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PROVA
GRAVAÇÃO
CONTRATO-PROMESSA
RESPONSABILIDADE NA FORMAÇÃO DOS CONTRATOS
SINAL
Sumário
1.– Devendo a gravação, nos termos do nº 3 do art. 155º do CPC, ser disponibilizada às partes no prazo de dois após a realização ao ato gravado, e disponibilizar não tem, à luz daquele normativo, o significado de entregar às partes o suporte digital da gravação, e dispondo estas do prazo de 10 dias para invocarem, no tribunal da prática do ato, a deficiência da gravação, contado da disponibilização desta (nº 4 do mesmo artigo), temos que a o início do prazo para a invocação de tal deficiência ocorre a partir do termo do prazo de disponibilização da gravação imposto ao tribunal, ou antes, no caso de a gravação ser entregue à parte antes desse prazo, devendo descontar-se qualquer eventual atraso do tribunal na disponibilização efetiva da gravação à parte. 2.– Está, assim, à luz do CPC/2013, vedada às partes a possibilidade de arguição, junto do tribunal ad quem e em sede de alegação de recurso, da deficiência da gravação da audiência final. 3.– O contrato-promessa distingue-se com nitidez dos meros atos de negociação que frequentemente integram o processo de formação dos negócios jurídicos e que, às vezes, fundamentam a responsabilidade pré-contratual. 4.– É que esses trâmites do “iter negotii”, embora dotados de relevância jurídica, apresentam-se destituídos de eficácia contratual específica, ao contrário do que se verifica com o contrato-promessa e os demais negócios preparatórios ou preliminares, que, do mesmo modo, podem incluir-se no processo de elaboração de um negócio jurídico. 5.– Não é a respeito desses negócios preparatórios ou preliminares que o caracterizado problema da responsabilidade na formação dos contratos se põe, pois a sua violação gera a responsabilidade própria do incumprimento de um contrato; a questão da responsabilidade pré-contratual apenas se levanta quanto aos atos pré-negociais destituídos de qualquer garantia contratual específica, como em regra sucede. 6.– Decorre do art. 232º do CC que em caso de dúvida não se tem o contrato por concluído enquanto as partes não houverem acordado em todos os pontos contratuais acerca dos quais, ainda que apenas pela declaração de uma delas, deva haver consenso, entendendo-se que a convenção não tem força vinculante mesmo quando se tenha redigido uma minuta; para que o contrato se forme na modalidade de elaboração comum e progressiva, o texto final, comum a todas as declarações, tem de observar as características de completude, precisão e adequação formal. 7.– O sinal é uma convenção ou cláusula de um contrato, sendo, consequentemente, em regra, contemporânea do próprio contrato ou subsequente a ele, mas anterior ao vencimento de todas ou algumas das obrigações dele emergentes. 8.– No que ao momento da prestação do sinal diz respeito, por referência ao da celebração do contrato, o art. 441º do CC é claro mas não é de crer que a disposição tenha, neste aspeto, mais do que um sentido descritivo, ou seja, sendo previsível que vulgarmente as partes no contrato estabeleçam o sinal no momento da sua conclusão ou, quando muito, em momento ulterior, é essa a situação que a lei toma para caracterizar a cláusula. 9.– Por outro lado, referindo-se o artigo 440º do CC ao sinal a propósito da antecipação de cumprimento (esta, por maioria de razão, convenção que supõe a concomitante ou anterior constituição da obrigação) convenção da qual é distinguido, não seria de esperar que a lei, quando não se ocupa da sua caracterização estrutural própria, previsse a possibilidade da sua constituição antecipada relativamente ao contrato em que vai incluir-se. 10.– Não se crê, assim, que da letra da lei se possa retirar a exclusão da qualificação de sinal para a convenção, que, material e juridicamente as partes tenham estipulado como tal, mas em momento anterior ao da celebração do contrato a que vai aceder, e em vista de tal celebração. 11.– O contrato-promessa é uma convenção autónoma, enquanto a constituição de sinal é uma cláusula dependente de um outro negócio, no qual se insere. 12.– Sendo o sinal uma cláusula contratual (embora a lei não o diga expressamente) acordada antes, simultaneamente ou depois da celebração do contrato-promessa, trata-se tipicamente de uma «cláusula acessória, com as normais consequências de regime que a acessoriedade implica, pelo será ela inválida se inválido for o contrato em que se integra, não sendo a inversa verdadeira. 13.– Tendo o autor entregue aos réus determinada quantia em dinheiro a título de sinal e princípio de pagamento em vista à celebração de um contrato-promessa, relativamente ao qual as partes se encontravam em avançado estado de negociações, mas que não veio a realizar-se, por desistência daquele, temos que a cláusula acessória do sinal, acordada entre as partes, não chegou a integrar-se (acessoriamente) no contrato-promessa a que respeitava. 14.– Uma vez que a cláusula acessória do sinal não chegou a integrar-se no contrato-promessa a que se destinava, por este não se ter realizado, o sinal não chegou sequer a desempenhar qualquer uma das funções que tipicamente podem por ele ser desempenhadas: a confirmatória e a penitencial. 15.– Por isso, devem os réus restituir ao autor a quantia que dele receberam a título de sinal e princípio de pagamento, sob pena de se locupletarem sem justa causa à custa daquele. 16.– O eventual preço a pagar pelo autor aos réus por romper as negociações com vista à celebração do contrato-promessa, há-de ter a sua fonte noutro instituto, o da responsabilidade pré-contratual, que não no sinal. 17.– Tendo as negociações em curso, no momento em que o autor as rompeu, como objeto imediato, não o contrato definitivo, mas o contrato-promessa ainda que a rutura das negociações preliminares pelo autor fosse, eventualmente, suscetível de pôr em causa a boa-fé e a lealdade exigível aos contratantes, tal rutura não poderia deixar de ser reportada, para efeitos indemnizatórios, apenas e só ao contrato-promessa, uma vez que a dogmática do incumprimento do contrato promessa é diferente, designadamente em termos sancionatórios, do incumprimento no contrato definitivo. 18.– Significa isto que a rutura, sem justificação, das negociações contratuais que tenham por objeto imediato um contrato-promessa, não podem considerar-se tão gravosas como as reportadas ao contrato definitivo, sob pena de se limitar, sem qualquer razão aceitável, a liberdade de contratar, sobretudo quando estejam em causa contratos, como a compra e venda ou a permuta de imóveis, cuja exigência formal é legalmente imposta por razões de ponderação e segurança dos contraentes. 19.– Assim, perfilando-se um caso de responsabilidade pré-contratual, sendo o contrato que deixou de ser outorgado, um contrato-promessa, autónomo relativamente ao contrato definitivo, são os danos resultantes da rutura desse contrato-promessa, os indemnizáveis, e não os do hipotético contrato definitivo. 20.– E os dano a indemnizar são os causados pela violação da confiança na conclusão e celebração do negócio, ou seja, os danos que o lesado não teria sofrido se não tivesse confiado na conclusão do negócio e não gastos especulativos ou que constituam um risco implícito em todo o negócio. (Elaborado pelo relator e da sua inteira responsabilidade - art. 663º, nº 7, do CPC)
Texto Parcial
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
1–RELATÓRIO:
José B.C. intentou a presente ação declarativa de condenação contra Luís C. e Isabel C., pedindo a condenação destes a entregarem-lhe a quantia de € 513.698,63, acrescida de juros de mora sobre a quantia de € 500.00,00, vencidos desde 1 de junho de 2016 até à efetiva entrega de tal quantia.
Alega, para o efeito, que em Novembro de 2014, autor e réus encetaram negociações com vista à permuta de imóveis de que são proprietários, com conversações longas e complexas, que perduraram até Setembro de 2015, altura em que o autor lhes colocou termo, decidindo-se pela não celebração do negócio, por nele ter perdido o interesse, sobretudo devido à alteração, no decurso das negociações, de circunstâncias com base nas quais iniciaram o processo negocial.
Considerando que o valor dos imóveis a entregar pelos réus ao autor era bastante superior ao que este devia entregar àqueles, e ante a expetativa do negócio se vir efetivamente a concretizar, no decurso das conversações, não obstante as partes não terem chegado a acordo relativamente a todos os aspetos da projetada permuta, o autor entregou aos réus a quantia de € 500.000,00, a considerar como sinal e princípio de pagamento do montante correspondente àquela diferença, no momento em que viesse a ser celebrado o perspetivado contrato-promessa de permuta.
Tendo o autor perdido o interesse na celebração do negócio, solicitou por diversas vezes aos réus a devolução da referida quantia de € 500.00,00, o que estes vêm recusando.
Considera, assim, o autor que os réus se encontram injustificadamente enriquecidos à sua custa naquele montante.
***
Os réus contestaram, alegando, em suma, que quando o autor desistiu da celebração do negócio já todos os seus aspetos se encontravam definidos, incluindo os valores atribuídos aos imóveis a permutar e a forma de pagamento, por este, do montante correspondente à diferença de valores.
Foi neste contexto que autor e réus acordaram na entrega, por aquele a estes, da referida quantia de € 500.00,00, a título de sinal e princípio de pagamento daquela diferença.
O contrato-promessa da acordada permuta só não foi celebrado porque o autor invocou uma impossibilidade de última hora, não tendo ocorrido qualquer razão justificativa para que este desistisse da realização do negócio.
Os réus não se recusaram a restituir ao autor a referida quantia de € 500.000,00 que estes lhes entregou a título de sinal e princípio de pagamento, sucedendo, no entanto, que têm direito a ser por ele indemnizados pelos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, que a sua conduta lhes causou.
Por isso, além de contestarem, os réus deduziram reconvenção contra o autor, alegando, em suma, que:
- a venda da sua casa já se encontrava a ser mediada por agência imobiliária;
- no intuito de celebrarem o negócio com o autor despenderam muito tempo e contrataram advogados;
- recusaram uma proposta de aquisição da sua casa em finais de Março de 2015, em virtude de estarem em negociações com o autor;
- recolocaram a casa à venda, o que implica o prejuízo imediato de € 307.500,00, referente à comissão que terão de liquidar à mediadora;
- com a venda da casa pretendiam também fazer investimentos imobiliários, designadamente um empreendimento imobiliário no Alto das Lebres, através de uma sociedade na qual o réu marido detém uma participação, tendo, por isso, deixado de auferir um lucro no montante de € 213.290, 08.
Em consequência do tempo que despenderam durante as negociações que mantiverem com o autor, do sentimento de traição que os assolou por este se ter recusado a celebrar o negócio e pela frustração das expetativas que tinham na sua celebração, sofreram danos de natureza não patrimonial pelos quais pretendem ser indemnizados no montante de € 100. 000,00.
Os réus concluem a sua contestação/reconvenção, pugnando para que:
a)- a ação seja julgada improcedente, por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido;
b)- a reconvenção seja julgada procedente, por provada, com a consequente condenação do a autor a pagar-lhes a quantia de € 620.790, 03, sendo:
- € 620.790,02, a título de danos patrimoniais; e,
- € 100.00,00, a título de danos não patrimoniais.
***
O autor replicou, pugnando, em suma, para que:
- a reconvenção seja julgada improcedente, por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido reconvencional;
- os réus sejam considerados litigantes de má-fé e, como tal, sejam condenados em multa e indemnização, neste caso, em montante não inferior a € 50.000,00.
***
Foi dispensada a audiência prévia, tendo, por despacho de fls. 236-237:
a)- sido admitida a reconvenção;
b)- fixado o valor da causa;
c)- identificado o objeto do litígio;
d)- enunciados os temas da prova.
***
Na subsequente tramitação dos autos realizou-se a audiência final, na sequência do que foi proferida sentença, de cuja parte decisória consta o seguinte:
«Pelo exposto, julga-se a presente ação procedente, com exceção de parte dos juros reclamados, e improcedente a reconvenção e em consequência decide-se:
a)- Condenar os RR a devolver ao Autor a quantia de € 500.00,00 (quinhentos mil euros), acrescida de juros civis à taxa legal supletiva desde o dia 10 de Outubro de 2015, até integral pagamento;
b)- Absolver os RR do demais peticionado quanto a juros;
c)- Absolver o Autor do pedido reconvencional formulado;
d)- Não julgar os RR incursos em litigância de má fé.»
***
Inconformados com o assim decidido, os réus interpuseram o presente recurso de apelação, cuja alegação concluem assim:
– Importa perceber o que é que está em causa na presente ação:
– Um negócio de compra e venda de uma casa, sita na quinta de S..., o qual se convolou num negócio de permuta;
– Um negócio no valor de € 5 milhões de euros, em que o A./Recorrido entregou voluntariamente aos RR./Recorrentes um montante correspondente a 10% do valor total do negócio, ou seja, € 500.000,00 (quinhentos mil euros);
– Em que a tradição da coisa iria ocorrer a 30 de Janeiro de 2016;
– No entendimento dos RR/Recorridos o negócio estava todo definido na sua génese;
– O A./Recorrido decidiu, a 4 meses de haver a tradição da coisa, desistir do negócio.
– (…);
– (…);
– Os motivos elencados pelo A./Recorrido na sua PI para a quebra do negócio são os seguintes.
– Artigos 13º/14º/15º/16º/17º PI e a questão das cotas e das chaminés;
– Previamente, deve este Tribunal da Relação analisar o email de 24 de Setembro - doc. 11 da PI - a fim de aferir qual o fundamento apresentado pelo A./Recorrido para a desistência do negócio.
– Da análise do mencionado documento retira-se que o fundamento se prende, única e exclusivamente, com a alteração da cota altimétrica de 52, 00 para 58,85.
– Relativamente ao negócio, ao preço, à forma de pagamento, ao local de pagamento, ESTÁ provado que todos os aspetos do negócio estavam definidos, e isso mesmo é confirmado pelo testemunho isento e direto da Dr.ª A.B. (…);
– A este propósito mencionou a mesma testemunha que lhe foi solicitado pelo A./Recorrido e pelos RR./Recorrentes que esta elaborasse 3 contratos.
– Do depoimento da testemunha A.B. quando confrontada com o doc. 5 e 6 juntos com a PI - Minuta de CPCV e minuta contrato de permuta - a mesma confirmou que este contrato (de permuta) havia sido elaborado por si, entenda-se doc. 6. (e doc. 7 que são os mesmos).
– Ainda aquando estava a ser confrontada com tal contrato promessa de permuta a testemunha salienta os seguintes factos, factos esses que o tribunal deverá dar a especial relevância:
– Que a minuta do contrato de permuta se encontrava toda preenchida com todos os dados/elementos a ser fornecidos pela parte dos RR./Recorrentes, e, estavam ainda, preenchidos praticamente todos os elementos da parte do A./Recorrido.
– Se analisada a minuta do contrato promessa verificamos a mesma está efetivamente toda preenchida, apenas faltando o preenchimento de algumas datas, alguns elementos do Cartão de Cidadão A./Recorrido, e alguns elementos das licenças de utilização, elementos que era da responsabilidade do A/Recorrido apresentar e completar a minuta.
– No mencionado contrato de permuta está também estipulado o valor, a forma de pagamento, as datas de pagamento e a data da tradição da coisa que iria ocorrer a 30 de janeiro de 2016.
– A este propósito a testemunha menciona também que na data da tradição da coisa iria ser registado o Contrato Promessa de Permuta na Conservatória, e iriam ser liquidados os respetivos IMT’s. - cláusula 4.ª do CPP junto aos autos com a PI como doc. 6.
– Mencionou ainda a mesma testemunha que o A já lha havia remetido praticamente toda a documentação sobre as suas frações.
– De salientar que todas as testemunhas arroladas pelos RR./Recorrentes tiveram e têm conhecimento direto dos factos.
– Disse ainda a testemunha A.B. que elaborou mais dois contratos, a saber:
– Um contrato de compra e venda dos bens móveis com reserva de propriedade, reserva essa que perduraria até à data em que se iria celebrar a escritura publica definitiva que iria ocorrer em 2020, ao qual havia sido atribuído o valor de 1M.
– E ainda um outro contrato de prestação de serviços de consultoria a ser celebrado entre a empresa do A. em Angola e a T... Angola.
– Ou seja, a testemunha mencionou de forma clara e objetiva que no dia 5 de Maio remeteu os contratos solicitados pelas partes por email para o R Luís, e dia 6 de Maio entregou-os ao R. Luís em suporte de papel, e ainda um dossier com todos os documentos que ficariam anexos aos respetivos contratos.
– Dossier e contratos que o A./Recorrido recebeu conforme alegação do próprio no artigo 11º da PI que diz o seguinte “Posteriormente, em Maio de 2015, os RR entregaram duas outras versões (que são as mesmas - basta ler) para o contrato promessa, uma em mão e ou por email enviado por uma sua representante (A.B.).
– Mencionou também a testemunha A.B., no seu depoimento, que o A./Recorrido recebeu os contratos, validou-os tendo apenas suscitado duas questões, uma que se prendia com os juros que se venciam das hipotecas e outro referente à execução especifica do contrato.
– Referiu também ter sido a testemunha que elaborou os recibos referentes aos montantes pagos pelo A./Recorrido aos RR./Recorrentes e que estes recibos formam efetuados, com o propósito de serem considerados como sinal e principio de pagamento e é isso mesmo que consta dos mencionados recibos - doc. 8 e 9 ... aliás a minuta de contrato promessa de permuta também menciona estes dois pagamentos
– Deve o Tribunal considerar também, relativamente a esta parte da factualidade: (os contornos do negócio nas datas anteriores a dia 5 de Maio), fazendo uma analise conjunta dos seguintes documentos:
– O Doc. 1 da Contestação - data e conteúdo, nesta data já se colocava a hipótese da permuta.
– O email - doc. Doc. 3 contestação data e conteúdo
– O montante entregue pelo A aos RR representa 10% do valor do negócio... percentagem que usualmente é paga na celebração deste tipo de negócios/contratos, e este valor foi entregue voluntariamente pelo A./Recorrido aos RR/Recorrentes - matéria que o Tribunal a quo considerou como provada no ponto 26 da douta sentença.
– O doc. 9 da contestação, página 5, o A./Recorrido refere-se sempre à nossa casa... fica também aqui claro que o negócio estava definido e concluído ... faltava apenas a concretização e essa iria ocorrer em diversas fases até 2020.
– Relativamente às mobílias, ao recheio, as mesmas estavam também elas definidas, conforme mencionou a testemunha A.B. de forma clara e direta.
– Existem também emails juntos aos autos que provam isso mesmo. Vejamos:
– Doc. 4 da contestação - que é um email de 20/4/2015 que no seu ponto dois diz... “Mobília da casa de Lisboa” ...
– Deverá o Tribunal terá em consideração o facto de estamos perante dois homens de negócios, que estavam a fazer um negócio de 5M, e que, obviamente, sabiam muito bem o que estavam a negociar e como estavam a negociar.
– As testemunhas arroladas pelo A/Recorrido na realidade nada sabiam sobre este negócio, e tentaram apenas dar credibilidade ao A./Recorrido.
– As testemunhas do A./Recorrido não tinham qualquer conhecimento, direto dos fatos;
– A argumentação de que os RR./Recorrentes pediram ao A./Recorrido um adiantamento porque a empresa estaria com dificuldade económicas em Angola não pode ser atendível.
– Não estamos perante um pequeno empresário ... estamos a falar de uma das maiores empresas do sector da construção em Portugal ... que fatura milhões anualmente... T. ANGOLA;
– Esta negociação tem inicio em Novembro de 2014!
– É absolutamente normal, e face ao estado das negociações e o tempo decorrido, que os RR./Recorrentes pretendessem receber um sinal, e que o A./Recorrido quisesse sinalizar o negócio. Isso sim é o normal e usual.
– Mas verdade é que não existe um Contrato Promessa assinado, apenas existe um contrato verbal (sim porque o que está aqui em causa é um contrato verbal, um compromisso).
– Os pagamentos efetuados pelo A./Recorrido aos RR./Recorrentes, no montante total de € 500.000,00 têm de ser considerado como um princípio de pagamento.
– A verdade é que, pelo menos, desde 17 de Fevereiro de 2105 estava aceite por ambas as partes que o valor da aquisição da casa dos RR./Recorrentes seria efetuada por 5M. - cfr. doc. 2 junto à contestação.
– Sendo que € 1.000.000,00 (um milhão de euros) seriam para pagar via Angola - cfr. Doc. 2 junto à contestação.
– A testemunha Alexandra I., secretaria do A., quando confrontada com o doc. 2 mencionado, quando questionada sobre se conhecia aquela assinatura, de imediato a mesma confirmou que a assinatura aposta no doc. era a assinatura do A.
– Daqui resulta que em Fevereiro 2015 estava definido o valor negócio, e que uma parte era paga por Angola e estava aceite por ambas as partes.
– A testemunha João C.C. referiu, de forma clara e inequívoca no seu depoimento, e porque acompanhou este negócio desde o seu inicio e conhecia a sua génese, afirmou que o negócio para o A./Recorrido só seria viável se efetuado desta forma.
– Afirmou também que para os RR./Recorrentes era indiferente, receberem 1M por Angola, pois o R Luís tinha residência fiscal em Angola.
– Para ambas as Partes a questão fiscal era um elemento importante. Mas temos de enquadrar os factos nas respetivas datas, para tanto deverão os Venerandos Juízes analisar e o doc. 2 junto à contestação.
– Temos ainda testemunho do ROC, António C. que refere que o A./Recorrido lhe pediu um parecer sobre a questão recheio e da permuta das casas, e esta testemunha confirma também que o valor do negócio era 5M. e que o A./Recorrido lhe confirmou que pretendiam separar o valor do imóvel do recheio da casa.
– Quando a supra mencionada testemunha foi questionado sobre se sabia se o A./Recorrente tinha sociedades em Angola, o mesmo respondeu de forma clara e direta, que sabia que o A./Recorrido tinha investimentos em Angola, tinha representação em Angola e atuava em Angola.
– É OBVIO que o negócio quanto aos seus aspetos formais estava ABSOLUTAMENTE DEFINIDO.
– Na realidade o que é que determinou que o A./Recorrido desistisse do negócio?
– É irrefutável que o A sempre teve muita preocupação com a servidão de vistas e com o que iria ser construído no Lote ....
– É irrefutável também que nas minutas sempre se mencionou a cota 52.
– Mas porquê a cota 52? Porque na realidade era a cota conhecida. Porque era a referência que existia ... e essa cota salvaguardava as vistas, ou seja, salvaguardava a diferença de um metro 1,30 entre a cota soleira do lote 8 e a cota cumeeira do Lote ....
– Em resumo, salvaguardava que o A./Recorrido nunca ficaria afetado na vista panorâmica da casa.
– Nunca ninguém alvitrou que o referencial utilizado, não era o referencial do marégrafo de Cascais ! E por isso mesmo nunca se colocou essa questão (…).
– O argumento que o A./Recorrido aponta para desistir do negócio, na realidade não é nenhum dos motivos anteriormente explanados.
– (…).
– A cota 52 - 53,30 é igual a 58,85 - 60,15, pois a diferença entre ambas é SEMPRE de um 1,30 MT.
– O email de 24 de Setembro de 2015 - Doc. 11 da PI, remetido pelo A./Recorrido aos RR./Recorrentes no qual desiste do negócio apenas menciona a questão da cota (basta ler o documento).
– No entanto, se analisarmos mais alguns documentos, podemos concluir que a cota é apenas uma mera justificação, não um fundamento real, assim devem os Venerando Juízes analisar;
– 1º os desenhos, plantas juntos aos autos são sempre iguais.
– 2º verificamos também que nos desenhos juntos pela A./Recorrido onde verificamos da casa do Lote ... e a casa do 8, verificamos que o que está em causa é sempre a diferença e entre os dois lotes.
– Cumpre salientar que o A./Recorrido, numa tentativa desesperada de justificar/provar os seus fundamentos junta aos autos, documentos adulterados, que supostamente teriam sido emitidos pela C. M. Oeiras, e que foram juntos aos autos em 27/4/2017.
– Quanto à questão da cota o Arq. R. Ramos no seu depoimento, preciso e claro, mencionou que desde o inicio até agora, fase em que a casa se encontra já em construção, não houve nenhuma alteração ao projeto, A VOLUMETRIA MANTÉM-SE EXCATAMENTE A MESMA;
– Afirma que o que continua aprovado, e foi licenciado, por isso está em construção, com base no referencial da cota 52, é o projeto que sempre foi apresentado ao A..
– Mencionou ainda a testemunha Arq. R. Ramos que os documentos juntos pelos A. em 27/4/2017, como tendo sido fornecidos pela CMO, estavam adulterados nas cotas... pois é impossível colocar cotas manuscritas em plantas e em desenhados a entregar na CMO porque esta só aceitam suporte digital.
– Lamentavelmente, os documentos supra mencionados foram alterados, para não dizer mesmo falsificados (tendo já dado entrada em Tribunal correspondente processo crime).
– O topógrafo que mediu aquela cota, ou seja, a cota 52 não está errada, e refere que a mesma é precisa, só que o seu ponto de referencia para medição foi uma estaca colocada por si, e foi a partir desse ponto, com equipamento especifico que foram encontradas aquelas referencias e a verdade é que tudo tem sido feito com base naquelas cotas ... mas também disse que se a cota tivesse sido tirada com base no referencial do Marégrafo de Cascais e com recurso a GPS dava uma cota diferente, mas nada se alterava... isto porque todas se alteravam.
– Toda esta questão das cotas é bem explicada no doc. 14 junto com a PI.
– De salientar que os desenhos juntos à escritura de servidão de vistas são os mesmos, e são iguais a todos os desenhos apresentados ao A./Recorrido.
– Na realidade este argumento apresentado pelo A./Recorrido para desistência do negócio, e que é o que consta do email de 24 de Setembro, com o devido respeito é um argumento pouco digno, e que não pode ser considerado ATENDIVEL.
– O A./Recorrido é Engº Civil de formação tinha o dever saber que estava aqui em causa ... o que é esta alteração do referencial representa na realidade.
– Na PI no artigo 108º diz “conclui-se desta escritura que, como contrapartida e forma de constituir um ónus real sobre o Lote ... (e registar o mesmo) - a servidão de vistas - os RR tiveram necessidade de revogar a cláusula anterior e de aumentar a cota altimétrica máxima em 6.85 metros” ...ora isto corresponderia a mais 2 andares...
– Na realidade, o que sucedeu foi que o A./Recorrido, a 22 de Setembro envia um email aos RR. a sugerir que se alterem os pressuposto do negócio - doc. 10. junto com a PI.
– Perante tal email os RR./Recorrentes informam, via telefone, o A./Recorrente que não se precisa de preocupar pois já registou a servidão de vistas como o A./Recorrido desejava - doc. 9 contestação folha 2.
– Perante tal factualidade o A. ficou sem fundamento para desistir do negócio e decidiu arranjar um não argumento... o argumento das cotas.
– Aliás o depoimento da mulher do autor diz:
Transcrição Ref.ª 20170510142545 6 01:37: 04
Advogada: Disse aqui também que quando falou com o Daniel A. decidiram que não queriam o negócio?
Testemunha: Sim fruto da conversa não tínhamos garantias...
Advogada: Quando é que comunicaram ao Luís e à Isabel que não queriam o negócio?
Testemunha: Olhe fomos para falar com o Luís dizer que não queriam continuar com o negócio, a Sra. (Eu) estava lá na piscina com o seu filho e portanto achamos que não era a altura indicada. Devemos ter falado com ele uns dias depois a transmitir a conversa que tínhamos tido com este senhor e isto era tudo uma salganhada.
Meritíssima Juíza: e voltaram lá a deslocar-se para esse efeito?
Testemunha: Eu acho que o meu marido falou com ele sobre isso.
Meritíssima Juíza: Já não assistiu a essa conversa?
Testemunha: não!
Advogada: Eu também me lembro desse dia foi domingo dia 20 de setembro de 2015, e a seguir temos aqui o doc. 10 com a data de dia 22, o Luís já estava de facto em Angola e este email, quando diz que já tinha tomado a decisão de não continuar com o negócio, este email não diz isso.
Meritíssima Juíza: qual email?
Advogada: Doc. 10 junto com a PI. portanto em agosto já sabiam que não queriam ter o negócio tiveram diversas reuniões na T., pelo menos uma.
Meritíssima Juíza: É o ponto 2 do email que tem haver com ponto 1 é o interesse do negócio ponto dois é a devolução do sinal... qual a pergunta Dra.
Advogada: No fundo há uma reunião em agosto com o Daniel A., perderam o interesse por causa da salganhada, é aqui que têm uma reunião na T. e falam até sobre a questão do Luís que terá dito para sair do assunto, que ele trataria pessoalmente do mesmo, e depois, e foi dito aqui pela testemunha que perderam o interesse no negócio em Agosto, mas no email de 22 de Setembro não é isso que está escrito... neste email aqui (doc. 10 da PI) sugerem uma alteração aos pressupostos do negócio! É diferente de já não querem já o negócio ... o email não diz eu já não quero! O Autor só diz não querer o negócio depois de saber da escritura de servidão de vistas!
Meritíssima Juíza: é assim?
Testemunha: depois da conversa com o Sr. Daniel A. nós falamos com o Réu e dizemos-lhe o teor da conversa e que não ficamos agradados com o teor e não queremos continuar! Ao que ele diz vocês são uns exagerados tenham lá calma eu vou falar com ele, vocês não fazem mais nada até para pormos aqui emoções à parte e eu é que vou falar com ele. Portanto...
Advogada: Aqui estamos a quatro meses da mudança de casa, certo, era em Janeiro estamos em Setembro.
– Fica assim claro que o motivo que levou o A./Recorrido a desistir do negócio não teve nada não teve a nada haver com cotas nem com qualquer outra questão ...
– Na verdade o A./Recorrido já tinha desistido do negócio em Agosto de 2015... ainda a questão das cotas não se levantava.
– A questão das chaminés... outra não questão ... estão referenciadas em todos os desenhos e plantas apresentados ao longo durante todo o processo negocial ao A./Recorrido.
– MUITOS MAIS ELEMENTOS MOSTRAM ESTA REALIDADE DE ANALISARMOS TODA A DOCUMENTAÇÃO, TODOS OS DESENHOS E TODAS AS PLANTAS JUNTAS AOS AUTOS.
– Os motivos invocados pelo A./Recorrido para desistir do negócio não podem ser considerados ATENDIVEIS.
– Perante toda a factualidade explana, é óbvio e claro que os RR. sofreram prejuízos.
– Quanto custa o tempo dos RR./Recorrentes, principalmente do Recorrente Luís, Administrador do Grupo T..
– Os prejuízos dos RR./Recorrentes têm de ser contabilizados tendo em consideração o tempo, os montantes pagos em documentação, com os técnicos, com os Advogados, com escritura de servidão de vistas;
– O tempo que os RR./Recorrentes despenderam de organizar a mudança, o procurar uma garagem para os carros.
– A perda objetiva de um comprador da casa – Engº Manuel C., dado como matéria dada como provada pelo Tribunal a quo 77.
– O facto de os RR./Recorrentes ter recolocado de novo a casa à venda numa mediadora, sendo a potencialidade de venda ser efetuada através de mediação acarreta desde logo um prejuízo em comissão de € 250.000,00 + IVA (doc.26 junto com a contestação).
– Para além da expectativa frustrada de fazer diversos investimentos, nomeadamente, o loteamento do Alto das Lebres.
– A participação do R. Luís no negócio seria de cerca de € 700.00,00 (setecentos mil euros), factualidade que ficou provada pelo Tribunal a quo - Ponto 86.
– O valor que ficou provado que iriam receber se fizessem aquele investimento, o lucro no mínimo seria cerca de € 214.00,00 (duzentos e catorze mil euros).
– Pelo menos este lucro cessante de € 214.00,00, decorrente da não concretização do negócio entre as ora Partes, e consequentemente do não investimento no projeto do Alto das Lebres, causou um prejuízo direto aos RR./Recorrentes - vide fatos provados pelo Tribunal a quo 80 a 86;
– A perda da possibilidade de vender a outro interessado - ponto 77 da matéria de facto provada, que representa desde logo um prejuízo referente ao pagamento da comissão à mediadora, que desde logo será no montante de € 250.000,00 + IVA.
– Perante tal factualidade os RR./Recorrentes teriam de ser indemnizados pelos prejuízos que sofreram conforme pedido reconvencional.
– O A./Recorrido não agiu segundo os princípios da boa fé negocial que se encontra prevista no artigo 227º do C.C..
– (…).
– É evidente que o A./Recorrido com a sua conduta causou e continuara causar danos graves aos ora RR./Recorrentes.
– Conforme ficou demonstrado o A./Recorrido rompeu as negociações sem invocar um fundamento legitimo.
– É verdade que não existia um contrato formalizado, assinado.
– Mas também é verdade que o A./Recorrido já tinha pago 10% do valor do negócio por conta do mesmo, ou seja, € 500.000,00 (quinhentos mil euros);
– Também é de considerar que o A./Recorrido desistiu do negócio dia 24 de Setembro, conforme já ficou demonstrado, e tradição das casas iria ocorrer em 30 de Janeiro de 2016, o que também ficou cabalmente demonstrado.
– Ficou também demonstrado que desde Agosto que o A./Recorrido havia desistido do negócio, não tendo, no entanto, comunicado essa sua intenção, arrastando os RR./Recorrentes na perspetiva de um negócio que já bem sabiam não pretender.
– Em 24 de Setembro de 2015 o A./Recorrido apresenta os seus fundamentos para a desistência do negócio, que bem sabia não serem reais - vide doc. 11 junto com a PI.
– Tanto assim é, que no email de 22 de Agosto o A./Recorrido não desiste do negócio, apesar da testemunha mulher do A./Recorrido afirmar, perentoriamente, nas suas declarações que perderam o interesse no negócio em Agosto.
– (…).
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– A verdade é que, neste caso em concreto, quase não se pode falar num período pré-contratual, pois tudo estava definido, e parte do preço já se encontrava pago.
– Ou seja, 10% do preço encontrava-se liquidado.
– (…).
– É da mais cristalina evidência que o A./Recorrido rompeu as negociações sem motivo atendível, e que essa quebra negocial causou prejuízos graves e diretos aos RR/Recorrentes.
– O A./Recorrido agiu com grosseira má-fé, quando invocou fundamentos que bem sabia serem inexistentes e inócuos para a desistência do negócio - a falsa questão das cotas altimétricas - quando desde Agosto já sabia que não pretendia prosseguir com o negócio.
– Mantendo todas as expectativas nos RR./Recorrentes, que tudo fizeram, mais do que era exigível para corresponderem às expectativas do A./Recorrido.
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– (…)
– Ainda que A./Recorrido não pretendesse prosseguir com o negócio de aquisição da casa dos RR./Recorrentes, teria a obrigação de indemnizar aqueles pelos prejuízos causados.
– Os prejuízos dos RR./Recorrentes têm de ser aferidos pelo tempo, pela confiança, pelos trabalhos e esforço implicado e são também aferidos pelo prejuízo causado pela não conclusão de negócio, como o custo de oportunidade e com os lucros cessantes.
– Existiu, obviamente, um nexo causal entre os prejuízos sofridos pelos RR./Recorrentes pela não conclusão do negócio por parte do A./Recorrido.
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– 10% do preço estava pago, e a tradição das casas ia ocorrer a 30 de Janeiro de 2016, ou seja, estavam a menos de 4 meses da concretização do negocio.
– Será o caso de se ter atingido um acordo sobre todas as questões e apenas faltar a concretização/celebração do acordo através da forma legal.
– (…).
– Na verdade os RR./Recorrentes perderam a oportunidade de vender a casa, tiveram inúmeras despesas, e criaram expectativas para si, e para os seus sócios, provenientes da concretização do negócio do loteamento do Alto das Lebres.
– (…).
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– (…).
– Os danos que os RR./Recorrentes sofreram, diretos e de natureza patrimonial, que podem ser desde já contabilizados/liquidados que totalizam o montante de € 520.790,08, referentes à Comissão que terão de pagar à mediadora (€ 307.500,00) e os lucros cessantes referentes ao investimento a fazer no loteamento do Alto das Lebres (€ 213.290,08).
– (…)
– Os RR./Recorrentes terão ainda de ser indemnizados pelos danos NÃO patrimoniais, ou seja, os danos que estes sofreram com o dinheiro despendido com Advogados e técnicos especializados para analise do negocio e do projeto da casa a construir no Lote ....
– O tempo que os RR./Recorrentes despenderam a mostrar, e a negociar a casa com A./Recorrido, e o tempo gasto a negociar com o proprietário do Lote ....
– Os danos que os RR./Recorrentes sofreram resultantes da perda de oportunidade de venda da casa no ano de 2015 ao empresário Angolano, bem como o dano resultante da perda de oportunidade de não terem o imóvel à venda durante o ano de 2015.
– Os danos que os RR./Recorrentes sofreram resultantes do sentimento de traição que os desgastou sobremaneira, principalmente ao R. Luís.
– Os danos causados pela expectativa de irem mudar de casa no dia 30 de Janeiro de 2016.
– A verdade é que a não consumação do negocio causou aos RR./Recorrentes danos morais, sofrimento, frustração de expectativas e incómodos com repercussão comportamental na sua vida pessoal, familiar e profissional.
– Assim, reputa-se equitativa a compensação de € 100.000,00 por danos não patrimoniais.
– (…).
Nestes termos,
Deverão V/ Ex.as considerar o presente Recurso julgado procedente por provado e por via disso:
a)- Considerar nulo o julgamento nos termos do artigo 195º do CPC devido às gravações áudio deficientes e inaudíveis, caso assim não entendam deverão os Venerandos Juízes decidir:
b)- Anular a decisão do Tribunal “a quo” que decidiu julgar a presente ação procedente, com exceção de parte dos juros reclamados, e improcedente a reconvenção, devendo V/ Ex.as considerar o pedido reconvencional procedente por provado, e por via disso ser o A./ Recorrido condenado a indemnizar os RR./Recorrentes no montante de € 620.790,08, referente a:
– Danos patrimoniais o montante de € 520.790,08,
e
– Danos não patrimoniais o montante de € 100.000,00.
c)- Admitir a junção integral do documento 30 junto com contestação nos termos do artigo 651º do CPC.
d)- Caso o Tribunal, considere indispensável para o melhor apuramento da verdade, deverá esse Venerando Tribunal fazer uso das faculdades previstas no artº 662º do C.P.C.
FAZENDO-SE JUSTIÇA!
***
O apelado contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela manutenção da sentença recorrida.
***
2–ÂMBITO DO RECURSO:
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do CPC) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635º, nº 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627º, nº1, 631, nº1 e 639º, do CPC).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, nº 3, do CPC) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608º, nº 2, do CPC, ex vi do art. 663º, nº 2, do mesmo diploma).
À luz destes considerandos, neste recurso importa decidir:
1.– Da nulidade decorrente da deficiente gravação da prova produzida na audiência final;
2.– Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
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3–FUNDAMENTAÇÃO:
3.1–Fundamentação de Facto:
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
– Encontra-se registada a favor do A., na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, com exclusão de terceiros, a aquisição da fração autónoma identificada com as letras "AC" do prédio urbano sito na Quinta ..., concelho de Lisboa, correspondente ao décimo terceiro andar, lado esquerdo, como uso exclusivo dos estacionamentos nºs 43 e 44 e arrecadações nºs 12, 43 e 44, inscrito sob o artigo matricial nº 2... e descrito nessa Conservatória sob o nº 8...;
– Encontra-se registada favor do A., na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, a aquisição de uma quota com a permilagem de 60/1000, correspondente à quota nº 4, da fração autónoma identificada com a letra "...", com direito de utilização do Gabinete nº 4, do prédio urbano sito na Quinta ..., concelho de Lisboa, correspondente ao décimo terceiro andar, lado esquerdo, com o uso exclusivo dos estacionamentos nºs 43 e 44 e arrecadações nºs 12, 43 e 44, inscrito sob o artigo matricial nº 2... e descrito nessa Conservatória sob o nº 8...;
– Encontra-se registada a favor do A., na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, a aquisição de 1/136 avos do lote de terreno com a área de 5.788 m2, que corresponde às áreas ajardinadas e mobiliário urbano comum da Quinta ..., com o artigo matricial 1... e descrito nessa Conservatória sob o nº 8...;
– Encontra-se registado a favor dos RR, na Conservatória do Registo Predial de Oeiras, com exclusão de quaisquer terceiros, a aquisição do prédio urbano sito na Quinta ..., em Paço de Arcos, União das Freguesias de Oeiras, São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, concelho de Oeiras, inscrito sob o artigo matricial nº. 4... e descrito nessa Conservatória sob o nº. 3...;
– Em Novembro de 2014, o A. e os RR iniciaram conversações com vista à compra e venda do imóvel descrito no ponto 4 que mais tarde, em Março de 2015, passaram a ter como objetivo a permuta entre os seus referidos imóveis;
– O imóvel descrito no ponto 4 situa-se em Paço de Arcos, no condomínio fechado denominado "Quinta...", que é um condomínio muito prestigiado, composto exclusivamente por moradias com elevada qualidade;
– Situa-se numa zona alta do condomínio e é dotado de uma vista ampla e desafogada para o rio Tejo, suas margens e Bugio;
– A decisão do A. de avançar para a aquisição desse imóvel assentou em grande parte no facto de o imóvel e respetivo jardim, nomeadamente a zona da piscina, disporem dessa ampla vista sobre o rio e as suas margens, panorâmica e enquadramento urbanístico;
– Os RR sempre souberam da importância fundamental para o A. da existência e manutenção das vistas, panorâmica e enquadramento urbanístico de que o imóvel dispunha aquando das negociações;
– Adjacente ao lote dos RR existe o lote nº..., com aquisição registada na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras a favor da sociedade D. Amaral – Assistência e Prevenção Dentária, Unipessoal, Lda.;
– Os RR adquiriram inicialmente um lote de terreno que dividiram em dois, mantendo a propriedade de um dos mesmos (o lote ...A) e no qual construíram a sua moradia, e alienaram o outro, o lote ..., a terceiros, lote que resulta dessa divisão;
– Após procederem ao destaque do lote ... do seu lote inicial, os RR venderam o mesmo a Elza M. e a Joaquim M.;
– Os quais, posteriormente, procederam à sua venda à sociedade A..., Unipessoal, Lda., através de escritura pública de compra e venda outorgada no dia ... 2014 no Cartório Notarial da Licenciada L.R.B.M.G., lavrada a fls... e seguintes do livro 3...;
– De acordo com essa escritura pública, a sociedade D., Unipessoal, Lda. declarou, aceitando-o, que "a sociedade compradora abstém-se de construir para além da cota altimétrica de cinquenta e dois metros";
– O lote ... situa-se numa cota inferior ao lote 8... e localiza-se exatamente a Sul deste, entre o mesmo e o rio Tejo;
– Quando o A. iniciou conversações com os RR não existia qualquer construção nesse lote, embora já se soubesse que estava iminente o início da mesma;
– Considerando que a volumetria final de tal construção poderia interferir na vista do imóvel dos R.R., uma vez que se localiza a sul deste, o A. sempre manifestou a sua grande preocupação em relação ao resultado final dessa construção;
– Era imprescindível para o A. que o imóvel a construir no Lote ... não afetasse por qualquer forma a vista, sua panorâmica e enquadramento urbanístico existente a partir do lote 8...;
– Sabendo da importância fulcral de tal aspeto para o A., os R.R. sempre o "sossegaram", assegurando que, após a conclusão da construção no lote ..., a vista, panorâmica e enquadramento urbanístico se manteriam inalterados;
– Os RR entregaram ao A. um dossier inicial com os elementos essenciais respeitantes ao seu imóvel, no qual se incluía um email de 07/01/2015 do arquiteto R. Ramos escolhido pelo R. para o assessorar nas informações relativas ao projeto, junto à p.i. como doc. nº 21, a fls. 119 verso e 120 com o seguinte teor:
"Na sequência do n/ telefonema de hoje, e no sentido de esclarecer eventuais dúvidas, tranquilizando-vos em relação à construção prevista para o Lote ..., deixa-me resumir o seguinte: - a cota máxima da casa, como sabes e foi acordo, está respeitada no presente projeto; - a cobertura é plana não existindo sobre ela elementos salientes de relevo, como sejam máquinas, equipamentos, chaminés ou outro tipo de volumes construídos que venham a afetar o plano de vistas do lote 8...;
– Não há qualquer possibilidade de vir a ser construído outro volume ou piso ou qualquer outra coisa sobre os pisos já previstos, não só porque aumentariam a área de construção permitida para o lote, definida pelo Alvará de Loteamento, mas também porque a cobertura da moradia agora projetada tem diversas entradas de luz, através de claraboias planas, também elas complanares com a cota máxima referida;
– a acrescer à área de construção que falo, associam-se outros parâmetros como Índice de Edificabilidade, Índice de Permeabilidade, Superfície de Pavimento, etc;
– toda a Arquitetura da casa está profundamente bem estudada para a volumetria que ela tem agora, com este projeto. Qualquer intenção de construir outra coisa que complementar àquilo que está previsto parece descabida e, repito, estará bloqueada por fatores de parâmetros urbanísticos;
– a casa tem a maior parte da área distribuída na cave e piso térreo. O piso 1, o mais alto que a casa tem, tem cerca de metade da área de implantação do piso 0, contrariamente ao que acontecia no projeto anterior. Isto faz com que a maior parte do enquadramento da vista da casa do v/ lote nem sequer tenha piso 1 em frente, mas apenas o piso 0 da casa agora projetada. Esta situação está mais benéfica agora para o teu lado do que estava anteriormente. Finalmente, mas não menos importante:
– estou totalmente disponível para mostrar o projeto na íntegra, inclusivamente na presença do teu possível comprador, o Eng. José C., com quem tive oportunidade de falar telefonicamente. Ser-nos-á mais fácil entender todo o projeto dessa forma.";
– As partes colocaram técnicos a averiguar e analisar o projeto de construção do lote ..., para garantir que a vista estaria salvaguardada;
– Constavam das plantas/desenhos entregues pelos RR ao A., 4 conjuntos de tubos de exaustão de fumos;
– O A. solicitou ao Arq. Hugo F. que efetuasse simulações tridimensionais do projeto da casa que este lhe remeteu em 13 de Fevereiro de 2015 através de email junto à contestação como doc. nº 6, a fls. 174;
– No decurso das negociações, as partes acordaram em atribuir ao imóvel dos RR e ao seu recheio o valor global de € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros);
– Antes de ser equacionada a permuta, as partes aventaram a possibilidade de o pagamento de 5 milhões decorrer em 5 tranches, uma delas a pagar em Angola, nos termos do documento junto à contestação como doc. nº 2 subscrito pelo Autor e pelo Réu marido em 17 de Fevereiro de 2015, e que se dá por reproduzido;
– As partes acordaram que, em caso de concretização do contrato-promessa, o A. entregaria aos RR, a título de sinal e princípio de pagamento, 10% sobre o valor global conferido ao imóvel e recheio, ou seja, € 500.000,00 (quinhentos mil euros)
– Em 09 de Março de 2015, o Autor remeteu aos AA o email junto à contestação com doc. nº 1, a fls. 168, e que se dá por reproduzido, onde se pode ler: “no caso de colocarem em questão a hipótese da nossa casa em Lisboa valia a pena verem a garagem onde estão os outros carros.”;
– Dada a diferença de valor entre os respetivos imóveis a permuta implicava que o Autor pagasse aos RR uma quantia correspondente a esse diferencial;
– As Partes colocaram os seus Advogados a redigir e a discutir, inicialmente a minuta do Contrato Promessa de Compra e Venda e posteriormente a minuta do Contrato Promessa de Permuta;
– A pedido do mesmo datado de 18/02/2015, o A. chegou a dormir na casa dos RR com a sua mulher, para atestar da tranquilidade da mesma;
– No dia 10 de Abril de 2015, o Autor enviou ao Réu o email junto à p.i. como doc. nº 25, a fls. 138, no qual refere "Acredito também que tenha de te fazer o pagamento deste mês com o Contrato em discussão. Há muito que falar, mas temos confiança entre nós.";
– No dia 28 de Abril de 2015, o A. enviou um email ao R. marido, onde se pode ler “Junto anexo um esboço do texto que pode servir de base ao Contrato de Promessa", ao qual anexou uma minuta incompleta para o referido contrato, designadamente quanto ao preço e pagamento, junto à p.i. como doc. nº. 5, a fls. 78 verso a 84, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
– Com base na amizade mútua e conhecimento pessoal, e porque lhe foi pedido pelo Réu que invocou necessitar desse dinheiro, o Autor anuiu em adiantar aos RR as seguintes quantias que foram recebidas pelos RR, por conta “de parte do valor do contrato promessa de permuta a celebrar”:
– a quantia de €300.000,00 (trezentos mil euros) no dia 29 de Abril de 2015;
– a quantia de € 200.000,00 (duzentos mil euros) no dia 05 de Maio de 2015 (arts. 22º, 23º, 26º, e 29º da p.i , e 15º, 16º, e 33º, da contestação).
– Na sequência de tais entregas os RR subscreveram e assinaram os respetivos “termos de quitação” juntos à p.i. como docs. 8 e 9, a fls. 98 verso e 99, e que se dão por reproduzidos;
– O Autor ficou convencido que as quantias seriam devolvidas caso o contrato promessa não viesse a ser celebrado por qualquer motivo;
– Em Maio de 2015, na sequência de reuniões havidas entre as partes, os RR entregaram ao Autor duas outras minutas para o contrato-promessa de permuta, com alguns espaços em branco, embora mais completas do que a remetida pelo Autor, designadamente quanto ao preço, juntas à pi. como docs. nºs 6 e 7, a fls. 85 a 98 e que se dão por reproduzidas;
– Na minuta de contrato promessa de permuta junta à p.i. como doc. 6 pode ler-se o seguinte:
“2.5.1. Como sinal e princípio de pagamento, em 29.04.2015 foi paga a importância de €300.000,00 e dada a respetiva quitação. 2.5.2. E em 05.05.2015, igualmente a título de sinal e princípio de pagamento, foi paga a importância de € 200.000,00 (duzentos mil euros) e dada a respetiva quitação.”;
– As partes estavam de acordo nesta data em que o preço e pagamentos a prever no contrato promessa de permuta, com exclusão do recheio da casa dos RR que seria alvo de um contrato de compra e venda à parte, seriam nos termos da cláusula 2 das minutas juntas à p.i. como docs. nºs 6 e 7, (art. 39º da contestação – resposta explicativa).
– A minuta do contrato promessa de permuta junta à p.i. como doc. 6 previa ainda na sua cláusula 4.1: “A data em que se efetuará a transmissão e transferência de posse dos imóveis e recheio do imóvel identificado no considerando D) será a 30 de Janeiro de 2016, data em que será efetuado o registo do presente contrato junto da Conservatória do Registo Predial.”;
– Dada a importância extrema que revestia para o A., e, consequentemente, dada a sua muita preocupação em relação à manutenção das vistas existentes, da panorâmica e do enquadramento urbanístico, a cota máxima foi incluída nas minutas de contratos promessa trocadas entre as partes;
– Na minuta de contrato enviada pelo A. junta à p.i. como doc. nº. 5, tal matéria era objeto da cláusula 7ª, com a epígrafe "Servidão de vistas" e o seguinte teor:
"7.1.– Em tempo oportuno os vendedores venderam a Terceiros um Lote de terreno, adjacente e desnivelado relativamente à moradia ora prometida vender ao Comprador. Na Promessa de Venda, então efetuada com terceiros e adquirentes do referido Lote de terreno, ficou estipulado e acordado que a construção/moradia a edificar, não ultrapassaria uma determinada cércea ou altura máxima de construção de modo a não prejudicar nem afetar as atuais vistas para o rio Tejo, Bugio e frente de mar que a moradia neste contrato prometido vender tem e desfruta. O Contrato-Promessa de Compra do Lote de terreno referido junta-se desde já ao presente contrato, dele fazendo parte integrante como Anexo 11.
7.2.– Junta-se igualmente ao presente contrato e dele passando a fazer parte integrante como Anexo 12, o projeto de arquitetura já aprovado pela Câmara Municipal de Oeiras, onde consta a nova construção a edificar no referido Lote de terreno, com a cércea devidamente identificada e medida.";
– O art. 8º sob a epígrafe "Incumprimento" da referida minuta de contrato tinha o seguinte teor:
"8.1.– É absolutamente essencial para o Comprador e para a conclusão do presente negócio e celebração da escritura de Compra e Venda que os Vendedores garantam e assegurem a continuação e manutenção de Vistas, atrás referida no ponto 7.
8.2.– Na hipótese de a nova construção, qualquer que seja o motivo, razão ou fundamento venha a ultrapassar a cércea neste momento definida e aceite por ambos os contratantes nos Anexos 11 e 12 e assim danificar e prejudicar as Vistas de que atualmente desfruta a moradia, tal não poderá ser alegado e considerado, como caso fortuito ou de força maior pelos Vendedores, podendo com esse fundamento o ora comprador resolver desde logo presente contrato, não lhe podendo ser imputável nenhuma culpa ou responsabilidade por esse(s) facto(s).";
– A matéria da servidão de vistas foi objeto da Cláusula Sétima de ambas as versões do contrato promessa enviadas pelos RR ao A. em Maio de 2015, nos seguintes termos:
"7.– Servidão de Vistas
7.1.– Os Primeiros Outorgantes têm conhecimento da venda do Lote de terreno designado Lote ..., adjacente e contíguo ao imóvel identificado no Considerando A), onde constava a obrigatoriedade do adquirente não ultrapassar na construção a edificar a cota altimétrica máxima de 52 metros, que foi respeitada no respetivo projeto de arquitetura submetido na Câmara Municipal de Oeiras em .../.../..., sujeito a procedimento administrativo de comunicação prévia.
7.2.– Os Primeiros Outorgantes têm ainda conhecimento que, em 13/01/2014, o Adquirente do mencionado Lote ..., celebrou escritura pública de compra e venda no Cartório Notarial da Licenciada L.R.B.M.G., em que o novo Adquirente se obrigou a abster-se de construir para além da cota altimétrica máxima de 52 metros.
7.3.– O Segundo Outorgante tomou conhecimento do referido no ponto 7.1 e 7.2 da presente cláusula.
7.4.– As partes têm conhecimento que existe um projeto de arquitetura sujeito a um procedimento administrativo de comunicação prévia na Câmara Municipal de Oeiras que define que a cota altimétrica máxima de construção é a cota 52.
7.5.– Os Primeiros Outorgantes comprometem-se a acompanhar a implantação da obra a edificar no Lote ..., bem como a aferir o cumprimento da cota altimétrica máxima 52 metros.";
– Não obstante acordarem em atribuir à moradia e seu recheio o valor global de 5 milhões de euros, as partes não chegaram a acordo definitivo quanto aos valores do imóvel e recheio a constar da escritura e quanto à forma de pagamento do recheio;
– As partes não chegaram a acordar numa relação definitiva do recheio dos imóveis a incluir na permuta e respetiva avaliação;
– As partes não chegaram a acordar numa versão definitiva e integral do texto do contrato promessa e da compra e venda do recheio da casa dos RR a celebrar;
– As partes nunca chegaram a subscrever qualquer contrato promessa e/ou permuta relativamente aos imóveis descritos nos pontos 1 a 4;
– Em 27 de Agosto de 2015, o Autor remeteu aos RR um email, junto à contestação como doc. nº 9, a fls. 179 verso e 180 onde manifesta receios relativamente à construção do Lote ... referindo além de mais que “A única forma que vejo de resolvermos o problema é o de conseguirmos o registo dos direitos acima da cota 52, e esta cota tem de ser a que se encontra referida na edilidade (...) se conseguirmos os registos temos sempre forma de bloquear qualquer iniciativa até com uma providencia cautelar. Só nesta situação podemos relaxar”;
– Em data anterior a 11 de Setembro de 2015, o A. e o R. Luís tiveram uma reunião na casa deste, na qual foram discutidas as volumetrias da casa que iria ser construída no Lote ...;
– O Autor manifestou preocupação relacionada com a eficácia da referida obrigação respeitante à cota altimétrica máxima de 52 metros, uma vez que, tratando-se de uma obrigação meramente inserida numa escritura, A. e RR entenderam que a mesma tinha eficácia meramente obrigacional, e não real, ou seja, erga omnes, correndo o risco de o lote ser revendido sem que o novo comprador ficasse obrigado à referida cota altimétrica máxima;
– Cientes destas preocupações, os RR iniciaram conversações com o proprietário do lote dez, no sentido de criar uma servidão de vistas;
– No dia 22 de Setembro de 2015, o A. remeteu aos RR o email junto à p.i. como doc. nº 10, a fls. 99 verso e 100 e que se dá por reproduzido, onde se pode ler além de mais “(...) O nosso interesse no negocio mantém-se, mas agora condicionado ao término da obra que se vier a executar no local. Este assunto já havia sido levantado entre mim e o Luís (...) A razão de entendermos esperar, como já disse anteriormente, resulta da incerteza que temos nesta data sobre e o que irá executar no local o Sr. Daniel A. e da nossa futura apreciação sobre o resultado. (...)”;
– No dia 22 de Setembro de 2015, no Cartório Notarial da Licenciada Lucinda do Rosário Bernardo Martins Gravata, foi outorgada uma escritura pública de Constituição de Servidão e revogação de cláusula contratual, na qual foram outorgantes a sociedade D. Amaral..., Unipessoal, Lda., como proprietária do Lote ..., e os RR, e Elza M. e Joaquim M., junta à p.i. como doc. nº. 23, a fls. 122 verso e segs., e que se dá por reproduzida;
– No termos desta escritura, "Pelo Primeiro Outorgante" (proprietária do Lote ...) "na invocada qualidade, foi dito: "Que, por esta escritura, em nome da sociedade sua representada, e pelo preço já recebido de cinquenta euros, constitui sobre o prédio urbano, atrás identificado em Um) (prédio serviente), a favor do prédio urbano, atrás identificado em Dois) (prédio dominante), propriedade dos representados da segunda outorgante identificados em A), uma servidão de vistas que consiste no encargo de no prédio serviente não poder ser construída qualquer edificação acima da cota altimétrica de 58,85 metros, levantar paredes ou muros, ou efetuar quaisquer obras para além daquela cota; Excetua-se a possibilidade de construção de quatro conjuntos de chaminés tubulares em aço inox com diâmetro não superior a 200 mm e altura não superior a 50 cm acima da cota supra citada, chaminés estas constantes no projeto de arquitetura que, a pedido das partes, se arquiva como anexo à presente escritura e faz parte integrante da mesma; Obriga-se a sociedade representada pelo primeiro outorgante a cumprir e fazer cumprir integralmente o estipulado no Regulamento de Gestão do Condomínio Privado da Quinta de... que, a pedido das partes, se arquiva como anexa à presente escritura, bem como a cumprir e fazer cumprir integralmente a limitação da cota altimétrica de 58,85 em quaisquer projetos de arquitetura, presentes ou futuros, submetidos a qualquer entidade, e a dar conhecimento das cláusulas constantes daquele Regulamento aos futuros adquirentes.";
– Concomitantemente, pela D. Amaral .., Lda. e por Elza M. e Joaquim M. foi dito que "pela presente escritura, revogam a cláusula constante da alínea d) da escritura outorgada neste Cartório em treze de Janeiro de dois mil e catorze, lavrada a folhas trinta e um, do livro de notas Trezentos e oitenta e quatro-E, onde se lê "Que, a sociedade compradora abstém-se de construir para além da cota altimétrica de cinquenta e dois metros.";
– Esta limitação foi posteriormente registada e consta do registo predial no que respeita ao prédio dos RR., como prédio dominante e no que respeita ao Lote ..., como prédio serviente;
– O Autor não teve intervenção nas conversações com o proprietário do Lote ... para celebração desta escritura;
– O Autor não deu consentimento para a alteração da cota máxima ou para a possibilidade de colocação de chaminés na cobertura do imóvel;
– A alteração da cota com possibilidade de colocação de chaminés acima da mesma causou ao Autor uma enorme surpresa, profunda indignação e revolta;
– Em 24 de Setembro de 2015, o A. remeteu aos RR o email junto à p.i. como doc. nº 11, a fls. 101 e 102 e que se dá por reproduzido, no qual, depois de dar conta, além de mais, do desconhecimento do teor da escritura que o proprietário do imóvel onde se vai realizar a construção assinou no dia 22/09/2015, e de terem sabido (o Autor e a mulher) há pouco tempo que afinal os elementos com realizaram a sua decisão “encontram-se errados”, termina dizendo “Nesta situação terá de haver consequentemente a devolução do sinal antes de qualquer nova decisão e saber se ambas as partes pretendem seguir com a nova situação factual”;
– A Ré Isabel C... respondeu em 25 de Setembro de 2015, através de email junto à p.i. como doc. nº 14, a fls. 111 verso a 113, e que se dá por inteiramente reproduzido, referindo, além de mais, que “os pressupostos do nosso Acordo não foram alterados”;
– A cota altimétrica de 58,85 metros constante da escritura resultou da aplicação de referencial distinto ao que estava na base da cota de 52 metros, o qual atribuiu ao lote 8-A a cota de 60,15 metros, que seria de 53,30 metros de acordo com o anterior referencial;
– Em 02 de Outubro de 2015, o A., enviou aos RR o email junto à p.i. como doc. nº 12, a fls. 102 verso e 103, e que se dá por reproduzido, no qual, além de mais, escreve: “venho interpelar-vos para a devolução das quantias entregues no prazo de 8 dias a contar da data do recebimento desta mensagem”;
– Em 07 de Outubro de 2015, o A., através de email junto à p.i. como doc. nº 13, a fls. 103 verso a 110 e que se dá por reproduzido, após descrever as respetivas razões de forma detalhada, e que incluíam a servidão de vistas e a matéria do preço e pagamento, comunicou aos RR que perdia “completamente o interesse em celebrar o negócio”;
– Em 15 de Outubro de 2015, o Réu respondeu a estes emails através da carta junta à p.i. como doc. nº 15, a fls. 113 verso e 114, e que se dá por inteiramente reproduzida, e onde se pode ler, além de mais: “Não posso também aceitar a versão deturpada e manipulada que apresentas de factos facilmente explicáveis em alguns parágrafos, e suficientemente expostos em correspondência enviada anteriormente. A fundamentação que apresentas para a suspensão do nosso negocio é inversamente proporcional à razão que te assiste. Da minha parte tudo foi apresentado em conformidade e em ambiente saudável. Pedi, inclusive, a técnicos competentes para fazerem o enquadramento do projeto que irá ser construído no Lote ... para que qualquer duvida que subsistisse pudesse ser facilmente explicada. Não entendo a razão pela qual após decorrido quase um ano do início da nossa negociação venhas obstar agora à concretização do mesmo, baseado em falsas questões”;
– Em 14 de Janeiro de 2016, os RR remeteram ao Autor uma carta, junta à contestação como doc. nº 12, a fls. 185 verso e 186, e que se dá por inteiramente reproduzida, sugerindo uma peritagem, onde se pode ler, além de mais: “se o perito os considerar validos (os argumentos do Autor) devolver-te-ei o sinal que me entregaste por conta do negocio”;
– Em 2014 a casa dos RR encontrava-se à venda mediada pela mediadora Sothebys, conforme contrato de mediação imobiliária junto à contestação como doc. nº 13, a fls. 188 verso e 189, e que se dá por integralmente reproduzido;
– A partir do momento que os RR começaram a negociar a casa com o A. retiraram a mesma do mercado, deixando a mesma de estar disponível para venda;
– No intuito de celebrar o negócio com o Autor os RR despenderam tempo para recolher todos os elementos necessários com vista à formalização do mesmo;
– Os RR solicitaram a Advogados que redigissem as minutas dos contratos;
– Os RR despenderam tempo a analisar o projeto de implantação da casa no Lote ..., tendo, inclusive, destacado técnicos, que são colaboradores da T., para analisarem os desenhos, projetos, áreas etc., e efetuarem a respetiva explicação ao A.;
– O A. efetuou diversas visitas à casa o que levou a que houvesse um acréscimo de dispêndio de horas por parte dos RR;
– Os RR despenderam tempo a negociar a constituição da servidão de vistas com o proprietário do Lote ...;
– Os RR despenderam tempo a procurar uma garagem onde pudessem colocar todas as viaturas que se encontram na garagem da casa, ou seja, cerca de 30 carros, dado que o R. Luís é colecionador de carros antigos;
– Os RR decidiram colocar a sua casa à venda, por um lado, porque a casa era demasiado grande só para sua habitação uma vez que os filhos já não habitavam consigo;
– E, por outro lado, pretendiam capitalizar-se para efetuarem alguns investimentos imobiliários;
– Em finais de Março de 2015, Manuel S.C., empresário residente em Angola, manifestou aos RR interesse na aquisição da sua casa pelo montante de 5 milhões de euros, ao que estes responderam que já estavam em negociações para a venda com o Autor;
– Os RR não mencionaram a existência deste interessado ao Autor;
– Os RR recolocaram a casa no mercado em Dezembro de 2015 quando perceberam que o negócio com o A. não iria prosseguir, pelo preço de € 5.500.000,00 conforme contrato de mediação imobiliária, junto à contestação como doc. nº 26, a fls. 196 verso e 197, no qual foi estipulada uma comissão de mediação de 5% acrescida de IVA sobre o preço pelo qual o negócio for efetivamente concretizado;
– O R. Luís tem uma participação social correspondente a 8% do capital social na sociedade “Transportes RC..., S.A.”, e integra o respetivo conselho de administração;
– Encontra-se registada a favor dessa sociedade na Conservatória do Registo Predial de Oeiras, a aquisição de um prédio rústico com a área de 11640 m2, alvo de loteamento;
– Em meados de 2014 começa a ser equacionado pelos acionistas da sociedade “Transportes RC..., Limita fazer um empreendimento imobiliário no Alto das Lebres;
– Para o efeito, foi efetuado um estudo de viabilidade de construção no prédio referido no ponto 81;
– Para que tal projeto fosse viável cada sócio deveria investir/financiar o mesmo na medida da proporção da sua participação social;
– Perante o cenário de venda da casa do R. Luís, os demais sócios e o Réu acordaram que o projeto iria avançar no início de 2016, data em que o R. Luís esperava dispor de capital para cofinanciar o mesmo;
– A participação do R. Luís no investimento seria de cerca de 700.000,00;
– A não consumação do negócio com o Autor causou aos RR pesar e frustração de expectativas.
***
A sentença recorrida considerou não provada a seguinte factualidade:
– A matéria alegada pelo Autor no art. 5º (na parte em que as conversações tivessem visado a permuta desde o início), 14º (que não tivesse sido acordado o valor do sinal a prestar e verter no contrato-promessa), e 108º (no sentido de que o aumento da cota altimétrica para 58,85 metros tivesse constituído uma contrapartida da própria servidão de vistas) da p.i.;
– A matéria alegada pelos Réus nos arts. 5º (que todos os pormenores do negócio tivessem sido discutidos e definidos até à exaustão), 6º (que o negócio estava completamente definido quanto à forma, valores, e datas de pagamento), 9º (no sentido de que tivesse ficado definitivamente acordada a forma de pagamento descrita no artigo), 9º (no sentido de que o doc. nº 2 corresponda ao plano de pagamentos acordado definitivamente entre as partes), 18º (que o pagamento das quantias de €300.00,00 e € 200.000,00 por parte do A. aos RR., sem que existisse qualquer contrato assinado, se prendeu única e exclusivamente com o facto de o A. não ter ainda pronto o “draft” do contrato promessa), 20º (que o Autor tivesse necessidade de “garantir o negócio” sinalizando-o), 22º (que o contrato promessa só não foi assinado porque na data em que as partes estipularam fazê-lo o Autor invocou uma impossibilidade de última hora), 37º (que as partes tenham definido qual o mobiliário que cada um deixaria nas respetivas casas), 49° (que na data em que o R. Luís recebeu o email de 22/09 tenha telefonado, de imediato, ao A. para o informar que havia conseguido celebrar a escritura de servidão de vistas, podendo assim este ficar absolutamente tranquilo quando à construção que viesse a ser erguida no Lote ... e respetivas vistas, pois tudo se manteria inalterado), 52º (na parte em que a volumetria da construção a edificar no Lote ... tenha ficado esclarecida para o Autor), 70º (que as chaminés nunca tivessem feito parte das preocupações e negociações entre as partes), 85º (na parte em que o Autor tivesse conhecimento da alteração ou incorreção do referencial desde Agosto de 2015), 152º (que a proposta de aquisição tivesse sido formulada mais do que uma vez), 157º (no sentido de que as dificuldades de transferência de divisas de Angola apenas ocorressem desde 2016 e já não em Março de 2015), 171º (na parte em que esse terreno se encontra com licença a levantamento), 175º (que apenas houvesse necessidade de financiar o projeto ao nível das infraestruturas e construção, e que o investimento global seria €11.187.372,39, menos o custo de aquisição do lote €2.156.000,00, ou seja, €9.031.372.39), 177° (que a construção do mencionado projeto imobiliário tivesse um prazo de construção de 2 anos, e que a venda total do mesmo ficasse concluída em 3 anos), e 178º (que o resultado esperado, no limite ao fim de 3 anos, no cenário de venda mais pessimista, seria de €2.666.126,04), da contestação.
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3.2–A Motivação do recurso.
3.2.1–Da nulidade decorrente da deficiente gravação da prova produzida na audiência final:
Afirmam os apelantes que existem deficiências na gravação dos depoimentos das testemunhas prestados na audiência final.
Alegam que «de acordo com as audições aos registos de áudio da prova testemunhal, tais falhas no registo áudio são particularmente relevantes quanto às testemunhas Alexandra F., Ana M. e Hugo F. (com várias partes do respetivo depoimento completamente impercetíveis). Ora, se observarmos o despacho de fundamentação da decisão de facto, veremos que tais depoimentos foram essenciais para a formação da convicção do julgador relativamente aos factos mencionados nos pontos 5, 17 a 19, 21, 23, 29, 33, 35, 57 a 59, 70, dados como provados, sustentando-se em partes do depoimento destas testemunhas, conjugadamente com outros depoimentos.
Ouvido o CD que contem a gravação dos depoimentos em causa, verifica-se que, de facto, partes relevantes dos depoimentos são impercetíveis, sobretudo quando as testemunhas são confrontadas com os documentos existentes nos autos. Ou seja, na aproximação à bancada da Meritíssima Juiz, não foram tomadas as devidas cautelas no sentido de captar convenientemente o som, sendo possível ouvir, com dificuldade, parte do que dizem os Advogados e a Meritíssima Juiz, mas sendo perfeitamente inaudível o depoimento das testemunhas.
(…) quer a omissão de gravação quer a gravação inaudível ou imperceptível, que equivalem à falta de gravação, constituem nulidades prevista no artigo 195º do CPC, uma vez que influem no exame e decisão da causa: pretendendo a parte requerer, em sede de recurso, a reapreciação da matéria de facto, a falta ou a deficiência de gravação impedem os Recorrentes de dar cumprimento às disposições legais aplicáveis, designadamente aos ónus que a lei impõe, atualmente, no artº 640º do CPC, assim como fica o tribunal impedido, em qualquer caso, de proceder à reapreciação de tal matéria.
Já vimos que a gravação da prova contem deficiências, sendo mesmo imperceptível em partes extensas dos depoimentos das testemunhas mencionadas. Tal deficiência influi no exame e decisão da causa uma vez que, pretendendo os Recorrentes impugnar a matéria de facto fixada na primeira instância, está este tribunal impedido de reapreciar tal matéria.
Existe uma corrente jurisprudencial, defendendo que não é exigível à parte - ou ao seu mandatário - que procede à audição dos registos magnéticos antes do início do prazo do recurso (relativo à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto), sendo no decurso deste prazo que surge a necessidade de uma análise mais cuidada do conteúdo dos referidos registos e, com ele, o conhecimento de eventuais vícios da gravação que podem ser alegados na própria alegação de recurso entretanto interposto, essa, é seguida em acórdãos de 23-10-01 (agravo nº 3235/01-6ª), 12-03-02 (revista nº 4057/01-1ª), 24-10-02 (publicado em www.dgsi.pt/jstj) 05-06-03 (agravo n° 1242/03-2ª), 20-06-03 (revista nº 1583/03-2ª), 20-11-03 (revista) nº 3607/03-2ª) e já invocado de 09-07-02, está, in C.J./Acs. STJ - Ano X - Tomo II, p.p. 153 a 155.»
Concluem os apelantes pugnando para que este tribunal de recurso considere «nulo o julgamento nos termos do art. 195º do CPC devido às gravações áudio deficientes e inaudíveis (…).»
Salvo o devido respeito, assumindo tal entendimento e reportando-se aos mencionados arestos do STJ, os apelantes parecem olvidar que no dia 1 de setembro de 2013 entrou em vigor o CPC/2013, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.06.
Ora, estatui o nº 1 do art. 155º do CPC, que «a audiência final de ações, incidentes e procedimentos cautelares é sempre gravada (…).»
Dispõe o nº 3 do mesmo artigo que «a gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias, a contar do respetivo ato», acrescentando o nº 4 que «a falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias, a contar do momento em que a gravação é disponibilizada.»
Conforme referem Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, «constituiu regulamento da gravação o disposto nos arts. 3 a 9 do DL 39/95, de 15 de fevereiro, tornado aplicável aos processos de natureza civil pendentes em quaisquer tribunais pelo art. 24º do DL 329-A/95.
Aí se dispunha que a cópia da gravação fosse facultada, a requerimento da parte e mediante fornecimento por esta de fita magnética para o efeito, no prazo de oito dias, prazo este que se vê no nº 3 encurtado para dois dias, tendo deixado de ser necessário o requerimento e o fornecimento de material pela parte.
Nada se dizia sobre a reclamação por falta de deficiência da gravação, que a parte frequentemente só invocava em recurso. O nº 4 veio obstar a esta prática, ao remeter para o regime das nulidades (arts. 195 ss).».
Ramos de Faria / Ana Luísa Loureiro referem que «no direito anterior, não existia norma expressa sobre a questão. Consagra-se aqui que a nulidade processual descrita na fatispécie tem de ser arguida no prazo de 10 dias. O prazo previsto é igual ao geral (arts, 149º, nº 1, e 199º, nº 1). Conta-se da data em que a gravação é disponibilizada ou, como é evidente, da data em que é recusada a sua entrega, por não ter sido realizada – isto é, por não haver qualquer suporte (fita magnética ou documento digital) a disponibilizar.».
Tal como se decidiu no Ac. da R.E. de 12.10.2017, Proc. nº 1382/14.2TBLLE-A.E1 (Sequinho dos Santos), in www.dgsi.pt, «além de resolver as dúvidas que o regime anterior suscitava, foi intenção do legislador que o procedimento tendente à obtenção de cópia da gravação pelas partes seja o mais simples possível, sem necessidade de realização de qualquer notificação pela secretaria e tendo em vista garantir que algum problema que se verifique com a gravação seja resolvido com rapidez, no tribunal de primeira instância. Se fosse intenção do legislador que a secretaria notificasse as partes de que a gravação está disponível, certamente o teria estabelecido expressamente. Todavia, não é, manifestamente, isso que o nº 3 do artigo 151º faz.
Por outro lado, disponibilizar não é entregar o suporte digital da gravação às partes. Desde logo, porque, na língua portuguesa, estas duas palavras não são sinónimas. Disponibilizar é colocar algo à disposição de outrem, ainda que o terceiro assuma uma atitude de inércia e não aproveite tal disponibilidade. Entregar é mais que isso, é transferir algo para o poder, para as mãos de outrem. Na hermenêutica jurídica, tem de se partir do princípio de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (Código Civil, artigo 9º, nº 3, in fine), pelo que o verbo “disponibilizar” deve ser interpretado em sentido próprio e não como sinónimo de “entregar”.
(…) se a contagem do prazo fixado no nº 4 do artigo 155º do CPC só se iniciasse a partir da entrega da gravação à parte, tal início ficaria na dependência do arbítrio desta. Bastaria que a parte não solicitasse a entrega da gravação ou, fazendo-o, não diligenciasse, depois, no sentido de ir recebê-la, para que aquela contagem não se iniciasse. Dessa forma, ficaria, na prática, a parte com a possibilidade de invocar a falta ou deficiência da gravação quando lhe aprouvesse, até à interposição de recurso da sentença. Ora, não foi, seguramente, isto que o legislador quis ao estabelecer os apertados prazos que as normas que vimos analisando estabelecem. Convém, a propósito, lembrar novamente o disposto no citado artigo 9º, nº 3: O intérprete deverá presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas. Atento o resultado a que conduz, a segunda tese que o recorrente propõe é tudo menos acertada.
Não se objete com o argumento de que, na hipótese de a secretaria não disponibilizar (em sentido próprio) a gravação no prazo de dois dias a contar do ato, as partes ficariam injustamente penalizadas por verem comprimido o prazo para a reclamação prevista no nº 4. Nessa hipótese, a parte terá o ónus de, através de requerimento dirigido ao juiz, suscitar a questão. Caso se confirme o incumprimento do prazo do nº 3, o prazo do nº 4 só começará a contar-se a partir do momento em que a secretaria passe a ter a gravação ao dispor das partes. É isto que decorre do nº 4, ao estabelecer que o prazo de 10 dias para a arguição da nulidade decorrente da falta ou deficiência da gravação começa a contar-se no “momento em que a gravação é disponibilizada.»
No Ac. desta Relação de 05.02.2015, Proc. nº 8/13.6TCFUN.L1-2 (Jorge Leal), in www.dgsi.pt, pode ler-se que «o atual texto do CPC esclareceu algumas das dúvidas supra referidas, fixando o prazo de arguição da aludida nulidade e o decorrente ónus de tramitação do incidente perante o juiz a quo (…).
Devendo a gravação ser disponibilizada às partes no prazo de dois dias após a realização do ato alvo de gravação, e estando as partes sujeitas ao prazo de 10 dias para invocarem a deficiência da gravação, contado da disponibilização desta, segue-se que o prazo de arguição da deficiência conta-se a partir do termo do prazo de disponibilização da gravação imposto ao tribunal, ou antes, se a gravação for entregue à parte antes desse prazo, devendo descontar-se eventual atraso do tribunal na disponibilização efetiva da gravação à parte.
Por exemplo, realizada uma audiência no dia 19 de maio de 2014, a respetiva gravação deveria ser disponibilizada pelo tribunal o mais tardar até 21 de maio de 2014, pelo que o prazo para a parte arguir eventual vício na respetiva gravação terminaria no dia 02 de junho seguinte (segunda-feira), a menos que:
a)- Se comprovasse que a gravação fora entregue à parte antes de estar decorrido o aludido prazo de dois dias, com a correspondente antecipação da data do termo do prazo para a arguição da nulidade;
b)- Se demonstrasse que, sem culpa das partes, a gravação só fora entregue à parte após o aludido prazo de dois dias, caso em que o termo do prazo sofreria da dilação correspondente à duração do aludido atraso.
Com efeito, afronta a razão de ser da lei o entendimento de que o início da contagem do prazo para a invocação de eventual deficiência da gravação dos depoimentos fica dependente da livre iniciativa da parte quanto ao momento da obtenção da gravação, sem qualquer limitação temporal (para além da que decorreria do prazo de apresentação do recurso da decisão final).
Em sentido semelhante se fixou jurisprudência no âmbito do CPP, mediante o acórdão do STJ, de 03.07.2014 (Acórdão nº 13/2014, in D.R., 2.ª série, de 23.9.2014, pág. 5042 e seguintes), em que se enunciou a seguinte proposição:
“A nulidade prevista no artigo 363º do Código de Processo Penal [falta de documentação na ata das declarações prestadas oralmente] deve ser arguida perante o tribunal da 1.ª instância, em requerimento autónomo, no prazo geral de 10 dias, a contar da data da sessão da audiência em que tiver ocorrido a omissão da documentação ou a deficiente documentação das declarações orais, acrescido do período de tempo que mediar entre o requerimento da cópia da gravação, acompanhado do necessário suporte técnico, e a efectiva satisfação desse pedido pelo funcionário, nos termos do nº 3 do artigo 101º do mesmo diploma, sob pena de dever considerar–se sanada.”
Ou seja, perante um quadro legislativo que, segundo se entendeu nesse acórdão, comina com a nulidade a falta ou deficiência de gravação devida da audiência, nulidade essa sujeita a alegação pela parte interessada, no prazo de 10 dias, e em que, nos termos do nº 3 do artº 101º do CPP, na redação dada pela Lei nº 48/2007, de 29 de agosto “sempre que for realizada a gravação, o funcionário entrega no prazo de quarenta e oito horas uma cópia a qualquer sujeito processual que a requeira e forneça ao tribunal o suporte técnico necessário”, entendeu-se que sobre as partes recai um dever de diligência que as onera com o encargo de diligenciarem, o mais tardar logo após o termo da audiência, pela rápida obtenção da gravação dos depoimentos e, num prazo curto, averiguarem se tal registo padece de vícios, a fim de que os mesmos sejam sanados com celeridade perante a primeira instância.
É semelhante a solução que, a nosso ver, propugna o atual regime processual civil, nos termos já supra referidos.»
No caso dos autos, a audiência final decorreu por diversas sessões, estando em causa, segundo os apelantes, deficiências nas gravações dos depoimentos das testemunhas Alexandrina F., Ana M. e Hugo F.
Estas testemunhas prestaram depoimento na primeira sessão da audiência final, realizada no dia 5 de maio de 2017, conforme decorre da ata de fls. 293-294.
Assim sendo:
- o prazo previsto no nº 3 do art. 155º do CPC terminou no dia 9 de maio de 2017 (os dias 6 e 7 de maio de 2017 corresponderam a sábado e domingo);
- o prazo previsto no nº 4 do art. 155º do CPC terminou no dia 19 de maio de 2017.
Ora:
- em lado algum os apelantes alegam que a gravação não estava disponível no dia 9 de maio de 2017;
- os requerentes requereram, no dia 12 de maio de 2017, a entrega de cópia da gravação da sessão da audiência final realizada no dia 5 de maio de 2017 (cfr. fls. 308-309);
- a cópia do CD contendo tal gravação foi entregue em mão à ilustre advogada dos apelantes no dia 12 de junho de 2017, conforme decorre de fls. 315;
- em lado algum os apelantes alegam que a gravação não lhes foi entregue em data anterior por qualquer motivo imputável aos serviços do tribunal;
- só na alegação do recurso, interposto em 10 de outubro de 2017, os apelantes invocaram, perante este tribunal ad quem, a deficiência da gravação dos depoimentos daquelas testemunhas.
Tendo procedido da forma que fica descrita, vedado lhes está, obviamente, neste momento, em sede de recurso de apelação da sentença final proferida em primeira instância, invocar a falta ou deficiência da gravação dos depoimentos das testemunhas Alexandrina F., Ana M. e Hugo F.
Termos em que improcede a pretensão dos apelantes no sentido de ser declarado «nulo o julgamento nos termos do artigo 195º do CPC, devido às gravações áudio deficientes e inaudíveis.»
***
3.2.2–Da impugnação da matéria de facto:
Dispõe o art. 640º do CPC:
1–Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2– No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a)- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b)- Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3– O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do nº 2 do artigo 636º.
Sempre que o recurso de apelação envolva também a impugnação sobre a matéria de facto, o recorrente deve, além do mais:
– em quaisquer circunstâncias, indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação, no corpo da alegação, e síntese nas conclusões, pois são estas, como se viu, que delimitam o objeto do recurso, pelo que a indicação dos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente não pode deixar de ser enunciada nas conclusões;
– especificar, no corpo da alegação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
– deixar expressa no corpo da alegação, a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à impugnação de recursos de pender genérico e inconsequente.
No Ac. do STJ de 03.03.2016, Proc. nº 861/13.3TTVIS.C1.S1 (Ana Luísa geraldes), in www.dgsi.pt, decidiu-se: «Servindo as conclusões para delimitar o objeto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso»;
No Ac. do STJ de 01.10.2015, Proc. nº 824/11.3TTLRS.L1.S1 (Ana Luísa geraldes), in www.dgsi.pt, decidiu-se: «Servindo as conclusões para delimitar o objeto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso. Não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados nas conclusões os pontos de facto impugnados, assim como as respostas alternativas propostas pelo Recorrente, não foram, contudo, enunciados os fundamentos da impugnação nem indicados os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância, requisitos estes que foram devidamente expostos na motivação. Com efeito, o ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640.º do Novo CPC, não exige que as especificações referidas no seu nº 1 constem todas das conclusões do recurso, mostrando-se cumprido desde que nas conclusões sejam identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação.»
No Ac. do STJ de 14.01.2016, Proc. nº 326/14.6 TTCBR.C1.S1 (Mário Belo Morgado), in www.dgsi.pt, decidiu-se: «Tendo a Recorrente identificado no corpo alegatório os depoimento das testemunhas que impunham uma decisão de facto em sentido diverso, não tem que fazê-lo nas conclusões do recurso, desde que identifique os concretos pontos da matéria de facto que impugna. A falta de uma redação alternativa dos factos por parte do Recorrente não constitui por si só fundamento para rejeição do recurso por parte da Relação, desde que aquele identifique nas conclusões de forma inequívoca o sentido que em seu entender deve extrair-se das provas que invoca e analisa, em termos que permitam apreender as questões por si suscitadas, bem como as respostas que devam ser dadas às mesmas.».
No que à rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, Abrantes Geraldes, formula a seguinte síntese conclusiva: «A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações:
– Falta de conclusão sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4, e 641º, nº 2, al. b));
– Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a));
– Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.):
– Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
– Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.»
No caso concreto, os recorrentes:
– não tomam posição expressa, na motivação do recurso, isto é, no corpo da alegação, sobre o resultado pretendido relativamente aos diversos segmentos da impugnação, ou seja, não especificam a decisão que, no seu entender, devia ser proferida relativamente a cada ponto de facto cuja decisão impugnam;
– não especificam, nas conclusões, os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados;
– não afirmam sequer nas conclusões que pretendem impugnar a matéria de facto.
Por todo o exposto, rejeita-se a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
***
3.2.2–Do enquadramento jurídico:
Em novembro de 2014, autor e réus iniciaram conversações com vista à compra, por aquele a estes, do prédio urbano sito na Quinta de ..., em Paço de Arcos, União das Freguesias de Oeiras, São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, concelho de Oeiras, inscrito sob o artigo matricial nº. 4... e descrito nessa Conservatória sob o nº. 3....
No decurso das negociações, no âmbito das quais foram redigidas minutas do contrato-promessa de permuta a celebrar entre as partes, ainda que todas elas contendo espaços em branco, onde deveriam constar elementos do negócio, estas acordaram:
– em atribuir ao imóvel e ao seu recheio o valor global de € 5.000.000,00;
– que, em caso de concretização do contrato-promessa, o autor entregaria aos réus, a título de sinal e princípio de pagamento, 10% sobre o valor global conferido ao imóvel e recheio, ou seja, € 500.000,00 (quinhentos mil euros).
No desenvolvimento dessas negociações as partes passaram a ponderar a realização de uma permuta, nos termos da qual o autor daria aos segundos os bens e direitos identificados nos arts. 1º a 3º da petição inicial, recebendo destes, por sua vez, o imóvel acima identificado.
Neste contexto de permuta, as negociações evoluíram de tal forma que, em vista à futura celebração de um contrato-promessa de permuta, tendo por objeto os referidos bens e direitos, o autor, aqui apelado, entregou aos réus, aqui apelantes, a quantia de € 500.000,00, a saber:
– € 300.000,00, no dia 29 de Abril de 2015;
– € 200.000,00, no dia 05 de Maio de 2015.
A que título entregou o autor tais quantias aos réus?
Fê-lo, na perspetiva, reitera-se, de vir a ser celebrado o referido contrato-promessa de permuta, e a título de sinal e princípio de pagamento da quantia correspondente à diferença entre o valor global dos bens e direitos que, no âmbito da permuta, entregaria aos réus, e o valor do imóvel que, por sua vez, deste receberia.
É isso que inequivocamente resulta:
a)- do teor do email enviado pelo autor aos réus em 10 de abril de 2015, que constitui o documento de fls. 138, na parte em que afirma: «Acredito também que tenha de fazer o pagamento deste mês com o Contrato em discussão. Há muito que falar, mas temos confiança entre nós.»;
b)- dos documentos intitulados «Termo de quitação» assinados pelos réus:
– o primeiro, datado de 29 de abril de 2015, referente à entrega da quantia de € 300.000,00;
– o segundo, datado de 5 de maio de 2015, referente à entrega de
€ 200.000,00, documentos que constituem, respetivamente, fls. 98vº e 99 dos autos para os quais remetem os pontos de facto 33. e 34, e dos quais consta, além do mais, o seguinte: «Luís C. (…) e Isabel C. (…), declaram para todos os efeitos legais que na qualidade de Promitente Permutante, receberam, nesta data, o montante de € 300.000,00 (Trezentos mil euros) para pagamento de parte do valor do Contrato de Promessa de Permuta a celebrar com José B.C. (…), na qualidade de Promitente Permutado, conferindo-lhe por isso quitação no montante de € 300.000,00 (trezentos mil euros).»
É isso que resulta ainda das minutas de contrato-promessa de permuta redigidas nesse mesmo mês de maio de 2015 e que constituem os documentos de 85-96.
Na minuta de contrato-promessa de permuta que constitui 92 vº a 98, da qual constam alguns espaços em branco, pode ler-se, além do mais o seguinte:
«(…)
2.1.– O presente imóvel descrito no Considerando A) é de € 3.000.000,00 (…);
2.2.– O preço dos imóveis descritos nos Considerandos D), E) e F) e parte do recheio da fração autónoma descrita no Considerando D) é de € 850.000,00
(…);
2.3.– Na data da posse dos respetivos imóveis, que se prevê em 30 de Janeiro de 2016, o valor correspondente a € 850.000,00, considera-se pago pelos Primeiros Outorgantes ao Segundo Outorgante.
2.4.– A diferença entre o imóvel identificado no Considerando A) no valor de € 3.000.000,00 e os imóveis identificados nos Considerandos D), E) e F), bem como o recheio identificado no Anexo 16, no valor de € 850.000,00, é de € 2.150.000,00.
2.5.– O montante de € 2.150.000,00 será pago pelo Segundo Outorgante aos Primeiros Outorgantes, da seguinte forma.
2.5.1.– Como sinal e princípio de pagamento, em 29.04.2015 foi paga a importância de € 300.000,00 (…) e dada a respetiva quitação.
2.5.2.– Até à data da assinatura do presente contrato, um reforço de sinal no montante de € 200.000,00 (…).».
A minuta de contrato-promessa de permuta que constitui 85-92, da qual igualmente constam alguns espaços em branco, e a que se reporta o ponto de facto 37, contém os mesmos dizeres, com exceção do ponto 2.5.2., que passou a ter a seguinte redação:
«(…)
2.5.2.– E em 05.05.2015, igualmente a título de sinal e princípio de pagamento, foi paga a importância de €200.000,00 (…) e dada a respetiva quitação.”
(…).».
Por alturas de maio de 2015, as partes encontravam-se, como se vê, em avançado estado de negociações com vista à celebração do contrato-promessa de permuta tendo por objeto os bens e direitos acima referidos, pois, de outro modo, certamente o autor não teria procedido à entrega aos réus de tão avultadas quantias.
Sucede que:
– no dia 24 de Setembro de 2015, o autor remeteu aos réus o email que constitui o documento fls. 101 e 102, o qual, depois de dar conta de ter sabido «há pouco», juntamente com a sua mulher, que afinal os elementos com base nos quais tomaram a decisão de negociar «encontram-se errados», termina afirmando o seguinte: «Nesta situação terá de haver consequentemente a devolução do sinal antes de qualquer nova decisão e saber se ambas as partes pretendem seguir com a nova situação factual.»;
– não obstante a ré Isabel C., ter respondido no dia seguinte, através de email que constitui o documento de fls. 111vº a 113, no qual refere, além de mais, que «os pressupostos do nosso Acordo não foram alterados», o autor:
– no dia 2 de outubro de 2015, enviou aos réus o email que constitui o documento de fls. 102vº e 103, no qual afirma, além do mais, que «venho interpelar-vos para a devolução das quantias entregues no prazo de 8 dias a contar da data do recebimento desta mensagem»;
– no dia 7 de Outubro de 2015, o autor enviou aos réus o email que constitui o documento de 103vº a 110, no qual, depois descrever detalhadamente as razões para tal, lhes comunicou que ter perdido «completamente o interesse em celebrar o negócio».
Por isso, o contrato-promessa de permuta cuja outorga as partes, em maio de 2015, tinham como altamente provável, não chegou a realizar-se.
O contrato é comummente definido como o acordo vinculativo, assente sobre duas ou mais declarações de vontade (oferta ou proposta, de um lado; aceitação, do outro), contrapostas mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que visam estabelecer uma composição unitária de interesses.
Por sua vez, a promessa de contrato futuro ou contrato-promessa, tal como a lei o define, consiste na «convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato» (art. 410º, nº 1), sendo o contrato prometido aquele cuja realização se pretende.
Antunes Varela define contrato-promessa como «a convenção pela qual ambas as partes, ou apenas uma delas, se obrigam, dentro de certo prazo ou verificadas certas circunstâncias, a celebrar determinado contrato (…).».
Conforme refere Almeida Costa, «o contrato-promessa distingue-se com nitidez dos meros atos de negociação que frequentemente integram o processo de formação dos negócios jurídicos e que, às vezes, fundamentam a responsabilidade pré-contratual. É que esses trâmites do “iter negotii”, embora dotados de relevância jurídica, apresentam-se destituídos de eficácia contratual específica, ao contrário do que se verifica com o contrato-promessa e os demais negócios preparatórios ou preliminares, que, do mesmo modo, podem incluir-se no processo de elaboração de um negócio jurídico.».
A propósito desta questão é importante reter as palavras do mesmo Autor, publicadas na Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 116º, Nº 3710, pp. 147 ss., em notável anotação ao Ac. do STJ de 05.02.1991. Afirma Almeida Costa, a propósito do processo formativo dos contratos que «é sabido que múltiplos contratos se concluem rapidamente, pelo mero encontro de uma proposta e de uma aceitação, sem que existam, ou não existindo quase, anteriores aproximações dos contraentes ou negociações prévias. Este modelo corresponde a situações de vida diária: A entra numa livraria e compra um livro; B instala-se num hotel ou toma uma refeição num restaurante; C dirige-se a um estabelecimento da especialidade e adquire uma peça de vestuário.
Mas também se observa na experiência quotidiana a celebração de muitos contratos que não obedecem a esquema tão simples e imediato. Vejamos: A deseja comprar uma moradia e, antes disso, investiga as particularidades do imóvel indicado pelo vendedor, discute com este algumas adaptações, o preço e os termos do seu pagamento; B pretende constituir uma sociedade destinada à fabricação de um determinado produto, para o que, além da vontade dos interessados na iniciativa, será necessário realizar ensaios, análises, prospeções do mercado, estudos e contactos para a obtenção dos recursos financeiros, etc.; C, empresário, querendo a colaboração de D, técnico especializado, não só acerta com ele as cláusulas contratuais, mas ainda o convida a estagiar na sua fábrica e o submete a prévios testes e entrevistas.
No meio industrializado e tecnológico contemporâneo, são, de facto, cada vez mais frequentes os negócios em que os respetivos preliminares se alongam e pormenorizam. Tal resulta, quer da importância e complexidade crescentes dos bens e serviços, assim como dos valores ou esquemas financeiros, envolvidos no comércio jurídico, quer dos mecanismos através dos quais este se realiza. Acresce que o desenvolvimento da publicidade, da mercadologia (marketing) e dos meios de comunicação, ao mesmo tempo que produziu a ampliação do âmbito dos contratantes potenciais, tornou necessária uma progressão mais ou menos demorada das negociações anteriores ao acordo definitivo.
Daí a frequência sempre maior dos contratos antecedidos de um processo genético, que se inicia aos primeiros contactos das partes com o objetivo da realização de um negócio e se prolonga até ao momento da sua efetiva celebração. Nele cabem vários e sucessivos trâmites, tais como entrevistas e outras formas de diálogo, estudos individuais ou em comum, experiências, consultas de técnicos, viagens de esclarecimento pessoal, redução a escrito de aspetos parcelares ou acordos provisórios e a unificação destes num projeto ou minuta, incitamentos recíprocos a propostas contratuais e, finalmente, a oferta e a aceitação definitivas. Só que a complexidade e a duração - e, por conseguinte, o custo - do iter negotii variam de caso para caso: algumas vezes os atos de carácter pré-dispositivo reduzem-se ao mínimo, ao passo que outras vezes se encadeiam numa série morosa e laboriosa, sobretudo quando se movimentam valores económicos de grande monta.
Claro que também se poderão incluir num itinerário dirigido à constituição de um negócio jurídico atos preparatórios que revistam eles mesmos, em si, natureza negocial e acerca de cujo alcance não se oferecem dúvidas. Trata-se de figuras de conteúdo diverso, nomeadamente:
a)- O contrato-promessa, unilaterial ou bilateral, de que resulta a vinculação mais forte, porquanto envolve em relação a um ou a todos os intervenientes a obrigação de concluir determinado contrato nos termos estabelecidos;
b)- O chamado acordo-quadro, através do qual as partes se comprometem, no caso de virem a contratar, a fazê-lo em certas condições, de que constituí exemplo típico o estipulado a propósito de um contrato de fornecimento;
c)- O pacto de preferência, de que surge um direito de opção, tanto por tanto, a favor do promissário, para a hipótese da eventual celebração futura, pelo promitente, do contrato previsto;
d)- O acordo de princípio, estabelecido isoladamente ou em ligação a convenções mais firmes – com frequência contratos a longo ou a médio prazo –, que não obriga à efetiva conclusão do contrato, mas apenas a negociar.
Não é a respeito desses negócios preliminares que o caracterizado problema da responsabilidade na formação dos contratos se põe; a sua violação gera a responsabilidade própria do incumprimento de um contrato. A questão apenas se levanta quanto aos atos pré-negociais destituídos de qualquer garantia contratual específica, como em regra sucede.
Entende-se, à luz das modernas conceções e realidades sociais, que a resposta tem subjacente uma valoração de justiça substancial. As exigências pragmáticas do tráfico jurídico e uma legítima aspiração a um direito objetivamente justo postulam que não se atenda apenas à intenção ou vontade do declarante, mas também à sua conduta e à confiança do destinatário. Impõe-se, com efeito, a ponderação e confronto de interesses em conflito. Ei-los, esquematicamente: o interesse da liberdade negocial, ou seja, a vantagem que pode haver em que os negociadores conservem intacta a sua autonomia deliberativa até à formação do contrato, portanto ainda mesmo depois da emissão da oferta; e o interesse do fomento da boa fé e da protecção da confiança em face das expectativas criadas durante a fase pré-negocial, crescendo, via de regra, decerto, à medida que o iter contractus progride.
Através da conclusão definitiva do contrato, os intervenientes renunciam à sua liberdade negocial, visto que optam pela firmeza das obrigações e dos direitos estabelecidos. Mas o problema apresenta coordenadas diversas antes desse momento: o respeito absoluto pela livre atuação das partes durante a fase das negociações postula a recusa de intervenção jurídica em tal domínio - o que equivaleria a que ficassem de todo desembaraçadas para as conduzir como entendessem, não recebendo as faltas eventualmente cometidas qualquer sanção; ao invés, a necessidade de segurança sentida pelos negociadores reclama um «controlo» jurídico que garanta as suas posições negociais. Entre os dois imperativos contrapostos, cabe ao direito desempenhar o papel que lhe pertence na harmonização das relações sociais e interrogar-se sobre os meios para tanto adequados.
Verifica-se, sem dificuldade, que o período de formação de um contrato não oferece sinal homogéneo, mas que é cindível em fases, atendendo ao alcance ou conteúdo dos atos que o integram, e consequentemente ao diverso significado de que se revestem na ponderação dos interesses há pouco equacionados. Dito de outro modo: esses atos devem ser equiparados ou dissociados em função da confiança que criam na contraparte e do correspondente grau de autonomia da vontade que se justifica reconhecer aos seus autores.
Partindo deste pressuposto, torna-se possível a demarcação de fases fundamentais no caminho percorrido pelos contratantes. A orientação que predomina define duas. A saber:
a)- Uma fase negociatória, integrada pelos atos preparatórios realizados sem marcada intenção vinculante, desde os primeiros contactos das partes até à formação de uma proposta contratual definitiva;
b)- Uma fase decisória, constituída por duas declarações de vontade vinculativas, quer dizer, a proposta e a aceitação do contrato.
A própria lei traduz esta separação. O nº 1 do artigo 227.° do Código Civil refere-se, sucessivamente, à observância das regras da boa fé, tanto nos preliminares (fase negociatória) como na formação (fase decisória) do contrato.».
Ainda sobre esta questão afirma Santos Justo que «se as partes são livres de contratar, quando o façam vinculam-se pela própria vontade: os contratos são vinculativos. Eles têm “força de lei” entre aqueles que os celebram. É o princípio da vinculatividade do contrato (…).
Daqui decorrem dois polos, dois extremos:as negociações e
a celebração do contrato final. As partes entram em negociações se quiserem e se quiserem são livres de delas se retirarem, posto que só se vinculam quando contratam. Só depois da celebração do contrato, se o chegarem a celebrar, é que ficam inelutavelmente vinculadas. E só há contrato – contrato final – quando as partes acordam em todos os pontos considerados relevantes.».
No dizer do mesmo Autor, o contrato-promessa não é um acordo intermédio; é, sem dúvida, um contrato preliminar do contrato definitivo, mas não é “hoc sensu”, um acordo intermédio, pois ele é a tradução do termo das negociações, pois dele resulta a obrigação de contratar e dele hão-de constar as cláusulas do contrato definitivo ou final. Após a celebração do contrato-promessa nada há a negociar. Ele não se situa, pois, antes do termo das negociações, pelo que não é, assim, um acordo intermédio “hoc sensu”.
Ora, no caso concreto, a fase negociatória do contrato-promessa, iniciada em novembro de 2014 (começando por ser de compra e venda e passando, com o desenrolar das negociações, a ser de permuta) e que se prolongou por vários meses, tendo o seu epílogo em 7 de outubro de 2015, atingiu um patamar muito avançado, ao ponto de o autor ter procedido à entrega de € 500.000,00 aos réus:
- € 300.000,00, no dia 29 de Abril de 2015;
- € 200.000,00, no dia 05 de Maio de 2015, a título de sinal e princípio a título de sinal e princípio de pagamento (tendo em vista
a título de sinal e princípio de pagamento (tendo em vista a - fortemente - perspetivada - e não verificada - celebração do contrato-promessa de partilha).
No entanto, isso, ou seja, a entrega de tais quantias em dinheiro pelo autor aos réus a título de sinal e princípio de pagamento, não significou, como se viu, o fim da fase negociatória e a entrada na fase decisória do contrato-promessa de partilha, pois, naquela altura, as partes não tinham ainda chegado a acordo relativamente a todos os elementos deste contrato.
É o que se retira:
– da passagem do email enviado pelo autor aos réus no dia 10 de abril de 2015 (fls. 138-138 vº): «Acredito também que tenha de te fazer o pagamento deste mês com o Contrato em discussão. Há muito que falar, mas temos confiança entre nós.»;
– das duas minutas do contrato-promessa de partilha acima referidas (fls. 85-98 - nomeadamente da minuta de fls. 85-92), onde existem espaços em branco;
– do teor dos «Termos de Quitação» que constituem os documentos de fls. 98vº-99, assinados pelos réus, dos quais consta expressamente que as quantias de que deram quitação eram «para pagamento de parte do valor do Contrato de Promessa de Permuta a celebrar com José B.C.»;
– do ponto de facto 36, que faz referência a «reuniões havidas entre as partes» na sequência do que os réus entregaram ao autor as duas supra aludidas minutas «para o contrato-promessa de permuta, com alguns espaços em branco, embora mais completas do que a remetida pelo Autor, designadamente quanto ao preço.»;
É o que se retira ainda:
- do ponto de facto 44: «Não obstante acordarem em atribuir à moradia e seu recheio o valor global de 5 milhões de euros, as partes não chegaram a acordo definitivo quanto aos valores do imóvel e recheio a constar da escritura e quanto à forma de pagamento do recheio»;
- do ponto de facto 45: «As partes não chegaram a acordar numa relação definitiva do recheio dos imóveis a incluir na permuta e respetiva avaliação»;
- do ponto de facto 46: «As partes não chegaram a acordar numa versão definitiva e integral do texto do contrato promessa e da compra e venda do recheio da casa dos RR a celebrar».
As partes entabularam, efetivamente, negociações sólidas, o que se retira, não apenas da entrega pelo autor aos réus daquelas quantias em dinheiro, a título de sinal e princípio de pagamento, como pelas minutas que foram redigidas.
Sobretudo a entrega daquelas quantias em dinheiro pelo autor aos réus é a demonstração inequívoca de que as partes atingiram um patamar bem adiantado da fase negociatória e que se encontravam, efetivamente, séria e consistentemente empenhadas na celebração do contrato-promessa de permuta, incutindo-se confiança recíproca no curso do iter formativo desse contrato; por outras palavras, é revelador de que as partes atingiram a uma situação juridicamente relevante, apesar da sua natureza pré-contratual.
No entanto, apesar de tudo isto, o contrato-promessa de permuta não chegou a ver a luz do dia, ou seja, as partes acabaram por se quedar pela fase negociatória, tratativa ou pré-contratual, não chegando a entrar na fase decisória: as negociações, apesar de prolongadas não desembocaram na conclusão do contrato-promessa de permuta.
Dispõe o art. 232º que «o contrato não fica concluído enquanto as partes não houverem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo.»
Face à regra consagrada neste artigo, nunca poderia considerar-se ter havido contrato-promessa de permuta, pois o mesmo só poderia ter-se como concluído a partir do momento em que as partes tivessem acordado sobre todas as cláusulas relativamente às quais qualquer delas tenha considerado necessário o acordo, não bastando, assim, o acordo sobre os elementos essenciais do contrato.
Como refere Calvão da Silva, a propósito daquele artigo, «em caso de dúvida não se tem o contrato por concluído enquanto as partes não houverem acordado em todos os pontos contratuais acerca dos quais, ainda que apenas pela declaração de uma delas, deva haver consenso (…), entendendo-se que a convenção não tem força vinculante mesmo quando se tenha redigido uma minuta.».
Isto, sem que se olvide que nos termos do art. 410º, nº 2, o contrato-promessa de permuta que as partes perspetivavam concluir, para valer, teria de ser reduzido a escrito, o que, obviamente, era do conhecimento das partes, tendo em conta, desde logo, as diversas minutas que trocaram.
Carlos Ferreira de Almeida, depois de referir que «a formação dos contratos abrange também, em sentido amplo, a sua forma, porque a forma é sempre requisito de existência e pode ser requisito de validade das declarações pelas quais os contratos se formam», afirma que o esquema negocial porventura mais utilizado «consiste na emissão de declarações contratuais conjuntas, isto é de declarações de sentido idêntico que exprimem o acordo contratual num só texto subscrito por cada uma das partes.
Para que o contrato se forme nesta modalidade de elaboração comum e progressiva, o texto final, comum a todas as declarações, tem de observar as características de completude, precisão e adequação formal (…).
A subscrição conjunta faz presumir que as partes tenham acordado sobre todas as cláusulas que julgaram necessárias para o acordo (artigo 232º), o que facilita a verificação da completude, mau grado a persistência de reais ou aparentes lacunas na composição do texto.
(…)
Esta modalidade formativa é especialmente usada:
- em contratos sujeitos por lei à forma escrita (…);
- em contratos com mais de duas partes (…);
- em contratos com especial complexidade técnica ou jurídica.
(…)
Quando o contrato se forma através de declarações conjuntas, é possível distinguir três fases:
1ª fase preliminar;
2ª acordo pré-contratual final;
3ª subscrição.
A fase preliminar ou preparatória (os "preliminares" a que se refere o artigo 227º) é preenchida pelo conjunto de atos de comunicação através dos quais se desenvolve o diálogo conducente ao acordo.
O modo como este processo se desenvolve não é contudo unitário. Dentro do universo de contratos formados por declarações contratuais conjuntas descortinam-se variantes que se reconduzem às três seguintes ou à conjugação de algumas delas:
1ª– troca de informações e de intenções, de extensão e complexidade ainda variáveis, que se inicia por alguma modalidade de convite a contratar e prossegue com atos de conteúdo substancialmente equivalente ao de propostas e contrapropostas, mas desprovidos da forma que, por força da lei ou por decisão das partes, vem a ser adotada no contrato celebrado.
2ª– acordo quanto à opção por um dos modelos pré-redigidos;
3ª– redação de sucessivos projetos escritos do contrato, negociados e minutados ponto por ponto, que antecedem e preparam o texto final e definitivo subscrito pelas partes.».
Em qualquer hipótese, afirma ainda o Autor a que nos vimos reportando, «o contrato só fica concluído com a subscrição pelos contraentes, que consiste na aposição, no final do documento, de assinatura ou meio de autenticidade equivalente (…).».
É, assim, inequívoco, que no caso concreto, não obstante, reitera-se, ter sido alcançado um patamar muito avançado da fase negociatória, tratativa ou preliminar, ela não foi ultrapassada, pois autor e réus não tinham ainda sequer chegado a acordo relativamente a todos os elementos do contrato-promessa quando aquele comunicou a estes a perda de interesse na sua celebração.
Ou seja, as partes trilharam um longo percurso no campo das negociações preliminares ou tratativas, encaminhadas para a celebração do contrato-promessa, inicialmente de compra e venda e depois de permuta; não chegaram, no entanto, ao almejado destino, pois que nenhum contrato-promessa foi subscrito, celebrado, outorgado.
Dispõe o art. 440º que «se, ao celebrar-se o contrato ou em momento posterior, um dos contraentes entregar ao outro coisa que coincida, no todo ou em parte, com a prestação a que fica adstrito, é a entrega havida como antecipação total ou parcial do cumprimento, salvo se as partes quiserem atribuir à coisa entregue o caráter de sinal.»
Nos termos do art. 441º, «no contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem caráter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.»
O sinal é, assim, à luz do citado art. 440º, a entrega, no momento da celebração do contrato ou em momento posterior, por um dos contraentes ao outro, de coisa “que coincida, no todo ou em parte, com a prestação a que fica adstrito”, desde que tal qualificação lhe seja dada pelas partes. Fora dos casos abrangidos pela previsão do art. 441º, é, pois necessário que as partes qualifiquem – expressa ou tacitamente – a entrega da coisa como sinal, para que ela possa ser como tal ser considerada.
O sinal é, como refere Ana Prata, «uma convenção ou cláusula de um contrato, sendo, consequentemente, em regra, contemporânea do próprio contrato ou subsequente a ele, mas anterior ao vencimento de todas ou algumas das obrigações dele emergentes.».
No que respeita ao momento da prestação do sinal por referência ao da celebração do contrato, afirma a Autora que «a lei é clara mas não é de crer que a disposição tenha, neste aspeto, mais do que um sentido descritivo», ou seja, «sendo previsível que vulgarmente as partes no contrato estabeleçam o sinal no momento da sua conclusão ou, quando muito, em momento ulterior, é essa a situação que a lei toma para caracterizar a cláusula. Por outro lado, referindo-se o artigo 440º ao sinal a propósito da antecipação de cumprimento – esta, por maioria de razão, convenção que supõe a concomitante ou anterior constituição da obrigação – convenção da qual é distinguido, não seria de esperar que a lei, quando não se ocupa da sua caracterização estrutural própria, previsse a possibilidade da sua constituição antecipada relativamente ao contrato em que vai incluir-se.
Não se crê, em consequência, que da letra da lei se possa retirar a exclusão da qualificação de sinal para a convenção, que, material e juridicamente as partes tenham estipulado como tal, mas em momento anterior ao da celebração do contrato a que vai aceder, e em vista de tal celebração.».
Significa isto a inexistência de qualquer impedimento à qualificação, como sinal e princípio de pagamento, do acordo entre autor e réus, ao abrigo do qual aquele entregou a estes:
- € 300.000,00, no dia 29 de Abril de 2015;
- € 200.000,00, no dia 05 de Maio de 2015,
ou seja, a quantia global de € 500.000,00, correspondente a 10% do valor do contrato-promessa objeto da negociação que então mantinham, e tendo em vista, obviamente, a sua celebração, a qual, no entanto, não veio a ocorrer.
Conforme refere ainda Ana Prata, sendo o sinal uma cláusula contratual – embora a lei não o diga expressamente – acordada antes, simultaneamente ou depois da celebração do contrato-promessa, trata-se tipicamente de uma «cláusula acessória, com as normais consequências de regime que a acessoriedade implica. Assim, será ela inválida se inválido for o contrato em que se integra, não sendo a inversa verdadeira.».
Para Antunes Varela «a celebração do contrato com sinal, tendo íntima ligação com o contrato-promessa (que é o seu terreno de eleição), não se confunde com ele.
O sinal consiste na coisa (dinheiro ou outra coisa fungível ou não fungível) que um dos contraentes entrega ao outro, no momento da celebração do contrato ou em momento posterior, como prova da seriedade do seu propósito negocial e garantia do seu cumprimento, ou como antecipação da indemnização devida ao outro contraente, na hipótese de o autor do sinal se arrepender do negócio e voltar atrás, podendo a coisa entregue coincidir (no todo ou em parte) ou não com o objeto da prestação devida ex contractu.
No primeiro caso, dá-se ao sinal (ou às arras, como antigamente se lhe chamava), o nome de sinal confirmatório (arras confirmatórias); no segundo, chama-se-lhe sinal penitencial, como para significar que o sinal representa neste caso a penitência ou castigo do arrependimento do faltoso.
Sendo assim, saltam à vista as principais diferenças que separam o contrato-promessa da constituição de sinal.
O contrato-promessa é uma convenção autónoma, enquanto a constituição de sinal é uma cláusula dependente de um outro negócio, no qual se insere.
A constituição de sinal tanto pode acompanhar um contrato-promessa, como um contrato definitivo.
No contrato-promessa, em que um dos contraentes entregue ao outro qualquer quantia em dinheiro ou outra coisa, mesmo que a coisa coincida no todo ou em parte com a prestação correspondente ao contrato-prometido, a entrega tanto pode representar a constituição do sinal como uma antecipação de pagamento, consoante as circunstâncias.
Na promessa de compra e venda é que se presume, até prova do contrário, que reveste o sentido de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que declaradamente a título de antecipação ou princípio de pagamento.».
No caso concreto, considerando-se, com Ana Prata, que o sinal é uma cláusula acessória que pode ser acordada antes, simultaneamente ou depois da celebração do contrato-promessa, e presumindo-se sinal a quantia de € 500.000,00, entregue pelo autor aos réus nos termos acima descritos, temos que, conforme sobejamente enfatizado, não ocorreu a celebração do contrato-promessa de permuta do qual a cláusula constitutiva do sinal, celebrada entre as partes nos termos descritos, estava dependente; ou seja, in casu, a cláusula acessória do sinal, acordada entre as partes não chegou a integrar-se, a inserir-se (acessoriamente), no contrato-promessa a que respeitava, pois que este não chegou a realizar-se.
Não se verificou, assim, a condição da qual dependia a produção dos efeitos da cláusula (acessória) do sinal: a realização do contrato-promessa de permuta no qual se devia inserir.
A cláusula do sinal, ao não chegar integrar-se, a inserir-se, a fazer parte do contrato-promessa a que se destinava, não iniciou sequer a produção dos seus efeitos, não chegou a desempenhar qualquer uma das funções que tipicamente podem por ele ser desempenhadas: a confirmatória e a penitencial.
Inexiste, assim, causa justificativa para que os réus façam sua a quantia de € 500.000,00, que lhes foi entregue pelo autor contexto que se deixou descrito.
E, obviamente, a outra solução não se chegaria caso se concluísse que a entrega daquele valor representava, não a constituição de sinal, mas uma antecipação de pagamento.
É que, não havendo contrato-promessa, a nenhum pagamento o autor se vinculou para com os réus.
O preço a pagar pelo autor aos réus, se algum preço houver a pagar, pela rutura nas negociações com vista à celebração do contrato-promessa de permuta, há-de ter a sua fonte noutro instituto, o da responsabilidade pré-contratual, que não no sinal.
Dispõe o art. 473º:
1.- Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.
2.- A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.
A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
a)- O enriquecimento, consistente na obtenção de uma vantagem patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista;
b)- A obrigação de restituir pressupõe, em segundo lugar, que o enriquecimento contra o qual se reage, careça de causa justificativa – ou porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido;
c)- A obrigação de restituir pressupõe, finalmente, que enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.
d)- Que não haja um outro ato jurídico entre o ato gerador do prejuízo do empobrecido e a vantagem obtida pelo enriquecido.
Dá-se o enriquecimento a favor de uma pessoa quando o seu património se valoriza ou deixa de se desvalorizar. O enriquecimento traduz-se na diferença, para mais, entre o valor que o património apresenta e o que apresentaria se não ocorrera determinado facto. Graças a esse facto, o património passou a valer mais ou não passou a valer menos; na diferença está o enriquecimento.
A causa do enriquecimento varia, consoante a natureza jurídica do ato que lhe serve de fonte.
Assim, sempre que o enriquecimento provenha de uma prestação, a sua causa é a relação jurídica que a prestação visa satisfazer. Se, por exemplo, A entrega a B certa quantia para cumprimento de obrigação e esta não existe – por exemplo porque já se extinguiu – deve entender-se que a prestação carece de causa.
No que tange a este requisito, parece que tudo se reconduz à interpretação da Lei, à determinação da vontade legislativa, isto é, saber se o ordenamento jurídico considera ou não justificado o enriquecimento e se portanto acha ou não legítimo que o beneficiado o conserve. O enriquecimento tem ou não causa justificativa consoante, segundo os princípios legais, há ou não razão de ser para ele.
Umas vezes a lei não pode evitar que o enriquecimento se dê, mas porque o reputa injustificado, obriga a restabelecer o equilíbrio patrimonial por ele rompido. Se uma pessoa paga a outra o que lhe não deve, a segunda alcança uma vantagem que não está na mão da lei impedir; mas, porque a lei não deseja que essa vantagem perdure, constitui o accipiens no dever de restituir o recebido.
Nos termos do art. 342º, nº 1, incumbe ao autor o ónus de prova do requisito de que o enriquecimento carece de causa justificativa.
À luz destes considerandos, e retornando ao caso concreto, temos que:
- os réus obtiveram uma vantagem patrimonial no valor de € 500.000,00, à custa do património do autor;
- o enriquecimento dos réus à custa do património do autor no referido montante de € 500.000,00 (€ 300.000,00, em 29 de abril de 2015, e € 200.000,00, em 5 de maio de 2015), tendo uma causa justificativa inicial, a celebração de uma cláusula a integrar no contrato-promessa de permuta que as partes, então, tinham em vista celebrar, e que dele seria acessória, estipulando o respetivo sinal, perdeu-a entretanto, ou seja, a partir do momento em que ficou definitivamente inviabilizada a celebração do contrato-promessa de permuta;
- o enriquecimento dos réus foi obtido à custa da pessoa que nestes autos requer a restituição, ou seja, o autor;
- não há um outro ato jurídico entre o ato gerador do prejuízo do empobrecido e a vantagem obtida pelo enriquecido.
Assim, os réus/apelantes não têm qualquer direito a fazer sua a quantia de € 500.000,00, que lhes foi entregue pelo autor/apelado no contexto que ficou descrito, antes se encontrando constituídos na obrigação de lha restituírem, acrescida dos respetivos juros moratórios, conforme por este peticionado.
Termos em que, nesta parte, ou seja, em sede de ação intentada pelo autor contra os réus, improcede a apelação, havendo lugar à confirmação da sentença recorrida.
***
Acontece que, como já se viu, os réus deduziram reconvenção contra o autor, pedindo a condenação destes a pagar-lhe a quantia de € 620.790, 03, sendo:
- € 620.790,02, a título de danos patrimoniais; e,
- € 100.00,00, a título de danos não patrimoniais,
a título de responsabilidade pré-contratual em consequência da rutura, pelo autor, das negociações então em curso.
Dispõe o art. 227º que «quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.»
A responsabilidade pré-contratual pressupõe uma conduta eticamente censurável, e de forma acentuada em termos idênticos aos do abuso de direito.
Conforme decidido no Ac. do S.T.J. de 09.01,1997, B.M.J. 457º, 308, «o instituto da responsabilidade pré-contratual ou pré-negocial ou da culpa “in contrahendo” fundamenta-se na tutela da confiança do sujeito na correção, na honestidade, na lisura e na lealdade do comportamento da outra parte, quando tal confiança se reporta a uma conduta juridicamente relevante e capaz de provocar-lhe danos. Em aplicação do princípio da boa fé em que assentam os arts. 239°, 334°, 437°, n° 1, e 762°, n° 2, do Cód. Civil, dispõe o n° 1 do art. 227° do mesmo Código que quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar a outra parte...».
Menezes Cordeiro, na sua “Da Boa Fé no Direito Civil", depois de referir que a conceção da culpa “in contrahendo”, acolhida no art. 227° do Cód. Civil, encerra os deveres de proteção, de informação e de lealdade, escreve:
«Os deveres de proteção obrigam a que, sob pretexto de negociações preliminares, não se inflijam danos à contraparte: danos diretos, por um lado, à sua pessoa e bens, embora esta situação, em Portugal, possa ser solucionada pelos esquemas da responsabilidade civil [...]; danos indirectos, por outro, derivados de despesas e outros sacrifícios normais na contratação revestirem, por força do desenvolvimento subsequente do processo negocial, uma característica de anormalidade.
Os deveres de informação adstringem as partes à prestação de todos os esclarecimentos necessários à conclusão honesta do contrato.
Tanto podem ser violados por ação, portanto com indicações inexatas, como por omissão, ou seja, pelo silêncio face a elementos que a contraparte tinha interesse objectivo em conhecer. O dolo negocial - art. 253°-1 - implica, de forma automática, a violação dos deveres de informação. Mas não a esgota: pode haver violação que, não justificando a anulação do contrato por dolo, constitua, no entanto, violação culposa do cuidado exigível e, por isso, obrigue a indemnizar por culpa “in contrahendo”.
Os deveres de lealdade vinculam os negociadores a não assumir comportamentos que se desviem de uma negociação correta e honesta [...]».
Ultrapassada pelas legislações modernas a fase inicial (devido aos estudos de Jehring) em que este tipo de responsabilidade se colocava apenas a respeito da celebração de negócios nulos ou anuláveis, a evolução legislativa orientou-se no sentido de alargar cada vez mais «os horizontes da responsabilidade pré-negocial «até englobarem no seu conceito, quer as hipóteses de negócio inválido e ineficaz, quer aquelas em que se haja estipulado um negócio válido e eficaz, surgindo, todavia, do processo formativo danos a reparar, quer ainda, as situações em que não se tenha celebrado negócio algum, por virtude de rutura de fase negociatória ou decisória.».
«O princípio da confiança é um princípio ético-jurídico fundamentalíssimo e a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem.».
«Toda a conduta, todo o agir ou interagir comunicativo, além de carrear uma pretensão de verdade ou de autenticidade (de fidelidade à própria identidade pessoal) desperta nos outros expetativas quanto à futura conduta do agente» e «todo o agir comunicativo implica uma auto-vinculação (uma exigência de fidelidade à pretensão que lhe é inerente), na medida em que desperta nos outros determinadas expectativas quanto a uma conduta futura. Mas esta auto-vinculação não tem que ter em todos os casos a mesma força.».
«Do ponto de vista estrito do direito, parece-nos que a tutela da confiança só tem razão de ser quando a conduta contrária à ”fides" causar ou for suscetível de causar danos a outrem.».
Temos, assim, que na responsabilidade pré-negocial protege-se a confiança depositada por cada uma das partes na boa-fé da outra e consequentes expectativas quanto à futura celebração do contrato ou à sua validade e eficácia.
A culpa “in contrahendo” consagrada normativamente no Código Civil de 1966 coenvolve deveres de protecção, de informação e de lealdade.
O dever de lealdade implica a proibição de interrupção de negociações em curso, sobretudo, se a conduta do infrator tiver antes contribuído para que o seu interlocutor contratual tenha uma real e fundada expectativa na consumação do contrato, ou seja, o agente que rompe as negociações trai o investimento de confiança que com a sua conduta incutiu na outra parte.
Como ensina Menezes Cordeiro, «a culpa "in contrahendo" funciona, assim, quando a violação dos deveres de protecção, de informação e de lealdade conduza à frustração da confiança criada na contraparte pela atividade anterior do violador ou quando essa mesma violação retire às negociações o seu sentido substancial profundo de busca de um consenso na formação de um contrato válido, apto a prosseguir o escopo que, em termos de normalidade, as partes lhe atribuam.
«[...]– Não há qualquer motivo para a limitar a negócios consensuais: a lei não faz restrição, não há negociações sujeitas a forma e os negócios solenes exigem, por maioria de razão, negociações sérias e honestas; tão-pouco há motivo para eliminar a responsabilidade quando a parte prejudicada tenha conhecimento do evento danoso, salvo, como é natural, quando ela, tendo presentes todas as consequências de tal evento e a sua intensidade, dispense, de modo objectivo, a efectivação de informação ou não integre uma situação de confiança...».
O princípio da liberdade contratual (art. 405° do Cód. Civil) não pode ser entendido tão latamente que legitime qualquer conduta das partes durante uma negociação (ninguém é obrigado a contratar mesmo entrando num processo negocial), mas, não menos certo é que, havendo negociações avançadas de modo a criar expectativas legítimas na consumação do negócio, a parte que as romper sem fundamento, viola deveres de boa-fé e, por tal, constitui-se na obrigação de indemnizar pelo interesse negativo ou de confiança.
A culpa "in contrahendo" pressupõe violação culposa de deveres acessórios de conduta que, muitas vezes, se inscreve no âmbito de condutas abusivas do direito - art. 334°.
Na origem deste dever de indemnizar, com fundamento na culpa "in contrahendo", não tem, necessariamente, que estar o incumprimento de uma promessa, de um compromisso, basta que as meras declarações proferidas, no “iter contratual” sejam de molde, se não coerentemente continuadas, a conduzir à rutura negocial, quando a outra parte, legitimamente, não estivesse a contar com a frustração do processo negocial, mas com a sua conclusão - investimento na confiança.
Como ensina Baptista Machado, «desta "auto vinculação" inerente à nossa conduta comunicativa derivam ao mesmo tempo regras de conduta básicas, também postuladas pelas exigências elementares de uma ordem de convivência e de interacção, que o próprio direito não pode deixar de tutelar, já que sem a sua observância nem essa ordem de convivência nem o direito seriam possíveis.
Donde poderíamos já concluir que as próprias "declarações de ciência" ou o simples dictum (que não chega ser um promissum) podem vincular, quer porque envolvem uma responsabilização pela pretensão de verdade que lhes é inerente, quer pelos efeitos que podem ter sobre a conduta dos outros que acreditam em tais declarações [...].
Do exposto podemos também concluir que o princípio da confiança é um princípio ético-jurídico fundamentalíssimo e que a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem.
Assim tem de ser, pois, como vimos, poder confiar é uma condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens.».
Posto isto, e retornando ao caso concreto, as negociações em cujo âmbito as partes se encontravam quando o autor lhes pôs termo tinham como escopo final a celebração de um contrato (definitivo) de permuta.
No entanto, as negociações em curso no momento em que o autor as rompeu tinham como objeto imediato, não o contrato definitivo, mas o contrato-promessa de permuta.
Por isso, ainda que a rutura das negociações preliminares pelo autor fosse, eventualmente, suscetível de pôr em causa a boa-fé e a lealdade exigível aos contratantes, tal rutura não poderia deixar de ser reportada, para efeitos indemnizatórios, apenas e só ao contrato-promessa de permuta, uma vez que a dogmática do incumprimento do contrato promessa é diferente, designadamente em termos sancionatórios, do incumprimento no contrato definitivo.
Significa isto que a rutura, sem justificação, das negociações contratuais que tenham por objeto imediato um contrato-promessa, não podem considerar-se tão gravosas como as reportadas ao contrato definitivo, sob pena de se limitar, sem qualquer razão aceitável, a liberdade de contratar, sobretudo quando estejam em causa contratos, como a compra e venda ou a permuta de imóveis, cuja exigência formal é legalmente imposta por razões de ponderação e segurança dos contraentes.
Aqui chegados cumpre ter presente que, se porventura as partes tivessem chegado a celebrar o contrato-promessa de permuta e, a seguir o autor se tivesse injustificadamente recusado a celebrar o prometido contrato de permuta, o preço a pagar este em consequência de tal conduta, seria a perda do sinal prestado (€ 500.000,00), pois, nos termos do art. 442º, nº 4, «na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, ou do aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento.»
Por isso, não se compreende como pretenderiam os réus obter, com a recusa do autor a celebrar o contrato-promessa de permuta, ainda que tal recusa viesse a revelar-se ilegítima, um encaixe patrimonial de € 1.120.790,08, quando, no caso de o contrato-promessa ter sido celebrado, apenas teriam direito a fazer seu o sinal prestado.
As negociações em curso quando o autor as rompeu (não interessa, pelo menos por ora, se justificada ou injustificadamente) visavam, no imediato, a outorga de um contrato-promessa de permuta, esse sim destinado depois a obrigá-los à outorga do contrato de permuta definitivo.
As partes encontravam-se, assim, numa fase de negociações preliminares ou tratativas, encaminhadas para a celebração do contrato-promessa de permuta.
No caso de, em virtude da culpa “in contrahendo” serem causados danos à outra parte, discute-se se a indemnização se refere ao interesse negativo (ou de confiança) ou ao interesse positivo (ou de cumprimento).
No caso da indemnização pelo interesse contratual positivo, vai ressarcir-se o dano que resulta da violação da confiança de uma das partes no comportamento da outra por ocasião dos preliminares e da formação do negócio.
No interesse contratual negativo atende-se ao prejuízo que o lesado evitaria se não houvesse, sem culpa sua, confiado em que no decurso das negociações o responsável cumpriria os deveres específicos a elas inerentes e derivados do imperativo da boa-fé, maxime convencendo-se que a manifestação de vontade deste entraria no mundo jurídico, tal como esperava, ou que tinha entrado correcta e validamente.
Por sua vez, o interesse contratual positivo reconduz-se aos danos que decorrem do não cumprimento do contrato ou do seu cumprimento defeituoso ou tardio. Trata-se da violação das respetivas prestações típicas ou principais.
Não se desconhecendo posições doutrinárias e decisões jurisprudenciais que, partindo da existência de um dever jurídico de conclusão do contrato no caso de os termos e condições deste já estarem acordados, faltando apenas a sua formalização, consagram, embora excecionalmente, a indemnização pela medida do interesse contratual positivo, ou seja, pela medida do incumprimento do contrato não concluído, sobretudo em casos em que a vinculação contratual se tenha densificado já ao ponto de ter surgido um verdadeiro dever de conclusão do contrato, a solução do problema tem de assentar na conciliação da necessidade de proteção da confiança com o valor da liberdade e da autonomia privada, devendo partir-se do princípio de que, em conformidade com a liberdade contratual, cada parte dispõe, até à conclusão do contrato, do direito de se afastar deste e de recusar a celebração ou de romper as negociações, suportando, porém, por sua conta e risco próprio, no decurso delas, as despesas e a renúncia a outras oportunidades.
A entender-se que a fonte da responsabilidade, o evento que obriga à reparação, está na violação dos deveres de boa-fé, a indemnização deverá corresponder ao interesse negativo.
Mas, se se defender que o evento que obriga à reparação é a rutura de negociações e/ou a recusa de celebração do contrato então há que reconhecer a existência de um dever jurídico de não romper ou de contratar; ora tal dever, em princípio, só existe se resultar da lei ou convenção (v.g., contrato-promessa).
E o certo é que, inexistindo convenção que obrigue a contratar, as partes que entraram em negociações gozam (devem gozar…) da liberdade de as concluir ou não e de celebrar ou não os contratos negociados (liberdade contratual positiva e negativa).
A imposição de obrigação de contratar teria como efeito uma restrição da autonomia privada ainda antes da celebração do contrato, levantando, também, o problema da possibilidade da sua execução específica.
Logo o dano a indemnizar é o dano causado pela violação da confiança na conclusão e celebração do negócio, ou seja, os danos que o lesado não teria sofrido se não tivesse confiado na conclusão do negócio e não gastos especulativos ou que constituam um risco implícito em todo o negócio, v.g. os necessariamente gastos para iniciar as negociações.
Em conclusão, perfilando-se um caso de responsabilidade pré-contratual, sendo o contrato que deixou de ser outorgado, um contrato-promessa de permuta, autónomo relativamente à permuta definitiva, seriam os danos resultantes da rutura desse contrato-promessa, os indemnizáveis, e não os do hipotético contrato definitivo, conforme parecem pretender os réus/apelantes.
E claramente em função apenas do interesse contratual negativo e tendo sempre com limite máximo a sanção derivada do incumprimento do contrato promessa em génese.
Acresce que, a responsabilidade por culpa “in contrahendo”, qualquer que seja o facto que a justifique e além das suas peculiaridades, depende da produção de um dano e dos demais elementos constitutivos da responsabilidade civil, designadamente, o nexo de causalidade.
Ora, "in casu", ainda que se demonstrasse que o autor/reconvindo agiu ilícita e culposamente ao romper as negociações com os réus em vista da celebração do contrato-promessa de permuta, sempre teríamos de concluir que não feita prova de quaisquer danos indemnizáveis causados pela eventual violação da confiança na conclusão e celebração do negócio, ou seja, de quaisquer danos que eles, réus/reconvintes, não teriam sofrido se não tivessem confiado na conclusão do contrato-promessa de permuta.
Aliás, os réus/reconvintes limitam-se, no essencial, a invocar e a pedir o ressarcimento pela rutura das negociações conducentes ao contrato de permuta (que não era o que estava aqui em causa) e não ao contrato-promessa de permuta (que era o que estava aqui em causa).
Termos em que, também em sede reconvencional terá a apelação de ser julgada improcedente, e confirmada a sentença recorrida.
***
4–DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes – art. 527, nºs 1 e 2, do CPC.