CULPA DO LESADO
OMISSÃO
PERIGO
CONCAUSALIDADE
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
MATÉRIA DE FACTO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Sumário


I - O STJ não pode sindicar o juízo de facto formulado pela Relação emitido por ilação, com excepção da situação a que alude o n.º 3 do artigo 674.º do CPC, ou seja, enquanto questão de direito, avaliando se os critérios subjacentes à presunção se mostram legais (se as regras da experiência da vida, da normalidade, dos conhecimentos das várias disciplinas científicas, ou da lógica foram respeitadas) por forma a concluir se, no caso, era (ou não) permitido o uso da presunção ao abrigo do disposto no artigo 351.º do CC.
II - A expressão “culpa” do lesado inserida no artigo 570.º, do Código Civil, assume um sentido impróprio, querendo abarcar as situações em que o acto do lesado tenha sido concausa do dano (segundo os princípios da causalidade adequada), mas que traduza um comportamento censurável, ainda que não tenha natureza ilícita ou corresponda à violação de um dever.
III - A faculdade de reduzir a indemnização a atribuir ao lesado ao abrigo do referido preceito mostra-se dependente do acto deste ter sido uma das causas do dano, cabendo igualmente fazer a ponderação quanto à preponderância dessa mesma conduta em função do comportamento temerário revelado (não consentâneo com os cuidados que se exigiam a um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso).
IV – Decorre do artigo 486.º, do Código Civil, um princípio geral de que quem “cria ou mantém uma situação especial de perigo tem o dever jurídico de agir, tomando as providências necessárias para prevenir danos com ela relacionados”.
V - O acolhimento dos deveres de prevenção do perigo (denominados também de deveres de segurança no tráfico ou de deveres de tráfego), impondo ao agente o dever de tomar as providências necessárias para evitar a produção de danos a terceiros, permite alargar a responsabilidade civil (extracontratual) por omissão a quem exerce o domínio de facto sobre uma coisa (móvel ou imóvel) ou sobre uma actividade.
VI – Constitui actuação exigível à entidade detentora da gestão do risco inerente à utilização do tapete rolante instalado em hipermercado a colocação de painel de aviso a alertar os utilizadores para o perigo do piso escorregadio quando molhado. A omissão de tal comportamento, consubstanciando violação de dever de prevenção de perigo, responsabiliza a mesma pela queda sofrida pelo utilizador do tapete.
VII – Constitui concausa da queda e conduta temerária do lesado para efeitos do artigo 570.º do Código Civil, entrar em tapete rolante com piso molhado, com as duas mãos ocupadas e sem se agarrar ao corrimão.
VIII - Considerando a importância da sinalização na prevenção das quedas e do papel da mesma enquanto persuasora na adopção de comportamentos adequados (meio eficaz de prevenção de quedas), há que considerar que a omissão do dever de alerta foi co\ndicionante da conduta distraída do utilizador ao abordar o tapete nas condições em que o fez (sem se agarrar ao corrimão com as duas mãos ocupadas com os sacos de compras); como tal, porque prévia à actuação do autor/utilizador, para efeito do artigo 570.º do Código Civil, há que atribuir àquela a proporção de 60% na produção do acidente.

Texto Integral


Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,

I – relatório

1. AA intentou (em 14 de Novembro de 2011) acção declarativa sob a forma de processo comum contra BB, SA, CC, SA e Companhia de Seguros DD, SA, pedindo a condenação solidária das Rés no pagamento da quantia de 111.846,09€, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação, sendo:

- 20 000,00€, a título de compensação pela perda de robustez;

- 20 000,00€, pelo sofrimento, incómodos e dores;

- 25 000,00€, pelo desgosto sofrido por a lesão aludida nos autos o ter impedido, pelo menos, até aos 60 anos de idade, de continuar a sua actividade artística (sapateado tradicional ribatejano);

- 45 000,00€, pela impossibilidade de auferir a contrapartida pela participação nos respectivos espectáculos de sapateado tradicional ribatejano;

- 1 505,42€, pela perda dos proventos que recebia no exercício da sua profissão de Técnico de Turismo;

- 340,67€, pelo preço dos fármacos adquiridos na farmácia e dos débitos hospitalares.

               Fundamentou a acção na responsabilidade das Rés pelas consequências da queda sofrida no tapete rolante, instalado pela Ré BB no hipermercado CC de ... que, na altura (29-11-2008), se encontrava a funcionar em condição deficiente (sem sinal visível alertando o público para o perigo do tapete ser escorregadio quando molhado).

2. Após citação as Rés apresentaram, separadamente, contestação sustentando a improcedência total da acção. A Ré BB excepcionou a sua ilegitimidade e a prescrição do direito do Autor. Impugnou a factualidade alegada na petição. A Ré CC excepcionou também a sua ilegitimidade e impugnou parte da factualidade alegada na petição, concluindo que a queda do Autor resultou do mesmo não ter tomado as devidas precauções. A Ré DD admitiu a existência do contrato de seguro relativo à responsabilidade civil da Ré CC com a dedução de uma franquia no valor de 750€, tendo imputado ao Autor a culpa na produção do acidente.

3. Após réplica, foi proferido despacho (27/6/2012) que admitiu a intervenção provocada de EE – Companhia de Seguros, SA.

3. A Interveniente apresentou contestação pugnando pela sua absolvição por o acidente não se reportar ao âmbito da responsabilidade que assumiu com a BB reportada à instalação, conservação e reparação do equipamento instalado por esta. 

4. Foi proferido saneador que julgou improcedentes as excepções de ilegitimidade, tendo sido seleccionada a matéria de facto assente e elaborada base instrutória.

5. Realizado julgamento foi proferida sentença (em 22 de Dezembro de 2014) que julgou a acção parcialmente procedente, tendo absolvidos as Rés BB-…, SA e a chamada Companhia de Seguros EE, SA, de todos os pedidos, condenando solidariamente as Rés CC …, SA e a Companhia de Seguros DD, SA (esta com dedução da franquia de 750€), a pagar ao Autor as seguintes quantias:

a) 26.846,09€, como compensação pelo défice funcional de que ficou portador e dos danos patrimoniais que suportou, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a data da citação (16/11/2011) até efectivo e integral pagamento, à taxa legal;

b) 7.500,00€, pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora vincendos desde a sentença até efectivo e integral pagamento, à taxa legal.

Absolveu as referidas Rés do mais peticionado.

4. Autor e Rés apelaram, tendo o Tribunal da Relação de Évora (por acórdão de 26 de Janeiro de 2017), julgado parcialmente procedente a apelação das Rés CC e DD Companhia de Seguros, SA (esta com dedução da franquia de 750€), a pagar ao Autor as seguintes quantias:

a) 8500,00€, como compensação pelos danos de natureza não patrimonial, acrescida de juros à taxa legal que estiver em vigor, desde a data da sentença até integral pagamento;

b) 4673,05€, pelos danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a data da citação (16/11/2011) até efectivo e integral pagamento, à taxa legal que estiver em vigor.

5. Interpôs o Autor recurso de revista, formulando as seguintes conclusões (súmula):
ü A prova produzida não autoriza a que seja conferida culpa do Autor no evento ocorrido;
ü Ter sido provado que o tapete rolante estava molhado não permite concluir que o Autor sabia que o tapete rolante estava molhado;
ü Ter sido provado que o Autor caiu com as compras em ambas as mãos não permite concluir, como o Tribunal da Relação o fez, que o Autor ao colocar um pé no tapete rolante não colocou a mão no corrimão quando caiu de costas desamparado;
ü O Acórdão recorrido ao atribuir culpas ao Autor violou, assim, o disposto no artigo 570.º, do CC;
ü De qualquer modo, nunca a concorrência de culpas poderia ser em igual medida para as partes porquanto a verificar-se omissão do dever do Autor seria circunstancial e mesmo por momentânea distracção, que um qualquer aviso podia evitar; por sua vez a omissão da Ré CC constitui uma omissão reportada a um acto de gestão determinante na conduta do Autor porque referente à não colocação de um painel informativo com menção “PERIGO ESCORREGADIO QUANDO MOLHADO” (que depois colocou);
ü A verificar-se concorrência de culpas a percentagem do Autor não deveria ir além dos 10%;
ü O Acórdão recorrido igualmente não fixou correctamente o valor da indemnização pelos danos morais respeitantes ao sofrimento e desgosto sofridos por causa do acidente, designadamente por ficar impedido de desenvolver a sua vida artística de fandanguista, que fazia intensamente;
ü Tendo presente ter ficado com um deficit funcional permanente da integridade física de 2 pontos, ter sofrido um quatum doloris de 5, ter ficado impedido de frequentar os palcos e dançar o fandango, ficar impedido de formar bailarinos, ficar impedido do gozo do exercício da sua arte de fandanguista aos 41 anos de idade, a indemnização no mínimo deveria ser fixada em 75 000,00€.

6. A Ré DD Companhia de Seguros, SA interpôs recurso subordinado, concluindo (súmula):
ü A queda do Autor deu-se apenas por este ter abordado o tapete rolante com ambas as mãos ocupadas com os sacos de compras, sem que se tivesse agarrado aos corrimões próprios do equipamento e sem que nestes se pudesse apoiar em busca de equilíbrio e em caso de desequilíbrio inesperado;
ü No percurso que fez até alcançar o tapete rolante o Autor calcorreou pavimento onde existia água exigindo maior diligência e cuidados redobrados na abordagem e utilização do tapete rolante;
ü A existência de qualquer painel de aviso de perigo nestas circunstâncias seria despiciendo e destituído de qualquer utilidade;
ü O douto acórdão fez incorrecta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 483.º, 563.º, 570.º e 572.º, todos do CC, sendo que a correcta interpretação dos mesmos imporia decisão no sentido da responsabilização exclusiva do Autor pela acidente e, no limite, uma eventual repartição de culpas na proporção de 60% para o Autor e 40% para Ré CC.

7. Em contra alegações os Recorridos defendem a improcedência dos respectivos recursos.

II – APRECIAÇÃO DO RECURSO

De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil – doravante CPC) mostram-se colocadas nos recursos interpostos as seguintes questões:
Ø Da culpa do Autor (lesado) na produção do acidente (recurso do Autor e recurso subordinado da Ré DD Companhia de Seguros, SA)
Ø Do valor dos danos não patrimoniais a fixar ao Autor (recurso do Autor)

Os factos provados

2.1. O Autor nasceu em 3 de Maio de 1967.

2.2. Por acordo, titulado pela apólice com o n.º …, com efeitos desde 1 de Abril de 2008 até 31 de Março de 2009, a Ré CC …, S.A., na qualidade de “Segurado”, e a Ré Companhia de Seguros DD – …, S.A., na qualidade de “Segurador”, estipularam, além do mais, o seguinte: “O Segurador é responsável pelo pagamento das indemnizações que o Segurado seja obrigado a satisfazer, incluindo custos, honorários e despesas dos reclamantes, de acordo com a legislação em vigor de qualquer dos países, decorrentes da sua Responsabilidade Civil legal directa, indirecta, solidária ou subsidiária, por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais e/ou materiais, ocorridos durante a vigência do Seguro e causados a terceiros por acções ou omissões no exercício da sua actividade empresarial”.

2.3. No âmbito deste acordo a Ré CC Hipermercados, S.A., e a Ré Companhia de Seguros DD – …, S.A., acordaram uma franquia, no valor de €750,00 (setecentos e cinquenta euros), a cargo da primeira em caso de sinistro.

2.4. Em 29 de Novembro de 2008, por acordo, titulado pela apólice com o n.º …, a Ré BB, S.A., transferiu para a Chamada EE - …, S.A., a responsabilidade pela instalação, conservação e reparação de elevadores, escadas e tapetes rolantes.

2.5. No âmbito deste acordo a Ré ..., S.A., e a Chamada EE - Companhia de Seguros, S.A., acordaram uma franquia, no valor de €5.000,00 (cinco mil euros), a cargo da primeira em caso de sinistro.

2.6. No passado dia 29 de Novembro de 2008, o Autor foi fazer compras ao hipermercado “CC de ...”, sito na Rua …, em ... (quesito 1º BI).

2.7. Pelas 18,40 horas, o Autor pagou numas das caixas o preço dos produtos que adquiriu e dirigiu-se ao seu veículo automóvel, que estava estacionado no parque do hipermercado situado no piso imediatamente inferior àquele em que se encontrava (quesito 2º BI).

2.8. Para o efeito o Autor dirigiu-se ao tapete rolante que, no seu trajecto descendente, começa naquele mesmo piso onde se situam as caixas (quesito 3º BI).

2.9. O tapete rolante estava em funcionamento e apresenta uma inclinação (quesito 4º BI).

2.10. O Autor colocou um pé no tapete rolante, alçou o outro pé, escorregou no piso deste tapete e caiu de costas, já sobre o mesmo, desamparado, com as compras em ambas as mãos (quesito 5º BI).

2.11. A zona do piso onde o tapete rolante fica disponível e que o Autor acabava de calcorrear antes de alcançar o tapete estava toda molhada (cfr. quesito 6º BI).

2.12. Estava a chover (quesito 7º BI).

2.13. Mercê da água pluvial que caía ali no piso, tocada a vento do lado norte, também o tapete estava molhado e escorregadio, por a água se encaminhar também para ele (quesito 8º BI).

2.14. Não havia qualquer sinalização a alertar para o perigo do piso do tapete rolante ser escorregadio quando molhado (quesito 9º BI).

2.15. O edifício está construído por forma a que, quando chove com o vento do lado norte, o piso que o Autor calcorreou para alcançar o tapete rolante, ali junto a este, fica completamente molhado e a água espraia-se e cai também para o dito tapete (quesito 10º BI).

2.16. Posteriormente à queda do Autor foi colocado no lado interior do resguardo lateral do tapete rolante, mais próximo da área comercial, logo no seu início, atendendo ao sentido do percurso do mesmo, um painel com cerca de 50cm x 30cm com a menção “PERIGO PISO ESCORREGADIO QUANDO MOLHADO” (quesito 11º BI).

2.17. A posição de tal painel não é vista por quem sai da zona comercial para se dirigir para a zona de garagem no piso inferior (quesito 12º BI).

2.18. O Autor escorregou no tapete rolante por o seu piso estar molhado e escorregadio (quesito 13º BI).

2.19. Na queda desamparada o Autor sofreu fractura e luxação bimaleolar à direita (quesito 14º BI).

2.20. O Autor foi imediatamente conduzido pelo INEM ao Centro Hospitalar Médio Tejo, em Abrantes, onde ficou internado (quesito 15º BI).

2.21. Para tratamento da lesão sofrida na queda foi o Autor sujeito a cirurgia, com anestesia geral, tendo-lhe sido aplicado material de osteosíntese, placa e parafusos (quesito 16º BI).

2.22. Uma vez operado o Autor ficou com o membro inferior direito imobilizado, do joelho para baixo, tendo-lhe para o feito sido aplicada uma tala gessada que manteve durante cerca de 1 mês (quesito 17º BI).

2.23. Durante tal período de tempo não pôde andar (quesito 18º BI).

2.24. Uma vez retirada a tala gessada passou a fazer sessões de fisioterapia de uma hora, diariamente, no Hospital de ... (quesito 19º BI).

2.25. Em 10 de Março de 2009, o Autor sofreu no Hospital de Abrantes nova cirurgia, com anestesia local, para lhe ser retirado material de osteossíntese (quesito 20º BI).

2.26. O Autor mantém no seu corpo a placa que lhe foi aplicada na 1.ª cirurgia (quesito 21º BI).

2.27. Depois de retirada a tala engessada, o Autor passou a movimentar-se até começos de Abril de 2009 com o auxílio a canadianas (quesito 22º BI).

2.28. O Autor é técnico de turismo, sendo a sua função, por excelência, a de acompanhar grupos (quesito 25º BI).

2.29. A actividade profissional do A. exige a permanência em pé durante longos períodos de tempo e, em consequência, das lesões sofridas, necessita de fazer maiores esforços para desempenhar essa actividade (cfr. quesitos 26º e 27º BI).

2.30. O Autor auferia mensalmente, à data da mencionada queda, € 761,56 (setecentos e sessenta e um euros e cinquenta e seis cêntimos) (quesito 28º BI).

2.31. Em consequência da lesão supra descrita, o Autor deixou de receber, de salário, a quantia de € 3.807,80 (três mil oitocentos e sete euros e oitenta cêntimos) (quesito 29º BI).

2.32. O Autor recebeu da Previdência, pela baixa, a quantia de €2.302,38 (dois mil trezentos e dois euros e trinta e oito cêntimos) (quesito 30º BI).

2.33. O Autor, para tratar da mencionada lesão, gastou na farmácia €43,32 (quarenta e três euros e trinta e dois cêntimos) (quesito 31º BI).

2.34. O Autor despendeu no hospital em consultas, meios complementares de diagnóstico, cirurgia ambulatória, internamento e fisioterapia, para tratamento da lesão sofrida, € 297,35 (duzentos e noventa e sete euros e trinta e cinco cêntimos) (quesito 32º BI).

2.35. O Autor acumulava a sua função de profissional no ramo do turismo com a de artista de sapateado tradicional, sendo fandanguista do grupo Rancho Folclórico “…” de ... desde há cerca de 25 anos (quesito 33º BI).

2.36. Integrava espectáculos com outros artistas, como ..., ... e ..., entre outros, fazendo ele o número de sapateado tradicional ribatejano (quesito 34º BI).

2.37. O Autor tinha sido convidado para participar em vários espectáculos a realizar no ano de 2009 (cfr. quesito 35º BI).

2.38. O Autor dava formação de sapateado em workshop várias vezes por ano, sendo os formandos, por norma, bailarinos (quesito 36º BI).

2.39. Tinha o Autor enorme prazer em executar e ensinar o sapateado (quesito 37º BI).

2.40. Na sequência da queda, o Autor somente passou a conseguir, com muito esforço e dor, fazer a demonstração imperfeita da técnica do sapateado tradicional do ... (quesito 40º BI).

2.41. O Autor deixou de participar em espectáculos e de fazer workshops (quesito 41º BI).

2.42. O Autor abandonou o grupo Rancho Folclórico “...” de ... por não poder fazer o sapateado (quesito 42º BI).

2.43. O exercício do sapateado dotava o Autor de grande auto-estima e dava-lha particular prazer (quesito 45º BI).

2.44. O Autor ficou desgostoso por não conseguir exibir as capacidades de dança que tinha antes da queda (cfr. quesito 48º BI).

2.45. O A. ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos numa escala até 100 pontos (cfr. quesito 50º BI).

2.46. O quantum doloris do A. foi de 5 numa escala até 7 pontos de gravidade (cfr. quesito 51º BI).

2.47. Por força de acordo celebrado com a Ré CC …, S.A., a Ré ..., S.A., era, à data da queda, a responsável pela manutenção do tapete rolante em questão (quesito 52º BI).

2.48. Foi a Ré ..., S.A., que instalou o tapete em causa, tendo os trabalhos ficado concluídos em 30 de Março de 2007 (quesito 53º BI).

2.49. O tapete rolante em questão está instalado num estabelecimento que pertence à Ré CC …, S.A. (quesito 54º BI).

2.50. As Rés ..., S.A., e CC .., S.A., permitiram o permanente funcionamento do tapete rolante sem um sinal visível alertando para o perigo do tapete ser escorregadio quando molhado (quesito 55º BI).

2.51. A Ré CC …, S.A., teve de imediato conhecimento da queda do Autor (quesito 56º BI).

2.52. Interpelada pelo Autor para que o indemnizasse, a Ré CC …, S.A., respondeu-lhe, pedindo-lhe os originais dos recibos das despesas (quesito 57º BI).

2.53. A Ré ..., S.A., durante os três anos que decorreram desde 29 de Novembro de 2008, nunca foi contactada a propósito de qualquer evento ocorrido nessa data (quesito 60º BI).

2.54. A Ré ..., S.A., não é responsável pela limpeza do espaço (quesito 64º BI).

2.55. A Ré ..., S.A., efectuou a manutenção da instalação do mencionado tapete rolante de forma eficiente e conforme ao acordado (quesito 65º BI).

2.56. O tapete em causa tem uma inclinação de 12º (18,326%), tem piso antiderrapante e está preparado para uma zona coberta (cfr. quesito 66º BI).

2.57. O Hipermercado disponibiliza aos clientes carrinhos para transporte das compras, cujas rodas encaixam e prendem em ranhuras existentes ao longo do tapete rolante (cfr. quesito 67º BI).

2.58. O mencionado tapete rolante estava também dotado de corrimãos laterais (cfr. quesito 69º BI).  

2.59. O hipermercado CC de ... tem um elevador muito próximo do tapete rolante em apreço, que o Autor podia ter utilizado (quesito 71º BI).

2.60. A Ré ..., S.A., é completamente alheia à forma como foi construído o edifício em que se encontra instalado o aludido tapete rolante, bem como à forma como foi planeado o escoamento das águas pluviais nos pavimentos (quesito 72º BI).

2.61. O mencionado tapete rolante, à data da queda, não registava qualquer anomalia ou avaria (quesito 74º BI).

Os factos não provados

                61.º) O tapete rolante em causa não está sob a acção directa da chuva pois o local Tribunal Judicial de ... onde se encontra instalado tem uma cobertura?

62.º) Tal tapete rolante não se torna escorregadio, por si, só pelo facto de apanhar água?

63.º) Isso só pode acontecer se houver sujidades, gorduras ou detergentes secos no chão?

66.º) O tapete em causa tem uma inclinação de 12º (18,326%), tem piso antiderrapante e está preparado para uma zona coberta, mas ao ar livre, cumprindo cabalmente o fim a que se destina e as normas que regem as características destes aparelhos, nomeadamente as que regulam a respectiva aderência?

68.º) Tais ranhuras constituem um auxílio suplementar ao equilíbrio na medida em que, em condições normais de limpeza, prendem o calçado dos utentes, impedindo-os de escorregar?

70.º) O painel com a menção “PERIGO PISO ESCORREGADIO QUANDO MOLHADO”, que já se encontrava colocado no dia 29 de Novembro de 2008, é sobejamente visível a quem acede ao referido tapete?

73.º) No dia 29 de Novembro de 2008 o painel com a menção “PERIGO PISO ESCORREGADIO QUANDO MOLHADO” já se encontrava colocado, sendo sobejamente visível a quem acede ao referido tapete?

2. O direito

1. Da culpa do Autor (lesado) na produção do acidente

            Está em causa questão colocada por ambos os Recorrentes pois que, ainda que de sinal contrário, Autor e Ré (DD Companhia de Seguros, SA) questionam a valoração que o acórdão recorrido atribuiu à conduta de cada um deles na produção do acidente.

Com efeito, enquanto o Autor visa a alteração da decisão por forma a não lhe ser assacada qualquer culpa na produção do acidente (ou, quanto muito, uma percentagem residual no limite de 10%), a Ré pugna pela culpa exclusiva do lesado na produção do mesmo (ou por uma concorrência de culpas que para o lesado seja fixada em pelo menos 60%).  

            O acórdão da Relação, ao invés do considerado na sentença (que atribuiu à Ré CC …, SA a culpa exclusiva na produção do acidente) entendeu que o Autor não poderia ser desresponsabilizado relativamente à queda de que foi vítima, alicerçado na seguinte ordem de argumentos:

- não ter sido demonstrado que a habituação é geradora de confiança no bom funcionamento dos equipamentos e na diminuição dos mecanismos pessoais de alerta e defesa relativamente aos perigos decorrentes da utilização desses equipamentos[1];

- resultar da factualidade provada que a existência de água das chuvas no pavimento que antecede o tapete rolante e no próprio tapete era plenamente visível;

- ser do conhecimento geral que a existência de água em qualquer pavimento o torna mais escorregadio.

Assim, perante risco perfeitamente previsível nas referidas circunstâncias, considerou o acórdão, que era exigível ao Autor que tivesse tomado todos os cuidados por forma a evitar o risco de escorregar, tendo concluído que o dever de cuidado imporia que, para sua segurança, tivesse feito uso do corrimão[2]. Concluiu, contudo, que não tendo sido possível apurar que a violação do dever de cuidado constituiu a causa principal da queda, atribuiu igual medida aos comportamentos omissivos do Autor e da Ré na produção do acidente (esta última por não ter acautelado os riscos inerentes colocando avisos adequados de forma a prevenir as quedas decorrentes de água no pavimento e no tapete rolante).  

            Em defesa da sua pretensão o Recorrente alicerça-se na seguinte argumentação:

- a prova produzida não permite concluir que, quando caiu desamparado, não ia com a mão no corrimão do tapete rolante;

- a ocorrer violação do seu dever de cuidado estaria em causa uma situação circunstancial própria e momentânea da distracção que um aviso por parte da Ré poderia evitar. 

Por sua vez, a Ré Recorrente argumenta em defesa do seu posicionamento que a falta de aviso por o piso se encontrar escorregadio não constitui factor desencadeante do sinistro uma vez que o Autor não podia deixar de tomar consciência de que toda a zona por si percorrida para alcançar o tapete rolante se encontrava molhada devido à chuva, carecendo de qualquer utilidade qualquer painel informando o que constituía uma evidência. Nesse sentido, só a circunstância de ter entrado no tapete rolante sem assegurar a segurança para o seu equilíbrio (com as duas mãos ocupadas pelos sacos de compras e sem utilizar o corrimão), determinou que caísse desamparado.          

Vejamos.

1.1 Segundo o Autor, a responsabilização que lhe é atribuída pelo acórdão recorrido não encontra respaldo na matéria de facto provada por não se encontrar provado que tinha conhecimento de que o tapete rolante se encontrava molhado e que ao entrar não colocou (ou iria colocar) as mãos no corrimão.

            Questiona-se pois se o acórdão recorrido decidiu com base em factos não provados.

           Refere o aresto a tal respeito: “resulta claramente da facticidade provada que a era plenamente visível a existência de água das chuvas quer no pavimento que antecede o tapete quer no próprio tapete rolante, pelo que sendo do conhecimento geral, que a existência de água em qualquer pavimento o torna mais escorregadio, era exigível ao A. que tomasse todos os cuidados por forma a evitar correr o risco de escorregar, risco esse perfeitamente previsível naquelas circunstâncias de tempo e espaço. Acontece que o A. nada fez para minimizar esse risco, apesar de se ter apercebido do mesmo. Na verdade sabendo que o piso estava molhado e escorregadio, abordou o tapete rolante com ambas as mãos ocupadas com os sacos das compras ou seja sem se agarrar ao corrimão e sem qualquer hipótese de o fazer, em caso de desequilíbrio, como infelizmente veio a suceder” (sublinhado nosso).

           Defende a Recorrente que tais considerações factuais (ter conhecimento de que o piso se encontrava molhado e escorregadio e abordar o tapete rolante sem se agarrar ao corrimão) excedem a matéria fáctica provada e, consequentemente, o Tribunal da Relação decidiu com base em factos não provados.

            Carece de razão.

As presunções judiciais constituem meio legal de prova através do qual o julgador retira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido - artigos 349º e 351º, ambos do Código Civil (doravante CC).

Enquanto instância final na fixação da matéria de facto pode o Tribunal da Relação lançar mão dos juízos de experiência, ou das considerações de probabilidade/razoabilidade para, com base em facto(s) provado(s), dar como provado(s) outro(s) facto(s), desde que este(s) não altere(m) aquele(s).

A possibilidade da Relação emitir juízos de valor sobre a matéria de facto por forma a completar o julgamento da matéria de facto decidido e/ou corrigir ou rectificar a mesma, inserindo-se no âmbito dos poderes/deveres funcionais da Relação, não é, em princípio, sindicável pelo STJ (o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não podem ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova – artigo 674.º, n.º 3, do CPC).

Com efeito, enquanto tribunal de revista cuja competência se limita, em regra, à matéria de direito, o STJ não pode sindicar o juízo de facto formulado pela Relação emitido por ilação, com excepção da situação a que alude o n.º 3 do artigo 674.º do CPC, ou seja, enquanto questão de direito, avaliando se os critérios subjacentes à presunção se mostram legais (se as regras da experiência da vida, da normalidade, dos conhecimentos das várias disciplinas científicas, ou da lógica foram respeitadas) por forma a concluir se, no caso, era (ou não) permitido o uso da presunção ao abrigo do disposto no artigo 351.º do CC[3].

Na situação sob apreciação verifica-se que o acórdão recorrido, valorando a matéria de facto provada ínsita nos n.ºs 2.8 a 2.13, 2.56 e 2.58[4], por forma a apreciar a incidência da conduta do Autor na eclosão do acidente, considerou que o mesmo sabia que o piso estava molhado e entrou no tapete sem se agarrar ao corrimão. Tais ilações de modo algum merecem reparo neste âmbito uma vez que no processo operativo para o efeito apresentam-se respeitadas as regras da experiência da vida, da normalidade e da lógica (mostra-se apropriado concluir que o Autor tinha conhecimento de que o piso estava molhado perante o facto provado de que aquele, para alcançar o tapete rolante, teve de calcorrear uma zona que se encontrava molhada e que a água da chuva caía no referido piso tocada pelo vento; por outro lado, inferir que o Autor não se agarrou ao corrimão igualmente se revela curial perante a circunstância de se encontrar apurado que o Autor ao colocar o pé no tapete rolante, alçou o outro pé, escorregou no piso e caiu de costa no mesmo desamparado com as compras em ambas as mãos).

Assim e ao invés do defendido pelo Recorrente, o acórdão recorrido, sem proceder a qualquer alteração da factualidade provada e com base nela e nos juízos de experiência, de dados técnicos e nas regras da probabilidade e razoabilidade, considerou apurados outros factos em função dos quais valorou a conduta do Autor atribuindo-lhe culpa na produção do acidente (omissão da diligência que seria exigível de acordo com o padrão de conduta que a lei impõe[5]).          

Perante a factualidade assim delimitada, tal como se encontra decidido no acórdão recorrido, evidencia-se que o Autor, em função das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de forma diferente por forma a assegurar a sua própria segurança fazendo uso do corrimão ainda que apenas com uma das mãos – “Nas circunstâncias concretas que se verificavam na ocasião (piso molhado e escorregadio), não só era recomendável que o A. fizesse uso do corrimão como era absolutamente necessário que o fizesse para sua própria segurança. Na verdade ao contrário do que se afirma na sentença o uso do corrimão faz parte das regras da boa e prudente utilização dos tapetes e escadas rolantes e daí que seja legalmente imposto - Portaria nº 1196/92, de 22 de Dezembro)[6]”.

Não tendo o Autor adoptado a diligência necessária para obstar um resultado que era inteiramente previsível (dever objectivo de cuidado com base na ideia de que a acção ou a omissão inadequada do agente implica o aumento da probabilidade do dano para além do risco permitido em função das exigências da vida), há que concluir que o seu comportamento censurável assumiu incidência na verificação do dano. 

1.2 Ambas as partes questionam, nesta sede, o grau de culpa que lhes foi atribuído pelo acórdão recorrido ao abrigo do disposto no artigo 570.º, do CC[7].

           Conforme salientado, a Relação decidiu fixar, em igual medida, ao Autor e Ré, a responsabilidade na produção do acidente em função dos comportamentos omissivos de ambos (quanto à Ré por omissão quanto à colocação de um aviso a alertar para o piso escorregadio em virtude da exposição à chuva). 

           Entende o Autor que a falta de aviso é condição prévia e determinante da sua conduta perante a especificidade das circunstâncias decorrentes de existir água no tapete. Pugna, por isso, pela atribuição de uma percentagem de responsabilidade em 10%.

           Ao invés, a Ré Seguradora, conforme referido, defende a culpa exclusiva do Autor na produção do acidente por considerar que o mesmo ficou a dever-se apenas ao comportamento imprevidente daquele por abordar o tapete rolante com ambas as mãos ocupadas, não sendo factor desencadeante a falta de aviso para a existência de chão escorregadio tendo em conta que o Autor havia feito um percurso atravessando piso molhado tomando, por isso, consciência da situação de perigo. Considera, contudo, que a não se entender assim, a percentagem de responsabilidade a atribuir ao Autor não poderia ser em igual proporção, mas necessariamente superior (60%).

           Tendo-se presente o alcance do artigo 570.º, do CC (cfr. nota de rodapé n.º7), não há dúvida de que a faculdade de reduzir a indemnização a atribuir ao lesado mostra-se dependente do acto deste ter sido uma das causas do dano (segundo os princípios da causalidade adequada), cabendo igualmente fazer a ponderação quanto à preponderância dessa mesma conduta em função do comportamento temerário revelado (não consentâneo com os cuidados que se exigiam a um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso).

E se não merece reparo a conclusão feita pelo acórdão de que o Autor ao entrar no tapete rolante com as duas mãos ocupadas e sem se agarrar ao corrimão contribuiu[8] para a verificação do resultado danoso (a queda nos termos ocorridos), igualmente se impõe secundar o entendimento das instâncias quanto à responsabilização da Ré na produção do acidente ao considerarem que a mesma omitiu actuação que lhe era exigível na gestão do risco que o tapete rolante revelava naquela concreta situação (piso com água) e que se traduziria em colocar painel de aviso a alertar os utilizadores para o perigo do piso escorregadio quando molhado[9].

A sinalização, constituindo um conjunto de estímulos que informam sobre a melhor conduta a tomar perante determinadas circunstâncias, assume papel crucial no domínio da “segurança“ de pessoas e bens como forma de reduzir acidentes, particularmente e no que aqui assume cabimento, enquanto meio eficaz de prevenção das quedas, designadamente alertando os utilizadores para a existência de pisos molhados e/ou escorregadios, que constituem causa comum de escorregões e quedas.

No caso, está-se perante um tapete rolante que a Ré CC …, SA fez instalar num dos seus estabelecimentos (2.49 dos factos provados) o qual tem uma inclinação de 12º, com piso derrapante e preparado para uma zona coberta (2.56 dos factos provados) e que, quando do acidente, por efeito das águas pluviais que caiam no piso (que lhe dá acesso) tocadas pelo vento e se encaminhavam para ele, também se encontrava molhado e escorregadio (2.13 dos factos provados).

Porque nos movimentamos no domínio da responsabilidade civil extracontratual da Ré e partilhando do posicionamento daqueles que defendem que, no âmbito da causalidade adequada, a obrigação de indemnizar (cfr. artigo 563.º, do CC) consagra a formulação negativa devida a Enneccerus-Lehmann (segundo a qual o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado causa adequada se, dada a sua natureza, se mostrar de todo indiferente para a verificação do mesmo e só se tornou sua condição por virtude de outras circunstâncias), de modo algum é possível concluir no sentido pugnado pela Recorrente quanto à desnecessidade de painel de alerta para piso escorregadio face à evidência do chão se encontrar molhado e escorregadio.

Tal entendimento descura dois aspectos: o dever genérico de prevenção de perigo a que a Ré … CC, SA se encontrava adstrita; a relevância jurídica da sua omissão tendo em linha de conta a importância que os estímulos decorrentes dos alertas assumem na prevenção do risco.

Quanto ao primeiro (dever jurídico da prática do acto omitido), não obstante se encontrar previsto no artigo 486.º, do CC, que o dever jurídico de praticar o acto resulta da lei ou de negócio jurídico, tem vindo a ser entendido pela doutrina[10] e pela jurisprudência[11] que a nossa lei consagra o princípio geral de que quem “cria ou mantém uma situação especial de perigo tem o dever jurídico de agir, tomando as providências necessárias para prevenir danos com ela relacionados”.

O acolhimento dos deveres de prevenção do perigo (denominados também de deveres de segurança no tráfico ou de deveres de tráfego) ao permitir alargar a responsabilidade civil (extracontratual) por omissão a quem exerce o domínio de facto sobre uma coisa (móvel ou imóvel) ou sobre uma actividade, passível de causar danos a terceiros, impõe-lhe o dever de tomar as providências necessárias para evitar a produção dos mesmos[12].

O conteúdo destes deveres tem subjacente o conceito de agir com cuidado[13] e depende de múltiplos factores como sejam a probabilidade do acidente, a gravidade dos efeitos danosos, as medidas preventivas adequadas e a possibilidade de auto-protecção do eventual lesado.  

Na situação sob apreciação, a Ré CC …, SA fez instalar um tapete rolante para o público que o quisesse utilizar no acesso (no caso dos autos, o retorno) ao seu estabelecimento (supermercado), encontrando-se situado no mesmo piso das caixas registadoras. Trata-se de um dispositivo de livre acesso para qualquer pessoa ainda que não dispense o utilizador das regras elementares de cuidado (em função dos parâmetros de um homem de diligência média), sendo certo que o livre acesso necessariamente gera no utilizador a confiança de que nenhum risco de maior poderá ocorrer[14].

Todavia e conforme resulta da matéria fáctica apurada, a utilização do tapete rolante não é isenta de risco de queda (não obstante a prova de que tem piso antiderrapante – 2.56 dos factos provados) uma vez que o seu piso se torna escorregadio quando molhado (2.14 dos factos provados). Nessa medida, porque se trata de um dispositivo preparado para uma zona coberta (2.56 dos factos provados), atenta a sua localização (é atingido pelas águas pluviais – 2.13 e 2.15 dos factos provados) e tendo em conta a inclinação de que é dotado (2.56 dos factos provados), impunha-se à Ré CC …, SA, no controle dos riscos decorrentes da utilização do tapete rolante (riscos traduzidos essencialmente em quedas por parte dos seus utilizadores), o elementar dever de cuidado de alertar (com sinalização de aviso) os utilizadores do mesmo para a existência de perigo de escorregar com o piso molhado sempre que o local se encontrasse sujeito à presença de água. 

Tal procedimento necessariamente seria persuasor para os utilizadores do tapete de forma a adoptarem condutas adequadas perante o risco a que se iriam submeter. Trata-se, por isso, de uma informação da maior relevância na adaptação de comportamentos passíveis de prevenir quedas.

Aliás, tal aconteceu após a verificação do acidente do Autor uma vez que a Ré CC …, SA procedeu à colocação de painel de alerta com os dizeres “PERIGO PISO ESCORREGADIO QUANDO MOLHADO” (2.16 dos factos provados).

Perante a maior probabilidade do risco de quedas com o piso molhado, a colocação de aviso nesse sentido constituía, sem dúvida, conduta idónea que impendia sobre a Ré CC …, SA destinada a prevenir os perigos específicos na utilização do tapete rolante. Não o tendo feito, violou dever de agir que lhe estava adstrito (omissão ilícita) e que lhe é censurável a título de culpa[15].

Considerando a importância da sinalização na prevenção das quedas e do papel da mesma enquanto persuasora na adopção de comportamentos adequados (meio eficaz de prevenção de quedas), não pode deixar de se entender que a omissão do comportamento devido por parte da Ré CC …, SA foi condicionante da conduta distraída e descuidada do Autor ao abordar o tapete nas condições em que o fez (sem se agarrar ao corrimão com as duas mãos ocupadas com os sacos de compras). Por conseguinte, ao invés do acórdão recorrido, entendemos não ocorrer paridade na responsabilidade de cada uma das partes importando atribuir preponderância à omissão da Ré CC …, SA, porque prévia à actuação do Autor; nessa medida, nos termos e para efeitos do artigo 570.º do CC, as respectivas “culpas” deverão ser repartidas na proporção de 60% para aquela Ré e 40% para o Autor.

Procede, pois nesta parte, ainda que parcialmente, o recurso do Autor, improcedendo a revista da Ré. 

2. Do valor dos danos não patrimoniais

Defende o Autor/Recorrente que lhe deverá ser arbitrada a quantia de 75.000,00€ por danos não patrimoniais invocando que o acórdão recorrido não valorizou condignamente o sofrimento que lhe adveio do acidente, inconsiderando a situação decorrente da amputação da sua vida artística.  

O acórdão fixou em 17.500€ o montante de indemnização a este título, alterando o valor de 25.000€ atribuído na sentença[16].  

Cumpre realçar que o Recorrente pugna pelo aumento do montante indemnizatório asseverando a insuficiência do que lhe foi fixado no acórdão, fazendo ainda referência ao facto da decisão não ter em consideração a sua impossibilidade de dar continuidade à sua vida artística. Exceptuando este último aspecto, embora discorde do montante atribuído como indemnização pelos aludidos danos, o Recorrente não impugnou a fundamentação do aresto, legitimando a que na apreciação da questão se possa adoptar uma motivação sucinta[17].

Da fundamentação do acórdão recorrido resulta, ainda que implicitamente, que o abandono da vida artística constituiu realidade necessariamente tida em linha de conta na avaliação global do valor do dano não patrimonial fixado pois que a factualidade provada com relevância para o efeito mostra-se referenciada na decisão.[18]. A dissidência do acórdão quanto ao montante indemnizatório por danos não patrimoniais fixado pela sentença encontra-se sustentada na conduta (omissiva) do Autor por ter contribuído, em grau idêntico ao da Ré CC …, SA, para o desencadear do acidente[19].

Ainda que sem menção expressa ao disposto no artigo 494.º, do CC, o acórdão alterou a indemnização fixada na sentença a respaldo do referido preceito.

Os danos não patrimoniais, correspondendo à ofensa de bens de carácter imaterial, sem conteúdo económico (pois que afectam a personalidade moral nos seus valores específicos como a integridade física e psíquica, a saúde, a angústia, a correcção estética) não são avaliáveis em termos de uma medida certa e, por isso, a indemnização a arbitrar consubstancia uma mera compensação.

De acordo com o disposto nos artigos 496.º e 494.º, ambos do CC, o montante da indemnização correspondente a tais danos deverá ser calculado - quer ocorra dolo ou mera culpa do lesante – segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, à sua situação económica e à do lesado, à natureza e intensidade do dano e às demais circunstâncias do caso[20].

Por conseguinte, a referida indemnização deverá ser proporcional à gravidade do dano, tomando em conta para a sua fixação as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.

            Tendo presente que neste domínio o juízo de equidade[21] constitui elemento essencial de avaliação do dano[22] - artigo 496.º, n.º 4 do CC -, não pode ser descurado o que tem vindo a ser entendido pela jurisprudência deste tribunal quanto a não considerar resolução de uma questão de direito a aplicação de juízos de equidade, não competindo, por isso, ao Supremo a determinação exacta do valor indemnizatório[23].

         Por conseguinte, caberá verificar nestes casos se o juízo de equidade das instâncias “(…) assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – (…) se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade[24].

           O acórdão recorrido, não obstante ter seguido os critérios jurisprudenciais que têm vindo a ser seguidos para o efeito, afastou-se do valor fixado na sentença (25.000€) porque na ponderação efectuada valorizou a contribuição da conduta do Autor na produção do acidente, procedendo, concomitantemente, ao ajuste do respectivo montante ao abrigo do artigo 570.º, do CC, reduzindo a indemnização para 50%, em função do que considerou ser a proporção da actuação negligente do Autor no processo causal (adequado) do dano.

            Não podemos partilhar de tal posicionamento.

           Com efeito, independentemente de se poder colocar a questão referente ao campo de delimitação de cada um dos preceitos[25], na sequência do que se mostra ponderado quanto à caracterização da conduta das partes (1.), tendo presente a apreciação tecida pelo acórdão recorrido em face do factualismo provado[26], não se evidencia fundamento para se fixar, ao abrigo do artigo 494.º, do CC, indemnização inferior à compensação dos danos sofridos pelo lesado pois que tal redução apenas deve/pode funcionar quando a reparação dos danos se evidencie claramente injusta em função das circunstâncias face à culpa diminuída do lesante[27], o que, como vimos, não é o caso.

           Assim sendo, perante os parâmetros de cognição que neste âmbito se impõem, tem-se como equitativa a fixação da indemnização de 25 000 € devida a título de danos não patrimoniais, tal como decidido pela 1.ª instância.
Procede também, ainda que em parte, o recurso do Autor.

IV. DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista da Ré e conceder parcialmente a revista do Autor alterando o acórdão recorrido quanto ao montante de indemnização por danos não patrimoniais por que as Rés CC …, SA e DD Companhia de Seguros, SA foram condenadas, fixando-a em 15 000€ (60% de 25.000,00€).

Custas da acção pelo Autor e Rés CC e DD na proporção do respectivo decaimento. 

Custas do recurso do Autor, por ambas as partes, fixando 1/3 a cargo do Autor e 2/3 a cargo da Ré, sendo esta condenada nas custas do recurso que interpôs.

                                                                      
Lisboa, 22 de Maio de 2018

Graça Amaral (Relatora)

Henrique Araújo

Maria Olinda Garcia

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[1] A sentença, apreciando o comportamento do Autor quanto à atitude assumida enquanto utilizador do tapete rolante, considerou: “O mesmo se dirá quanto à questão do autor não ter utilizado uma das mãos para se agarrar ao corrimão. Nada resulta em como o mesmo estaria obrigado a segurar-se previamente ao corrimão para poder utilizar o tapete rolante, se bem que se reconheça que seria um procedimento recomendável. No entanto, há que não esquecer que este tipo de equipamentos geram um sentimento de habituação e confiança nos utilizadores. Mesmo em situações que parecem óbvias e que despertariam a atenção e o cuidado a um utilizador comum, há casos que parecem ser inexplicáveis ou poderão também resultar da incúria, como é o caso de alguém entra num cai num poço de elevador sem se aperceber (!) que as portas abriram, mas que o elevador não está nesse piso ou da pessoa que escorrega num piso molhado, sem se aperceber da água no pavimento.
Sucede que tal incúria ou desatenção são apenas aparentes. Na realidade, o que sucede é o fenómeno da habituação: se utilizei tantas vezes este elevador sem problemas, porque razão deverei olhar para o chão para verificar se a cabine está realmente neste piso antes de avançar? Se utilizei tantas vezes este tapete rolante, porque razão é que deverei hoje agarrar cuidadosamente o corrimão?
Trata-se da habituação geradora de confiança (assim lhe chama a doutrina que mais se tem debruçado sobre a matéria) e que, em situações desta natureza, tem que ser ponderada como valor autónomo a proteger».”
[2] Comportamento omissivo do Autor por violação de um dos deveres de cuidado do utilizador desse tipo de equipamentos (por o uso correcto de tapete rolante passar necessariamente pelo apoio de uma das mãos no corrimão desde o início - antes do local onde o tapete começa - por constituir medida indispensável ao equilíbrio do corpo). 
[3] Cfr. acórdãos deste Supremo Tribunal de 12-05-2016, Revista n.º 314/03.8TBARL.E2.S1 e de 05-12-2017, Revista n.º 409/14.2T8LRA.C1.S1 e Revista n.º 725/12.8TBCHV.G1.S3.
[4] O Autor dirigiu-se ao tapete rolante que, no seu trajecto descendente, começa naquele mesmo piso onde se situam as caixas. O tapete rolante estava em funcionamento e apresenta uma inclinação. O Autor colocou um pé no tapete rolante, alçou o outro pé, escorregou no piso deste tapete e caiu de costas, já sobre o mesmo, desamparado, com as compras em ambas as mãos. A zona do piso onde o tapete rolante fica disponível e que o Autor acabava de calcorrear antes de alcançar o tapete estava toda molhada. Estava a chover. Mercê da água pluvial que caía ali no piso, tocada a vento do lado norte, também o tapete estava molhado e escorregadio, por a água se encaminhar também para ele. O tapete em causa tem uma inclinação de 12º (18,326%), tem piso antiderrapante e está preparado para uma zona coberta). O mencionado tapete rolante estava também dotado de corrimãos laterais.   
[5] Meneses Leitão, Direito das Obrigações, I, 8ª edição, 2009, p.313.
[6] Conforme realçado no acórdão recorrido, (norma europeia) EN 115 e Norma Portuguesa NP 3662, que estabelecem as Regras de segurança para o fabrico e a instalação de escadas mecânicas e tapetes rolantes.
[7] A expressão “culpa” do lesado inserida no preceito assume um sentido impróprio pois não pressupõe facto ilícito e danoso (relativamente a outro), querendo abarcar as situações em que o acto do lesado tenha sido concausa do dano, ainda que não tenha natureza ilícita ou corresponda à violação de um dever, mas que traduza um comportamento censurável (Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, volume I, Almedina, Coimbra, 4ª edição, I, p.824); daí a expressão legal gravidade das culpas, que impõe necessariamente que a conduta do lesado seja passível de um juízo de censura decorrente de uma actuação negligente ou imprópria com relevância no processo causal (adequado) do dano. Com refere Antunes Varela a lei quis arredar da norma os casos em que entre o facto ilícito do agente ou o dano e o facto do lesado há um puro nexo mecânico-causal, para apenas abrangerem os casos em que o comportamento do prejudicado é censurável ou reprovável - Antunes Varela (RLJ, n.º 102, p.60).
[8] O juízo de censura resulta do Autor ter actuado desconsiderando regra de segurança, isto é, não podendo deixar de saber que colocava em risco a sua própria segurança.
[9] Comportamento que veio a adoptar posteriormente ao acidente em causa – cfr. n.º 2.16 dos factos provados (Posteriormente à queda do Autor foi colocado no lado interior do resguardo lateral do tapete rolante, mais próximo da área comercial, logo no seu início, atendendo ao sentido do percurso do mesmo, um painel com cerca de 50cm x 30cm com a menção “PERIGO PISO ESCORREGADIO QUANDO MOLHADO”).   
[10] É também este o entendimento de Brandão Proença (Direito das Obrigações-Relatório Sobre o Programa e Conteúdo e os Métodos do Ensino da Disciplina, 2007, págs. 180, 181.) que defende um “dever genérico de prevenção do perigo”, a que Sinde Monteiro chama “dever de segurança do tráfego”, significando, como ensina A. Varela (Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 114.°, p. 77-79), que “o criador ou o mantenedor da situação especial de perigo tem o dever jurídico de o remover, sob pena de responder pelos danos provenientes da omissão”.
Analisando o posicionamento jurisprudencial relativo ao dever jurídico de agir não decorrente de norma específica ou negócio jurídico, refere Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde que “A casuística judicial analisada é eloquente, revelando que inúmeras decisões imputaram resultados lesivos fundados em omissões, sem as reportar, como expressamente impõe a letra do artigo 486º, a estritas vinculações legais ou negociais, adoptando um procedimento metodológico idêntico ao efectuado pela jurisprudência alemã que, não dispondo sequer de uma disposição equivalente, serviu-se dos deveres de segurança no tráfego para alargar o catálogo de ordens de ação para além do § 823, II, aplicando diretamente § 823,1, a fim de assegurar a proteção integral dos direitos e bens jurídicos que tutela e abstraindo por completo de se tratar de condutas ativas ou omissivas (…) Os deveres no tráfego não se limitaram a alargar o elenco das ordens de agir para além das normas de proteção de carácter precetivo, impondo também a responsabilidade pela prática de atos descuidados, evolução que marcou um momento essencial na transição dos deveres de segurança no tráfego para os deveres no tráfego.” - Responsabilidade Civil por Violação de Deveres no Tráfego, Almedina 2015, p. 596 e 597.
[11] Cfr. acórdãos deste Supremo Tribunal de 10-11-2010 e de 29-11-2016, respectivamente, processos n.ºs 2762/03.4TVLSB.L1 e  n.º 820/07.5TBMCN.P1.S1.
[12] Cfr acórdão deste Supremo Tribunal de 02-06-2009, Processo n.º 560/2001.S1, onde consta do respectivo sumário: “I - O dever genérico de prevenção do perigo ou dever de segurança no tráfico existe relativamente aos donos de coisas privadas, ainda que imóveis, devendo aferir-se o grau de exigência do obrigado à prevenção do perigo [na tomada de medidas aptas a evitar o maior ou menor risco de acidente que a coisa representa], pela maior ou menor probabilidade do risco de acidente; II - Quanto mais intenso for o perigo mais intensa é a obrigação de o prevenir adequadamente, e, em caso de omissão, mais exigente deve ser o juízo de censura)”, a que se pode aceder através das Bases Documentais do ITIJ.
[13] Rui Ataíde, na obra citada, escreve: “O cuidado é o atributo comportamental exigido a todos quantos participam no trato social que, por sua vez, se concretiza em deveres de conduta activa ou omissiva – ditos deveres no tráfego – destinados a prevenir, conduzir ou remover perigos que se podem concretizar em eventos lesivos. Trata-se de uma orientação plena de conteúdo axiológico e que se afigura dogmaticamente produtiva, ao desvendar a essência da ação humana como relatio, pelo que o desvalor de cuidado, enquanto não evitação, possível, de resultados proibidos, representa, justamente, a negação dessa abertura relacional que constitui a matriz da vida comunitária.” - p. 46
[14] Como se mostra salientado na sentença, se a utilização do tapete consubstanciasse uma actividade minimamente perigosa não seria permitido que fosse utilizado por qualquer pessoa e sem necessidade de prévia instrução.  
[15]Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do devedor ser pessoalmente censurável ou reprovável. E o juízo de censura ou de reprovação baseia-se no reconhecimento, perante as circunstâncias concretas do caso, de que o obrigado não só devia como podia ter agido de outro modo” — Antunes Varela, Das Obrigações em Geral”, vol. II, p. 95, 6ª edição.
[16] O dispositivo da sentença foi objecto de correcção no acórdão recorrido em face dos lapsos materiais detectados e indicados em sede de recurso de apelação pela Ré seguradora. 
[17] Cfr. entre outros, Acórdãos deste Tribunal de 29.06.2010 e de 26.02.2015, acessíveis através das Bases Documentais do ITIJ.
[18]No caso sub judicio, o dano violado foi a integridade física e psicológica do Autor, que viu o acidente causar-lhe danos corporais com alguma gravidade, que deixaram sequelas permanentes, a nível físico, psicológico, componentes que entendemos não deverem ser nesta sede objecto de divisão mas sim de uma avaliação global, porque é globalmente considerados que se reflectem na vida da autora. Assim, com relevância nesta avaliação temos a seguinte factualidade: (…) O Autor acumulava a sua função de profissional no ramo do turismo com a de artista de sapateado tradicional, sendo fandanguista do grupo Rancho Folclórico “...” de ... desde há cerca de 25 anos (quesito 33º BI). Integrava espectáculos com outros artistas, como ..., ... e Silvina de Sá, entre outros, fazendo ele o número de sapateado tradicional ribatejano (quesito 34º BI). O Autor tinha sido convidado para participar em vários espectáculos a realizar no ano de 2009 (cfr. quesito 35º BI). O Autor dava formação de sapateado em workshop várias vezes por ano, sendo os formandos, por norma, bailarinos (quesito 36º BI). Tinha o Autor enorme prazer em executar e ensinar o sapateado (quesito 37º BI). Na sequência da queda, o Autor somente passou a conseguir, com muito esforço e dor, fazer a demonstração imperfeita da técnica do sapateado tradicional do ... (quesito 40º BI). O Autor deixou de participar em espectáculos e de fazer workshops (quesito 41º BI). O Autor abandonou o grupo Rancho Folclórico “...” de ... por não poder fazer o sapateado (quesito 42º BI). O exercício do sapateado dotava o Autor de grande auto-estima e dava-lha particular prazer (quesito 45º BI). O Autor ficou desgostoso por não conseguir exibir as capacidades de dança que tinha antes da queda (cfr. quesito 48º BI). O A. ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos numa escala até 100 pontos (cfr. quesito 50º BI)”.
[19] Refere a tal propósito o acórdão “Por outro lado não se pode olvidar que o A., com o seu comportamento omissivo, também contribuiu, em grau idêntico ao da R. CC, para o desencadear do acidente. O A., olvidou por completo este os riscos da acção e na sua ânsia de obter vantagem económica com o próprio infortúnio, nem sequer aceitou uma decisão que lhe era altamente favorável”
[20] Demais circunstâncias do caso é uma expressão genérica que se pretende referir a todos os elementos concretos caracterizadores da gravidade do dano, incluindo a desvalorização da moeda - Acórdão do STJ de 23-02-2011, processo n.º 395/03.4GTSTB.L1.S1.
[21] Equidade enquanto critério para a correcção do direito, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto – cfr. citado acórdão do STJ de 23-02-2011.
[22] Função diferente da prevista pelo artigo. 566º, nº 3, do CC, que se mostra meramente complementar, quando não seja possível averiguar o montante exacto dos danos.
[23] "juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial, dos critérios que generalizadamente vêm sendo adoptados, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade"- cfr. Acórdão do STJ de 28.10.2010; no mesmo sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 04.06.2015, de 21.01.2016, de 16.06.2016, de 10.11.2016, de 14.12.2016 e de 25.05.2017.
[24] Acórdão deste Supremo Tribunal de 21-01-2016, Revista n.º 1021/11.3TBABT.E1.S1. Relativamente à concretização do âmbito dos poderes do STJ cfr. acórdão do mesmo tribunal de 27-10-2016, Revista n.º1836/10.0TBVCD.P1.S1, em cujo sumário se refere “(…) II - A aplicação de critérios equitativos não afasta a necessidade de ponderar as exigências decorrentes dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, através da comparação com casos similares que tenham sido submetidos à apreciação do STJ e da análise dos montantes.”.
[25] Refere Brandão Proença a tal respeito que “A delimitação do espaço próprio das duas normas nem sempre tem sido observada por uma jurisprudência (…) que na repartição do dano «mistura» os dois critérios como se fossem perfeitamente homogéneos nas suas hipóteses e estatuições. Embora o lugar natural de abordagem da questão seja o dos critérios de repartição do dano fixado no artigo 570.º, 1, não podemos deixar de salientar, desde já, que uma coisa é defender-se a possibilidade de o tribunal, para os fins da melhor aplicação do preceito, se socorrer de alguns dos factores a que o artigo 494.º dá acolhimento expresso ou implícito (…) e outra coisa, muito diferente, é, fazendo-se «tábua rasa» da situação de concorrência e do seu critério global específico (…) aplicar-se cumulativamente os dois preceitos (…)”– A CONDUTA DO LESADO COMO PRESSUPOSTO E CRITÉRIO DE IMPUTAÇÃO DO DANO EXTRACONTRATUAL, Almedina, Coimbra, 1997, p. 177.    [26] Em consequência da queda o Autor (de 41 anos de idade) a) foi sujeito a duas cirurgias (a primeira com anestesia geral, para aplicação de material de osteosíntese, placa e parafusos, tendo ficado com o membro inferior direito imobilizado do joelho para baixo e aplicada uma tala gessada que manteve durante cerca de 1 mês; a segunda, com anestesia local, para lhe ser retirado material de osteossíntese, mantendo no corpo a placa que lhe foi aplicada na 1.ª cirurgia); b) durante um mês não pôde andar e uma vez retirada a tala gessada movimentou-se, até começos de Abril de 2009, com o auxílio a canadianas, tendo passado a fazer sessões de fisioterapia de uma hora, diariamente, no Hospital de ...; c) o seu quantum doloris foi de 5 numa escala até 7 pontos de gravidade; d) passou a necessitar de fazer maiores esforços para desempenhar a sua actividade profissional (técnico de turismo, sendo a sua função, por excelência, a de acompanhar grupos exigindo a permanência em pé durante longos períodos de tempo), tendo ficado com um défice funcional permanente da integridade físico-psiquíca de 2 pontos numa escala até 100 pontos; e) passou a conseguir fazer a demonstração imperfeita da técnica do sapateado tradicional do ... com muito esforço e dor (antes do acidente acumulava a sua função de profissional com a de artista de sapateado tradicional, sendo fandanguista do grupo Rancho Folclórico “...” de ... desde há cerca de 25 anos, integrando espectáculos com outros artistas, como …, ... e …, entre outros, fazendo ele o número de sapateado tradicional ribatejano e dava formação de sapateado em workshop várias vezes por ano, sendo os formandos, por norma, bailarinos), tendo deixado de participar em espectáculos e de fazer workshops, abandonando o grupo Rancho Folclórico “...” de ... por não poder fazer o sapateado; f) a actividade de executar e ensinar o sapateado dava-lhe enorme prazer e dotava-o de grande auto-estima, tendo ficado desgostoso por não conseguir exibir as capacidades de dança que tinha antes da queda.
[27] Conforme salientado por Galvão Telles, a aplicação do artigo 494.º, do CC, permitindo fixar montante indemnizatório equitativamente em valor inferior ao dos danos causados, terá de ser aplicado com prudência uma vez que tem por efeito deixar sem indemnização parte dos danos reais – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES, 7ª edição, Coimbra, p. 356/357.