RECURSO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
DECISÃO SUMÁRIA
Sumário


I. Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 437.º do CPP, que dispõe sobre o fundamento do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, cabe recurso, para o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, de acórdão do tribunal da relação que não admita recurso ordinário, quando este esteja em oposição com acórdão anterior, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e esses dois acórdãos, proferidos no domínio da mesma legislação, assentem em soluções opostas, relativamente à mesma questão de direito.
II. Pressuposto formal da interposição de recurso é, pois, a prolação de um acórdão pelo tribunal da relação, isto é, de uma decisão colegial deste tribunal (artigo 97.º, n.º 2, do CPP), que constitui o acórdão recorrido.
III. Como tem sido reafirmado na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende da verificação da existência de um conjunto de pressupostos, uns de natureza formal e outros de natureza substancial, verificando-se os pressupostos de natureza formal quando a interposição do recurso tenha lugar no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão (acórdão recorrido) proferido em último lugar, o recorrente identifique o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição (acórdão fundamento), se verifique o trânsito em julgado dos dois acórdãos em conflito e o recorrente apresente justificação da oposição entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido, que motiva o conflito de jurisprudência.
IV. Sendo o recurso para a Relação rejeitado por decisão sumária e não havendo recurso para a conferência, não se constituiu acto decisório na forma de acórdão que possa constituir objecto do recurso de fixação de jurisprudência.
V. A decisão sumária proferida pelo juiz relator tem, por denominação legal expressa, a forma de “despacho”, dele cabendo reclamação para a conferência (artigo 417.º, n.ºs 6 e 8, do CPP), só havendo julgamento do recurso por acórdão da relação no caso de o recorrente apresentar reclamação (artigos 419.º, n.º 3, al. a), e 425.º do CPP).
VI. Não tendo sido proferido acórdão pelo tribunal da Relação, não se mostra presente aquele primeiro pressuposto formal de admissibilidade do recurso exigido pelo n.º 2 do artigo 437.º do CPP, pelo que o recurso deve ser rejeitado por ocorrer motivo de inadmissibilidade (artigo 441.º, n.º 3, do CPP).

Texto Integral


Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I.  Relatório

1. AA, arguida no processo acima identificado, interpõe recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos do disposto no artigo 437.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), alegando que a decisão do Tribunal da Relação do Porto de 29.3.2017, proferida neste processo, que, julgando improcedente o recurso por si interposto, confirmou a decisão de 1.ª instância que a condenou na pena de cinco anos e seis meses de prisão, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelo n.º 1 do art.º 21.º e alínea h) do art.º 24.º do Decreto-Lei n.º15/93, de 22 de Janeiro, se encontra em oposição com o decidido no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 8.2.2006, proferido no processo n.º 05P3790, relativamente à mesma questão de direito.

Indicando que “a questão de direito consiste em saber se a introdução de estupefaciente em estabelecimento prisional por parte da mãe de um recluso, a qual é detectada no controle de entrada, integra automaticamente a prática de crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelo n.º 1 do art.º 21.º e alínea h) do art.º 24.º, ambos do DL n.º15/93, de 22.1”, resume a motivação do recurso nas seguintes conclusões, que, com algumas alterações de ordem formal, reproduzem a fundamentação:

«I – O presente recurso tem por objecto o douto acórdão proferido por esta Relação do Porto que julgou improcedente o recurso intentado pela aqui recorrente, confirmando a decisão recorrida proferida pela 1.ª instância condenando-a na pena de prisão de cinco anos e seis meses, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelo n.º 1 do art.º 21.º e alínea h) do art.º24.º, ambos do DL n.º15/93, de 22.1.

II - O acórdão proferido nos presentes autos pela Relação do Porto está em clara oposição com o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 08.02.2006 (devidamente transitado em julgado), não sendo admissível o recurso ordinário do acórdão proferidos nestes autos pela Relação do Porto.

III - Tanto num como noutro acórdão a questão de direito consiste em saber se a introdução de estupefaciente em estabelecimento prisional por parte da mãe de um recluso, a qual é detectada no controle de entrada, integra automaticamente a prática e de crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelo n.º 1 do art.º 21.º e alínea h) do art.º 24.º, ambos do DL n.º15/93, de 22.1 (diploma que não sofreu alterações).

IV - No acórdão recorrido entende-se de sim.

V - E no acórdão fundamento, pelo contrário, entende-se que não. Aí se entendendo, aliás, que tal conduta se integra no tráfico de menor gravidade, prevista no art.º 25.º daquele diploma, como se pode ver do seu sumário, que passamos a transcrever:

“1. A agravante qualificativa prevista na alínea h) do art.º 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.1 não é de aplicação automática.

2. Não se justifica, nomeadamente - quer relativamente a ela, quer relativamente a ele - no caso em que uma mãe vai visitar um filho ao estabelecimento prisional e leva com ela, a pedido dele, cerca de 10 gramas de haxixe, sendo detectada no controle de entrada.

3. Ficando afastada a agravante qualificativa, nada obsta a que se considere a figura do tráfico de menor gravidade, prevista no art.º 25.º do mesmo Decreto-lei.

4. Considerando a natureza e a quantidade de estupefaciente referidos, é de mesmo de acolher esta figura.

5. No que respeita à mãe, estas natureza e quantidade, aliadas ao facto de se tratar duma pessoa já com idade madura, com passado criminal de muito pouca gravidade, desligada do mundo das drogas e que só agiu porque o filho a solicitou, justificam a suspensão da pena.”.

VI – Ora, enquanto no acórdão recorrido se entende que: …”o produto estupefaciente que a arguida transportou consigo destinava-se a consumo do seu próprio filho BB (recluso no EP), ou então ao consumo de outros reclusos, sendo que em ambos os casos a arguida estava ciente das qualidades do produto em causa (Cannabis) e mesmo assim levou a cabo os seus intentos sem se importar minimamente com as nefastas consequências decorrentes para a saúde de todas estas pessoas, incluindo do próprio filho.

Verificando-se, sem necessidade de tecer outras considerações, preenchida a agravação constante do art.º 24.º, alínea H – infracção cometida em estabelecimento prisional”.

VII – Fundamentação esta que está em clara contradição com a fundamentação explanada no acórdão-fundamento, no qual se pode ler:

“O art.º 21.º do DL n.º15/93 comina com prisão de 4 a 12 anos quem, além do mais, que agora não importa e fora das circunstâncias ali ressalvadas, transportar ou ilicitamente detiver, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III anexas.

O art.º24.º determina que estas penas sejam aumentadas nos seus limites mínimo e máximo de um quarto quando, além do mais que também agora não nos interessa, a infracção tiver sido cometida em estabelecimento prisional.

E estatui o art.º 25.º que, se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substancias ou preparações, a pena é de um a cinco anos de prisão.

Os arguidos vêm punidos nos termos das duas primeiras disposições citadas e pretendem a subsunção no regime da terceira.

A subsunção neste último regime depende da não consideração da circunstância agravante qualificativa a que se reporta a parte referida do art.º24.º. Na verdade, se considerada esta, estaríamos perante uma ilicitude especialmente agravada, incompatível com a ilicitude consideravelmente diminuída " exigida pelo art.º 25º (Neste sentido, os Ac.s deste tribunal de 21.4.2005, proc. 766/05, de 12.5.2004, proc. 422/03 e de 15.12.2004, proc. 3208/04).

Conforme afirma o prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 201) "... já não há, por outro lado, qualquer razão de exigir, para que de circunstância modificativa se trate, que o seu efeito seja automático ou obrigatório, não intercedendo apreciação pelo juiz dos seus pressupostos específicos."

Concretamente, no que concerne ao tráfico ilícito de estupefacientes, a não agravação automática integra-se particularmente bem no princípio da proporcionalidade do art.º 3.º, n.º4 da Convenção da O.N.U. de 20.12.1988 que foi ratificada em Portugal pelo Decreto do Presidente da República n.º45/91, de 6.9. e que foi aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º29/91 da mesma data. E que foi a razão determinante do citado DL n.º15/93, como este mesmo refere no início do seu preâmbulo.

Reafirmando-se neste mesmo preâmbulo aquele princípio da proporcionalidade.

Nesta conformidade, e situando-nos já no domínio específico da agravante relativa à prática do facto em estabelecimento prisional - a única que nos interessa, - tem este Tribunal decidido, com reiteração, que não há lugar a efeito qualificativo automático, antes se impondo uma análise concreta do facto e o seu cotejo com a razão de ser de tal agravante, em ordem a tomar-se posição. Assim, os Ac.s de 30.3.2005 (proc. 3963/04), 21.4.2005 (proc. n.º 1273/05) e 14.7.2004 (proc. n.º 2147/04).

A razão de ser da agravante - sempre na parte que agora interessa - reside, como bem se compreende, no desrespeito pelos objectivos de prevenção e de reinserção ínsitos necessariamente no cumprimento das penas e prosseguidos pela instituição prisional.

Estes objectivos são inerentes à pessoa dos presos e, assim, há que distinguir os casos em que o produto estupefaciente chega ao seu alcance dos que não chega. Não que tal distinção releve para efeitos e consumação do crime. O tipo legal contenta-se com a simples detenção do estupefaciente, por parte dela e com as regras da autoria moral, quanto a ele. Não é aqui que está a importância desta distinção.

Onde ela está é na atenção que merece, para efeitos de averiguação da gravidade, o facto de o haxixe nunca ter entrado na zona onde vivem os reclusos. Esteve sempre longe, quer do arguido, quer dos outros a quem podia chegar a notícia da disponibilidade do estupefaciente e que o podiam comprar ou, até, simplesmente, ver consumir. Não saiu da posse da arguida e esta era um mero " correio " entre quem lho entregou e o filho que lhe daria a utilização que se refere nos factos provados.

De fora fica apenas a intensidade negativa que resulta de, quer o arguido, quer a arguida, terem desafiado a autoridade prisional, de terem tido a ousadia de agirem directamente contra uma instituição especialmente respeitada quanto a comportamentos delituosos, nos quais, naturalmente, se inclui a introdução de droga.

Mas esta ousadia chocou contra a segurança que, atentos os fins que prossegue, a própria instituição tem que ter. A droga foi apanhada no controle, com as consequências legais daí derivadas.

Temos aqui uma realidade que contribui para o afastamento da agravante qualificativa.

E dizemos contribui porque não subscrevemos a ideia de fique despida desta agravante toda a conduta de intenção de introdução de droga nas prisões que seja gorada pelo controle de entrada.”

VIII - Concordamos em absoluto com a fundamentação do acórdão-fundamento por considerarmos adaptar-se integralmente ao caso em apreço nos presentes autos e estar conforme à lei:

XIX - Deverá assim fixar-se como jurisprudência a seguinte:

A agravante qualificativa prevista na alínea h) do art.º 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.1 não é de aplicação automática, antes se impondo uma análise concreta do facto e o seu cotejo com a razão de ser de tal agravante, em ordem a tomar-se posição, sendo que, concluindo-se pelo afastamento dessa agravante qualificativa, nada obsta a que se considere a figura do tráfico de menor gravidade, prevista no art.º 25.º do mesmo Decreto-lei.

Termos em que, e nos que Vossas Excelências saberão suprir, deve conceder-se integral provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido, devendo ser fixada jurisprudência no sentido de que:

A agravante qualificativa prevista na alínea h) do art.º 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.1 não é de aplicação automática, antes se impondo uma análise concreta do facto e o seu cotejo com a razão de ser de tal agravante, em ordem a tomar-se posição, sendo que, concluindo-se pelo afastamento dessa agravante qualificativa, nada obsta a que se considere a figura do tráfico de menor gravidade, prevista no art.º 25.º do mesmo Decreto-lei, conforme ao exposto e com todas as consequências da lei (…)».

2. Responde o Ministério Público no Tribunal da Relação do Porto, nos termos do disposto no artigo 439.º, n.º 1, do CPP, dizendo a Exma. Procuradora-Geral Adjunta:

«Dos requisitos de natureza formal

No pressuposto assinalado, verifica-se que do acórdão proferido pela 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, datado de 29.03.2017 e no âmbito do P. n.° 125/15•8T9PFR.P1 – notificada à arguida/recorrente por ofício expedido em 03.04.2017, considerando-se notificada a 10.04.2017 – veio a mesma, a 19.05.2017, interpor recurso extraordinário de fixação de jurisprudência para o Supremo Tribunal de Justiça.

O acórdão recorrido mostra-se transitado, não sendo suscetível de recurso ordinário, tendo-se, igualmente, por transitado em julgado o acórdão fundamento.

Tendo o presente recurso sido interposto atempadamente e por quem tem legitimidade (art.438º nº1 e 437° nº5 do CPP), verifica-se estar preenchido o pressuposto formal de admissibilidade do mesmo.

Dos requisitos de natureza substancial

Desde logo há que assinalar que as decisões proferidas no acórdão recorrido e no fundamento, não partiram de idêntica situação de facto, bem pelo contrário.

No acórdão fundamento considerou-se que no quadro factual apurado era de afastar a circunstância agravante qualificativa a que se reporta a alínea h) do art.24º do DL nº15/93 de 22/01, atendendo ao facto “… da não chegada do haxixe ao destino onde seriam concretizados os seus efeitos nocivos, a sua natureza e, bem assim, a sua quantidade", tendo sido decidido condenar o arguido pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade p. p. pelo art.º 25° do referido diploma legal.

Nesse caso, estava em causa a apreensão de "…cerca de 10 gramas de haxixe..." que foram detectados no controle de entrada.

Ao invés, no acórdão recorrido, considerou-se que "... por duas vezes a arguida introduziu produto estupefaciente no Estabelecimento Prisional de ..., e que a quantidade de Cannabis que aí introduziu pela 1ª vez dava para compor 10 doses individuais e da 2ª vez dava para compor 118 doses individuais, e atenta a natureza deste local, é óbvio que a conduta da arguida não se pode enquadrar num simples tráfico de menor gravidade".

Neste caso, estavam em causa 6,024gr. que a arguida chegou a entregar ao seu filho, recluso, e ainda 48,730gr. que não chegou a entregar por terem sido aprendidos durante a revista efectuada pelos guardas.

Em consequência, no acórdão recorrido foi a recorrente condenada “como autora matéria e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelo art.21° nº1 e 24° h) do DL nº15/93 de 22.01, na pena de 05 anos e 06 meses de prisão."

Assim sendo, e salvo o devido respeito por opinião diversa, a questão concreta sobre a qual se pronunciou o Acórdão recorrido não foi idêntica à do Acórdão fundamento, não se verificando identidade das situações de facto subjacentes aos dois acórdãos indicados pela Recorrente.

O Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento não decidem em termos opostos sobre a mesma questão de direito, não se verificando assim a oposição pretendida pelo Recorrente

Em face do exposto, mesmo na hipótese de se considerar estarem preenchidos os requisitos de natureza formal para interposição do recurso para fixação de jurisprudência (…) forçoso se afigura concluir não se encontrarem preenchidos os requisitos de natureza substancial, porquanto as decisões em análise não partiram de idêntica situação de facto.

Assim sendo, pronunciamo-nos pela rejeição do presente recurso. por inexistência de oposição de julgados, nos termos dos art. 437.º e 441.º n.º1 do CPP.

Conclusões

1 - O Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento não se pronunciam sobre a mesma situação de facto e, como tal, não estamos perante dois acórdãos que relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas.

2 - Não se verifica, assim, a oposição de julgados pretendida pelo Recorrente.

3 - As questões formuladas pela Recorrente - e que segundo a mesma consubstanciam a oposição do Acórdão Recorrido e do Acórdão Fundamento - são apenas interpretações que aquela faz do Acórdão Fundamento, não se tratando, manifestamente, de soluções expressas constantes do referido Acórdão fundamento que porventura fossem opostas a soluções expressas constantes do Acórdão recorrido.

5 - Termos em que haverá que concluir pela não verificação dos requisitos previstos no art.437º do CPP, por não estarmos perante dois Acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas.

6 - O que constitui causa de rejeição do recurso, por inadmissibilidade legal, nos termos dos art. 414.º n.º 2, 420.º n.º1 b), 440.º n.º3, 441º n.º1 e 448.º do CPP».

3. Recebido neste tribunal, foi o processo com vista ao Ministério Público, em conformidade com o disposto no artigo 440.º do CPP.

Pronunciando-se, diz o Exma. Procuradora-Geral Adjunta em seu parecer:

«1 – AA interpôs recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, alegando que a decisão do Tribunal da Relação proferido no processo 125/15.8T9PFR.P1, 1ª Secção, e o Acórdão do STJ, de 08.02.2006, proferido no proc. 05P3790 relativamente à mesma questão de direito, assentam em soluções opostas.

2 – O MP, no Tribunal recorrido, pugna pela rejeição do recurso, porquanto a decisão do Tribunal da Relação do Porto, ora recorrida, não foi tomada por Acórdão, mas sim em decisão sumária.

3 – Tem razão o MP no Tribunal recorrido.

Os requisitos, formais e substanciais, da admissibilidade do recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência constam taxativamente dos arts. 437.º e 438.º, do CPP.

4 - Determinam os n.ºs 1 e 2, do art. 437.º, do CPP que, quando no domínio da mesma legislação, o Tribunal da Relação proferir Acórdão que esteja em oposição, relativamente à mesma questão de direito, com Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, cabe recurso para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.

Ora, a decisão, proferida em último lugar, pelo Tribunal da Relação do Porto, é uma decisão sumária, do Juiz Relator do processo e não um Acórdão, que tem de ser subscrito pelo Relator e Adjunto.

5 - Pelo exposto, emite-se parecer no sentido da rejeição do recurso, por força dos arts. 437.º, n.ºs 1 e 2, e 440.º, n.º 1, do CPP».

4. Efectuado o exame preliminar a que se refere o n.º 2 do artigo 440.º do CPP e colhidos os vistos, o processo foi remetido à conferência, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito.

Cumpre decidir.

II. Fundamentação

5. Sobre o fundamento do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência dispõe o artigo 437.º nos seguintes termos:

«1 – Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.

2 – É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

3 – Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.

4 – Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.

5 – O recurso previsto nos n.ºs 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público».

De acordo com o artigo 438.º do CPP, o recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (n.º 1), devendo o recorrente, no requerimento de interposição do recurso, identificar o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justificar a oposição que origina o conflito de jurisprudência.

Uma decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação (artigo 628.º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal ex vi artigo 4.º do CPP).

6. Tendo presente o regime estabelecido nos artigos 437.º e seguintes do CPP, a jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça vem afirmando insistentemente que a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende da verificação da existência de um conjunto de pressupostos, uns de natureza formal e outros de natureza substancial (cfr. os acórdãos de 9.10.2013, no Proc. 272/03.9TASX, e de 20.11.2013, no Proc. 432/06.0JDLSB-Q.S1, da 3.ª Secção; de 13.7.2009, no Proc. 1381/04.2TAOER.L1-B.S1 e de 22.9.2016, no Proc. 43/10.6ZRPRT.P1-D.S1, da 5.ª Secção).

Verificam-se os pressupostos de natureza formal quando: (a) a interposição do recurso tenha lugar no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão – acórdão recorrido – proferido em último lugar; (b) o recorrente identifique o acórdão – acórdão fundamento – com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição, bem como, no caso de estar publicado, o lugar da publicação; (c) se verifique o trânsito em julgado dos dois acórdãos em conflito, e (d) o recorrente apresente justificação da oposição entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido que motiva o conflito de jurisprudência.

Verificam-se os pressupostos de natureza substancial quando: (a) os acórdãos sejam proferidos no âmbito da mesma legislação, isto é, quando, durante o intervalo de tempo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida; (b) as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito, isto é, quando haja entre os dois acórdãos em conflito “soluções opostas”; (c) a questão decidida em termos contraditórios tenha sido objecto de decisões expressas, e (d) haja identidade das situações de facto subjacentes aos dois acórdãos em conflito, pois que só assim é possível estabelecer uma comparação que permita concluir que relativamente à mesma questão de direito existem soluções opostas.

7. A metodologia da decisão impõe que, em primeira análise, se proceda à verificação da presença dos indicados pressupostos formais do recurso, de acordo com a respectiva precedência lógica, conhecendo-se, assim, também, da questão da inadmissibilidade do recurso suscitada pelo Ministério Público neste Supremo Tribunal quanto à não verificação do pressuposto decorrente do facto de a decisão recorrida não assumir a forma de acórdão.

8. Examinado o processo, mostra-se que:

A arguida, agora recorrente, interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto do acórdão proferido pelo tribunal colectivo da comarca do Porto Este que lhe aplicou a pena de 5 anos e 6 meses de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º al. h), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

Por decisão sumária do juiz desembargador relator proferida a 29.3.2017, foi o recurso julgado manifestamente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

Esta decisão sumária, de que não houve recurso para a conferência, foi notificada ao Ministério Público, por termo nos autos, em 3.4.2017, e à recorrente, na pessoa da sua mandatária, por via postal registada expedida na mesma data.

9. Dispõe o artigo 97.º do CPP que os actos decisórios dos juízes tomam a forma de sentenças, quando conhecerem a final do objecto do processo, ou de despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando puserem termo ao processo fora do caso em que é proferida sentença, tomando estes actos a forma de acórdãos quando forem proferidos por um tribunal colegial.

Do regime do julgamento dos recursos ordinários em processo penal resulta que, recebido o recurso no tribunal da Relação, vai o processo com vista ao Ministério Público e, colhido o visto (e, se for caso disso, obtida a resposta dos demais sujeitos processuais afectados pelo recurso), o processo é concluso ao juiz relator para exame preliminar; após exame preliminar, o relator profere decisão sumária sempre que alguma circunstância obstar ao conhecimento do recurso, o recurso dever ser rejeitado, existir causa extintiva do procedimento ou da responsabilidade criminal que ponha termo ao processo ou seja o único motivo do recurso ou a questão a decidir já tiver sido judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado, ou remete o processo à conferência, para julgamento (artigo 417.º do CPP), podendo haver audiência (artigo 421.º do CPP).

Nos termos do artigo 420.º do CPP, sob a epígrafe “rejeição do recurso”, o recurso é rejeitado sempre que: (a) for manifesta a sua improcedência; (b) se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do n.º 2 do artigo 414.º; ou (c) o recorrente não apresente, complete ou esclareça as conclusões formuladas e esse vício afectar a totalidade do recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 417.º.

Da decisão sumária proferida pelo juiz relator – que, por denominação legal expressa, tem a forma de “despacho” – cabe reclamação para a conferência (artigo 417.º, n.º 8, do CPP). Realizada a conferência ou, sendo caso disso, a audiência, é proferido acórdão pelo tribunal, com constituição colegial, conhecendo do objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (artigo 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal (artigo 410.º do CPP), nos termos dos artigos 419.º e 425.º do CPP.

A figura da decisão sumária, introduzida no regime do julgamento do recurso pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que alterou o CPP, corresponde a um objectivo do legislador bem identificado na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 109/X, que esteve na sua origem, onde se pode ler: “o tribunal de recurso passa a funcionar em três níveis. Competirá ao relator convidar a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas pelo recorrente, decidir se deve manter-se o efeito atribuído ao recurso e se há lugar à renovação da prova e apreciar o recurso quando este deva ser rejeitado, exista causa extintiva do procedimento ou da responsabilidade e a questão a decidir já tenha sido apreciada antes de modo uniforme e reiterado (artigo 417.º-A). Do despacho do relator cabe sempre reclamação para a conferência. A conferência, por seu turno, passa a ter uma composição mais restrita (...), competindo-lhe julgar o recurso quando a decisão do tribunal a quo não constituir decisão final e quando não houver sido requerida a realização de audiência (artigo 419.º). Só nos restantes casos o recurso é julgado em audiência. Com esta repartição de competências racionaliza-se o funcionamento dos tribunais superiores, promovendo-se uma maior intervenção dos juízes que os compõem a título singular”.

10. Sendo o recurso decidido por despacho (decisão sumária) do juiz relator e dela não havendo reclamação para a conferência, não é, pois, proferido acórdão.

A prolação de acórdão e o respectivo trânsito constituem o primeiro dos necessários pressupostos formais da admissibilidade de recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos exigidos pelo artigo 437.º n.º 2, do CPP, segundo o qual é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do n.º 1 do mesmo preceito, quando um tribunal de relação proferir “acórdão” que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário.

Expressa referência ao “acórdão” – que, no recurso, sendo o proferido em último lugar, passa a ser o “acórdão recorrido” (artigo 437.º, n.º 1) – encontra-se ainda nas disposições da parte final do n.º 2 do artigo 437.º que exclui a possibilidade de recurso no caso de o “acórdão” proferido estar de acordo com a jurisprudência anteriormente fixada pelo Supremo), no n.º 3 do artigo 437.º (que se refere ao conceito de “acórdãos” proferidos no domínio da mesma legislação), no n.º 1 do artigo 438.º (que fixa em 30 dias o prazo para o recurso a contar do trânsito do “acórdão” proferido em último lugar), no n.º 2 desse mesmo artigo (segundo o qual o recorrente deve identificar o acórdão com o qual o “acórdão recorrido” se encontre em oposição), no n.º 1 do artigo 439.º (que dispõe que a secretaria passa certidão do “acórdão recorrido”) e no n.º 2 do artigo 440.º (segundo o qual o relator pode determinar que o recorrente junte cópia do “acórdão” recorrido).

11. Não tendo sido proferido acórdão pelo tribunal da Relação – o que só aconteceria em caso de reclamação do despacho do relator (contendo decisão sumária do recurso – artigo 418.º, n.º 8) para a conferência – não se mostra preenchido aquele primeiro pressuposto formal de admissibilidade do recurso exigido pelo n.º 2 do artigo 437.º do CPP.

Dispõe o artigo 441.º, n.º 3, do CPP que o recurso é rejeitado, em conferência, se ocorrer motivo de inadmissibilidade.

Devendo, pois, ser rejeitado com este fundamento.

A verificação de causa de rejeição prejudica, desde logo e por si só, a dos demais pressupostos acima enunciados, nomeadamente a questão da alegada oposição de julgados.

Quanto a custas

12. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP, que estabelece o regime da responsabilidade do arguido por custas, só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. A condenação em taxa de justiça é sempre individual e o respectivo quantitativo é fixado pelo juiz, a final, nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais.

A taxa de justiça é fixada entre 1 e 5 UC, tendo em conta a complexidade do recurso, de acordo com a tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

Nestes termos, considera-se adequada a condenação do recorrente em 1 UC.

III. Decisão

13. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:

a) Rejeitar o recurso interposto pela arguida AA, por inadmissibilidade, em virtude de a decisão sumária recorrida não admitir recurso extraordinário para fixação de jurisprudência; e

b) Condenar a recorrente em custas, fixando a taxa de justiça em 1 UC.

Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Dezembro de 2017.

Lopes da Mota (Relator)

Vinício Ribeiro