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CONTRATO DE MÚTUO
FORMA
NULIDADE
Sumário
I– De acordo com o disposto no artº 1142º do Código Civil “mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”.
II– Segundo resulta do artº 1143º do Código Civil, o mútuo é um negócio consensual ou formal, consoante o seu valor, sendo que o mesmo só é válido se for celebrado por escritura pública (sendo o seu valor superior a 25.000 €) ou por documento assinado pelo mutuário (sendo o seu valor superior a 2.500 € e inferior a 25.000 €).
III– Caso o contrato deva ser celebrado com tal forma e o não seja, estará ferido de nulidade, nos termos do artº 220º do Código Civil.
IV– A declaração de nulidade do mútuo, por falta de forma, tem como consequência a restituição, pelo mutuário, de tudo o que tiver sido prestado, nos termos do artº 289º nº 1 do Código Civil.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA.
I–Relatório:
1)– O A. José F. instaurou a presente acção declarativa de condenação, com a forma de processo comum contra Arnaldo M., Joaquina M., Joaquim F. e Gracinda F., pedindo a condenação dos R.R. no pagamento da quantia de 35.060 €, acrescida de juros de mora a contar do dia 1/1/2015 até integral pagamento, bem como que sejam declaradas válidas as confissões de dívida trazidas aos autos. Para fundamentar tal pretensão alega, em resumo, que emprestou aos R.R., no período compreendido entre 27/7/2007 e Junho de 2011 diversas quantias em dinheiro, no valor total de 55.610 €, sendo que no referido período os R.R. pagaram ao A. a quantia total de 20.550 € para amortização da referida dívida. O A. alega ainda que, à medida que os R.R. solicitavam estas quantias, assinaram as correspondentes confissões de divida, sendo que os dois primeiros R.R. o fizeram, na qualidade de mutuários e os dois segundos R.R. na qualidade de fiadores. No que se refere à validade dos mútuos efectuados, entende o A. que a questão não se coloca atentas as confissões de divida assinadas pelos R.R.. Desde 2012 que o A. tem solicitado aos R.R. o pagamento dessas quantias, sem êxito.
2)– Regularmente citados, vieram os R.R. apresentar contestação, impugnando os factos alegados pelo A. e pedindo a sua absolvição. Em resumo, afirmam que o A. emprestou-lhes a quantia total de 55.210 €. No entanto, para evitar que os referidos empréstimos fossem nulos por falta de forma, o A. fez os R.R. assinar as declarações de divida juntas aos autos. Invocam, assim, a nulidade dos referidos mútuos. Por outro lado, referem que, relativamente às quantias de 2.300 € e 2.310 €, não foi convencionado o pagamento de quaisquer juros. No entanto, alegam os R.R. que a referida quantia mutuada foi integralmente paga, tendo entregue entre Novembro de 2007 e Abril de 2009, a quantia total de 20.550 €. Por outro lado, entre Maio de 2007 e Outubro de 2007, pagaram mensalmente a quantia de 530 €, no valor total de 3.180 €, e a partir de Dezembro de 2007 até Abril de 2014, os dois primeiros R.R. pagaram ao A. a quantia mensal de 428 €, no valor total de 32.956 €. Afirma, assim, os R.R. que pagaram ao A. mais 876 € do que deviam, sendo que os pagamentos efectuados foram-no a título de amortização de capital e não para pagamento de juros, os quais não são devidos pois nenhum dos mútuos celebrados com o A. são válidos atenta o respectivo valor e a falta de forma.
3)– Teve lugar uma audiência prévia onde foi elaborado o despacho saneador, enunciado o objeto do litígio e indicados os temas de prova. 4)– Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com a observância do legal formalismo.
5)– Posteriormente foi proferida Sentença a julgar a acção improcedente, constando da parte decisória da mesma : “Nestes termos e com estes fundamentos, decide este Tribunal julgar a ação improcedente e, em consequência, absolvem-se os RR. Arnaldo M., Joaquina M., Joaquim F. e Gracinda F., do pedido de condenação contra si formulado pelo A, José F.. Custas a cargo do A. Registe e notifique”.
6)– Desta decisão interpôs o A. recurso de apelação, para tanto apresentando a sua alegação com as seguintes conclusões : “32º- Dos valores mutuados não existem dúvidas quanto ao seu montante. 33º- Já quanto ao modo de pagamento a prova produzida é contraditória. Pois, 34º- Em abono da verdade, a testemunha Andreia, apresentou no seu testemunho duas posturas. Um testemunho programado e um testemunho espontâneo, não coincidentes. 35º- Em instâncias da mandatária dos RR. veio, em modo desgarrado a testemunha dizer ter o seu pai feito pagamentos ao Sr. José F. de € 530,00 mensais, até que em Novembro pela quantia de € 25 000,00 pedida em Julho, pagámos € 17 500,00 e, a partir desse momento o Sr. José F. diminui a prestação para € 428,00 mensais, e pediram outros valores tendo mais duas reduções, mas esse valor nunca diminuía porque tiveram até 2014 a pagar € 428,00 mensais. Ora, 36º- Esclareceu o A. que em 09/02/2008 o R. Arnaldo entregou-lhe € 1 000,00, em 27/04/2009 entregou-lhe € 2 050,00 e que se destinavam a amortizar a divida, mas, que não recebeu mais nenhuma quantia, pelo contrário, foi-lhe solicitado outro empréstimo, em 22/06/2011 de € 2310.00. 37º- Quanto a estes reembolsos para a amortização a testemunha Andreia nada referiu, sendo que, tal facto, era favorável ao seu pai. 38º- Demonstrando, ter algum conhecimento circunstancial, apenas daquilo que o pai lhe transmitiu. Do ouvir dizer. 39º- Não esclarecendo especificamente, os dias em que foram feitos os pagamentos mensais que se arrogou dizer terem sido pagos, quais os valores em divida mensalmente, o juro a pagar ou já liquidado. 40º- Prestando uma informação muito genérica não suportada em factos pelos quais o tribunal poderia concluir com toda a segurança da sua veracidade. 41º- Logo em termos probatórios, uma prova frágil. 42º- Remetendo-nos para os ensinamentos dos Profs. Pereira Coelho, Obrigações, 1967, 215, e Pessoa Jorge, Obrigações, 1966, 34 “É ao devedor que incumbe provar o cumprimento das obrigações”. 43º- No mesmo sentido, Prof. Galvão Telles, Obrigações, 3ª ed., 279, “É o devedor que tem que provar que cumpriu a obrigação e não o credor que tem de demonstrar a inexecução da obrigação e isto face a que o cumprimento não é, em regra, objecto de presunção legal; como se costuma dizer “o pagamento em direito não se presume”. Há, no entanto, em certos casos, presunções legais de cumprimento, cabendo, então, ao credor ilidir mediante prova em contrário. Ora bem, 44º- Como concluiu a testemunha por último, em instâncias do tribunal, aos (01:02:68:48) da gravação digital, o pai disse-lhe que quando foi pedir o dinheiro assinava um documento e quando o pai fazia o pagamento o A. registava na sua presença. 45º- Tal informação é coincidente com o transmitido pelo A. no seu depoimento, dizendo que quando não passava quitação era registado na folha 4. Mas a este respeito, não foi impugnado tal registo, nem requerido ao A. a junção de toda a documentação e contabilidade onde estavam subscritos tais registos, conforme o disposto no artº 429º CPC. 46º- Ora, salvo devido respeito, por melhor opinião, o artº 342º do CC aplica-se a qualquer parte em litígio. 47º- Impondo-se a qualquer parte ao abrigo do artº 342º CC fazer prova do seu direito alegado. - Do erro acerca da valoração dos depoimentos 48º- É nosso entendimento ter o tribunal retirado a sua conclusão do depoimento da testemunha Andreia, que não teve qualquer intervenção e conhecimento direto com os factos em apreço, e também tem interesse na causa por se tratar de uma dívida peticionada ao seu pai e, a testemunha nos seus relatos sempre mencionar nós, logo, sendo interveniente interessado numa decisão favorável, considerando-se que tal apreciação foi em desfavor do depoimento do A. 49º- Consideramos ter o tribunal “a quo” uma apreciação tendencial a favor dos RR. Bem como, 50º- Retirou o tribunal “a quo” conclusões do alegado na contestação, o qual vai além do que ficou provado pela testemunha. 51º- Violando-se, assim, a imparcialidade na apreciação de toda a prova produzida consagrado no artº 204º da Constituição da Republica Portuguesa. Pelo que, da motivação de facto e de direito alegada deve ser concedido provimento ao presente recurso, com as legais consequências, fazendo-se assim, Justiça”.
7)– Os R.R. apresentaram contra-alegações, onde concluem pela manutenção da Sentença recorrida. * * * II–Fundamentação.
a)– A matéria de facto dada como provada na 1ª instância foi a seguinte : 1- O A. e os R.R. Arnaldo e Joaquina sempre mantiveram um trato social de amizade e cooperação. 2- Os R.R. Arnaldo e Joaquina são empresários de estabelecimentos de café e pastelaria. 3- O A. dedica-se ao ramo imobiliário. 4- Os R.R. conheciam que o A. mantinha algum fundo de maneio para fazer face ao seu negócio, razão pela qual, quando os R.R. Arnaldo e Joaquina necessitavam de alguma quantia monetária a curto prazo para fazer face a situações inesperadas, recorriam ao A..
5- Porque os RR. são pessoas de bem e cuja intenção era o cumprimento os pagamentos emprestados, sempre se predispunham em declararem a sua dívida, em documentos que titularam de “Declaração de Confissão de Dívida” : a)- Confissão de divida de 10.000 €, emitida em 26/4/2007 e pagável até 27/7/2007, convencionando o pagamento dos juros legais aplicáveis ; b)- Confissão de dívida de 11.000 €, emitida em 27/4/2007 e pagável até 27/7/2007, convencionando o pagamento dos juros legais aplicáveis ; c)- Confissão de dívida de 8.282 €, emitida em 26/7/2007 e pagável até 26/7/2008, convencionando o pagamento dos juros legais aplicáveis ; d)- Confissão de dívida de 8.718 €, emitida em 27/7/2007 e pagável até 27/7/2008, convencionando o pagamento dos juros legais aplicáveis ; e)- Confissão de dívida de 8.000 €, emitida em 28/7/2007 e pagável até 27/7/2008, convencionando o pagamento dos juros legais aplicáveis.
6- Do cumulado expresso nos cinco documentos, os R.R. receberam do A., a título de empréstimo, a quantia de 46.000 €. 7- Os R.R. Arnaldo e Joaquina amortizaram aquele valor pela entrega ao A., em 30/11/2007, de 17.500 €.
8- A perspetiva dos RR. era continuarem a liquidar a quantia em falta, mas devido a contingências diversas, foram obrigados, em outras ocasiões, a recorrer à boa vontade do A., solicitando-lhe novos empréstimos para o pagamento a fornecedores : a)- Em 30/1/2008, o A. emprestou aos R.R. 2.500 € ; b)- Em 28/7/2008, o A. emprestou aos R.R. 2.500 € ; c)- Em 24/10/2008, o A. emprestou aos R.R. 2.300 €, Tudo no valor total de 7.300 €.
9- Os R.R. pagaram ao A., em 9/12/2008, a quantia de 1.000 €, e em 27/4/2009, pagaram ao A. a quantia de 2.050 €. 10- Em 22/6/2011, os R.R. solicitaram mais um empréstimo ao A., no valor de 2.310 €. 11- Relativamente aos empréstimos que o A. fez aos R.R. Arnaldo e Joaquina, em 30/1/2008, no montante cada um de 2.500 €, bem como os empréstimos que o A. lhes fez em 24/10/2008 e em 22/6/2011, no montante, respetivamente de 2.300 €, não foram convencionados quaisquer juros a pagar pelos R.R.. 12- Os R.R. Arnaldo e Joaquina entregaram para amortização da sua dívida ao A. a quantia mensal de 530 €, no período compreendido entre Maio de 2007 e Outubro de 2007, no total de 3.180 €. 13- A partir de Dezembro de 2007 até Abril de 2014, inclusive, os primeiros R.R. para amortização da sua dívida, pagaram ao A. a quantia mensal de 428 €, no total de 32.956 €.
b)- Foram considerados como Não Provados os seguintes factos : I- O A. interpelou os R.R. várias vezes e apresentava-lhes planos de pagamento com o perdão dos juros convencionados. II- Desde o ano de 2012 que o A., por necessidade de fazer face aos seus compromissos financeiros, tem por diversas vezes e formas interpelado os R.R. para o pagamento da incumprida dívida, de forma extrajudicial, sem êxito. III- O A. emprestou aos R.R. Arnaldo e Joaquina, em 24/4/2007, a quantia de 21.000 €, sem que nessa data haja sido celebrado o respetivo contrato mútuo por escritura pública. IV- Ao aperceber-se que tal mútuo era nulo por falta de forma, o A. solicitou a todos os R.R., logo no dia 27/4/2007 que assinassem as declarações de dívida juntas aos autos e datadas de 26/4/2007 e 27/4/2007. V- Em 25/7/2007, o A. emprestou aos R.R. Arnaldo e Joaquina, a quantia de 25.000 €, sem que nessa data haja celebrado a respetiva escritura pública formalizando tal mútuo. VI- O A., para evitar a celebração de tal escritura, essencial para que tal mútuo fosse válido, utilizou mais uma vez o expediente de desdobrar tal quantia em três fracções, fazendo os R.R. assinar, em 28/7/2007, as declarações de confissão de divida que juntou aos autos e datadas de 26, 27 e 28/7/2007. VII- Todas as quantias entregues pelos R.R. Arnaldo e Joaquina ao A., foram-no a título de amortização de capital e não para o pagamento de quaisquer juros.
c)- Como resulta do disposto nos artºs. 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
Perante as conclusões da alegação do recorrente as questões em recurso consistem em determinar :
-Se existem motivos para alterar a matéria de facto.
-Se a acção deve proceder.
d)- Passemos, em primeiro lugar, a verificar se existem motivos para alterar a matéria de facto dada como provada na 1ª instância. Ora, de acordo com o disposto no artº 640º nº 1 do Código de Processo Civil, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente, sob pena de rejeição do recurso, especificar :
-Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados.
-Quais os concretos meios de probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
-A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Há que realçar que as alterações introduzidas no Código de Processo Civil com o Decreto-Lei nº 39/95, de 15/2, com o aditamento do artº 690º-A (posteriormente artº 685º-B e, actualmente, artº 640º) quiseram garantir no sistema processual civil português, um duplo grau de jurisdição. De qualquer modo, há que não esquecer que continua a vigorar entre nós o sistema da livre apreciação da prova conforme resulta do artº 607º nº 5 do Código de Processo Civil, o qual dispõe que “o Juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
e)- Ora, o apelante, em sede de alegações propriamente ditas, limita-se a referir que “em sede de audiência de discussão e julgamento (…) ficou registado o depoimento de parte do Autor”. Faz diversas citações do mesmo, umas vezes em discurso indirecto, outras vezes com transcrições em discurso directo. Seguidamente, refere-se ao depoimento da testemunha “Andreia Laranjeira Moreira, que ouvida em sede de audiência e julgamento gravado em sistema de gravação digital aos 01:02: 42:25 relatou (…)”, seguindo-se a referência a partes do referido depoimento, referidas essencialmente em discurso indirecto. Sem mais considerandos, passa a apelante para as conclusões que acima se transcrevem. E nestas faz uma apreciação da prova dizendo que “já quanto ao modo de pagamento a prova produzida é contraditória”.
Sobre a testemunha Andreia afirma que a mesma demonstrou “conhecimento circunstancial, apenas daquilo que o pai lhe transmitiu. Do ouvir dizer”. E conclui que a mesma prestou “uma informação muito genérica” e que teria ela interesse numa decisão favorável, por ser filha do recorrido Arnaldo.
Tudo para dizer que considera “ter o tribunal “a quo” uma apreciação tendencial a favor dos R.R.”.
É esta a impugnação apresentada quanto à matéria de facto.
f)- Ora, o sentido e alcance dos supra referidos requisitos formais de impugnação da decisão de facto devem ser equacionados à luz das razões que lhes estão subjacentes, mormente em função da economia do julgamento em sede de recurso de apelação e da natureza da própria decisão de facto.
Assim, em primeira linha, importa ter presente que, no domínio do regime de recursos constante do Código de Processo Civil, o meio impugnatório mediante recurso para um Tribunal superior visa uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal “a quo” com vista a corrigir eventuais erros da decisão recorrida.
Em segundo lugar, no que respeita à impugnação da decisão de facto, esta decisão consiste no pronunciamento que é feito, em função da prova produzida, sobre os factos alegados pelas partes ou oportuna e licitamente adquiridos no decurso da instrução e que se mostrem relevantes para a resolução do litígio. Essa decisão tem, pois, por objecto os juízos probatórios parcelares, positivos ou negativos, sobre cada um dos factos relevantes, embora com o alcance da respectiva fundamentação ou motivação (neste sentido cf. Acórdão do S.T.J. de 22/10/2015, consultado na “internet” em www.dgsi.pt)..
“Neste quadro, a apreciação do erro de julgamento da decisão de facto é circunscrita aos pontos impugnados, embora, quanto à latitude da investigação probatória, o tribunal de recurso tenha um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, como decorre do preceituado no artigo 662º, nº 1, do CPC, incluindo os mecanismos de renovação ou de produção dos novos meios de prova, nos exatos termos do nº 2, alíneas a) e b), do mesmo artigo, sem estar adstrito aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido” (cf. Acórdão do S.T.J. de 22/10/2015, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
De resto, como tem decidido o S.T.J., a reapreciação da decisão de facto não se limita à verificação da existência de erro notório por parte do Tribunal “a quo”, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, por parte do Tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa. São portanto as referidas condicionantes da economia do julgamento do recurso e da natureza da decisão de facto que impõem ao recorrente o ónus de delimitar com precisão o objecto do recurso, ou seja, de definir as questões a reapreciar pelo Tribunal de recurso, especificando os concretos pontos de facto ou juízos probatórios, nos termos do artº 640º nº 1, al. a) do Código de Processo Civil.
Como se refere no já citado Acórdão do S.T.J. de 22/10/2015: “Tal especificação pode fazer-se de diferentes modos : o mais simples, por referência ao ponto da sentença em que se encontram inseridos ; ou então pela transcrição do próprio enunciado” “Por seu turno, a indicação dos concretos meios probatórios convocáveis pelo recorrente, nos termos da alínea b) do mesmo artigo, já não respeita propriamente à delimitação do objecto do recurso, mas antes à amplitude dos meios probatórios a tomar em linha de conta, sem prejuízo, porém, dos poderes inquisitórios do tribunal de recurso de atender a meios de provas não indicados pelas partes, mas constantes dos autos ou das gravações nele realizadas”. Por fim, de salientar que se impõe, também, ao recorrente, nos termos do artº 640º nº 1, al. c) do Código de Processo Civil, o requisito formal de indicar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Este é, pois, o método processual assumido como garantia de um julgamento equitativo das questões de facto e da legitimidade da decisão que sobre elas venha a recair, com observância dos princípios do contraditório e do tratamento igual das partes. Voltando ao referido Acórdão do S.T.J. : “Por outro lado, o legislador terá sido cauteloso em não permitir a utilização abusiva ou facilitação do mecanismo-remédio de impugnação da decisão de facto. Aliás, mal se perceberia que o impugnante atacasse a decisão de facto sem ter bem presente cada um dos enunciados probatórios e os meios de prova utilizados ou a utilizar na sua fundamentação cirúrgica. Daí a cominação severa da sua imediata rejeição”. g)- No caso dos autos verifica-se que, em bom rigor, lidas as alegações e as conclusões, não é perceptível que factos pretende o recorrente alterar. Qual dos Factos Provados ? O 1., o 5., o 13 ? Ou qualquer outro ? O pretende alterar um dos Factos Não Provados ?
Ora, o que, em primeira linha, se impunha ao apelante era simplesmente indicar os juízos probatórios tidos por incorrectamente julgados, mormente com referência aos diversos factos considerados como provados ou não provados e, em relação a cada um deles, especificar a decisão que entendia dever ser proferida, nos termos do artº 640º nº 1, als. a) e c) do Código de Processo Civil. Só depois de assim definido o âmbito dessa impugnação é que caberia então convocar os meios de prova a reapreciar em relação a cada um desses pontos, tecendo as considerações pertinentes à sua valoração.
Ou seja, e a título meramente exemplificativo, não se vislumbra que o apelante diga que o Facto 1. ou 2 (ou outro) tenha sido mal julgado e deva ser considerado como Não Provado ; ou que o Facto Não Provado I. ou II. (ou outro) deva ser dado como Provado.
Quanto aos meios de prova temos uma transcrição de algumas passagens dos depoimentos, seguida de uma crítica à razão de ciência das testemunhas, mas nada incidente sobre factos concretos.
Se aceitássemos esta impugnação totalmente genérica, sem indicação dos factos impugnados a ponderar pelo Tribuna de recurso, tal constituiria uma subversão da exigência dos requisitos formais de impugnação, a perturbar gravemente o exercício esclarecido do contraditório e até a comprometer o princípio da imparcialidade do próprio Tribunal.
Ou seja, o recorrente não identifica os factos impugnados, nem transcreve as passagens dos depoimentos das testemunhas, nem procede à respectiva análise crítica, que poderiam levar o Tribunal a ter uma decisão diferente da que foi apresentada na Sentença.
Veja-se, por exemplo, o Acórdão do S.T.J. de 18/2/2016 (consultado na “internet” em www.dgsi.pt), onde aquele Tribunal considera correctamente interposto um recurso sobre a matéria de facto onde :
-O recorrente enunciou na apelação, “como tendo sido mal julgados com base na prova testemunhal produzida, os pontos 8º, 15º, 22º, 29º, 36º e 43º, da base instrutória, pontos esses que elencou ainda nas conclusões das alegações”.
-“Indicou também os depoimentos que, na sua perspetiva, justificavam a pretendida alteração dos pontos de facto impugnados. Para o efeito, identificou as testemunhas (…), assim como a matéria sobre a qual foram ouvidas ; referenciou as datas em que tais depoimentos foram prestados e o CD onde se encontra a respetiva gravação, indicando o seu tempo de duração, e, para além disso, transcreveu e destacou a “negrito” as passagens da gravação tidas por relevantes e que, em seu entender, relevavam para a alteração do decidido”.
-“Por fim, especificou a decisão que, em seu entender, deveria ser proferida sobre os mencionados pontos de facto impugnados, tendo para o efeito sustentado que os mesmos deveriam ter sido dados como provados”. Nada disto é feito pela apelante no recurso em apreço. E, nesta medida, ao abrigo do disposto no artº 640º nº 2 do Código de Processo Civil, rejeita-se o recurso na parte atinente à impugnação da decisão da matéria de facto por parte do apelante.
h)- É, pois, pois, com base na factualidade fixada pelo Tribunal “a quo” que importa doravante trabalhar no âmbito da análise das restantes questões trazidas em sede de recurso.
i)- Vejamos a questão de Direito.
O artº 1142º do Código Civil prescreve que “mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”. Por sua vez, o artº 1143º do Código Civil, quanto à forma do mesmo contrato determina que “o contrato de mútuo de valor superior a 25.000 euros só é válido se for celebrado por escritura pública, e o de valor superior a 2.500 euros se o for por documento assinado pelo mutuário”. Por outro lado e de acordo com o preceituado no artº 220º do Código Civil, “a declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei”. Deste modo sendo o mútuo um negócio consensual ou formal, consoante o seu valor, o mesmo só é válido se for celebrado por escritura pública (sendo o seu valor superior a 25.000 €) ou por documento assinado pelo mutuário (sendo o seu valor superior a 2.500 € e inferior a 25.000 €). Caso o contrato deva ser celebrado com tal forma e o não seja, estará ferido de nulidade. É sabido que a declaração de nulidade de mútuo, por falta de forma, tem como consequência a restituição, pelo mutuário, de tudo o que tiver sido prestado. Isto por força do que decorre do disposto no artº 289º nº 1 do Código Civil, e não por via do enriquecimento sem causa.
j)- Transpondo tais considerações para o caso dos autos, e como bem se assinalou na decisão recorrida, existem diversas quantias mutuadas cujo valor consta de “Declarações de Confissão de Dívida” assinadas pelos recorridos, motivo pelo qual a questão da forma (ou da falta dela) dos mútuos encontra-se ultrapassada. Existem, porém, diversas quantias mutuadas em relação às quais inexiste “Declaração de Dívida” designadamente 2.500 € emprestados em 30/1/2008, 2.500 € emprestados em 28/7/2008, 2.300 € emprestados em 24/10/2008 e 2.310 € emprestados em 22/6/2011. Ora, uma vez que se trata de verbas de valor inferior a 2.500 €, não tinham os mútuos em causa de ser vertidos em documento escrito assinado pelos mutuários (cf. artº 1143º do Código Civil). k)- Perante os factos provados, verifica-se que o apelante emprestou aos recorridos a quantia total de 55.610 €. Assistia-lhe o direito à sua restituição. Em virtude de diversos pagamentos que menciona na petição inicial, veio o apelante peticionar o pagamento, pelos recorridos, da quantia de 35.060 €, acrescida de juros de mora, a contar do dia 1/1/2015 até integral pagamento. No entanto, os recorridos provaram ter já pago, por conta das verbas mutuadas, aquantia total de 36.136 €. Esse valor excede o peticionado pelo recorrente. Deste modo, lograram os recorridos demonstrar terem já pago as quantias peticionadas, sendo certo que era sobre eles que recaía o ónus de o demonstrar, por ser o pagamento um facto impeditivo do direito invocado pelo demandante (cf. artº 342º nº 2 do Código Civil). Assim, não tem o recorrente o direito a receber a quantia peticionada. l)- Perante o exposto, é manifesto que haverá que julgar a acção improcedente, razão pela qual o recurso improcederá, sendo de manter a decisão recorrida.
m)- Sumário : I– De acordo com o disposto no artº 1142º do Código Civil “mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”.
II– Segundo resulta do artº 1143º do Código Civil, o mútuo é um negócio consensual ou formal, consoante o seu valor, sendo que o mesmo só é válido se for celebrado por escritura pública (sendo o seu valor superior a 25.000 €) ou por documento assinado pelo mutuário (sendo o seu valor superior a 2.500 € e inferior a 25.000 €).
III– Caso o contrato deva ser celebrado com tal forma e o não seja, estará ferido de nulidade, nos termos do artº 220º do Código Civil.
IV– A declaração de nulidade do mútuo, por falta de forma, tem como consequência a restituição, pelo mutuário, de tudo o que tiver sido prestado, nos termos do artº 289º nº 1 do Código Civil. * * *
III–Decisão. Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso confirmando na íntegra a decisão recorrida. Custas : Pelo recorrente (artº 527º do Código do Processo Civil Processado em computador e revisto pelo relator