que a II estava numa Clínica; ao segundo [EE], que se teria ido embora, com outro homem, para o Luxemburgo. A FF, da G.N.R. de ..., disse que estava no ... com uma Senhora, com problemas de saúde; a ..., Chefe da P.S.P. de ..., referiu que se sentiu indisposto. A vítima foi-lhe procurar medicamentos, mas ele só a vem a encontrar numa Discoteca, em ..., com um tal de “...” – e de ..., onde pernoitavam a ... são mais de 30 kms. Logo, explicações contraditórias, entre si.
            Porém, contrariamente ao referido pelo arguido não estão em causa depoimentos indirectos. É que, neste tipo de depoimento, a testemunha reporta o que ouviu dizer a outra; pelo contrário, no caso dos autos, estas testemunhas transmitem o que ouviram dizer ao arguido. São depoimentos não “por ouvir dizer”, mas que referem o que ouviram directamente do arguido.
            Não podem pois, ser tidos como depoimentos indirectos, mas sim directos – no mesmo sentido, de entre outros, os Acs. Rel. de Coimbra de 26/6/2 013 e da Rel. Lisboa, de 24/1/2 012.
            No que se refere aos depoimentos de FF e GG e ao disposto no art.º 356º/7 C.P.P. deve dizer-se que estes nunca tomaram parte nesta investigação, que aliás foi levada a cabo pela Polícia Judiciária de .... Tomaram contacto com o arguido, mas nunca participaram em qualquer ato de recolha de prova ou de tomada de declarações ao mesmo. Aliás, o arguido não só não o era, como também se desconhecia que tinha havido crime.
            Assim, os seus depoimentos não estão abrangidos pela proibição de prova, referida naquele normativo – no mesmo sentido, de entre outros, os Acs. Relação de Coimbra de 18/6/2 014 e de 11/9/2 013 e o Ac. S.T.J. de 15/2/2 007, todos em www.dgsi.pt, este até distinguindo os actos cautelares urgentes previstos no art.º 249º C.P.P. das chamadas “conversas informais” durante o processo, caso este em que já não será permitido tal depoimento.
            Improcede pois e também aqui, o alegado.»

Concorda-se com este entendimento.
O artigo 129.º do CPP «reporta-se, como elucida SANTOS CABRAL, a uma proibição de valoração do depoimento indirecto relativo a pessoas determinadas. Estas pessoas a quem se ouviu algo de relevante em termos de objecto do processo podem ser testemunhas – artigos 138.º e 348.º - assistentes e partes civis – artigos 145.º, 346.º e 347.º»[14].
No entanto, como lembra o mesmo autor, «Questão distinta é da valoração da prova produzida em sede de depoimento indirecto quando está em causa o que foi ouvido ao arguido. Na verdade, a efectivação do princípio da imediação tem de ser conjugada com o princípio de igual dignidade constitucional como é o caso do direito ao silêncio que integra o catálogo das garantias de defesa a que alude o artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa. Pressuposto deste direito ao silêncio é, todavia, a existência de um inquérito e a condição de arguido»[15]. Porém, entende o autor que vimos acompanhando, «o direito ao silêncio do arguido circunscreve-se a uma dimensão positiva que lhe confere a faculdade de se manter em silêncio ao longo de todo o processo e, em especial, na audiência de julgamento (arts. 61.º, 1, al. d) e 343.º, n.º 1, in fine), sem que tal comportamento possa ser interpretado em seu desfavor, numa concretização do direito à não incriminação e presunção de inocência de que aquele beneficia» e que «a atribuição a tal direito ao silêncio do arguido o efeito negativo de obstaculizar qualquer depoimento sobre o que o mesmo referiu anteriormente não trem fundamento legal e colide com o princípio da legalidade da prova a que alude o artigo 125.º do Código de Processo Penal»[16].

Adere-se a este entendimento, pelo que nada impede o depoimento de testemunha sobre o que ouviu ao arguido, sendo pertinente sublinhar que, no caso presente, o que foi ouvido pelas testemunhas do agora recorrente ocorreu em momento em que o mesmo não detinha o estatuto de arguido, desconhecendo-se então a existência de qualquer crime, cumprindo ainda referir que o arguido não exerceu o direito ao silêncio que lhe assistia na medida em que, em audiência de julgamento, negou a prática dos factos imputados.

Relativamente ao depoimento dos órgãos de polícia criminal FF e GG, a relevância dos seus depoimentos terá de ser aferida em função do preciso momento e circunstâncias a que se reporta. Efectivamente, convocando-se novamente a opinião de SANTOS CABRAL, expressa em comentário ao artigo 129.º do Código de Processo Penal, o depoimento de órgão de polícia criminal que “ouviu dizer ao arguido”, «pode assumir conformação diversa consoante o momento e as circunstâncias a que se reporta». Nos casos em que as declarações foram percepcionadas ao arguido pelo órgão de polícia criminal numa fase prévia à sua constituição como tal, não se vislumbra qualquer razão para não se considerar válido tal depoimento “indirecto”. Como se considera o acórdão deste Supremo Tribunal de 15-02-2007 (Proc. n.º 06P4593), «podemos considerar adquirido, para o que agora importa, por um lado, que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos por eles detectados e constatados durante a investigação e, por outro lado, que são irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre esses mesmos agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe.
Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas “conversas”, que se frustre o direito do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria “colmatado” ilegitimamente através da “confissão por ouvir dizer” relatada pelas testemunhas.
Pressuposto desse direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido. A partir da constituição do arguido enquanto tal, ele assume um estatuto próprio, com deveres e direitos, entre os quais, o de não se auto-incriminar. A partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.
Contudo, de forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia. Compete então às autoridades, nos termos do art. 249º do CPP, praticar “os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime”. Estas “providências cautelares” são fundamentais para investigar a infracção, para que essa investigação tenha sucesso. E daí que a autoridade policial devam praticá-las mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária para investigar (art. 249º, nº 1).
Nessa fase não há ainda inquérito instaurado, não há ainda arguidos constituídos. É uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto. As informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo (pode até não vir a haver, como por exemplo se o crime for semipúblico e não for apresentada queixa).
Completamente diferente é o que se passa com as ditas “conversas informais” ocorridas já durante o inquérito, quando há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a “confissão” informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os actos a realizar no inquérito.
O que o art. 129º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249º do CPP».

Este entendimento encontra-se igualmente expresso no acórdão deste Supremo Tribunal de 12-12-2013, proferido no processo n.º 292/11.0JAFAR.E1.S1 – 3.ª Secção, numa situação em que a questão crucial suscitada no recurso se centrava no depoimento do órgão de polícia criminal que “ouviu dizer ao arguido”.

«Precisa-se – lê-se no citado acórdão - que a proibição do artigo 129^.º do Código Penal visa os testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, mas não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligencias de investigação, nomeadamente a pratica das providencias cautelares a que se refere o art. 249o do CPP Na verdade, nestas providencias a autoridade policial procede a diligencias investigatórias, no âmbito do inquérito, em relação a infracção de que teve noticia.

Sobre a mesma incumbe o dever de, nos termos do art. 249.º do CPP, praticar “os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime. Estas “providências cautelares” são fundamentais para investigar a infracção, para que essa investigação tenha sucesso. E daí que a autoridade policial deva praticá-las mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária para investigar (art. 249, nº 1).
Nessa fase não há ainda inquérito instaurado, não há ainda arguidos constituídos.
E uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto. As informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito».

A constituição de arguido constitui, assim, sublinha o autor que se tem acompanhado, um momento, uma linha de fronteira na admissibilidade das denominadas “conversas informais”, pois que é a partir daí que as suas declarações só podem ser recolhidas, e valoradas, nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas, ou quaisquer outras provas, recolhidas informalmente»[17].

Ora, no caso presente, os elementos obtidos pelos referidos agentes da autoridade verificaram-se, como é dito no acórdão recorrido, num momento em que não havia arguido constituído – o recorrente não detinha, então, esse estatuto – «como também se desconhecia que tinha havido crime». A intervenção de tais agentes junto do agora recorrente verificou-se no âmbito das diligências terão visado a descoberta do paradeiro da vítima.
Os seus depoimentos não estão abrangidos pela proibição de prova, como bem concluiu o Tribunal da Relação recorrido.

Improcede, pois, também nesta parte o recurso interposto pelo arguido.


4.3.3. Falta de Comunicação à testemunha HH, da possibilidade de se recusar a depor  

Invoca ainda o recorrente a nulidade que decorre de o Tribunal não ter informado a testemunha HH, da possibilidade de se recusar a depor, nos termos do artigo 134., n.º1, alínea b), do CPP, por os factos terem ocorrido durante o tempo em que a mesma vivia com o arguido, em condições análogas às dos cônjuges.
            E, com efeito, esta admitiu ter “vivido junta” com o arguido entre Setembro/Outubro de 2011 e Março de 2012.
            Só que, como bem se consigna no acórdão recorrido:

«os factos vêm descritos na acusação como tendo ocorrido entre 27 e 28 de Agosto de 2 012 –  logo, fora do período da “união de facto”. Porém e neste caso, a possibilidade de “recusa do depoimento” limita-se a factos ocorridos durante o período de coabitação, o que não era o caso – art.º 134º/1, b), C.P.P.
         Estava pois a testemunha HH obrigada a depor, pelo que não havia que comunicar-se-lhe qualquer possibilidade de recusa de depoimento».

De acordo com o disposto no artigo 134.º, n.º 1, alínea b), do CPP, podem recusar-se a depor como testemunhas quem tiver sido cônjuge do arguido ou quem, sendo de outro ou do mesmo sexo, com ele conviver ou tiver convivido em condições análogas às dos cônjuges, relativamente a factos ocorridos durante o casamento ou a coabitação. A entidade competente para receber o depoimento deverá advertir, sob pena de nulidade, aquelas pessoas da faculdade que lhes assiste de recusarem o depoimento.
Como judiciosamente esclarece SANTOS CABRAL, a possibilidade de recusa a prestar depoimento, inscrita naquela norma, «tem o propósito imediato de evitar situações em que tais pessoas sejam postas perante a alternativa de mentir ou, dizendo a verdade, contribuírem para a condenação do seu familiar. Entendeu aqui a lei que o interesse público da descoberta da verdade no processo penal deveria ceder face ao interesse da testemunha em não ser constrangida a prestar declarações. Mas, além de pretender poupar a testemunha ao conflito de consciência que resultaria de ter de responder com verdade sobre os factos imputados a um arguido com quem tem parentesco ou afinidade próximos, o legislador quer proteger as “relações de confiança, essenciais à instituição familiar”»[18].

Concordando com o entendimento do autor que se vem de citar, a nulidade decorrente da falta de advertência exigida pelo artigo 134.º, n.º 2, do CPP constitui uma nulidade sanável que deve ser arguida até à conclusão do depoimento, de acordo com o estatuído no artigo 120.º, n.º 3, alínea a), do CPP.

De todo o modo, como se faz notar no acórdão recorrido, os factos vêm descritos na acusação como tendo ocorrido entre 27 e 28 de Agosto de 2012, ou seja, fora do período da “união de facto”, verificado entre Setembro/Outubro de 2011 e Março de 2012.
Neste caso, a possibilidade de “recusa do depoimento” limita-se a factos ocorridos durante o período de coabitação, o que não era o caso, pelo que estava a testemunha HH obrigada a depor, não se impondo qualquer dever de comunicação quanto à possibilidade de recusa de depoimento

Resta-nos, assim, concluir não ter sido cometida qualquer nulidade, improcedendo também nesta parte o recurso interposto.


5. Qualificação jurídica dos factos

5.1. O arguido foi condenado pela prática do crime de homicídio qualificado. Na primeira instância, a conduta foi subsumida nas disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º, n.os 1 e 2, alínea b), do Código Penal. Entendeu-se, para a verificação do exemplo-padrão da citada alínea, que o arguido mantinha com a vítima «relação análoga à dos cônjuges».
No recurso interposto para a Relação, sustentou o arguido que não vivia com a vítima em união de facto, pugnando pela desqualificação do crime.
5.2. No acórdão recorrido, o Tribunal da Relação manteve a condenação do arguido pela prática do crime de homicídio qualificado, não pela circunstância considerada na 1.ª instância, mas por «circunstância inominada», com a seguinte justificação:

«(…) Da Subsunção Legal ao art.º 132º/2, b), C.P.

            Refere ainda o arguido que não vivia com a vítima em união de facto, pois o pernoitar durante uns dias com alguém, numa Residencial, não tem o “carácter duradouro e estável que tem o residir numa habitação” e lá instalar o lar, a casa de morada de família. Remata que, não é porque existe trato sexual e se decide ir passar uns dias de férias longe da terra natal, que se pode considerar a existência de condições análogas às dos cônjuges.
            Sabe-se que o art.º 132º C.P. estabelece um tipo agravado de culpa, baseado na especial censurabilidade ou perversidade, que tem no seu n.º 2) exemplos padrão, que não são porém taxativos. Podem pois ocorrer homicídios qualificados inominados e homicídios simples em qualquer dos casos do n.º 2), por se entender não haver especial censurabilidade ou perversidade.
            A questão de o caso dos autos estar ou não incluído na al. b), do n.º 2, do art.º 132º, não é assim decisiva, na qualificação do homicídio dos autos.
            Questão que se põe, é a de saber se arguido e vítima viveriam em situação análoga à dos cônjuges, isto é, em “união de facto”.
            Como decorre de B.1.5. o arguido conheceu II e passou a relacionar-se com esta, ainda quando vivia em casa de HH, de onde saiu em 1 de Maio de 2012 (B.1.8.). Tal relacionamento amoroso tinha-se iniciado uns meses antes de Agosto de 2012 (B.1.13.), sendo que no dia 9 de Agosto de 2 012 ambos abandonam ... no mesmo carro, em direcção ao Minho (B.1.28.), instalando-se na “Residencial ...”, em ..., ainda nesse dia 9 de Agosto (B.1.31.).
            Não há propriamente uma morada comum do casal ou uma casa de morada de família, mais parecendo que o que se passou foram umas férias em comum, por parte de dois namorados.
            Não havendo união de facto ou situação análoga à dos cônjuges, não pode ser aplicado o art.º 132º/2, b), C.P.
            Permanece contudo uma situação de namoro, a utilização de objecto contundente, o matar em mata arbustiva, certamente lugar ermo dado tempo que demorou a localização do corpo da vítima e o abandonar do corpo, nesse local, sem qualquer expressão de arrependimento.
            As situações de namoro estabelecem também fortes vínculos afectivos entre as pessoas, não se podendo dizer que, por não haver união de facto, se mostram diluídas a censurabilidade e perversidade, na actuação do arguido. Valorativamente, a situação é muito semelhante à prevista no art.º 132º/2, b), C.P.
            Assim, todo este quadro se mantém especialmente censurável e perverso.
            A tipicidade instituída não é taxativa – cfr. art.º 132º/2 C.P., quando refere que são susceptíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade, entre outras, as circunstâncias referidas nas várias als.
            Considera-se pois, que ainda assim se está perante um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts.º 131º e 132º/1 e n.º 2), circunstância inominada, C.P.»

Considera o recorrente errada a qualificação jurídico-penal operada, entendendo que estará em causa não o crime de homicídio qualificado, mas o crime de homicídio simples p. e p. pelo artigo 131.º do Código Penal.
Vejamos:

5.3. O crime de homicídio qualificado, previsto no artigo 132.º do Código Penal, constitui uma forma agravada de homicídio. A qualificação decorre da verificação de um tipo de culpa agravado, definido pela orientação de um critério generalizador enunciado no nº 1 da disposição, moldado pelos vários exemplos-padrão constantes das diversas alíneas do n.º 2 do artigo 132.º.

«O critério generalizador, lê-se no acórdão do STJ de 21-01-2009 (Proc. n.º 08P4030), está traduzido na cláusula geral com a utilização de conceitos indeterminados - a especial censurabilidade ou perversidade do agente; as circunstâncias relativas ao modo de execução do facto ou ao agente são susceptíveis de indiciar a especial censurabilidade ou perversidade e, assim, por esta mediação de referência, preencher e reduzir a indeterminação dos conceitos da cláusula geral.
Sendo elementos constitutivos do tipo de culpa, a verificação de alguma das circunstâncias que definem os exemplos-padrão não significa, por imediata consequência, a realização do tipo especial de culpa e a directa qualificação do crime, como, também por isso mesmo, a não verificação de qualquer dos modelos definidos do tipo de culpa não impede que existam outros elementos e situações que devam ser considerados no mesmo plano de valoração que está pressuposto no crime qualificado e na densificação dos conceitos bem marcados que a lei utiliza.
Mas, seja mediada pelas circunstâncias referidas nos exemplos-padrão, ou por outros elementos de idêntica dimensão quanto ao desvalor da conduta do agente, o que releva e está pressuposto na qualificação é sempre a manifestação de um especial e acentuado «desvalor de atitude», que traduz e que se traduz na especial censurabilidade ou perversidade, e que conforma o especial tipo de culpa no homicídio qualificado.
A qualificação do homicídio do artigo 132º do Código Penal supõe, pois, a imputação de um especial e qualificado tipo de culpa, reflectido, no plano da atitude do agente, por uma conduta em que se revelam «formas de realização do facto especialmente desvaliosas (especial censurabilidade), ou aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas» (cfr. FIGUEIREDO DIAS, "Comentário Conimbricense do Código Penal", vol. I, págs. 27-28).
O modelo de construção do tipo qualificado - qualificado pelo especial tipo de culpa - através da enunciação do critério geral, moldado pela densificação através dos exemplos-padrão, não permitirá, por seu lado, salvo afectação do princípio da legalidade, «fazer um apelo directo à cláusula de especial censurabilidade ou perversidade, sem primeiramente a fazer passar pelo crivo dos exemplos-padrão e de, por isso, comprovar a existência de um caso expressamente previsto [...] ou de uma situação valorativamente análoga» (cfr. idem, pág. 28)».

Como, mais recentemente, se considera no acórdão deste Supremo Tribunal de 30-03-2016, proferido no processo n.º 158/14.1PBSXL.L1 - 3:ª Secção:

«O artigo 132 do Código Penal define o tipo de crime de homicídio qualificado constituindo uma forma agravada de crime em relação em relação ao tipo do artigo 131 do mesmo diploma. Objectivamente o tipo de crime assenta nos mesmos factos dos que estão previstos no artigo 131 funcionando a qualificação assente na combinação de um critério de culpa com a técnica dos exemplos padrão. 

O critério da qualificação está definido no nº 1 do artigo 132 e consiste em tirar a vida a outrem em circunstâncias que revelem uma especial censurabilidade ou perversidade. Algumas das circunstâncias que são susceptíveis de revelar especial censurabilidade, ou perversidade, estão enumeradas no nº 1 do mesmo normativo. 

A qualificação do homicídio tem como fundamento a culpa agravada que o agente revela com a sua actuação sendo um tipo de culpa. Seguindo Roxin, por tipo de culpa entende-se aquele que, na descrição típica da conduta, contem elementos da culpa que integra factores relativos á actuação do agente que estão relacionados com a culpa mais grave ou mais atenuada. A culpa consiste no juízo de censura dirigido ao agente pelo facto deste ter actuado em desconformidade com a ordem jurídica quando podia, e devia, ter actuado em conformidade com esta, sendo uma desaprovação sobe a conduta do agente. O juízo de censura, ou desaprovação, é susceptível de se revelar maior ou menor sendo, por natureza, graduável e dependendo sempre das circunstâncias concretas em que o agente desenvolveu a sua conduta, traduzindo igualmente um juízo de exigibilidade determinado pela vinculação de cada um a conformar-se pela actuação de acordo com as regras estipuladas pela ordem jurídica superando as proibições impostas. Em suma, o agente actua culposamente quando realiza um facto ilícito podendo captar o efeito de chamada de atenção da norma na situação concreta em que desenvolveu a sua conduta e, possuindo uma capacidade suficiente de auto controlo, e poderia optar por uma alternativa de comportamento. 

O especial tipo de culpa do homicídio qualificado é conformado através da especial censurabilidade ou perversidade do agente. Como refere Figueiredo Dias a lei pretende imputar especial censurabilidade àquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção ao nível da atitude do agente de formas de realização do acto especialmente desvaliosas e à especial perversidade aquelas em que o juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades do agente especialmente desvaliosas. Enumera o normativo em análise um catálogo dos exemplos padrão e o seu significado orientador como demonstrativo do especial tipo de culpa que está associado à qualificação [[19]]».

O homicídio qualificado constitui, pois, como tem sido unanimemente apontado, um tipo especial de culpa agravada, evidenciado nas circunstâncias enunciadas no nº 2, que têm carácter exemplificativo.

Segundo FIGUEIREDO DIAS, «a qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado, assente numa cláusula geral extensiva e descrito com recurso a conceitos indeterminados: a “especial censurabilidade ou perversidade” do agente referida no n.º 1; verificação indiciada por circunstâncias ou elementos uns relativos ao facto, outros ao autor, exemplarmente elencados no n.º 2». E que «a verificação desses elementos, por um lado, não implica sem mais a realização do tipo de culpa e a consequente qualificação; por outro lado, a sua não verificação não impede que se verifiquem outros elementos substancialmente análogos (não deve recear-se o uso da palavra “análogos”!) aos descritos e que integrem o tipo de culpa qualificador», concluindo: «Deste modo devendo afirmar-se que o tipo de culpa supõe a realização dos elementos constitutivos do tipo orientador - o Leitbildtatbestand (…) – que resulta de uma imagem global do facto agravada correspondente ao especial conteúdo de culpa tido em conta no art. 132º- 2».[20]

            E a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem mantido uma interpretação do tipo do artigo 132.º do Código Penal como sendo baseado estritamente na culpa mais grave, revelada pelo agente, tendo como fundamento o facto do agente revelar especial censurabilidade ou perversidade no seu comportamento, sendo ainda entendimento uniforme deste Supremo Tribunal o de que as circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, os chamados exemplos-padrão, são meramente exemplificativas, não funcionando automaticamente e devem ser compreendidas enquanto elementos da culpa, como se dá nota no acórdão de 02-4-2008, proferido no processo n.º 07P4730, onde se referencia abundante jurisprudência sobre este tópico.

No que especialmente releva para o caso agora em apreço, cumpre insistir, quanto à cláusula geral do n.º 1 do artigo 132.º do Código Penal, que, subjacente à especial censurabilidade ou perversidade está um maior grau de culpa que o agente manifesta nas circunstâncias elencadas, o que motiva a agravação.

Como considera TERESA SERRA, «a ideia de censurabilidade constitui o conceito nuclear sobre o qual se funda a concepção normativa da culpa. Culpa é censurabilidade do facto ao agente, isto é, censura-se ao agente o ter podido determinar-se de acordo com a norma e não o ter feito.
No artigo 132º, trata-se de uma censurabilidade especial, que existe quando “as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores.
A especial perversidade supõe «uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade».
Dominantemente, refere a autora, entende-se que só se pode decidir que a morte foi causada em circunstâncias que revelam especial censurabilidade ou perversidade do agente através de uma ponderação global das circunstâncias externas e internas presentes no facto concreto[21].

Para FIGUEIREDO DIAS, «[o] especial tipo de culpa do homicídio doloso é em definitivo conformado através da verificação da «especial censurabilidade ou perversidade» do agente.
O pensamento da lei é o de pretender imputar à “especial censurabilidade” aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas, e à “especial perversidade” aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas[22].

Segundo FERNANDO SILVA, a especial censurabilidade prende-se essencialmente com a atitude interna do agente, traduzida em conduta profundamente distante em relação a determinado quadro valorativo, afastando-se dum padrão normal. O grau de censura aumenta por haver na decisão do agente o vencer de factores que, em princípio, deveriam orientá-lo mais para se abster de actuar, as motivações que o agente revela, ou a forma como realiza o facto, apresentam, não apenas um profundo desrespeito por um normal padrão axiológico, vigente na sociedade, como ainda traduzem situações em que a exigência para não empreender a conduta se revela mais acentuada.
A especial perversidade representa um comportamento que traduz uma acentuada rejeição, por força dos sentimentos manifestados pelo agente que revela um egoísmo abominável. A decisão de matar assenta em pressupostos absolutamente inaceitáveis. O agente toma a decisão sob grande reprovação atendendo à personalidade manifestada no seu comportamento. O agente deixa-se motivar por factores completamente desproporcionais, aumentando a intolerância perante o seu facto[23].

Por fim, o entendimento de AUGUSTO SILVA DIAS segundo o qual «[h]á unanimidade na doutrina e jurisprudência nacionais em torno da ideia de que, em último termo, a qualificação do homicídio assenta num especial tipo de culpa: toda a punição por homicídio qualificado tem de passar pela comprovação da especial censurabilidade ou perversidade do agente (n.º 1) e isso exige uma ponderação final da atitude deste»[24].

5.4. Retomando o caso concreto, verificamos, como já ficou dito, que o acórdão recorrido não considerou verificada a circunstância qualificativa prevista no n.º 2, alínea b) do artigo 132.º do Código Penal.

Decisão correcta esta, já que, na verdade, da factualidade dada como provada, não resulta que o arguido e a vítima vivessem em “união de facto”, em situação análoga à dos cônjuges.

Entendeu-se, porém, no acórdão recorrido que «permanece (…) uma situação de namoro, a utilização de objecto contundente, o matar em mata arbustiva, certamente lugar ermo dado o tempo que demorou a localização do corpo da vítima e o abandonar do corpo, nesse local, sem qualquer expressão de arrependimento».
Acrescentando-se que «[a]s situações de namoro estabelecem também fortes vínculos afectivos entre as pessoas, não se podendo dizer que, por não haver união de facto, se mostram diluídas a censurabilidade e perversidade, na actuação do arguido. Valorativamente, a situação é muito semelhante à prevista no art.º 132º/2, b), C.P.».

Analisando os factos provados, não vislumbramos indícios suficientemente seguros dessa referida «situação de namoro».
Em termos sociológicos, tem-se entendido que essa situação constitui uma forma de relacionamento afectivo mantido entre duas pessoas que se unem pelo desejo de estarem juntas e partilharem novas experiências, eventualmente, de natureza sexual. O  «namoro» é percepcionado como uma relação em que o casal surge comprometido socialmente, constituindo, tradicionalmente, uma fase do relacionamento que antecede o noivado e o casamento em que o casal partilha conhecimentos, fortalece a confiança e cumplicidade, podendo propiciar uma maior intimidade emocional e/ou sexual para uma decisão por um compromisso mais sério e tendencialmente definitivo.
Uma relação de namoro tem subjacente uma situação com alguma estabilidade para que se distinga de outras ligações fugazes, precárias, muitas das vezes firmadas para satisfação de impulsos sexuais.

Ora, de acordo com a factualidade provada, o arguido passou a relacionar-se com a vítima (II ) quando ainda mantinha «uma relação amorosa e trato sexual com a HH», em casa de quem vivia (factos 3 e 5).
A HH confrontou o arguido AA com aquele relacionamento, já após ter cessado o seu relacionamento com o arguido, confirmando-lho este e exibindo-lhe uma fotografia no telemóvel onde a II lhe estava a fazer sexo oral (facto 7)
HH, pelo facto do arguido ter outras mulheres, querer que o seu filho saísse de casa e que lhe satisfizesse fantasias sexuais, a que se negava, expulsou o arguido de casa em 01 de Maio de 2012. (facto 8)
O arguido AA, quando ainda se encontrava na área de ..., enviou ao companheiro da II, LL, mensagens de texto via telemóvel, às quais anexava fotografias da II, com o teor seguinte: “então esta é que é a puta da tua mulher”; “é esta a mãe que queres para a tua filha” (facto 11).
A II e LL, com quem aquela viveu em união de facto, são pais de uma filha, a ..., nascida em ....2008 (facto 12).
Uns meses antes de Agosto de 2012, em ..., o arguido AA começou relacionamento amoroso e trato sexual com a II (facto 13).
Em 16.06.2012, às 00H03M, o arguido, através do seu telemóvel com o cartão de acesso n.º ..., enviou para o telemóvel que II usava, mensagem escrita com o teor seguinte: “E o que eu mais quero é casar e ser feliz com essa Maria”.
Resposta da II às 00:03 horas de 16.06.2012; “também quero ser muito feliz com os filhos e com o sr luis”.
Resposta do arguido à II às 00:09 horas de 16.02.2012; “Então sendo assim vamos fazer tudo para ser mos felizes os quatro. Agora vou tentar dormir amor. Dorme bem. Amo te muito. Bjs fofos”.
A vítima II estava convencida que o arguido a amava, que ia fazer vida em comum com ele e que de tal “família” fariam parte os seus dois filhos (factos 14, 15, 16 e 17).
No dia 09 de agosto de 2012, o arguido AA e II abandonam a localidade de Torres Novas, no carro utilizado e conduzido pelo arguido, veículo automóvel ligeiro, marca “Renault”, modelo “Clio”, preto, com a matrícula ...-XV, em direcção ao Minho (facto 28).

No dia 09 de Agosto de 2012, o arguido alugou um quarto de casal, com casa de banho privativa, na residencial “...”, sita na Rua ...
Desde o dia 09 de Agosto de 2012 até ao dia 27 de Agosto de 2012, o arguido AA e II passearam por aquela zona de ... e concelhos vizinhos de ....
II Pinto Ernesto, durante o sobredito período de tempo (09 a 27 de Agosto de 2012), estabelece contactos telefónicos assíduos com familiares (mãe, padrasto, companheiro e filhos) (factos 31, 32 e 33).

Perante estes factos, há que reconhecer que a relação que o arguido e a II estabeleceram era recente revelando-se uma insuficiente estabilidade e solidez da mesma por forma a que possa ser caracterizada, como o foi no acórdão recorrido, «valorativamente», como uma situação «muito semelhante à prevista no art. 132.º/2,b), C.P.».

É verdade que o arguido e a II trocaram mensagens que apontavam para uma vida conjunta e que aquela «estava convencida que o arguido a amava, que ia fazer vida em comum com ele e que de tal “família” fariam parte os seus dois filhos». Todavia, dos factos provados, outros existem no sentido da diminuição e esmorecimento desse propósito, como os que se reportam à situação gerada com a falta de pagamento pelo arguido da quantia que a II lhe emprestara (factos 20 a 25) e do próprio facto provado sob o n.º 27, em que «Numa troca de mensagens entre o arguido e II entre as 15:33 e as 16:19 horas de 17.06.2012, ela responde – “Não sabia k por amor matavas”».

Como consta do n.º 96 dos factos provados, no período a que se reportam os factos descritos na acusação, o arguido havia deixado de se relacionar com o ex-cônjuge, estabelecendo outros relacionamentos afectivos, cuja vinculação terá sido efémera e superficial, incluindo com a vítima.

5.5. De todo o modo, ainda que se nos deparasse uma «situação de namoro», consideramos que ela, em si mesma, jamais se poderia compreender no catálogo dos exemplos-padrão do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal e, concretamente, na situação contemplada na sua alínea b), sob pena de violação do princípio da tipicidade e da legalidade penal.

5.6. Também é patente que a conduta do arguido não integra qualquer um dos restantes exemplos-padrão, ou exemplos-tipo condensados nas restantes alíneas do n.º 2 do citado artigo 132.º.

5.7. Por seu lado, da análise dos factos provados, ressalta a escassez de informação sobre as circunstâncias que antecederam e que rodearam a prática do crime. Ignoramos os motivos que levaram o arguido e a vítima à «mata arbustiva», ao local onde o arguido, com objecto contundente, matou a infeliz II. Nada sabemos da motivação presente nos momentos antecedentes ou contemporâneos da execução do crime. Ignora-se qual o motivo concreto e imediato que desencadeou a execução do crime. Que força ou energia criminosa foram empreendidas pelo arguido.

Não existem, enfim, circunstâncias que nos possam fornecer uma «imagem global do facto» reveladora de uma especial censurabilidade ou perversidade, sendo que, conforme é sublinhado no acórdão deste Supremo Tribunal de 21-01-2009, já citado, «[a] decisão sobre a integração do crime de homicídio qualificado exige (…) que se proceda à definição da imagem global do facto, de modo a logo aí detectar a particular forma de culpa que justifica a qualificação do homicídio, sem esquecer, na dimensão da integração diferencial, que o tipo geral de homicídio constitui já, por si mesmo, pela natureza e moldura penal aplicável, um crime de acentuada gravidade que protege o bem vida como valor essencial inerente à pessoa humana».

Reafirma-se que, subjacente à especial censurabilidade ou perversidade, está um maior grau de culpa que o agente manifestadas, o que motiva a agravação.

Como refere TERESA SERRA, «a ideia de censurabilidade constitui o conceito nuclear sobre o qual se funda a concepção normativa da culpa. Culpa é censurabilidade do facto ao agente, isto é, censura-se ao agente o ter podido determinar-se de acordo com a norma e não o ter feito».
No artigo 132.º, trata-se de uma censurabilidade especial, que existe quando «as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores.
A especial perversidade supõe “uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade».
Segundo a mesma autora, dominantemente, entende-se que só se pode decidir que a morte foi causada em circunstâncias que revelam especial censurabilidade ou perversidade do agente através de uma ponderação global das circunstâncias externas e internas presentes no facto concreto[25].

No caso sub judice, por inexistirem circunstâncias que permitam qualificar a conduta do arguido como especialmente censurável ou perversa, não pode o mesmo ser condenado pelo crime de homicídio qualificado, antes devendo sê-lo pelo crime de homicídio simples, p. e p. pelo artigo 131.º do Código Penal, procedendo, nesta parte, o recurso.


6. Medida da pena

O crime de homicídio praticado pelo arguido-recorrente é punido com a pena de prisão de 8 a 16 anos.
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, a medida da pena é determinada, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o artigo 40.º, n.º 2, do mesmo Código.
Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente ao grau de ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins e motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime (artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal).
Sobre a determinação da pena, em razão da culpa do agente e das exigências de prevenção, lê-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 15-12-2011, proferido no processo n.º 706/10.6PHLSB.S1, convocado, mais recentemente no acórdão de 27-05-2015 (proc. n.º 445/12.3PBEVR.E1.S1):
«Ao elemento prevenção, no sentido de prevenção geral positiva ou de integração, vai-se buscar o objectivo de tutela dos bens jurídicos, erigido como finalidade primeira da aplicação de qualquer pena, na esteira de opções hoje prevalecentes a nível de política criminal e plasmadas na lei, mas sem esquecer também a vertente da prevenção especial ou de socialização, ou, segundo os termos legais: a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º n.º 1 do CP).
Ao elemento culpa, enquanto traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no facto, da singular personalidade do agente (com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos) pede-se que imponha um limite às exigências, porventura expansivas em demasia, de prevenção geral, sob pena de o condenado servir de instrumento a tais exigências.
Neste sentido é que se diz que a medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto óptimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização (Cf. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, pp. 227 e ss.).
Quer isto dizer que as exigências de prevenção traçam, entre aqueles limites óptimo e mínimo, uma submoldura que se inscreve na moldura abstracta correspondente ao tipo legal de crime e que é definida a partir das circunstâncias relevantes para tal efeito e encontrando na culpa uma função limitadora do máximo de pena. Entre tais limites é que vão actuar, justamente, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, cabendo a esta determinar em último termo a medida da pena, evitando, em toda a extensão possível (...) a quebra da inserção social do agente e dando azo à sua reintegração na sociedade (FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 231).
Ora, os factores a que a lei manda atender para a determinação concreta da pena são os que vêm indicados no referido n.º 2 do art. 71.º do CP e (visto que tal enumeração não é exaustiva) outros que sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infracção do princípio da proibição da dupla valoração.»
Como também se lê no acórdão deste Supremo Tribunal, de 03-07-2014 (proc. n.º 1081/11.7PAMGR.C1.S1 – 3.ª Secção), «a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização».
Como justamente refere MARIA JOÃO ANTUNES, «[s]e a medida da pena é a protecção de bens jurídicos e, na medida do possível, a reintegração do agente na sociedade, e se a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa (artigo 40.º, n.os 1 e 2, do CP), então a medida da pena há de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, sem ultrapassar a medida da culpa, actuando os pontos de vista de prevenção especial de socialização entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de tutela de tais bens»[26].
A medida da pena, considera a mesma autora, «há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, face ao caso concreto, num sentido prospectivo de tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida»[27].

Nos termos do artigo 71.º do Código Penal, a medida concreta da pena é fixada em função da culpa e das exigências da prevenção, devendo atender, nomeadamente, à ilicitude do facto, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados na prática do crime e à sua motivação, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior aos factos, à sua falta de preparação para manter conduta lícita.

Na realização dos fins das penas – protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal) – as exigências de prevenção geral constituem, nos casos de homicídio, uma finalidade de primordial importância.
A vida humana é o bem essencial, o valor fundamental, inviolável na expressão constitucional (artigo 24.º, n.º 1, da Constituição da República), sendo a comunidade abalada de forma muito intensa quando, por acto voluntário, se ofende a vida de um dos seus membros.
           Como sublinham GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, «o direito à vida é um direito prioritário, pois é condição de todos os outros direitos fundamentais, sendo material e valorativamente o bem mais importante do catálogo de direitos fundamentais e da ordem jurídico-constitucional no seu conjunto»[28].
E, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, 1.ª parte, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o direito de qualquer pessoa à vida é protegido pela lei, tratando-se essencialmente de um direito a não ser privado da vida, um direito a não ser morto.
São, pois, evidentes e prementes as exigências de prevenção geral expressas na perturbação comunitária que provoca este tipo de crimes que põem em causa valores nucleares da sociedade.
Sendo uma das finalidades das penas a tutela dos bens jurídicos – artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal –,definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que ter em atenção o bem jurídico tutelado nas normas incriminadoras de homicídio –, a vida humana inviolável.
Na realização dos fins das penas, as exigências de prevenção geral constituem nos casos de homicídio uma finalidade de axial importância.
            Essa finalidade de prevenção geral pretende acentuar perante a comunidade o respeito e a confiança na validade das normas que protegem o bem mais essencial.
Relembrando asserções já tecidas, e convocando o ensinamento de FIGUEIREDO DIAS, «A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida»[29].
Como já se consignou, citando-se MARIA JOÃO ANTUNES, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, face ao caso concreto, num sentido prospectivo de tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida.
Significando a prevenção geral positiva ou de integração, sublinha-o AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, que a pena é um meio de interpelar a sociedade e cada um dos seus membros para a relevância social e individual do respectivo bem jurídico tutelado penalmente.
A prevenção geral positiva tem ainda, considera o mesmo autor, a dimensão ou objectivo da pacificação social ou, por outras palavras, do restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela penal estatal dos bens jurídicos fundamentais à vida colectiva ou individual. Esta mensagem de confiança e de pacificação social é dada, especialmente, através da condenação penal, enquanto reafirmação efectiva da importância do bem jurídico lesado[30].
Mas a pena tem também uma função de prevenção geral negativa ou de dissuasão da prática de futuros crimes.
Nesta perspectiva, como justamente é lembrado no acórdão deste Supremo Tribunal, de 15-05-2013, proferido no processo n.º 154/12.3JDLSB.L1.S1 – 3.ª Secção:
«[O] ponto de partida da individualização penal é a determinação dos fins das penas pois que só arrancando de fins claramente definidos é possível determinar os factos que relevam na respectiva ponderação. Aqui, é preciso, em primeiro lugar, readquirir a noção da importância fundamental que assume a justa retribuição do ilícito, e da culpa, compreendendo o princípio da culpa quer uma função fundamentadora, quer uma função limitadora da mesma pena. Ao mesmo nível que a retribuição justa situa-se o fim da prevenção especial.
Por consequência a pena deve ponderar, também, a forma de contribuir para a reinserção social do arguido e de não prejudicar a sua posição social para além do estritamente inevitável. Esta exigência está plasmada na fórmula de Kohlrausch sobre a prevenção especial “Na individualização da pena o tribunal deve considerar os meios necessários para reconduzir o arguido a uma vida ordenada e ajustada á lei”.
Salienta Jeschek que, na prevenção especial, se contem a protecção da comunidade face ao delinquente perigoso o que é, frequentemente, esquecido. 
Por fim a prevenção geral é um fim indispensável da pena pois que esta deve ser ponderada por forma a neutralizar os efeitos do delito como exemplo negativo para a comunidade e deve contribuir, simultaneamente, para fortalecer a sua consciência jurídica assim como a satisfazer o pedido de justiça por parte do círculo de pessoas afectadas pelo delito e pelas suas consequências (confirmação da ordem jurídica).
Estamos em crer que é nunca é demais acentuar o papel da culpa como critério fundamentador da medida da pena. Na verdade, as normas deveriam “ser reafirmadas na sua própria existência como um fim em si mesmas” enquanto o agente, pelo contrário, tem direito a esperar, e espera, sobretudo uma resposta ao facto injusto e culposo que cometeu. Realçando-se a prevenção como critério fundamental desvanece-se, com prejuízo da justiça individual, a orientação que o Direito penal faz da responsabilidade do agente pela sua acção. 
Sem embargo, a culpa e a prevenção residem em planos distintos. A culpa responde á pergunta de saber se, e em que medida, o facto deve ser reprovado pessoalmente ao agente, assim como qual é a pena que merece. Só então se coloca a questão, totalmente distinta da prevenção. Aqui há que decidir qual a sanção que parece apropriada para introduzir de novo o agente na comunidade e para influir nesta num sentido social-pedagógico. 
A culpa é a razão de ser da pena e, também, o fundamento para estabelecer a sua dimensão. A prevenção é unicamente a finalidade da mesma.
Em termos dogmáticos é fundamento da individualização da pena a importância do crime para a ordem jurídica violada (conteúdo da ilicitude) e a gravidade da reprovação que deve dirigir-se ao agente do crime por ter praticado o mesmo.»

No crime de homicídio, acentua-se, são muito intensas as exigências de defesa do ordenamento jurídico e da paz social, dada a extrema sensibilidade da comunidade em relação aos mesmos e a premente necessidade de os prevenir.
Há que ter presente, como já se assinalou, o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora é, de entre todos, o mais elevado – a vida – pelo que, salvo circunstância de excepcional valor atenuativo, não sejam admissíveis nestes crimes abrandamentos do respectivo sancionamento.
E como referido no acórdão deste Supremo Tribunal de 11-07-2007, processo n.º 1583/07 - 3.ª Secção, convocado em recente acórdão de 29-03-2017 (proc. n.º 2183/14.3JAPRT.P1 – 3.ª Secção), a criminalidade violenta, em que se integra o crime de homicídio, assume alguma preocupação comunitária em crescendo, pelo que, para confiança da colectividade na lei, em nome de uma desejável tranquilidade e segurança de respeito pela vida humana, as necessidades de prevenir a prática de tal crime são muito presentes.
Consequentemente, em termos de prevenção geral, tanto positiva, como intimidatória, as necessidades de endurecimento da reacção penal fazem-se sentir de forma elevada, perante a revolta gerada junto da população em geral pelo tipo de criminalidade ora em apreço, que aparece com frequência.

No caso presente, é muito elevado o grau de ilicitude dos factos, assumindo a culpa do arguido a forma de dolo directo, em elevada intensidade.
Muito embora se ignorem o circunstancialismo que rodeou o cometimento do crime, não existem dúvidas quanto à personalidade muito desvaliosa manifestada pelo arguido bem revelada no facto de ter tirado a vida a uma mulher com quem mantinha um relacionamento afectivo a ponto de aquela se ter convencido que o arguido a amava, que ia fazer vida em comum com ele e que de tal “família” fariam parte os seus dois filhos (facto provado n.º 17).

Não existem circunstâncias atenuantes que devam ser tidas em consideração.
O arguido já foi condenado, em Dezembro de 2003, pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada e pelo crime de detenção ilegal de arma de defesa, na pena única de 10 anos e 3 meses de prisão.
Não se observam vínculos familiares de apoio, observando-se sinais de rejeição à sua presença na comunidade de que é originário.
Quando em liberdade, o arguido não tem assegurado qualquer projecto nem dispõe de perspectivas de emprego.
Revela «falta de ressonância normativa» e «insuficiente interiorização do respeito pelos direitos de terceiros». Como consta do facto n.º 108, «a negação ou a externalização da responsabilidade, a permeabilidade a um padrão de comportamento antissocial, com natural tendência em distanciar-se da realidade de terceiros, comprometem o processo de reinserção social».
No que concerne às exigências de prevenção geral, reafirma-se que as mesmas se fixam num grau muito elevado, exigindo a comunidade uma repressão eficaz destas condutas delituosas com o fim de prevenir a sua renovação.

Consideramos também muito fortes e intensas as exigências de prevenção especial.

O arguido evidencia dificuldades de envolvimento nas dimensões afectiva e interpessoal revelando notória incapacidade para delinear e prosseguir um plano de vida válido e normativo, encontrando-se comprometido o processo de reinserção social.

À luz dos critérios que se enunciaram e das considerações expendidas, acentuando-se as exigências de prevenção geral que assumem aqui uma especial intensidade, julgamos justa e adequada a pena de 16 (dezasseis) anos de prisão a aplicar ao arguido-recorrente pela prática do crime de homicídio previsto no artigo 131.º do Código Penal.


III – DECISÃO

Em face do exposto, acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:

1. Rejeitar o recurso interposto pelo arguido na parte em que se invocam os vícios da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova.

2. Julgar improcedente o recurso relativamente às nulidades invocadas no âmbito das proibições de prova e quanto à invocada violação do princípio in dubio pro reo.

3. Na procedência parcial do recurso interposto, acordam ainda em:

 3.1. Absolver o arguido AA da prática do crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º do Código Penal.

3.2. Condenar o arguido AA, como autor material de um crime de homicídio p. e p. pelo artigo 131.º do Código Penal, na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão.

Sem custas – artigo 513.º, n.º 1, do CPP.


SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 20 de Setembro de 2017
(texto elaborado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP).

Manuel Augusto de Matos (Relator)
Lopes da Mota

..................................
[1]              Mantêm-se os segmentos destacados, em itálico e sublinhados do original.
[2]              Mantêm-se igualmente os trecho destacados e frisados no original.
[3]              Entre outros, ac. STJ de 11 de Dezembro de 2003, Processo n.º 2293.03, 5ª, n.ºs 6.12 a 6.14 e respectiva nota de rodapé
[4]              Disponível, como os demais acórdãos que se citarem sem outra indicação quanto à sua fonte, nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, em www.dgsi.pt.
[5]              Neste sentido, vide, entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13-11-2014 (Proc. n.º 249/11.0PECBR.C1.S1), de 07-05-2014 (Proc. n.º 250/12.7JABRG.G1.S1), de 18-06-2014 (Proc. n.º 659/06.5GACSC.L1.S1), de 02-10-2014 (Proc. n.º 87/12.3SGLSB.L1.S1), bem como os acórdãos, acessíveis in www.stj./jurisprudencia/sumários de acórdãos/Criminal - Ano de 2014, de 13-02-2014 (Proc. n.º 160/13.0TCLSB.L1.S1), de 27-02-2014 (Proc. n.º 1572/11.0JAPRT.P1.S2), de 10-04-2014 (Proc. n.º 431/10.8GAPRD.P1.S1), de 14-05-2014 (Proc. n.º 42/11.0JALRA.C1.S1), de 18-09-2014 (Proc. n.º 1299/09.2PBLRA.C1.S1), e de 25-09-2014 (Proc. n.º 384/12.8TATVD.L1.S1).
[6]              Lições de Direito Processual Penal, 2015, Almedina, p. 222.
[7]              Direito Processual Penal, 2016, Almedina, p. 171.
[8]              Ob. e loc. cits.
[9]              Sumários de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça – Secções Criminais – Ano de 2012.
[10]             Sumários de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça – Secções Criminais – Ano de 2014.
[11]             Também citado por PATRÍCIA SILVA PEREIRA, Prova Indiciária no âmbito do Processo Penal, 2017, Almedina, p. 160.
[12]             Et alii, em Código de Processo Penal Comentado, 2016 – 2.ª Edição Revista, Almedina, p. 593.
[13]             Idem, ibidem.
[14]             Ob. cit., p. 451.
[15]             Ibidem.
[16]             Ob. cit., pp. 451-452.
[17]             Ob. cit., p. 454.
[18]             Ob. cit., pp. 488-489.
[19]             [19] No mesmo sentido Fernando Silva, Direito Penal Especial Crimes contra as pessoas pág 60 e seguintes; Augusto Silva Dias, [Crimes contra a Vida em e a Integridade Física], pág 20 e seg. Para Teresa Serra - Homicídio Qualificado, pág 66- a verificação das circunstâncias previstas no n° 2 do art. 132° seja ela relativa ao facto ou à culpa do agente, significando um amento da culpa ou da ilicitude, só constitui um indício da existência de especial censurabilidade ou perversidade que fundamenta a moldura penal agravada do homicídio qualificado.
[20] Regelbeispiele lhes chama Jeschek (tratado pag. 245) considerando que os exemplos padrão não constituem elementos qualificativos do tipo, mas regras de aplicação de pena. A particularidade dos exemplos regulados é dupla. Por um lado a concorrência dos elementos constantes do exemplo representa só um indício para a apreciação dum caso especialmente grave. O juiz pode recusar o efeito indiciário se uma valoração global do facto e do agente revela que o concreto conteúdo do ilícito e da culpa do facto, apesar da realização dos elementos constitutivos do exemplo regulado, não diferem essencialmente da média dos casos da correspondente classe de delito que se apresentam normalmente.
[20]           Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, p. 26.
[21]             Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, 1990, pp. 63-64.
[22]             Comentário Conimbricense do Código Penal, cit., p. 29.
[23]             Direito Penal Especial, Crimes contra as Pessoas, Quid Juris, 2005, pp. 50-51.
[24]             Crimes contra a vida e a integridade física, 2.ª edição, revista e actualizada, AAFDL, 2007, p. 29.
[25]             Homicídio Qualificado …, cit., pp. 63-64.
[26]             Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, p. 44.
[27]             Idem, ibidem.

[28]             Constituição da República Portuguesa Anotada, 2007, volume I, pp. 446-447.
[29]             “O sistema sancionatório do Direito Penal Português”, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, p. 815,
[30]             Direito Penal – Parte Geral, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pp. 65-66.