CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO
INDEMNIZAÇAO DE CLIENTELA
EQUIDADE
JUROS MORATÓRIOS
Sumário


I - Nada obsta a que os interessados estabeleçam contratos atípicos de distribuição. Em todo o caso havendo distribuição, encontraremos sempre um núcleo contratual bastante próximo da agência, como ensina Menezes Cordeiro.      
II - O regime jurídico do contrato de agência pode ser considerado como a figura-matriz dos contratos de distribuição. As suas normas podem alargar-se aos contratos de distribuição acima referidos e, ainda, aos contratos de distribuição atípica. A esta luz compreende-se a relevância comunitária assumida pela agência. Tal é a lição da doutrina da especialidade, designadamente a do Prof. Menezes Cordeiro (Manual de Direito Comercial I, 2001, Almedina, pg. 494).
III - Importa ter em atenção que a expressão «indemnização de clientela» não constitui in rigore uma indemnização no sentido clássico ou tradicional do termo. Por outras palavras, não se traduz numa medida ressarcitória ou mesmo compensatória de prejuízos ou danos sofrido por outrem que, por isso, não carecem de ser alegados e provados. Constitui, sim, «uma compensação ou contrapartida de uma vantagem obtida pelo principal e de uma perda sofrida pelo agente» (Mª Helena Brito, O Contrato de Concessão Comercial…cit. pg. 100).
IV - O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002, de 27-06-2002, estabeleceu jurisprudência no sentido de que os juros moratórios são contados a partir da decisão actualizadora e não da citação, sempre que tal indemnização pecuniária tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artº 566º do C. Civil.
V - Ainda que não tenha sido declarada expressamente tal actualização, a aplicação do critério da equidade para a determinação do quantum indemnizatório evidenciaria tacitamente a mesma, como se entendeu no Acórdão deste Supremo Tribunal de 30-10-2008, desta mesma Secção Cível (Relator, o Exmº Conselheiro Bettencourt de Faria), onde se decidiu que «se o montante de uma indemnização for determinado através da equidade tem de se entender que esse quantitativo está actualizado» (Pº 08B2662, disponível em www.dgsi.pt).
VI - A ratio decidendi de tal decisão mostra-se expressa no referido aresto, nos seguintes termos: «uma quantia fixada segunda a equidade, é-o, atendendo aos padrões actuais de justiça do julgador. Deste modo, ainda quando nada se diga, há que entender que tal montante é fixado de forma actualizada»

Texto Integral


Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:





                   Relatório

        

         AA, S.A. com sede na Rua de …, Apartado …, Trofa, e BB, S.A., com sede na Avenida …, …, Zona do Porto Bacalhoeiro, 3830-…, Gafanha da Nazaré, instauraram ação declarativa comum, com processo ordinário, contra CC, S.A., com sede na Quinta da …, …, 2951-… …, Palmela, alegando essencialmente o seguinte:


       Numa relação baseada num contrato celebrado em Abril de 2003 entre as AA. e a R., esta, enquanto única importadora, produtora e comerciante de determinados refrigerantes, em especial, da marca Coca-Cola, facturava produtos daqueles género à 2ª A, mas entregava-os à 1ª A., sendo esta a sua real distribuidora numa área geográfica do país, por sua própria conta e risco, junto dos vários retalhistas, sem qualquer interferência da 2ª R., cujo objeto social era diferente. 


         Não obstante vender também outros bens, a 1ª A. estava integrada na organização comercial da R., sendo responsável pela promoção e venda dos seus produtos naquela área geográfica, desenvolvendo ali intensa actividade de promoção e venda dos seus refrigerantes, para tanto fazendo grande investimento, com o inerente esforço financeiro que tem vindo a suportar.


         Entre os anos de 2003 e 2008, a 1ª A. aumentou progressivamente o número de clientes de venda a retalho/compradores, de 1242 para 2233, sendo que cada vendedor da 1ª A. tinha uma carteira com cerca de 150 clientes. De igual modo, em 2004, facturou € 1.082.609,00 em produtos abrangidos pelo contrato de distribuição celebrado no ano de 2003 e, em 2008, já estava a facturar € 10.559.616,00 na venda daqueles produtos, aumentando assim também, progressivamente, a sua margem bruta de comercialização de € 200.728,29 para € 654.145,30, de tal modo que a 1ª A. era a empresa que maior volume de produtos da CC, em especial da marca Coca-Cola, revendia em território nacional.


         Em Março de 2009 a R. surpreendeu a 1ª A. com um súbito e exorbitante aumento dos preços dos produtos da marca Coca-Cola, enquanto outros distribuidores da R. revendiam os mesmos refrigerantes aos seus clientes por preços inferiores àqueles.


      Em consequência, os clientes da AA passaram a comprar aos concorrentes dela, em especial ao Recheio e à Makro e aos outros distribuidores que integram a rede de distribuição dos produtos da CC, vendo-se a 1ª A. na necessidade de comprar Coca-Cola a outros colegas distribuidores da R., sem as promoções, brindes, campanhas de marketing, publicidade e aniversários, prémios, viagens, campanhas, sell out, folhetos, etc., que esta facultava àqueles seus distribuidores.


        Com este aumento de preços, discriminatório e anti-concorrencial grave, a Ré unilateralmente impediu-a de comercializar os seus produtos, o que configura uma declaração tácita de denúncia incondicional, com extinção da relação comercial em 30.3.2009, data dos últimos fornecimentos.

        

      A R., numa posição de abuso de posição dominante, violou as leis da concorrência, passando a praticar com A. preços não competitivos, discriminando-a relativamente aos outros distribuidores, com o consequente desvio dos seus clientes habituais para os seus concorrentes. 

        

      A R. abusou de direito ao denunciar o contrato sem um pré-aviso razoável (6 meses), quando até então alimentava a ideia de que não o denunciaria num prazo previsível, criando expectativas à A. de que o contrato se manteria por longo período de tempo, tendo, por isso, efetuado avultados investimentos na sua empresa, cujo período de amortização se prologaria por 8 a 10 anos.


         Defende a Autora AA, S.A. que tem direito a:


a) Indemnização de € 327.071,65, equivalente a 6 meses de margem média bruta mensal auferida no ano de 2008, nos termos do art.º 29º, nº 2, do Decreto-lei nº 178/86;

b) Indemnização de clientela que estima em € 250.000,00; e

c) Compensação pelos prejuízos inerentes à cessação inesperada e extemporânea do contrato, trazidos à sua imagem e bom nome comercial, pelo montante de € 25.000,00.


   Termina assim o seu articulado, com o seguinte pedido:

a) ser a R. condenada a pagar à AA, uma indemnização de clientela no valor de € 250.000,00, nos termos da lei;


b) ser a R. condenada a pagar à AA, nos termos do artigo 29º, n.º 2 do DL 178/86, uma compensação de € 327.041,65 equivalente a seis vezes a margem média bruta mensal auferida no decurso de 2008,


c) ser a R. condenada a pagar à SANER, uma indemnização de € 25.000,00 por danos indirectos, actuais e futuros, certos e eventuais trazidos à sua imagem e credibilidade empresariais resultantes da cessação inesperada do contrato de distribuição;


d) ser a A. condenada a pagar à AA os juros de mora que à taxa legal se vencerem desde a citação até efectivo e integral pagamento.» (sic)


       Citada, a R. contestou a ação por excepção e por impugnação.


       Para tanto, alegou que nunca existiu qualquer contrato de distribuição entre as AA. e a R.

       A 1ª A. nunca foi mais do que um operador logístico e não teve, nem tem, qualquer influência na prospecção e angariação de clientes para os produtos da R., não havendo qualquer contrato escrito de distribuição entre elas celebrado no ano de 2003, tal como não existia anteriormente quando, em 2002, a aqui 1ª A. defendeu a sua existência num outro processo judicial, como tendo sido celebrado no ano de 1989.


      Considera a R. que a 2ª A. é parte ilegítima e que o alegado direito das AA. se extinguiu por transacção judicial, devidamente homologada por sentença de 14.11.2003, transitada em julgado, no proc. 141/2002, que correu termos no Tribunal Judicial de …, onde a A declarou ter sido completamente compensada pela extinção do contrato de distribuição dos produtos da ora R. que, de acordo com o que havia alegado, vigorava desde 1989 e tinha sido extinto pela aqui R. em 1.4.2001.


       A 1ª A. litiga de má fé ao deduzir um novo pedido de indemnização com base num alegado contrato já extinto, com declaração de quitação sem reservas no âmbito da referida transacção.


       Por impugnação, a R. negou grande parte dos factos descritos na petição inicial e, no essencial, aduziu que a comercialização, promoção e distribuição dos produtos da R. nas áreas que a A. AA reclama como “suas” sempre foram realizadas diretamente pela R. ou por (verdadeiros) distribuidores contratados para o efeito, que não a A.

        Esta comprava e pagava à R. os produtos que vendia, sendo ela também que decidia, encomenda a encomenda, em que local a R. os deveria entregar.

        Nunca a R. contratou qualquer das AA. como distribuidora dos seus produtos, desconhecendo os investimentos que a 1ª A. terá realizado na sua empresa, nem lhe fixou qualquer objectivo de vendas.

        Não existiu qualquer alteração súbita, irreversível e unilateral de condições contratuais estabelecidas com as AA.

        As condições comerciais entre as partes variaram ao longo do tempo e foram sendo livremente acordadas em função dos interesses e possibilidades das partes, bem como das condições do mercado.

         A R. não se recusou a fornecer produtos às AA., simplesmente constatou que elas, devedoras de largas centenas de milhares de euros, não desejavam adquirir mais produtos.

         Não há qualquer infracção ao Direito da concorrência.

                  

        Quanto à indemnização por falta de pré-aviso, refere que, além de não existir qualquer contrato de distribuição, foi a 1ª A. que comunicou à R. que não lhe iria adquirir mais produtos.

        

        Ainda que assim não fosse, a própria 1ª A. reconheceu em carta de 3.7.2009 que aquela indemnização estava parcialmente compensada com um débito para com a R., com pagamento do remanescente.

        

         Mesmo que existisse — mas não existe — entre as AA. e a R. um contrato de alguma forma análogo ao contrato de agência, a sua denúncia nunca teria de ser realizada no prazo de um ano, mas sim, no máximo, no prazo de 3 meses.   Acresce que a 1ª A. reconheceu na carta de 7.4.2009 que os aumentos de preços eram relativos apenas aos últimos três meses, ou seja, a três meses antes do momento em que as AA. assumiram a extinção do contrato; ou seja, sempre teria havido um pré-aviso de três meses, suficiente nos termos do Decreto-lei n° 176/86.

         Não se verifica qualquer requisito de que dependa a atribuição da indemnização de clientela.

         A Autora AA, antes da comunicação de 7.4.2009 revendia produtos enquanto grossista aos clientes do seu Cash and Carry, não perdeu o acesso aos mesmos, e a R. não beneficiou nem é previsível que venha a beneficiar da extinção da relação comercial com as AA.

        

         A imagem da 1ª A. não foi afectada por qualquer acto da R.


         No despacho saneador foi decidida a ilegitimidade da 2ª Autora, BB, S.A que, como tal, foi excluída do processo.

        

         Após legal tramitação e efectuado o julgamento da causa com observância das legais formalidades, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a Ré do pedido.

        

         Inconformada, a 1ª Autora interpôs recurso de Apelação para a Relação do Porto, tendo este tribunal superior julgado o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revogado a sentença recorrida e condenado a Ré CC, S.A., a pagar à Autora, AA, S.A., o seguinte:

  a) a quantia de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) a título de indemnização por falta de pré-aviso na denúncia do contrato de distribuição autorizada que vigorava entre as partes;


       A quantia de € 80.000,00 (oitenta mil euros) a título de indemnização de clientela;


         Os juros de mora legais, sobre as referidas quantias, a calcular à taxa legal em cada momento em vigor, desde a data da citação até integral pagamento.


       Inconformadas com tal decisão, ambas as partes vieram interpor recurso de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando as suas alegações com as seguintes:


         CONCLUSÕES

        

         Autora, AA, S.A


            Quanto à natureza do Contrato


1 - Pretendessem as partes prosseguir ou não outros fins com o contrato, certo é que elas quiseram que a AA distribuísse os produtos da CC. Esta não venderia aqueles produtos directamente ao consumidor final, antes os colocaria no mercado por intermédio da AA. Dizendo de outro jeito, a AA seria distribuidora da CC.


2 - A necessidade de distribuição dos produtos é, evidentemente, sentida por qualquer produtor, não constituindo a CC, por certo, uma excepção: se se produz para venda, há que colocar no mercado o bem produzido. Todavia, o produtor tanto pode decidir efectuar, por si mesmo, a distribuição dos seus produtos, como encarregar outrem de o fazer. A decisão, em concreto, deverá ser determinada por um conjunto muito diverso de factores, sendo certo, porém, que o crescimento empresarial e a necessidade de conquista de mercados geograficamente distantes do local da produção ditaram a tendência para os produtores não procederem eles próprios à distribuição dos seus bens até ao consumidor final — para o que necessitariam de pesadíssimas e ineficientes estruturas —, antes preferindo associar outros sujeitos a essa actividade.


3 - Assente que o contrato em análise serviu para a distribuição dos produtos da Coca-Cola e dos demais produtos fornecidos e marcados pela CC, distribuição essa porta-a-porta dirigida aos pequenos estabelecimentos comerciais retalhistas (canal horeca), da área alimentar, restauração e hotelaria (v. al. d)-1 dos Factos Provados), espalhados pelos concelhos da Trofa, Santo Tirso, V. Nova de Famalicão, Guimarães, Braga, Póvoa de Varzim, Vila do Conde, V. do Castelo, Vizela, Felgueiras, Fafe, Paços de Ferreira e Maia (v. al. d)-3 dos Factos Provados)., é evidente que perante os factos provados supra elencados a única conclusão possível é a de que a integração empresarial da AA no negócio de distribuição da CC em Portugal era total e absoluta. Alguém com real e efectiva experiência de vida acredita ou imagina sequer que o maior contrato de distribuição da CC em Portugal, sob o ponto de vista de volume de vendas, que gerava vendas anuais de 10 e 11 milhões de euros, não era desenvolvido sobre o controlo da CC?


4 - De acordo com as regras de experiência de vida também se pode concluir que o negócio corria de tal modo bem que a CC não necessitava de estabelecer quaisquer objectivos de vendas à AA. Revender anualmente 10/11 milhões de euros de produtos, dispor de 1609 clientes (os tais estabelecimentos retalhistas do canal horeca acima melhor discriminados); prospeccionar o mercado, angariar novos clientes, aumentar as compras por parte dos clientes regulares, detectar necessidades de abastecimento e assegurar a presença dos ditos produtos nas áreas em causa; fazer publicidade dos produtos que vendia em rádios locais; informar a CC sobre as características dos clientes bem como dos produtos mais fornecidos; arrendar dois armazéns adicionais e, posteriormente (2008) substituí-los por um novo; ter uma política comercial em que cada vendedor tinha uma carteira de clientes e visitava-os regularmente, isto é, por semana nuns casos e por quinzena noutros, é caso para dizermos, que perante tal factualidade, o contrato celebrado obrigava as partes a uma intensa colaboração económica!


5 - Os factos provados exprimem, a todas as luzes, uma relação de colaboração estável, duradoura, de conteúdo múltiplo cuja execução implicava designadamente a celebração de futuros contratos entre as partes, pelos quais a CC vendeu à AA para revenda, nos termos previamente estabelecidos, os produtos que esta se obrigou a distribuir àqueles retalhistas do canal horeca e naqueles concelhos.


6 - A distinção entre o contrato de concessão comercial e o contrato de distribuição autorizada nem sempre é fácil de precisar, uma vez que entre um e outro existe, sobretudo, uma diferença de grau, de integração empresarial. A passagem de um extremo mínimo de integração empresarial a um oposto máximo de integração não ocorre por saltos bruscos de qualidade, mas através de um continuum...


7 - Mas bem vistos os factos provados, só resta concluir que o contrato em causa, é fundamentalmente de concessão comercial, sem que esta qualificação seja prejudicada pelo facto de ele ter implicado uma maior ou menor integração empresarial da AA da estrutura de vendas da CC.


8 - A jurisprudência vai mesmo mais longe, chegando a considerar que determinadas normas do Decreto-Lei n.º 178/86 são "paradigmáticas” dos contratos de cooperação, as quais, por isso, segundo o Acórdão da Relação do Porto de 6 de Outubro de 1992, se aplicam “assim analogicamente, a todos os contratos que revistam tal natureza cooperativa ou colaborante”, sendo certo que também a Relação de Lisboa, no seu Acórdão de 7 de Outubro de 1993, considerou o regime da agência “aplicável, por analogia, aos contratos de gestão em geral”


9 - Concluindo, assim, que ao contrato de concessão comercial ou de distribuição autorizada é aplicável, por analogia, o regime da agência — que nos nossos tribunais superiores se vai alargando aos contratos de natureza “colaborante” e de “gestão em geral”.


10 - Ora, independentemente de ser essencialmente um contrato de concessão comercial ou um contrato de distribuição autorizada é absolutamente certo e seguro que o contrato que vigorou entre as partes foi um puro e paradigmático contrato de cooperação comercial, pelo que face à jurisprudência citada é-lhe aplicável, por analogia, o regime legal da agência.


            Quanto à indemnização de clientela


11 - A progressiva internacionalização da economia e o processo de integração europeia, por um lado, e as profundas alterações sociais que se operaram em Portugal, por outro, exigem dos tribunais a tomada de consciência de que muitas vezes o principal activo de uma sociedade comercial não é propriamente o direito de propriedade sobre os seus imóveis e equipamentos mas, sobretudo, a relevância e a qualidade das relações contratuais que mantêm com os seus parceiros comerciais.


12 - Ao contrário de outras áreas, como por exemplo, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual e do direito dos seguros, em que os nossos tribunais arbitram indemnizações ao nível da média daquelas concedidas pela generalidade dos tribunais europeus, em sede de atribuição de indemnizações decorrentes da violação de contratos comerciais as indemnizações concedidas são, em regra, miserabilistas e francamente simbólicas, completamente desajustadas da realidade económica e social.


13 - Em jeito de comparação, ou metafórico, dir-se-á que a verba arbitrada a título de indemnização de clientela, no valor de € 80.000,00, significa que após seis anos de intensa colaboração comercial, naquele que constituiu o contrato com maior volume de vendas dos produtos da Ré, em Portugal, sendo que as revendas da A. ascenderam globalmente a €41.220.283,00, a Distribuidora é recompensada com um veículo de gama média alta, mas de baixa cilindrada, como aqueles que a Ré atribuiu aos seus quadros médios para usar durante dois anos, que depois vem outro. Ou um T0, naturalmente usado, numa zona suburbana afectada por graves problemas sociais.


14 - Em face dos factos provados a “indemnização de clientela” só poderá ser considerada equitativa se fixada pelo tecto máximo legal, ou seja, em € 371.160, 60, valor que se situa dentro dos limites do pedido global;


15 - O critério fixado para o cálculo da indemnização de clientela, no art. 34° do DL. 178/86, de 3 de Julho, é a equidade.


16 - Esta compensação traduz uma medida mais próxima do instituto do enriquecimento sem causa do que da responsabilidade civil.


17 - Pelo que não faz qualquer sentido apelar à média anual do “lucro liquido” auferido pelo Agente, pois, além de a lei não referir em parte alguma o lucro líquido como critério adequado para a atribuição de tal compensação, não se pretende ressarcir os danos reais sofridos pelo Agente em consequência directa e necessária de um acto ilícito do principal.


18 - Com efeito, “não se pretende ressarcir o agente de quaisquer danos, antes compensá-lo pelos benefícios que a outra parte continua a auferir e que se devam, no essencial, à actividade do seu ex-agente. Mesmo que este não sofra danos, haverá um enriquecimento do principal que legitima e justifica uma compensação”, (vide António Pinto Monteiro, excerto do Parecer anexo).


19 - Não há aqui que aplicar o regime estabelecido no C. Civil para a obrigação de indemnização (arts. 483° e 798° C. Civil).


20 - O lucro líquido está talhado para a obrigação de indemnização nos termos gerais.


21 - Se fosse para compensar o Agente dos lucros reais que deixou de auferir, então haveria que ter em consideração que após a cessação do contrato o concessionário, ao contrário do agente, continua a ter que suportar os investimentos, rendas, salários, as contribuições para a depauperada segurança social, impostos, seguros, indemnizações, compromissos financeiros etc.


22 - Sendo com o lucro bruto ele fazia face a todos esses encargos, o seu prejuízo real corresponderia à perda de lucro bruto que o contrato lhe proporcionava.


23 - Os concessionários realizam, em regra, investimentos em instalações, recursos humanos, viaturas, equipamentos publicidade, etc.


24 - Ao invés, o Agente não suporta os investimentos e os custos de exploração comercial das respectivas marcas que representa, limitando-se a vender em nome e por conta do principal.


25 - Por vezes nem sequer emitem uma factura relativa à revenda, antes se limitam a emitir um recibo de comissões a favor do principal.


26 - Assim, e até por argumento de maioria de razão, faz todo o sentido utilizar o critério do lucro bruto na atribuição da indemnização de clientela ao concessionário.


27 - O critério do “lucro líquido”, apesar de ser seguido pela jurisprudência nacional, conduz a soluções injustas e desfasadas da realidade.


28 - Imagine-se uma concessão com mais de cinco de anos de duração, mas em que nos últimos cinco anos a sua exploração foi deficitária. Ora, de acordo com o critério do lucro líquido não assistiria ao concessionário qualquer direito ou compensação pela clientela angariada, o que seria uma gritante injustiça..


29 - A jurisprudência belga determina a indemnização compensatória dessa concessão deficitária em função do benefício bruto auferido nos dois ou três exercícios anteriores à cessação do contrato.


30 - E a jurisprudência Europeia, no que concerne à fixação desta compensação, atende ao resultado obtido pela acumulação do lucro líquido e pelos custos gerais fixos que o concessionário continue a suportar.


31 - E em Espanha existe uma tendência generalizada na jurisprudência para conceder o tecto máximo legal da chamada indemnização de clientela.


32 - Neste sentido cumpre, aliás, conferir a Proposta de Lei (“Proposición de Ley de Contratos de Distribución”) que está em curso no ordenamento jurídico espanhol que prevê, entre o mais, o seguinte:


«Los Tribunales o los árbitros fijarán el importe de la compensación que ha de recibir el distribuidor cesado, apreciando, según las regias de la sana crítica, el número y grado de concurrencia de las circunstancias aludidas y las demás que deban tomarse en consideración. La compensación no podrá ser inferior, em ningún caso, dei doble dei importe medio anual de las remuneraciones percibidas por el distribuidor durante los últimos cinco anos o durante todo el período de duración del contrato, si éste fuese inferior.

A los afectos del párrafo anterior, se entenderá por remuneración las comisiones y margénes brutos obtenidos por el distribuidor en su explotación económica, sin deducir aquellos costes, gastos y expensas correspondientes a su actividade» (cfr. doc. n°1 que segue em anexo).


33 - A acrescentar, sempre se diga, que em Portugal só cerca de 30% apresentam lucros e em média de € 5,000,00. E só empresas monopolistas como a PT, EDP, REN, GALP, etc. é que apresentam lucros chorudos. A jurisprudência, ao fixar como critério de atribuição da “indemnização de clientela” o lucro líquido, acaba por a eliminar, tanto mais quando é certo que a maioria dos concessionários/distribuidores são formados justamente por pequenas empresas, que, aliás, representam cerca de 98% a 99% do tecido empresarial português.


34 - Como sublinham Ferrer Correia e Lobo Xavier in RDES, IV - 124, «a equidade é a justiça do caso concreto. Ao julgar segundo a equidade dá-se ao caso a solução que parecer mais justa, atendendo unicamente à sua especificidade e prescindindo das normas gerais e abstractas eventualmente aplicáveis. Importante é ter presente que julgar segundo critérios de equidade não significa julgar segundo critérios de miserabilismo. Errado é também pensar-se que a indemnização estabelecida por equidade se deve traduzir em indemnização simbólica».


35 - Por outro lado, as marcas por si só não vendem. Tal pensamento mostra-se redutor e sem qualquer sentido. A vida está cheia de exemplos de concessões de marcas prestigiadas que mudam de propriedade e de gestão e os resultados aumentam exponencialmente.


36 - No caso presente, e para a definição de uma indemnização justa, há que ponderar desde logo aos avultadíssimos lucros auferidos pela Ré com a execução do contrato e a repercussão que a cessação do contrato teve para as partes.


37 - Ora, é manifesto que para a Ré/Recorrida a cessação do contrato não representou a supressão de qualquer rendimento, na medida em que a clientela angariada pela Autora/Recorrente passou a ser abastecida directamente por ela e pelos outros distribuidores da Ré/Recorrida.


38 - Já para a Autora/Recorrente a extinção do contrato representou a cessação da sua actividade comercial de distribuidora Coca-Cola. Como se isso não chegasse ainda implicou que a A. tivesse que assumir encargos!


39 - Por outro lado, estamos a lidar com uma relação comercial que tinha uma já longa duração. Ora, esta duração e os descontos especiais de que a A. beneficiava necessariamente tornaram a A. dependente da Ré enquanto esta em nada se tornou dependente da Autora. Basta ver que a Ré acabou com a A. de um dia para o outro...


40 - Por último, importa ter em vista que a decisão sobre juízos de equidade no caso como o vertente passa invariavelmente pela atendibilidade da capacidade económica das partes.


41 - Ora, a Ré constitui um potentado económico enquanto a A. é uma média empresa familiar que luta diariamente para manter os 150 trabalhadores que tem ao seu serviço, o pagamento de salários e da segurança social em dia.


42 - Por todo o exposto, é da mais elementar justiça que à Autora seja arbitrada uma compensação pela clientela angariada correspondente ao valor máximo determinado nos termos do art.° 34° do DL178/86, não se devendo olvidar que estamos a lidar com o contrato com o maior volume de vendas em Portugal à data dos factos controvertidos.


43 - Do relatório pericial e na alínea g) da matéria de facto provada consta que a margem bruta de comercialização dos produtos fornecidos foi em 2008 de  €413.715, o que dá um total de €172.381,25 (413.715/12x5), razão pela qual a indemnização por falta de pré-aviso razoável deverá corresponder a €172.381,25.


44 - Por último deve ser declarado que os juros legais a que a A. tem direito devem ser calculados à taxa dos juros legais comerciais.


        Conclui pedindo provimento ao presente recurso e, em consequência, que seja a indemnização de clientela fixada no valor de € 371.16,60, a indemnização por falta de pré-aviso adequado em €172. 381,25 e que os juros legais sejam declarados como comerciais.


         Ré, CC, S.A


1.1 - O acórdão qualifica incorretamente a relação comercial que existiu entre as partes e aplica incorretamente o regime do contrato de agência a essa relação, o que radica de uma má aplicação dos factos ao Direito e, consequentemente, numa violação do artigo 1.° do Decreto-Lei n.º 178/86.


1.2 - Independentemente dessa qualificação, não estão preenchidos os requisitos para a condenação da Ré tal como peticionado pela Autora, sendo que a condenação da Ré radica numa má interpretação e aplicação dos artigos 28.°, 29, 33.° e 34.° do Decreto-Lei n.º 178/86.


            Da Nulidade do Acórdão Proferido pelo Tribunal a quo

1.3 - A fundamentação encontra-se em oposição com a decisão no que respeita os Factos Provados 1)2, K-4 e 1)3, nos termos do disposto no artigo 615.°, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil, o que determina a nulidade do acórdão, pelo que deverá o Tribunal a quo rever a resposta à matéria de facto, por forma a sanar a referida nulidade.


            Da Qualificação Jurídica da Relação Comercial que Existiu Entre as Partes


1.4 Da matéria de facto provada não resulta qualquer integração da Autora na rede de distribuição da Ré. Nem mesmo ténue. Com efeito, apenas existiu compra e revenda de produtos - Facto Provado al. d). Não há obrigação de compra de determinadas quantidades, o que é o mesmo que dizer-se que a Autora poderia não comprar e a Ré poderia não vender, se assim o entendessem.


1.5 As partes não celebraram qualquer acordo de distribuição autorizada, nem a Autora não estava integrada na rede de distribuidores da Ré, sendo um mero revendedor dos seus produtos, com as demais consequências que tal qualificação acarreta e que. no caso, determinam a revogação do acórdão proferido pelo Tribunal a quo.


      Da Inexistência de Contrato de Distribuição Autorizada e Respectivas Consequências


1.6 Uma diferente qualificação jurídica que afaste estarmos perante um contrato de distribuição autorizada determina necessariamente que não se possa aplicar o regime previsto no Decreto-Lei n.º 178/86 para o contrato de agência, o que é o mesmo que dizer que deixa de existir qualquer fundamento para a atribuição das indemnizações a que a Ré foi condenada.


1.7 Logo, uma diferente qualificação jurídica importa a revogação do acórdão da Relação do Porto e, consequentemente, a improcedência de todos os pedidos formulados pela Autora contra a Ré. o que se requer.

        

    Da Não Extensão do Regime Previsto no Decreto-Lei n.º 178/86 ao Contrato de Distribuição Autorizada


1.8 A compensação prevista no Decreto-Lei n.º 178/86, num cenário de cessação contratual, é excecional no ordenamento jurídico português, o que poderia impedir a sua aplicação analógica nos termos do artigo 11.° do Código Civil.


1.9 A compensação só deve ser aplicada analogicamente, desde que a ratio que lhe está subjacente se verifique no caso concreto.


1.10 - A razão de ser que preside à atribuição de uma indemnização de clientela ao agente não justifica a mesma atribuição a um distribuidor, nem a actuação daquele se confunde com a deste de modo a que semelhante compensação lhe possa ser igualmente concedida.


1.11 - Tal atribuição apenas poderia eventualmente fazer sentido, num cenário de uma forte integração na rede de distribuição do principal por parte do distribuidor que se pudesse se assemelhar melhor à figura do agente, o que não acontece no caso do distribuidor autorizado e muito menos no caso sub judice. pelo que devemos afastar a aplicação do regime do contrato de agência aos presentes autos com as necessárias consequências legais que determinam a revogação do acórdão proferido pelo Tribunal a quo.


     Da Alegada Denúncia do Contrato Operada pela Ré


1.12 - No tipo de relação comercial existente, de fornecimento de mercadorias, ainda que no âmbito de um contrato de distribuição, não faz qualquer sentido, não é costume, nem resulta das regras da experiência que o fornecedor/fabricante/principal/concedente não possa ir acomodando os preços dos produtos que vende ao longo do tempo consoante as suas necessidades.


1.13 - Não existe qualquer facto provado donde resulte que a alteração de preços teria que ser objeto de acordo entre as partes.


1.14 - Ainda que se entendesse que a eliminação de descontos configurava uma alteração de preço dos seus produtos, a Ré era livre de o fazer, porque não tinha qualquer vínculo com a Autora, no sentido de manter permanentemente os mesmos preços, sendo assim inconcebível defender-se que a eliminação dos descontos configurou uma denúncia de um contrato operada pela Ré.


1.15 - O facto de concluirmos que a conduta da Ré não consubstanciou uma denúncia da relação contratual que existiu entre as partes, determina necessariamente a revogação do acórdão proferido pelo Tribunal a quo, o que se requer.


        Do Eventual Incumprimento do Contrato por Parte da Ré


1.16 - Para o caso de se concluir que a Ré não poderia alterar os preços dos seus produtos a seu bel-prazer, a actuação da Ré configurou somente um mero incumprimento contratual, sanável nos termos da lei.


1.17 - Em face desse incumprimento, não resultou provado que a Autora tivesse interpelado admonitoriamente a Ré, com vista à sanação desse incumprimento. Essa seria a conduta apropriada nos termos da lei.


1.18 - Tendo optado por denunciar a ligação jurídica entre as partes, através da carta de 07.04.2009, junta como Doc. n.º 7 à Contestação, a Autora ter-se-á necessariamente conformado com esse putativo incumprimento por parte da Ré, pelo que não lhe assiste qualquer direito de indemnização contra a Ré.


1.19 - Logo, a Ré não denunciou a relação jurídica que eventualmente existente entre as partes, pelo que consequentemente não emergiu na esfera jurídica da Autora qualquer direito indemnizatório contra a Ré.


         Da Indemnização por Falta de Pré-Aviso (artigo 29.° do Decreto- Lei n.º 178/86)


1.20 - O pré-aviso máximo, para contratos superiores a 2 anos, considerado no Decreto-Lei n.º 178/86 é de 3 meses e não de 5, o que resulta do disposto no artigo 28.°, n.º 1, al. c) do referido diploma.


1.21 - Se o legislador entendesse que nos casos de duração mais prolongada do contrato de agência se devesse aplicar um prazo maior, tê-lo-ia previsto.


1.22 - Atendendo ao facto de que a relação existente entre as partes perdurava há mais de 2 anos, o pré-aviso a considerar deveria ser 3 meses, nos termos do artigo 28.°. n.º 1, al. c), do Decreto-Lei n.º 178/86.


      Do Valor da Indemnização Atribuído peio Tribunal a quo por causa da violação do pré-aviso


1.23 - A Autora nem sequer alegou factos que nos permitam concluir qual era o seu lucro líquido e, por isso, não existe nenhum facto provado sobre a remuneração líquida da Autora. Neste sentido, a ausência de factos teria de ter determinado a impossibilidade de se apurar qualquer valor e, consequentemente, a pretensão formulada pela Autora deveria ter sido (e deve ser) julgada improcedente.


1.24 - A considerar-se que a Autora teria direito a alguma indemnização, apenas se poderia ter em conta a remuneração obtida da sua actividade de distribuição, a qual é desconhecida.


1.25 - Não podia a Autora, nem o Tribunal a quo terem incluído na apreciação deste tema uma componente remuneratória que nada tem que ver com a parte de distribuição, pelo que necessariamente jamais poderia julgar- se o seu pedido procedente, pelo que o acórdão proferido pelo Tribunal a quo deve se revogado.


        Da indemnização de clientela


1.26 - Não ficou demonstrado qual era o número de clientes existente antes de a Autora passar alegadamente a actuar como distribuidora da Ré, como também não ficou demonstrado qual era o volume de negócios da Ré em todo o território que a Autora entende como sendo explorado por si, antes da sua intervenção, para podermos perceber se o aumento do volume de negócios foi sequer significativo, peio que cai forçosamente um dos requisitos necessários para que a indemnização de clientela pudesse ser atribuída.


1.27 - Os factos apurados não distinguem se as vendas realizadas pela Autora resultam diretamente do Cash and Carry ou da alegada actividade de distribuição. Da factualidade constantes nas alíneas e), f) e g) da matéria de facto provada, que, por sua vez, têm o seu suporte no relatório pericial, não é feita essa distinção.


1.28 - Logo, sem este esclarecimento, não nos é possível confirmar quais os clientes angariados pela Autora por causa da sua actividade. enquanto alegados distribuidores e não enquanto Cash and Carry, pelo que fica por preencher o primeiro requisito relativo a indemnização de clientela.


1.29 - A notoriedade da marca Coca-Cola é um facto público e notório, o que determina que os produtos em causa são, na verdade, a variável que releva no que respeita a atracção de clientela.


1.30 - Devemos necessariamente concluir pela não verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 33.° do Decreto-Lei n.º 178/86 e, consequentemente, deverá o acórdão da Relação do Porto ser revogado.


1.31 - Os factos apurados são totalmente omissos quanto à existência de um benefício considerável para a Ré. sendo certo que o facto provado H diz respeito à Autora e não à Ré. Aliás, nem sequer foi alegado pela Autora que existiu um benefício considerável para a Ré. sendo certo que o facto provado p) também não é susceptível de o demonstrar, pelo que devemos necessariamente concluir que este requisito também fica por demonstrar e, consequentemente, deverá o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser revogado.


1.32 - Compete ao concessionário alegar e provar factos que preencham o requisito previsto na alínea c) do artigo 33.° do Decreto-Lei n.º 178/86. A Autora, contudo, sobre esta matéria, conforme se disse, nem sequer a procurou demonstrar, pelo que devemos necessariamente concluir que o dito requisito ficou por preencher.


1.33 - Ficou demonstrado que a Autora até continuou a beneficiar da eventual clientela angariada, na medida em que continuou a vender produtos da Ré, pois é o que decorre da alínea k) da matéria de facto provada.


1.34 - Verifica-se que não se encontram reunidos os pressupostos para que possa ser conferida à Autora uma indemnização de clientela nos termos dos artigos 33.° e 34.° do Decreto-Lei n.º 178/86.


Quanto ao Quantum da Indemnização de Clientela (Cálculo)


1.35 - No que respeita o cálculo da indemnização de clientela, manda o Supremo Tribunal de Justiça atender-se não há margem bruta, mas sim ao lucro líquido.


1.36 - A Autora nem sequer alegou factos que nos permitam concluir qual era o seu lucro líquido. Neste sentido, a ausência de factos teria de ter determinado a impossibilidade de se apurar qualquer valor e, consequentemente, a pretensão formulada pela Autora deveria ter sido julgado improcedente.


1.37 - Verifica-se que o Tribunal a quo partiu de um valor (margem bruta) para seguir esse critério que não é o aceite pela jurisprudência superior, o que levará necessariamente a um resultado incorrecto e, consequentemente, a indemnização atribuída deve ser revogada ou pelo menos reduzida.


1.38 - Os valores constantes nas als. f) e g) da matéria de facto provada, que, por sua vez, têm o seu suporte no relatório pericial, dizem respeito ao total de vendas da Autora, o que inclui necessariamente as vendas do Cash and Carry, o que não poderá ocorrer, aquando do cálculo de uma putativa indemnização de clientela.


1.39 - O Tribunal a quo não tinha matéria suficiente para poder determinar uma indemnização de clientela.


1.40 - Não foi respeitado o regime resultante dos artigos 33.° e 34.° do Decreto- Lei n.º 178/86 e, consequentemente, o recurso interposto pela Autora deve ser julgado improcedente.

Dos Juros atribuídos pelo Tribunal a quo

1.41 - Os juros de mora da obrigação de indemnização de clientela contam-se a partir da data da sentença, por só aí se ter tornado líquida (art. 805.°, n.º 3, primeira parte, do Código Civil)", contrariando-se assim o entendimento do Tribunal a quo.


1.42 - O acórdão do Tribunal a quo deverá ser sempre revogado, sendo que uma eventual condenação no pagamento de juros deverá implicar que os mesmos apenas se contabilizem a partir do momento em que o montante da indemnização se torne líquido, a saber: a notificação do acórdão.


  Foram apresentadas contra-alegações por ambas as partes, pugnando cada uma delas pela improcedência do recurso da respectiva contraparte.

        

     Cumpre apreciar e decidir, pois nada obsta ao conhecimento do objecto do presente recurso, sendo que este é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, nos termos, essencialmente, do artº 635º do CPC, como, de resto, constitui doutrina e jurisprudência firme deste Tribunal.

        

       FUNDAMENTOS


     Das instâncias, vem dada como definitivamente provada a seguinte factualidade:

a) Nos autos de ação declarativa, com processo ordinário, que correram termos no 3.° Juízo Cível de … sob o n.º 141/2002, a que se reportam as certidões juntas em 16 e 19 de Dezembro de 2013 (fls. 275 e ss., e fls. 357 e ss), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, em que foi autora a também ora A. AA, S.A., e ré a também ora R. CC, S.A., foi proferida sentença em 14 de Novembro de 2003, já transitada em julgado, que homologou transacção subscrita por representantes das duas partes nos seguintes termos: “1.° A Autora reduz o pedido para a quantia de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros). 2. ° Esta quantia será paga pela Ré, no prazo de quinze dias, através de cheque a enviar para o escritório do mandatário da Autora. 3. ° Com o recebimento desta quantia a Autora declara-se completamente indemnizada por todos os danos e prejuízos sofridos em consequência da cessação do contrato em discussão nos presentes autos, nada mais tendo a exigir da Ré. (...) (alínea a) da matéria assente)


b) R. é uma sociedade comercial que tem nomeadamente por objeto a importação, produção e a comercialização de refrigerantes da gama de produtos da companhia multinacional “The Coca-Cola Company”, com sede nos Estados Unidos, sendo a única entidade que em Portugal importa e produz as marcas desta multinacional, em especial a marca Coca-Cola, nomeadamente os produtos que ostentam as marcas “Coca-Cola”, “Fanta”, “Sprite”, “Aquarius”, “Nestea” e outras; (resposta ao tema de prova 1)


c) Os representantes da R. sabiam que o produto Coca-Cola era muito importante para o desenvolvimento do negócio da A.; (resposta ao tema de prova 1)


d) Em Abril de 2003, em reunião realizada na sede da AA, na Trofa, por acordo verbal, foi expressamente estabelecido entre os representantes da CC e da AA que a CC passaria a fornecer diretamente os seus produtos à AA, por preço mais baixo do que aos restantes grossistas, entregando-os nos armazéns desta na Trofa para posterior comercialização, através do seu Cash and Carry sediado na Trofa e através de distribuição porta a porta dirigida aos diversos clientes; (resposta ao tema de prova 2)


d) - l. Tais clientes representavam pequenos estabelecimentos comerciais retalhistas (canal horeca), da área alimentar, restauração e hotelaria;


d) - 2. O conteúdo líquido adquirido foi posteriormente revendido pela AA a cervejarias, restaurantes, snacks, cafés, pastelarias, tabernas, casas de pasto, cantinas de empresas, bares de hospitais, bares de quartéis militares, bares nocturnos, boîtes, pubs, discotecas, supermercados, cooperativas, cantinas, mercearias, bem assim a outros estabelecimentos hoteleiros e de retalho;


d) - 3. As áreas de influência da Saner são os concelhos da Trofa, Santo Tirso, V. Nova de Famalicão, Guimarães, Braga, Póvoa de Varzim, Vila do Conde, Viana do Castelo, Vizela, Felgueiras, Fafe, Paços de Ferreira e Maia;


d) - 4. Servindo-se dos seus estabelecimentos e da sua frota, a AA distribuía os produtos em causa nas referidas áreas de influência, alienando-os aos diversos tipos de clientes;


d) - 5. A AA usava esse conhecimento para prospectar o mercado, angariar novos clientes, aumentar as compras por parte dos clientes regulares, detectar necessidades de abastecimento e assegurar a presença dos ditos produtos nas áreas em causa;


d) - 6. A AA realizava, por sua conta, publicidade em rádios locais relativa ao seu estabelecimento e à generalidade dos produtos que vendia;


d) - 7. Na vigência da relação comercial, e sempre que a R. o solicitava, a A. informava-a sobre as características de alguns clientes, como o seu potencial, as suas qualidades como pagadores, e os tipos de produtos mais fornecidos;


d) - 8. Nos concelhos referidos em d)-3, a R. não vendia diretamente os seus produtos aos clientes com as características aludidas em d)-l-e d)-2.;


d) - 9. Só no que respeita às “grandes superfícies”, dos grupos de distribuição moderna, nomeadamente pertencentes aos grupos Jerónimo Martins e Sonae, a R. negociava diretamente com eles, devido à sua importância e dimensão;


e) No ano de 2005, fruto da sua actividade de compra e revenda de produtos fornecidos pela R., a autora já revendia tais produtos a 1.049 clientes, no ano de 2006 a 1.244, no ano de 2007 a 1251, e no ano de 2008 a 1.609; (resposta ao tema de prova 4)


f) Em 2004, fruto da sua actividade de compra e revenda de produtos fornecidos pela R., a Saner facturou aos seus clientes €1.965.181,00 em produtos fornecidos pela Refrige, no ano de 2005 €6.650.483,00, no ano de 2006 €10.332.719,00, no ano de 2007 €11.924.596,00, e no ano de 2008 €10.347.259,00; (resposta ao tema de prova 4)


g) No ano de 2004, a margem bruta de comercialização dos produtos fornecidos à A. pela R., correspondente à diferença entre o preço de aquisição e o preço de venda pela Saner aos seus clientes foi de € 113.183,00, em 2005 € 347.674,00, em 2006 € 316.609,00, em 2007 € 664.622,00 e em 2008 € 413.715; (resposta ao tema de prova 4)


h) Ao longo da evolução da relação comercial com a R. e, em grande parte, por causa do crescimento desta, a A. arrendou dois armazéns adicionais e, posteriormente, substituiu-os por um novo, que fez construir, tendo também adquirido “racks” metálicos, vitrinas de exposição, máquinas e equipamentos para a oficina e para o posto de abastecimento de combustíveis, cerca de dez viaturas, empilhadores, contratou dez vendedores, um director comercial e dois chefes de equipa; (resposta ao tema de prova 7)


h) - l. Cada vendedor da AA tinha uma carteira de clientes e visitava-os regularmente;


h) - 2. Em Março de 2009, os clientes da A. eram abastecidos com as marcas da CC regularmente, isto é, por semana nuns casos e por quinzena noutros;


h) - 3. No armazém substituto referido em h), inaugurado no ano de 2008 pela A., foi implantado um moderno cash and carry e ainda escritórios;


h) - 4. Parte dessas instalações estavam afectas ao negócio emergente da relação comercial a que se vem fazendo referência;


i) Não obstante o bom desempenho da AA, em Março de 2009, a R. comunicou-lhe que iriam cessar os descontos que lhe vinha concedendo face à concorrência nos fornecimentos de Coca-Cola, levando a que o preço de venda à A. de cada lata de Coca-Cola passasse de € 0,303 para € 0,36, e da garrafa de dois litros de € 0,95 para € 1,19, sendo a Coca-Cola o produto largamente mais significativo dos fornecimentos da R. à A. ao longo dos anos, representando para a Saner mais de 80% do volume global das vendas dos produtos que adquiria àquela; (resposta ao tema de prova 3);


i) - 2. Em 20 de Março de 2009, os concorrentes da A. Recheio e Makro, entre outros, revendiam aos seus clientes os produtos que a CC lhes fornecia abaixo dos preços a que a Saner se propunha vender aos seus próprios clientes;


i) - 3. Acresce que a CC se recusou a fornecer a Coca-Cola em embalagem de 0,20 cl em grade, a Coca-Cola em embalagem de 0,20 tp e a Coca-Cola em embalagem de 0,33cl em grade, quando é certo que revendia estes produtos a concorrentes da AA;


k) - Em consequência, a A. perdeu clientela de produtos fornecidos pela R. para a concorrência, entre outros, a Recheio e a Makro, registando uma diminuição acentuada de clientela de produtos fornecidos pela R, em especial a Coca-Cola, em favor dessa concorrência e também da própria R.; (resposta aos temas de prova 3 e 5)


k) - l. E a AA viu-se obrigada a comprar Coca-Cola a outros colegas distribuidores da CC;


k) - 2. Um destes distribuidores dos produtos da R. foi compelido por ela a não vender produtos à A.


k) - 3. Esse distribuidor da CC foi advertido por um funcionário desta que exibiu fotos de um dos camiões da AA a carregar no armazém dele, sendo que essas fotos foram tiradas por funcionários da CC”.


k) - 4. O aumento de preços imposto pela R. à A., em Março de 2009, para valores superiores aos que praticava com as restantes empresas distribuidoras, prejudicou o comércio da A.


k) - 5. Clientes da R. várias vezes lhe solicitavam que aproximasse os preços que estava a praticar com a A. dos preços que praticava com eles;


k) - 6. Situação que também contribuiu para a decisão da R., em Março de 2009, de aumentar os preços nas vendas que fazia à A.


k) - 6. Dado o valor do agravamento dos preços ditado pela R. à A. naquela data, esta sentiu grande dificuldade em continuar a comprar os produtos CC no âmbito do acordo de Abril de 2003;


k) - 7. A A. deixou de ter preços de aquisição na CC que, pela diferença, lhe facilitassem a concorrência com outros distribuidores da R. que operam junto do canal horeca, ou seja, dos estabelecimentos de retalho e similares, na área de influência do seu comércio;


l). Aquela alteração de preços prejudicava os interesses da AA, o que levou os seus representantes a não os aceitar e a deixar de solicitar fornecimentos à R., cessando aquela relação comercial iniciada em Abril de 2003;


l) - 1. Aquela declaração da R. de aumento dos preços era definitiva e irreversível quanto aos novos valores indicados;


l) - 2. A R. ainda forneceu produtos à AA com os novos preços, sendo o último fornecimento do dia 30 de Março de 2009;


l) - 3. Em virtude de outros distribuidores da CC terem passado a beneficiar de preços mais reduzidos do que os preços impostos pela R. à A. em Março 2009, a AA viu grande parte dos seus clientes serem desviados para os seus concorrentes que, assim, lhes conseguiam adquirir os produtos também a preços mais baixos.


l) - 4. Dada a apontada diferença de preços praticada pela R. com a A. com outros distribuidores dos seus produtos, a AA deixou de adquirir àquela os produtos da marca Coca-Cola,


m) Tal situação levou a um clima de desconfiança entre clientes e fornecedores da A. sobre as razões do fim dessa relação comercial;


n) A A. fez remeter à R., que o recebeu, o escrito junto como documento n.º 7 em 30 de Outubro de 2015 (fls. 720), datado de 7 de Abril de 2009, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta nomeadamente: “Face aos vossos sucessivos aumentos de preços ao longo destes 3 meses em que já aumentaram quase 20% face ao mês de Dezembro de 2008, este aumento levou que a nossa empresa ficasse totalmente fora do mercado nos vossos produtos. Neste sentido e para finalizar as contas entre ambos vimos por este meio solicitar o levantamento de produto que temos em stock pois a vossa súbita subida de preços não nos possibilita a venda do resto dos nossos produtos. (resposta ao tema de prova 8)


o) A A. fez remeter à R., que o recebeu, o escrito junto por cópia em 19 de Dezembro de 2013 (fls. 413 e ss), datado de 3 de Julho de 2009, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta nomeadamente: “ (...) «A partir de 2003 VExas. estabeleceram que seria a BB a adquirir as vossas marcas de produtos os quais seriam posteriormente revendidos pela AA. Esta, desde 1988, revendia-os, através do seu Cash and Carry e, ainda, servindo-se da sua capacidade de armazenagem e da sua frota distribuía-os pelos seus clientes, os retalhistas do canal horeca e os estabelecimentos de restauração e hotelaria instalados na sua área de influência. (...) Não obstante o nosso excelente desempenho comercial na comercialização e distribuição dos vossos produtos, subitamente e sem que nada o fizesse prever, no dia 20 de Março de 2009, a CC retirou à BB os descontos que até aí vinha concedendo e que ascendiam a valores próximos dos 15%. Desta forma, a CC encerrou-nos o mercado, que é o mesmo que dizer que impediu ou inviabilizou a possibilidade de procedermos à promoção e comercialização dos vossos produtos. Sem condições comerciais para podermos competir com os vossos distribuidores os quais continuaram a beneficiar de preços mais baixos que a AA, V. Exas. acabaram por nos discriminar excluindo-nos do mercado. (...) Como assim, o comportamento da CC, ao modificar, unilateralmente, uma cláusula do contrato, para mais decisiva para a viabilidade comercial do negócio em causa, sob condição suspensiva de esta não rejeitar a alteração proposta, sabendo, porém, que a não aceitaria, assumiu a natureza de uma denúncia. (...) A indemnização de clientela e a indemnização por falta de pré-aviso, somam €1.440.381,79. Admitindo a hipótese de o tribunal fixar o prazo adequado de pré-aviso em seis meses, para tanto aplicando por analogia o disposto no art. 28.°do DL 178/86, ainda assim só a indemnização a título de falta de pré-aviso ascende, a pelo menos, € 367.454,89. A conta-corrente entre nós estabelecida apresenta um saldo a favor da Refrige de €421.337,34. (...) Consequentemente, a BB, nos termos do art. 848.° do Código Civil, declara parcialmente compensado aquele seu crédito decorrente da falta de pré-aviso (€ 367.454,89) sobre a CC com o débito para com ela, tornando-se a compensação efectiva a partir da recepção da presente carta e considerando-se o crédito da CC extinto desde a data da cessação do contrato de distribuição (20.03.2009), nos termos do art. 854.0 do Código Civil, sem prejuízo de futuramente podermos reclamar as demais indemnizações que ao caso couber. Assim, por força da compensação ora operada tem a CC a receber da BB a quantia de €53.882,45, quantia que segue em anexo através do nosso cheque n° 2….6 sobre a Caixa Geral de Depósitos. (...) (alínea c) da matéria assente)


p) Servindo-se designadamente de informação disponível sobre os clientes da AA, os outros distribuidores de produtos da CC passaram a vender tais produtos — com exclusão da A. — a uma parte dos clientes que a AA granjeou ao longo dos anos, não beneficiando esta dessas vendas a partir do fim de Março de 2009.



      Foram apresentadas contra-alegações por ambas as partes pugnando, cada uma delas, pela improcedência do recurso da respectiva contraparte.

        


**** **** ****



Cumpre apreciar e decidir, pois nada obsta ao conhecimento do objecto dos presentes recursos, sendo que estes são delimitados pelas conclusões da alegação do respectivo Recorrente, nos termos, essencialmente, do artº 635º do CPC, como, de resto, constitui doutrina e jurisprudência firme deste Tribunal.


Passando à análise e decisão dos recursos interpostos, torna-se preferível começar pelo recurso da Ré, dada a pluralidade das questões levantadas que irão ser decididas, cujas soluções jurídicas podem ter influência no recurso seguinte e para as quais se remeterá sempre que tal se justificar.


Em todo o caso, tal remessa será sempre expressa e fundamentada.

 

         Recurso de CC, S.A


Utilizando as designações da própria Ré/Recorrente, importa hic et nunc equacionar, apreciar e decidir cada uma das questões levantadas pela mesma.


         1ª questão


         Da Nulidade do Acórdão Proferido pelo Tribunal a quo

         (Conclusão 1.3 da minuta recursória)

           

     Começa esta Recorrente por arguir uma nulidade do Acórdão recorrido, alegando que
 «a fundamentação encontra-se em oposição com a decisão no que respeita os Factos Provados 1)2, K-4 e 1)3, nos termos do disposto no artigo 615.°, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil, o que determina a nulidade do acórdão, pelo que deverá o Tribunal a quo rever a resposta à matéria de facto, por forma a sanar a referida nulidade».

           

        A simples leitura de tais factos provados e o seu cotejo com a fundamentação apresentada em absolutamente nada permite constatar qualquer oposição que fundamente a apontada nulidade.

      Se erro houve na fixação dos factos provados, como a Recorrente não desconhece dado que está devidamente patrocinada, não pode o Supremo Tribunal de Justiça sindicar tal erro, dado ser um tribunal de Revista e não de Instância.

      Como tribunal de Revista que é, não pode censurar o uso legal dos poderes de sindicância pela derradeira Instância, que é a Relação, em matéria de facto.

É claríssimo o dispositivo legal pertinente, o nº 3 do artº 674º do CPC, ao dispor que «o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova».

      Deste modo, a decisão da 2ª Instância é a definitiva quanto a tal matéria factual, ressalvadas as excepções legais que aqui não ocorrem.


       Por outro lado, é patente que razão tem a Recorrida/Autora quando, nas suas doutas contra-alegações, alega o seguinte:

        

     «Os factos que foram dados como provados não indicam quais os preços pelos quais os outros distribuidores vendiam os produtos fornecidos pela Ré, apenas se limitam a afirmar que face ao aumento dos preços imposto pela R./Recorrente à A./Recorrida. Os outros distribuidores da CC revendiam esses produtos a preços mais baixos do que a A./Recorrida vendia aos seus clientes. Circunstância que é perfeitamente verosímil, pois se a Recorrente aumenta os preços dos produtos que fornecia à Recorrida e “mantém” os preços com os outros distribuidores, é certo e seguro afirmar que estes revendem os produtos a um preço mais baixo do que revende a Recorrida (facto dado como provado i)-2)!


        Em consequência disso, facilmente se constata que os clientes da Recorrida - vendo que distribuidores, como o Recheio e a M revendiam os mesmos produtos a preços mais baixos, - começaram a comprar esses produtos a estes últimos e, consequentemente a Recorrida começou a perder clientela (facto provado I) -3).


    Pelo que não faz qualquer sentido a Recorrente ter como fundamento a nulidade do Acórdão por oposição entre a fundamentação exposta pelo Tribunal a quo e a decisão proferida pelo mesmo. Muito menos que alegue que a falta de fundamentação se baseia no excerto que transcreveu porque, além de o mesmo não se estar a referir ao contrato de distribuição aqui em voga, o seu teor em nada contraria as disposições que foram dadas como provadas relativas aos factos supramencionados».


       Finalmente, sempre se dirá que no acervo factual apurado e definitivamente fixado, existe um conjunto factual bem elucidativo de a Ré, CC S.A, ter alterado o que havia inicialmente acordado com a ora Autora com as deletérias consequências para esta empresa e que, inter alia, são os factos i-1 a l-2 supra transcritos no elenco da factualidade fixada e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, claudicando assim a conclusão atinente a tal questão.


          2ª questão


       Da Qualificação Jurídica da Relação Comercial que Existiu Entre as Partes

            (Conclusões 1.4 e 1.5 da minuta recursória)

           

        A Recorrente CC, S.A. insurge-se contra a qualificação da relação contratual estabelecida pelas ora partes na presente acção, estribando-se nos seguintes argumentos:

     Da matéria de facto provada não resulta qualquer integração da Autora na rede de distribuição da Ré. Nem mesmo ténue. Com efeito, apenas existiu compra e revenda de produtos - Facto Provado al. d). Não há obrigação de compra de determinadas quantidades, o que é o mesmo que dizer-se que a Autora poderia não comprar e a Ré poderia não vender, se assim o entendessem.

       As partes não celebraram qualquer acordo de distribuição autorizada, nem a Autora não estava integrada na rede de distribuidores da Ré, sendo um mero revendedor dos seus produtos, com as demais consequências que tal qualificação acarreta e que, no caso, determinam a revogação do acórdão proferido pelo Tribunal a quo.

        

      Ao contrário do que defende a Recorrente, a Autora não era um «mero revendedor dos seus produtos, com as demais consequências que tal qualificação acarreta».


      Com efeito, da factualidade provada colhe-se, com suficiente nitidez, que a relação comercial que existiu entre a Autora AA e a Ré CC configura um contrato de distribuição comercial tal como bem decidiu o Tribunal da Relação.

        

      Ensina o Prof. Romano Martinez que a própria concessão comercial é um dos contratos da distribuição comercial ao lado da agência e do franchising já que a concessão surge como modo de distribuição comercial, pelo que o concessionário se obriga a comprar certa quantidade de produto e a revendê-los durante certo período e, quanto à publicidade, acrescenta que «normalmente são produtos comercializados com certa marca, pelo que a respectiva publicidade não cabe ao concessionário» [Pedro Romano Martinez, «Contratos Comerciais (ApontamentosPrincípia, 2ª edição, 2003 pg. 9].

        

      Quanto à exclusividade, o mesmo Professor da Universidade de Lisboa afirma que é discutível que a exclusividade do concessionário seja elemento do tipo (artº 85º do Tratado de Roma, DL 371/93, de 29 de Outubro, Lei da Defesa da Concorrência), apontando, como notas essenciais do regime jurídico da concessão comercial, em cujo conceito amplo, se insere o contrato de distribuição, as seguintes notas:

    «Frequentemente, o concessionário tem de revender os bens numa zona e em determinadas condições.

      O concessionário tem de orientar a actividade empresarial em função da finalidade do contrato de concessão, ou seja segundo o interesse do concedente.

       O concedente tem de fornecer ao concessionário os meios necessários para o exercício da actividade.

          Contrato-quadro.

         Contrato de cooperação.

         Aplicação das regras da agência, nomeadamente no que respeita à cessação do contrato» (Romano Martinez, op. cit, pg. 10).


        Ainda nas palavras do ilustre jurisconsulto e docente universitário que vimos de citar, trata-se de um contrato juridicamente atípico, mas socialmente típico, assim explicando tal fenómeno do seguinte modo:

   «De entre os contratos previstos em outros códigos é, a título exemplificativo, de mencionar alguns dos constantes do Código Comercial - como o transporte (arts. 366º ss. C.Com.) ou o seguro (arts. 425.° ss. C.Com. - ou do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos - como o contrato de edição (artºs. 83 ss. do Código do Direito de Autor).

    Ao lado destes contratos típicos têm as partes liberdade de ajustar negócios jurídicos atípicos de índole variada[1]. Normalmente, o legislador tipifica aqueles contratos a que as partes recorrem com maior frequência; são exemplo disto o leasing e a agência. Dizendo de outro modo, a tipificação legal é normalmente precedida de uma tipificação social; verificando-se que um determinado contrato está enraizado na prática jurídica (tipificação social), com alguma frequência ele vem, depois, a ser legalmente tipificado. Mas subsistem como atípicos contratos que são usados há bastante tempo, como a hospedagem ou a concessão comercial. Nas últimas décadas, muitas vezes por influência norte-americana, surgiram na prática contratual portuguesa diversos contratos, como o factoring e o franchising» .


        No plano doutrinal mais relevante, pode consultar-se, na vasta obra do Prof. Menezes Cordeiro, o seu Manual de Direito Comercial, onde se lê a seguinte passagem cujo relevo para a questão ora decidenda é incontestável:

     «Nada impede as partes de confeccionar contratos atípicos de distribuição. De todo o modo, havendo distribuição, encontraremos sempre um núcleo contratual bastante próximo da agência.

       Esta pode ser considerada como a figura-matriz dos contratos de distribuição. As suas normas podem alargar-se aos contratos de distribuição acima referidos e, ainda, aos contratos de distribuição atípica. A esta luz compreende-se a relevância comunitária assumida pela agência» (Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial I, 2001, Almedina, pg. 494)

        

        Ainda no campo dogmático, não nos podemos olvidar da magistral lição de Miguel Pupo Correia no seu conhecido manual «Direito Comercial (Direito da Empresa)» onde o ilustre professor universitário assim discorre: 

  «A massificação da produção, a cada vez maior dimensão e complexidade de funcionamento dos mercados e a necessidade de maior especialização dos agentes económicos, obrigaram ao aparecimento de novas formas de distribuição e ao aperfeiçoamento de outras já conhecidas.

         Lançando mão de uma classificação clássica, encontramos situações em que o produtor se encarrega da colocação dos seus próprios produtos no mercado distribuição directa até modelos muito sofisticados de redes de distribuição, as quais são criadas e geridas por entidades que se especializaram nesse tipo de actividade distribuição indirecta.

           

         É, assim, fundamental ter uma visão dos tipos contratuais mais comummente utilizados para a criação de redes de distribuição destinadas a colocar as mercadorias junto do consumidor final.

         Como facilmente se compreende, o enorme dinamismo dos agentes económicos, faz com que, constantemente, sejam criadas novas figuras contratuais, as quais umas vezes constituem meras nuances dos contratos já conhecidos, ao passo que noutras são figuras totalmente inovadoras.

         Finalmente, alerta-se para o facto de estar fora do âmbito de análise, o estudo da relações que se estabelecem entre produtor, distribuidor e consumidor final, as quais encontram a sua sede própria no Direito do Consumidor.

        Como modelos contratuais especialmente vocacionados para regular as relações produtor-distribuidor, apontam-se, normalmente, o contrato de agência, o contrato de concessão comercial, o contrato de mediação, o contrato de comissão e o contrato de franquia» [M. Pupo Correia, «Direito Comercial (Direito da Empresa)», Ediforum, 2011, pg. 500 e segs.].


       Num artigo publicado na imprensa dedicada à Economia e Negócios, da autoria de Fernando Ferreira Pinto, assim afirmava o ilustre autor: «a distribuição comercial é um vasto sector da actividade económica envolvendo esquemas de actuação económica muito diversificados, que implicam um continuum de formas jurídicas, cuja destrinça só é possível mediante segmentações da realidade muitas vezes reveladas artificiais. Trata-se, além disso, de uma realidade profundamente dinâmica, sujeita a uma contínua adaptação às circunstâncias que em cada momento se verificam, evoluindo em paralelo com os processos produtivos e sob a influência das inovações tecnológicas» (Fernando A. Ferreira Pinto, «Os contratos de distribuição e o direito da concorrência: crónica de uma relação conturbada», in Jornal de Negócios, artigo de 6-10-2005, disponível na Net/ https//www.jornaldenegócios.pt).


       As citações transcritas visam demonstrar a fluidez e a versatilidade conceptual deste tipo contratual, cujo polimorfismo e adaptabilidade às circunstâncias não se deixam encerrar nos tradicionais esquemas rígidos ou pouco flexíveis dos clássicos negócios jurídicos civilísticos, por isso que a dinâmica e o ritmo da vida económica hodierna também já não assenta sobre os cristalizados esquemas jurídico-negociais clássicos.

        

      É este dinamismo palpitante da vida célere do actual mundo dos negócios, com novas realidades consentâneas com as transformações contemporâneas, que não tem paralelo com os tradicionais modelos contratuais, entre os quais pontificam, no nosso ordenamento, o vetusto contrato jurídico-civil de compra e venda e o da empreitada, que ainda não permitiu a tipificação legal do contrato de distribuição numa fattispecie normativa própria que inexiste impondo, até ao seu surgimento, o recurso analógico às normas do contrato de agência para a interpretação do conteúdo convencionado e para a dirimência da conflitualidade conexa com tais convénios contratuais, sendo este um caso prototípico da supra -referida afirmação de Romano Martinez, «a tipificação legal é normalmente precedida de uma tipificação social; verificando-se que um determinado contrato está enraizado na prática jurídica (tipificação social), com alguma frequência ele vem, depois, a ser legalmente tipificado».

           

       Enquanto tal não vier a acontecer, isto é, enquanto não se vazar em molde legal específico a massa normativa do contrato de distribuição, os tribunais não deixarão de lançar mão à analogia com o contrato de agência sempre que tal seja a forma tida por adequada aos factos provados, como in casu, para a decisão do pleito, na esteira inter alia de Menezes Cordeiro no seu autorizado ensinamento de que «nada impede as partes de confeccionar contratos atípicos de distribuição.           

De todo o modo, havendo distribuição, encontraremos sempre um núcleo contratual bastante próximo da agência.

       Esta pode ser considerada como a figura-matriz dos contratos de distribuição. As suas normas podem alargar-se aos contratos de distribuição acima referidos e, ainda, aos contratos de distribuição atípica. A esta luz compreende-se a relevância comunitária assumida pela agência» (uti supra, fls. 24, sendo nossos os sublinhados e negrito).


      Foi, exactamente, esta a posição tomada pelo Tribunal da Relação na sua espinhosa tarefa de qualificar juridicamente a relação inter-partes que os sujeitos da relação contratual, ora sub judicio, estabeleceram entre si.

        

      Efectivamente, após doutas considerações sobre a divisão dicotómica, referida e desenvolvida pelo Professor de Coimbra, António Pinto Monteiro, sobre os tipos do contrato de distribuição, figuras afins da concessão comercial, mas destas distinguindo-se, especialmente, pela atenuação significativa dos factores de integração na rede e controlo do principal, o Acórdão ora em recurso apresenta as figuras contratuais referidas por aquele Autor, que são a distribuição selectiva e a distribuição autorizada e, após um breve excurso de índole teorética sobre tais figuras, o referido aresto assim pondera:

      «Na desnecessidade de reescrever os factos provados mais relevantes nesta qualificação, temos para nós que, quer pelo contrato celebrado em Abril de 2003, quer com base nos comportamentos concludentes das partes que a ele se seguiram na sua execução continuada, a relação contratual estabelecida corresponde a um contrato de distribuição autorizada. Realça-se apenas para esta caracterização que não se tratava apenas de sucessivas compras e vendas ou de um contrato de compra e venda com prestações, mas da definição de um contrato-quadro pelo qua se viria a concretizar o interesse de ambas as partes em aumentar o volume de negócio pelo menos na área de influência da A., para tal lhe fornecendo a R. os seus produtos a preço especial, mais baixo do que aquele que praticava com os restantes grossistas. A A. prestava informações sobre alguns clientes sempre que a R. o solicitava, aumentou o volume de negócios e o número de clientes ao longo de anos, numa relação estável e duradoura e privilegiada que a levou a fazer investimentos que não podiam deixar de ser do conhecimento da R., pois que era esta que fazia entregar os produtos nas instalações daquela, sabendo bem as quantidades que lhe vendia em cada momento e calculando as necessidade de armazenamento, de pessoal e equipamento que teria que ter para desenvolver um negócio que cresceu de modo muito significativo.


       Há uma integração muito ténue da A. na rede de distribuição da R., mas ela existe. É de um contrato de distribuição autorizada que se trata.


       A R. não podia deixar de estar ciente da importância que esta relação especial, ditada sobretudo pela prática de preços de valor inferior aos praticados no mercado, tinha para ambas as partes e do incremento comercial que, assim, iria trazer no desenvolvimento do comércio da A. Assistiu, ao longo de seis anos, a um significativo aumento de número de clientes para os seus produtos e do volume de negócio da Coca-Cola, assim como aos necessários investimentos que A. teve que fazer para vender cada vez mais e melhor, sobretudo, os produtos da R.


       Provou-se também que, ao longo da evolução da relação comercial com a R. e, em grande parte, por causa do crescimento desta, a A. arrendou dois armazéns adicionais e, posteriormente, substituiu-os por um novo, que fez construir, tendo também adquirido racks metálicos, vitrinas de exposição, máquinas e equipamentos para a oficina e para o posto de abastecimento de combustíveis, cerca de dez viaturas, empilhadores, contratou dez vendedores, um director comercial e dois chefes de equipa.


       Em Março de 2009, os clientes da A. eram abastecidos com as marcas da CC regularmente, isto é, por semana nuns casos e por quinzena noutros.

         No novo armazém, inaugurado no ano de 2008 pela A., foi implantado um moderno cash and carry e escritórios. Parte destas instalações estavam afectas ao negócio emergente da relação comercial em causa.


       No ano de 2005, fruto da sua actividade, a A. já revendia produtos CC a 1.049 clientes, no ano de 2006 a 1.244, no ano de 2007 a 1251, e no ano de 2008 a 1.609.

       Em 2004, com base na mesma actividade de compra e revenda de produtos fornecidos pela R., a AA facturou aos seus clientes € 1.965.181,00, no ano de 2005 € 6.650.483,00, no ano de 2006 € 10.332.719,00, no ano de 2007 € 11.924.596,00, e no ano de 2008 € 10.347.259,00.

       No ano de 2004, a margem bruta de comercialização dos produtos fornecidos à A. pela R., correspondente à diferença entre o preço de aquisição e o preço de venda pela AA aos seus clientes foi de € 113.183,00, em 2005 € 347.674,00, em 2006 € 316.609,00, em 2007 € 664.622,00 e em 2008 € 413.715.


       Uma relação comercial com estas características, cria algum grau de dependência económica da A. em relação à R., parte contratual mais forte. Foi por confiar fundadamente na relação iniciada no acordo de 2003 e para sustentar o crescimento do negócio, que a A. investiu. A R. viu aumentar consideravelmente o seu volume de vendas e, consequentemente os seus lucros. Nada fazia supor que, em circunstâncias verdadeiramente favoráveis, de aumento de número de clientes e de facturação, com significativos investimentos (e despesa inerente), qualquer das partes colocaria termo à relação de uma forma peremptória e irreversível.

       Manifestamente, o termo do fornecimento que vinha sendo efectuado desde há cerca de seis anos, determinou uma perda acentuada no comércio da A» (destaques a negrito nossos).


        A análise da Relação que, como vimos, incidiu largamente sobre a qualificação da relação comercial estabelecida entre os sujeitos contratuais, ora partes no presente litígio, concluindo pela existência de uma integração muito ténue da Autora na rede de distribuição da Ré (há uma integração muito ténue da A. na rede de distribuição da R., mas ela existe) não merece qualquer censura pelo que improcedem as conclusões supra referidas, como veremos ainda melhor no item seguinte.


        3ª questão


        Da alegada Inexistência de Contrato de Distribuição Autorizada e Respectivas Consequências.


        Condensando a matéria alegatória nas conclusões 1.6 e 1.7 da minuta recursória, a Recorrente formula o seguinte silogismo: «Uma diferente qualificação jurídica que afaste estarmos perante um contrato de distribuição autorizada determina necessariamente que não se possa aplicar o regime previsto no Decreto-Lei n.º 178/86 para o contrato de agência, o que é o mesmo que dizer que deixa de existir qualquer fundamento para a atribuição das indemnizações a que a Ré foi condenada.

        Logo, uma diferente qualificação jurídica importa a revogação do acórdão da Relação do Porto e, consequentemente, a improcedência de todos os pedidos formulados pela Autora contra a Ré. o que se requer»

        

         Não tem, porém, razão!

           

       A Relação teve por bem enquadrar o desenho factual do acordo celebrado entre as empresas ora em litígio na moldura contratual da concessão comercial, sub specie de contrato de distribuição comercial, na espécie de distribuição autorizada.

        

       Fê-lo, todavia, mediante criteriosa análise dos seus contornos negociais e sempre estribada na factualidade apurada e na mais autorizada doutrina e aplaudida orientação jurisprudencial.


      Já atrás tivemos ensejo de esboçar, ainda que a traço necessariamente grosso, os contornos da figura do denominado contrato de distribuição comercial – enquadrando-o no genus proximum de contrato de concessão comercial – como sendo um negócio jurídico bilateral (contrato) mediante o qual uma das partes, o distribuidor, se vincula a adquirir à outra parte, o principal (produtor ou importador-fornecedor), uma quantidade de bens comerciais para posterior colocação no mercado numa certa área e por sua conta e risco.


       A este respeito, como bem afirma o Prof. J. Engrácia Antunes «não está excluído, aliás, que as próprias espécies referidas se possam combinar entre si para dar lugar a contratos de distribuição híbridos» (Direito dos Contratos Comerciais, nota de rodapé, nº 804) indicando como referência jurisprudencial o Acórdão da Relação de Lisboa de 2-12-99 in Col. Jur (1999), V, 112-114.


      É esta possibilidade quase mimética deste tipo de contratos de concessão comercial que permite não só variações intrínsecas, como combinações com outras espécies, gerando os tais contratos híbridos a que se refere o Ilustre Professor citado.

        

       Sendo assim, conforme a extensão e profundidade da dependência do distribuidor do principal, assim a distribuição contratada pode assumir diferentes tonalidades ou graus pois, como bem refere o Prof. José Alberto Vieira, «a variedade terminológica apontada para um mesmo contrato assenta, a meu ver, sobre dois vectores: quer numa errada concepção da natureza do contrato, quer no erigir de um dos eventuais elementos do tipo contratual em elemento designativo do mesmo. Por outro lado, a ausência de regulamentação legal e a imprecisão e variedade em que os esquemas contratuais da distribuição aparecem na prática social, dificultam e baralham, por vezes, a tarefa do intérprete. Não é assim de espantar a pluralidade de nomen juris propostos até hoje para este contrato» (J.Alberto Vieira, O Contrato de Concessão Comercial (reimpressão), Coimbra Editora, 2006, pg.17).


      De notar, ainda, como afirma o Prof. António Pinto Monteiro que à análise desta temática tem dedicado alguns estudos de referência, que dentro da categoria de contratos de distribuição comercial há ainda que distinguir tonalidades ou graus respeitantes à integração do distribuidor na rede de distribuição do principal, é dizer, à sua dependência económico-social deste, como se colhe das seguintes palavras deste autor, escritas a propósito de um caso de denúncia de um contrato de concessão comercial, em que além dos requisitos de compra para revenda e actuação em nome e por conta própria do distribuidor, se exige também o requisito de integração do distribuidor na rede de distribuição do concedente, assim se comprovando a dependência do distribuidor da política comercial do principal: «Importa não esquecer que no amplo leque das formas negociais ao serviço da distribuição comercial há outros contratos, além da concessão, mas próximos deste, como os distribuição autorizada em que a integração do distribuidor, a existir, é mais ténue» (A. Pinto Monteiro, Denúncia de um Contrato de Concessão Comercial, Coimbra Editora, pg. 46).


      De inegável relevância é também a dissertação de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas na Universidade de Lisboa, da ilustre Professora Doutora Maria Helena Brito, defendida em 1985, mas publicada em 1990, onde a autora assim discorre sobre o conceito de distribuição autorizada:

     «O sistema de venda através de uma rede de agentes ou de comissários apenas proporciona à empresa produtora uma redução nos custos. Na verdade, esta modalidade de distribuição não evita à empresa o risco que a venda directa implica. Tanto o agente como o comissário agem por conta da empresa produtora, o que significa que e esta a suportar grande parte dos riscos respectivos.

     Desejando afastar de si própria o risco da venda directa a empresa produtora procura outros sistemas de integração no sector distributivo, recorrendo a comerciantes que adquiram os produtos e os revendam por conta própria.

      Esses comerciantes adquirentes-revendedores ficam ligados por contratos substancialmente uniformes à empresa produtora que deste modo, pode contar com centros autónomos de distribuição O risco da distribuição é transferido para o distribuidor, a cargo do qual fica a organização da venda e respectivas despesas.

       Por sua vez, o distribuidor, seja qual for o contrato que o liga à empresa produtora, obtém uma posição privilegiada no mercado porque pode adquirir os produtos de certa empresa preferencialmente a outros comerciantes não abrangidos por aquela relação

       Os distribuidores que adquirem por conta própria, nos termos de uma relação preferencial com o produtor, e que revendem também por conta própria aos seus clientes só aparentemente se aproximam do revendedores independentes. É que, se eles o são, de um ponto de vista estritamente jurídico, pois compram e revendem, sob o ponto de vista económico encontram-se sempre, embora em graus diferentes, integrados numa rede de distribuição da empresa produtora.

       O equilíbrio entre a produção e o consumo que normalmente resulta da actividade dos distribuidores é neste caso reduzido, atendendo a uma série de obrigações que, em geral, lhes são impostas: obrigação de comprar um quantidade mínima de produtos durante um certo período de tempo, obrigação de observar um preço de revenda fixado pelo produtor.

       A distribuição autorizada pode definir-se como efeito de um acordo pelo qual um produtor confere a um comerciante, escolhido em razão da sua aptidão técnica e comercial, a qualidade de distribuidor dos seus produtos» (Maria Helena Brito, O Contrato de Concessão Comercial, Almedina, 1990, pg. 13).


      Mais adiante, a ilustre autora citada acrescenta o que se considera do maior interesse para a decisão do presente recurso:

  «Esta modalidade de distribuição não comporta obrigação de exclusividade de venda a cargo do produtor, nem atribuição ao distribuidor de exclusividade de revenda dos produtos, em sectores determinados. O produtor tem a faculdade de fornecer outros comerciantes e o distribuidor autorizado pode continuar a abastecer- -se junto de fabricantes concorrentes.

           

      Na prática, porém, o produtor trata, antes de mais, com os seus distribuidores autorizados; da mesma maneira, o distribuidor permanece, em regra, fiel aos produtos de que é distribuidor autorizado.


      O distribuidor autorizado tem a obrigação de orientar a clientela para os produtos que distribui; não lhe incumbe propriamente a obrigação de exercer uma actividade de promoção da revenda dos produtos. Além disso, o distribuidor autorizado não tem de orientar a sua actividade em função das finalidades do contrato» (Op. cit, pg. 14).

        

      Em face do quadro conceptual traçado com a necessária amplitude, não se oferecem dúvidas de que o contrato dos autos foi bem classificado como sendo um contrato de distribuição comercial autorizada, uma vez que as características factuais apuradas apontam claramente para a sua inserção nesta categoria dogmática.

      Consequentemente, não há lugar à «diferente classificação» que preconiza a Recorrente, pelo que claudicam todas as conclusões atinentes a esta questão.


            4ª questão


          Da alegada Não Extensão do Regime Previsto no Decreto-Lei n.º 178/86 ao Contrato de Distribuição Autorizada

         (conclusões 1.8 a 1.11 da minuta recursória)


       Ainda nesta mesma linha de pensamento, a Recorrente defende, nas conclusões 1.8 a 1.11 da sua alegação, que «a compensação prevista no Decreto-Lei n.º 178/86, num cenário de cessação contratual, é excecional no ordenamento jurídico português, o que poderia impedir a sua aplicação analógica nos termos do artigo 11.° do Código Civil e a compensação só deve ser aplicada analogicamente, desde que a ratio que lhe está subjacente se verifique no caso concreto»

           

       Acrescenta ainda, que «a razão de ser que preside à atribuição de uma indemnização de clientela ao agente não justifica a mesma atribuição a um distribuidor, nem a actuação daquele se confunde com a deste de modo a que semelhante compensação lhe possa ser igualmente concedida e que tal atribuição apenas poderia eventualmente fazer sentido, num cenário de uma forte integração na rede de distribuição do principal por parte do distribuidor que se pudesse se assemelhar melhor à figura do agente, o que não acontece no caso do distribuidor autorizado e muito menos no caso sub judice, pelo que devemos afastar a aplicação do regime do contrato de agência aos presentes autos com as necessárias consequências legais que determinam a revogação do acórdão proferido pelo Tribunal a quo»

           

      Também por aqui não se nos afigura assistir razão à Recorrente!

        

     A este propósito, assim se refere a Recorrida AA:

           

       Relativamente a questão da não aplicabilidade do regime jurídico do contrato de agência ao contrato de distribuição comercial, diga-se que o contrato de concessão comercial é um contrato legalmente atípico e inominado, e como tal, tem necessariamente de recorrer à analogia de um outro regime legal. A jurisprudência nacional tem acolhido a aplicação analógica ao contraio de agencia aos contratos de distribuição, de modo, praticamente, sistemático e automático.


      Ainda que o contrato de agência apresente certas diferenças face ao contrato de distribuição comercial, as mesmas não são de tal maneira relevantes para que se possa desconsiderar a aplicação analógica do diploma normativo que rege o contrato de agência ao contrato de distribuição comercial. Na verdade, existem pontos de contacto e semelhanças que justificam tal aplicação analógica.


      Na distribuição/concessão comerciai estão sempre à cabeça os “superiores” interesses da marca do concedente. Tudo, mas tudo se subordina a estes interesses. Os interesses do distribuidor/concessionário, embora compatíveis com os interesses da marca, estão sempre subordinados aos interesses desta. Além de pôr à cabeça os interesses da marca em todos os aspectos da execução do contrato, o concedente transfere para o distribuidor-concessionário os riscos inerentes ao negócio!


       Assim, através do contrato de concessão comercial, e ao contrário do que sucede no contrato de agência, o concedente/marca liberta-se dos riscos da distribuição e comercialização dos produtos, transfere para o seu parceiro distribuidor os caprichos e as vicissitudes do mercado.


      Acresce que o concedente/marca impõe ainda como condição para a atribuição da concessão e ao contrario do que sucede no contrato de agência, investimentos de vulto em instalações, equipamentos, recursos humanos, etc. Ou seja, para quem conhece efectivamente o que a economia e a execução de um contrato de concessão/distribuição comerciai implica para as respectivas partes, é pacifico que a atribuição de uma compensação pela clientela angariada durante a vida desse contrato faça mais sentido no âmbito da cessação de um contrato de concessão/distribuição comercial


     Estas considerações encontram plena ressonância no texto do acórdão recorrido, na parte referente à caracterização do contrato em apreço, como se colhe da seguinte passagem do referido aresto:

    «A R. não podia deixar de estar ciente da importância que esta relação especial, ditada sobretudo pela prática de preços de valor inferior aos praticados no mercado, tinha para ambas as partes e do incremento comercial que, assim, iria trazer no desenvolvimento do comércio da A. Assistiu, ao longo de seis anos, a um significativo aumento de número de clientes para os seus produtos e do volume de negócio da Coca-Cola, assim como aos necessários investimentos que A. teve que fazer para vender cada vez mais e melhor, sobretudo, os produtos da R.


     Provou-se também que, ao longo da evolução da relação comercial com a R. e, em grande parte, por causa do crescimento desta, a A. arrendou dois armazéns adicionais e, posteriormente, substituiu-os por um novo, que fez construir, tendo também adquirido racks metálicos, vitrinas de exposição, máquinas e equipamentos para a oficina e para o posto de abastecimento de combustíveis, cerca de dez viaturas, empilhadores, contratou dez vendedores, um director comercial e dois chefes de equipa.


      Em Março de 2009, os clientes da A. eram abastecidos com as marcas da Refrige regularmente, isto é, por semana nuns casos e por quinzena noutros.

       No novo armazém, inaugurado no ano de 2008 pela A., foi implantado um moderno cash and carry e escritórios. Parte destas instalações estavam afectas ao negócio emergente da relação comercial em causa.


     Acrescentando, mais adiante:

     «Uma relação comercial com estas características, cria algum grau de dependência económica da A. em relação à R., parte contratual mais forte. Foi por confiar fundadamente na relação iniciada no acordo de 2003 e para sustentar o crescimento do negócio, que a A. investiu. A R. viu aumentar consideravelmente o seu volume de vendas e, consequentemente os seus lucros. Nada fazia supor que, em circunstâncias verdadeiramente favoráveis, de aumento de número de clientes e de facturação, com significativos investimentos (e despesa inerente), qualquer das partes colocaria termo à relação de uma forma peremptória e irreversível»


      O que vem dito no acórdão recorrido revela à saciedade certa dependência (integração), na vigência do contrato, da Autora AA em relação à CC, SA, como ressalta das adaptações comprovadas da sua estrutura empresarial criada unicamente para o cabal cumprimento de tal acordo contratual, quer em termos de espaços de armazenamento, quer em pessoal treinado para o efeito que teve de ser contratado, quer mesmo em equipamento e maquinaria, visando um melhor desempenho das funções de distribuição dos produtos da CC, SA, como bem retrata o acórdão recorrido, e tanto basta, para se estar na presença de um contrato de distribuição, que em qualquer das suas modalidades, como acima se disse, justifica plenamente, no plano jurídico, o recurso analógico ao único contrato tipificado e regulado na lei neste domínio da concessão contratual, que é o contrato de agência (DL 178/86, de 03/07).


      A título elucidativo da orientação jurisprudencial mais seguida entre nós, indicaremos o Acórdão desta mesma 2ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-05-2016, doutamente relatado pela Exmª Juíza Conselheira Maria da Graça Trigo, subscrito também pelo Exmº Juiz Conselheiro João Bernardo, como 2º Adjunto, que ora intervém também no presente recurso como 1º Adjunto.


     Lê-se, com efeito, no nº 1 do sumário do citado aresto da 2ª Secção deste Supremo Tribunal, o seguinte:

 «1- Pelo facto de o conteúdo concreto do contrato de concessão revelar a integração do concessionário na rede de distribuição da concedente, «com tudo o que isso implica e pressupõe em termos de colaboração entre as partes e de promoção dos bens distribuídos» justifica-se a aplicação analógica do regime legal do contrato de agência, constante do Decreto-Lei n° 178/86, de 3 de Julho, admitida pelo próprio preâmbulo deste diploma, pela doutrina em geral e pela jurisprudência reiterada do STJ» (Pº 2740/08.0TV disponível in www.dgsi.pt).


     Note-se que neste aresto se recenseia um considerável número de acórdãos do STJ in hoc sensu, para cuja leitura desde já se remete.


      A nível doutrinal recordemo-nos, uma vez mais, das judiciosas palavras de Menezes Cordeiro, já supra referidas mas nunca sendo demais as termos bem presentes na análise e decisão de questões relativas à interpretação dos contratos de concessão comercial, maxime, no tangente aos contratos de distribuição: «De todo o modo, havendo distribuição, encontraremos sempre um núcleo contratual bastante próximo da agência.

       Esta pode ser considerada como a figura-matriz dos contratos de distribuição. As suas normas podem alargar-se aos contratos de distribuição acima referidos e, ainda, aos contratos de distribuição atípica. A esta luz compreende-se a relevância comunitária assumida pela agência».

           

       Porém, importa precisar o que se há-de entender por distribuição autorizada.

       A resposta nos é dada pela palavra autorizada do Prof. Engrácia Antunes que assim se pronuncia:

   «Designa-se por distribuição autorizada (“autorizierte Handlung”,distribution agrée”) o contrato através do qual um empresário vende os seus produtos a um conjunto de revendedores seleccionados que não usufruem de um exclusivo de venda.

           

     Este acordo tem evidentes semelhanças com os contratos de distribuição selectiva, deles se diferenciando essencialmente por duas ordens de razões. Por um lado, ao invés do distribuidor selectivo, o distribuidor autorizado não goza de qualquer exclusivo de venda: o produtor ou importador mantêm a faculdade de fornecer os seus produtos a outros revendedores ou distribuidores não autorizados. Por outro lado, muito embora surgindo aos olhos do público como um empresário especializado na comercialização dos bens do produtor, o distribuidor autorizado apresenta uma ainda menor integração na rede distributiva deste último, aproximando-se por vezes de um revendedor independente» (J. Engrácia Antunes, Os Contratos de Distribuição Comercial, Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, ISCAP, nº 16-2010, pg. 37/8).


      Basta comparar a descrição que o Acórdão recorrido efectua sobre os contornos e o conteúdo do negócio jurídico em causa no presente recurso e supra exposta, para se aquilatar da justeza do referido enquadramento jurídico.

     Volvem-se, destarte, despiciendas mais palavras para se concluir pela claudicação das conclusões da douta minuta recursória desta Recorrente atinentes a esta questão.

 

       5ª questão


       Da Alegada Denúncia do Contrato Operada pela Ré


     Quanto a esta questão concreta, a Recorrente CC dedica-lhe as conclusões 1.12 a 1.15 da sua minuta recursória, dizendo: «no tipo de relação comercial existente, de fornecimento de mercadorias, ainda que no âmbito de um contrato de distribuição, não faz qualquer sentido, não é costume, nem resulta das regras da experiência que o fornecedor/fabricante/principal/concedente não possa ir acomodando os preços dos produtos que vende ao longo do tempo consoante as suas necessidades.

           

Não existe qualquer facto provado donde resulte que a alteração de preços teria que ser objeto de acordo entre as partes.

    Ainda que se entendesse que a eliminação de descontos configurava uma alteração de preço dos seus produtos, a Ré era livre de o fazer, porque não tinha qualquer vínculo com a Autora, no sentido de manter permanentemente os mesmos preços, sendo assim inconcebível defender-se que a eliminação dos descontos configurou uma denúncia de um contrato operada pela Ré.

    O facto de concluirmos que a conduta da Ré não consubstanciou uma denúncia da relação contratual que existiu entre as partes, determina necessariamente a revogação do acórdão proferido pelo Tribunal a quo, o que se requer.


    Efectivamente, não existe qualquer facto provado donde resulte que a alteração de preços teria que ser objeto de acordo entre as partes, a Ré tinha liberdade de alterar os preços de fornecimento dos produtos à sua distribuidora autorizada e de ir «acomodando os preços dos produtos que vende ao longo do tempo consoante as suas necessidades», como afirma.

           

     No entanto, há que reconhecer inteira razão à Recorrida AA, S.A. quando, nas suas doutas contra-alegações, observa o seguinte:

     «Relativamente à alteração dos preços por parte da Recorrente, apenas se pode concluir que a forma gigante e repentina com que a Recorrente alterou brutalmente os preços despoletou, evidentemente, a denúncia do contrato de distribuição comercial. A CC poderia alterar os preços, como é óbvio, mas não de forma a que a A/Recorrida não pudesse continuar a sustentar as condições negociais mínimas.

     Assim, entendeu e bem, o douto Tribunal recorrido considerar que essa alteração não era mais do que uma estratégia da Recorrente para cessar de uma forma indirecta, porquanto ambas as partes sabiam que o cerne da relação contratual estabelecida residia nos preços e descontos especiais».

           

      Vejamos, em seguida, como é que a Relação – derradeira instância na apreciação e valoração da factualidade da causa – configurou a conduta da ré CC na relação comercial que esta manteve com a ora autora AA, durante quase seis anos sem interrupção:

   «… nada obsta a que a denúncia se traduza numa declaração tácita (art.° 217° do Código Civil). Por isso, mesmo que o declarante não manifeste expressamente a vontade de denunciar o contrato, caso não seja aceite a sua proposta de modificação do mesmo, sempre se poderá entender formulada tacitamente a declaração de denúncia, desde que ela se possa deduzir de factos — no caso, a declaração expressa de modificação — que, com toda a probabilidade a revelem.

           

       A R. colocou a A. na seguinte posição: ou me passas a comprar os produtos a determinados preços novos, com significativo aumento, ou mais nada te vendo.


     Não restam dúvidas, pois, de que a R. alterou unilateralmente o contrato e a prática comercial de descontos que à sua luz vinha sendo desenvolvida há cerca de 6 anos. Como o contrato — qualquer contrato — deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (art.° 406°, n.º 1, do Código Civil), a primeira impressão é a de que, com tal procedimento, a R. teria violado o contrato. Não disse que o denunciava ou que lhe punha termo, fosse de que modo fosse. Quis alterar o contrato e depois alterou-o mesmo unilateralmente. O contrato anterior, nos termos em que vigorava até então, deixou de subsistir.

        O que aconteceu foi uma denúncia-modificação do contrato, com a particularidade de não ser uma «denúncia salvo modificação», mas uma «denúncia seguida ou acompanhada de proposta de modificação».

        A denúncia ocorreu sem pré-aviso, devendo considerar-se aplicável, com as devidas adaptações, por se tratar de um contrato de cooperação ou distribuição, regime do contrato de agência, aprovado pelo Decreto-lei n° 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo Decreto-lei n° 118/93, de 13 de Abril, que prevê a possibilidade de denunciar o contrato de tempo indeterminado, desde que comunicada à contraparte, por escrito, com a antecedência mínima seguinte:


            a) Um mês, se o contrato durar há menos de um ano;

            b) Dois meses, se o contrato já tiver iniciado o 2.° ano de vigência;

            c) Três meses, nos restantes casos.


       Na esteira das considerações atrás efectuadas, é pacífico o entendimento de que o contrato de agência, quando celebrado por tempo indeterminado, é livremente denunciável por qualquer dos contraentes, ainda que sem justa causa, em homenagem ao princípio da inadmissibilidade da vinculação contratual perpétua. Mas também o é o de que o denunciante deve respeitar prazos de pré-aviso tidos como razoáveis e adequados ao tempo de duração do contrato, sob pena de se constituir na obrigação de indemnizar a contraparte pelos prejuízos resultantes da omissão, a calcular nos termos gerais da lei civil, abrangendo danos emergentes e lucros cessantes (art.° 29°, n° 1, do Decreto-lei n° 178/86 e art.ºs e 652° e segs do Código Civil)

                                  

      Havendo falta ou insuficiência do prazo de aviso prévio, a parte responderá pelos danos que sejam causados por essa falta ou insuficiência (e não pelos danos decorrentes da própria cessação do contrato em si), indemnizando a parte contrária em conformidade.


       Precisamente porque este ato está na disponibilidade potestativa do denunciante é que a lei fixa um tempo de espera findo o qual os efeitos se produzem, como meio adequado de protecção da contraparte que pode, assim, preparar-se para a extinção da relação contratual.


       Enquanto no contrato de agência a atividade do agente não é independente e age em nome do principal que, verdadeiramente, negoceia os contratos com os clientes que o agente angaria, na distribuição autorizada, aliás, como na concessão comercial, o distribuidor é dono do negócio, atua por conta própria e risco, o que implica, por via de regra, investimentos de maior vulto, suportados por ele, mais do que os investimentos que normalmente estão a cargo do agente» (nosso o destaque e sublinhado).


       Esta figura de denúncia-modificação é também tratada por A. Pinto Monteiro que a ela se refere nos seguintes termos, com base noutro caso decidido por este Supremo Tribunal num seu Acórdão de 17 de Abril de 1986:

        

      «Tratava-se, basicamente, de uma situação em que o principal decidira unilateralmente reduzir as comissões dos agentes, comunicando-lhes esta sua determinação.

       Estes não aceitaram, pretenderam entrar em negociações, mas o principal manteve-se inabalável. Algum tempo depois, perante notas de encomenda de clientes remetidas pelos agentes, o principal respondeu-lhes que eles haviam deixado de ser seus agentes desde o dia em que não aceitaram a redução das comissões.


       Parece, efectivamente, que é assim (a questão que depois se coloca é de ter sido ou não respeitado o pré-aviso), pois a declaração expressa do principal dirigida à modificação do contrato coenvolve uma declaração tácita de denúncia: o contrato extingue-se excepto se os agentes aceitarem a sua modificação. Por outras palavras, uma das partes denuncia o contrato sob condição de a outra parte não aceitar (rejeitar) a modificação proposta. A hipótese configura, pois, uma denúncia-modificação, como acertadamente a qualifica Baptista Machado, na esteira da doutrina alemã (“Anderungskündigung”: cfr. a anotação daquele Autor ao referido Acórdão, com o título “Denúncia- modificação” de um contrato de agência, na mesma Revista, pp. 183, ss.; e igualmente Larenz, Allgemeiner Teil des deutschen Burgerlichen Rechts, T ed., München, 1989, p. 497, Larenz/Wolf, Allgemeiner Teil des Burgerlichen Rechts, 8ª ed., München, 1997, p. 952, bem como Jauernig, BGB, cit., pp. 114-115)» (Pinto Monteiro, Contrato de Agência…cit, pg. 132).

           

       O Tribunal da Relação julgou tratar-se de uma denúncia-modificação, como vimos, porém, muito próxima desta, outra figura se perfila aplicável a situações similares que é a da resolução-modificação contemplada na alínea b) do artº 30 do DL 178/86, de 3/07.

       Como refere Pinto Monteiro, «trata-se de uma situação de justa causa, não por força de qualquer violação dos deveres contratuais, mas por força de circunstâncias não imputáveis a qualquer das partes, que impossibilitam ou comprometam gravemente a realização do escopo visado» (Contrato de Agência, cit. pg. 136).


      No caso vertente, o nomen juris da forma de cessação do contrato não reveste particular relevo, dado que tanto a denúncia-modificação como a resolução-modificação não obstam ao direito à indemnização segundo a equidade, como se colhe do disposto nos artºs 29º e 32º do referido DL 178/96 em caso de falta de pré-aviso.

        

      Como se referiu no Acórdão da Relação do Porto, de 19-05-2010 (Relatora, a Exmª Desembargadora Mª Catarina Gonçalves), «na al. b) do art. 30° do DL n° 178/86, de 03.07, prevêem-se situações de “justa causa”, não por força da violação dos deveres contratuais, mas por força de circunstâncias não imputáveis a qualquer das partes que impossibilitem ou comprometam gravemente a realização do escopo» (Pº 6350/06.5TVLSB.P1).


        Claudicam, destarte, as conclusões respeitantes à presente questão.


            6ª questão

           

            Do Eventual Incumprimento do Contrato por Parte da Ré

                     (conclusões 1.16 e 1.19 da minuta recursória)

           

         A propósito desta questão, a Recorrente tece as seguintes considerações nas conclusões 1.16 a 1.19  da sua alegação:


    Para o caso de se concluir que a Ré não poderia alterar os preços dos seus produtos a seu bel-prazer, a actuação da Ré configurou somente um mero incumprimento contratual, sanável nos termos da lei.

    Em face desse incumprimento, não resultou provado que a Autora tivesse interpelado admonitoriamente a Ré, com vista à sanação desse incumprimento. Essa seria a conduta apropriada nos termos da lei.

     Tendo optado por denunciar a ligação jurídica entre as partes, através da carta de 07.04.2009, junta como Doc. n.º 7 à Contestação, a Autora ter-se-á necessariamente conformado com esse putativo incumprimento por parte da Ré, pelo que não lhe assiste qualquer direito de indemnização contra a Ré.

           

Logo, a Ré não denunciou a relação jurídica que eventualmente existente entre as partes, pelo que consequentemente não emergiu na esfera jurídica da Autora qualquer direito indemnizatório contra a Ré.


   O que ficou dito em relação à questão anterior, tem plena aplicação quanto à decisão desta questão, pelo que, redundantes se volvem novas considerações sobre a questão de “incumprimento” por parte da Ré, ficando prejudicadas as conclusões atinentes a esta questão pela solução dada à anterior.


            7ª questão


            Da Indemnização por Falta de Pré-Aviso (artigo 29.° do Decreto- Lei n.º 178/86)

         (conclusões 1.20 e 1.22 da minuta recursória)


          Relativamente a esta questão, a Recorrente condensa a matéria alegatória nas seguintes conclusões:

1.20 - O pré-aviso máximo, para contratos superiores a 2 anos, considerado no Decreto-Lei n.º 178/86 é de 3 meses e não de 5, o que resulta do disposto no artigo 28.°, n.º 1, al. c) do referido diploma.


1.21 -Se o legislador entendesse que nos casos de duração mais prolongada do contrato de agência se devesse aplicar um prazo maior, tê-lo-ia previsto.


1.22 - Atendendo ao facto de que a relação existente entre as partes perdurava há mais de 2 anos, o pré-aviso a considerar deveria ser 3 meses, nos termos do artigo 28.°. n.º 1, al. c), do Decreto-Lei n.º 178/86.


   A Relação teceu longas considerações quanto a esta questão que, por razões de extensão não iremos aqui reproduzir, convindo apenas transcrever um elucidativo excerto em que se fundamentou, não só para dar procedência a esta questão, como também para efeitos do quantum indemnizatório arbitrado a este título:

    «Havendo falta ou insuficiência do prazo de aviso prévio, a parte responderá pelos danos que sejam causados por essa falta ou insuficiência (e não pelos danos decorrentes da própria cessação do contrato em si), indemnizando a parte contrária em conformidade.

      Precisamente porque este ato está na disponibilidade potestativa do denunciante é que a lei fixa um tempo de espera findo o qual os efeitos se produzem, como meio adequado de protecção da contraparte que pode, assim, preparar-se para a extinção da relação contratual.

       Enquanto no contrato de agência a atividade do agente não é independente e age em nome do principal que, verdadeiramente, negoceia os contratos com os clientes que o agente angaria, na distribuição autorizada, aliás, como na concessão comercial, o distribuidor é dono do negócio, atua por conta própria e risco, o que implica, por via de regra, investimentos de maior vulto, suportados por ele, mais do que os investimentos que normalmente estão a cargo do agente.


        Ter-se-á que apurar, assim, em cada caso, qual a antecedência razoável, em face das circunstâncias de cada caso, para que a denúncia possa ser exercida licitamente. Entre as circunstâncias a ter em atenção contam-se, muito especialmente, os investimentos que o distribuidor haja feito, maxime se incentivados ou consentidos (expressa ou tacitamente) pela contraparte, e o tempo necessário para a respetiva amortização.


     A A. tinha a sua atividade organizada também em função dos fornecimentos que lhe eram efetuados pela R. e das vendas que fazia desses produtos aos seus clientes, sendo que grande parte do seu volume de negócios provinha seguramente dos produtos vendidos pela demandada, a avaliar pelas quantidades e valores dos fornecimentos que vinha contabilizando nos anos que antecederam a denúncia do contrato (Março de 2009). Esta é uma daquelas situações em que se impunha a existência de um aviso prévio considerável, superior ao que a lei prevê para a denúncia do contrato de agência, a fim de que a R. se reorganizasse de modo a poder prosseguir a sua atividade sem ter que adquirir os produtos à A., designadamente provendo à obtenção do fornecimento de produtos similares junto de outra ou outras empresas (não obstante não ser fácil ou ser mesmo improvável nas condições contratuais de que beneficiava antes da denúncia contratual).


    Tudo ponderado — também os prazos que vêm sendo atendidos na jurisprudência —, afigura-se-nos razoável o prazo de 5 meses de que a R. deveria ter usado como pré-aviso da denúncia contratual».


     Ressalvado sempre o devido respeito, constata-se lapso notório na afirmação da Recorrente de que

“o pré-aviso máximo, para contratos superiores a 2 anos, considerado no Decreto-Lei n.º 178/86 é de 3 meses e não de 5, o que resulta do disposto no artigo 28.°, n.º 1, al. c) do referido diploma” (conclusão 1.20).


     A alínea c) do nº 1 do artº 28º do Decreto-Lei nº 178/86 estabelece as seguintes antecedências mínimas (não máximas como vem alegado) nos contratos celebrados por tempo indeterminado, como se vê no texto do referido preceito legal:


«Artigo 28.° Denúncia

1 - A denúncia só é permitida nos contratos celebrados por tempo indeterminado e desde que comunicada ao outro contraente, por escrito, com a antecedência mínima seguinte:

a) Um mês, se o contrato durar há menos de um ano;

b) Dois meses, se o contrato já tiver iniciado o 2° ano de vigência;

c) Três meses, nos restantes casos» (sendo nosso o destaque e sublinhado).

           

     Tratando-se, como se vê, de um prazo mínimo de três meses de pré-aviso, é perfeitamente razoável que o Tribunal da Relação tenha considerado in casu o prazo de 5 (cinco) meses, tendo em consideração que «a A. tinha a sua atividade organizada também em função dos fornecimentos que lhe eram efetuados pela R. e das vendas que fazia desses produtos aos seus clientes, sendo que grande parte do seu volume de negócios provinha seguramente dos produtos vendidos pela demandada, a avaliar pelas quantidades e valores dos fornecimentos que vinha contabilizando nos anos que antecederam a denúncia do contrato (Março de 2009)», atenta a duração do contrato (2003 a Março de 2009) «a fim de que a R. se reorganizasse de modo a poder prosseguir a sua atividade sem ter que adquirir os produtos à A., designadamente provendo à obtenção do fornecimento de produtos similares junto de outra ou outras empresas (não obstante não ser fácil ou ser mesmo improvável nas condições contratuais de que beneficiava antes da denúncia contratual)».


     Desta sorte, improcedem as conclusões atinentes a esta questão.

     

        8ª questão


       Do Valor da Indemnização atribuído pelo Tribunal a quo por causa da violação do pré-aviso

                 (conclusões 1.23 e 1.25 da minuta recursória)


      O inconformismo da ré CC, S.A, quanto ao valor compensatório por falta de pré-aviso a pagar à Autora AA, sintetiza-se em termos alegatórios nas conclusões que se seguem:


1.23 - A Autora nem sequer alegou factos que nos permitam concluir qual era o seu lucro líquido e, por isso, não existe nenhum facto provado sobre a remuneração líquida da Autora. Neste sentido, a ausência de factos teria de ter determinado a impossibilidade de se apurar qualquer valor e, consequentemente, a pretensão formulada pela Autora deveria ter sido (e deve ser) julgada improcedente.


1.24 - A considerar-se que a Autora teria direito a alguma indemnização, apenas se poderia ter em conta a remuneração obtida da sua actividade de distribuição, a qual é desconhecida.


1.25 - Não podia a Autora, nem o Tribunal a quo terem incluído na apreciação deste tema uma componente remuneratória que nada tem que ver com a parte de distribuição, pelo que necessariamente jamais poderia julgar- se o seu pedido procedente, pelo que o acórdão proferido pelo Tribunal a quo deve se revogado.


  Quanto a este aspecto, cumpre desde logo recordar uma pequena parte do que diz a Relação a propósito de tal valor compensatório por falta de pré-aviso:

    «Alegando prevalecer-se do direito que lhe é reconhecido no art.° 29°, n° 2, do Decreto-lei n° 178/86, a AA reclama da CC, a título de indemnização for falta de pré-aviso, a quantia de € 327.071,65 equivalente a 6 meses da margem média bruta mensal auferida no decurso do ano de 2008, indemnização esta que — ainda segundo a A. — sempre seria inferior ao resultante do critério dos prejuízos efetivos. Alegou — mas não provou — ter investido cerca de € 3.500.000,00, investimento do qual ainda faltaria amortizar, à data da cessação do acordo de distribuição sub judice, € 2.000.000,00.


    Mais alega que no ano de 2008, e relativamente à venda das marcas da CC, a A. faturou um total de € 10.559.616,00, e ainda que o termo da distribuição dessas marcas correspondeu para a A. a uma diminuição de receitas e das perspectivas de lucros que para si decorriam dessa atividade, calculados numa média de, pelo menos, € 600.000,00 anuais, para o ano de 2009. Deixou a A. de obter a diferença entre o custo de aquisição dos produtos e o preço de revenda, diferença que no último ano ascendeu a € 654.143,30. A A. pede a condenação a R. em metade deste valor, ou seja, na indemnização por falta de pré-aviso, na quantia de € 327.041,65 equivalente a seis vezes a margem média bruta mensal auferida no decurso de 2008.


     Se nada obsta à aplicação do n° 2 do art.° 29° do Decreto-lei n° 178/86, ao concessionário, também nos parece ser de aplicar ao distribuidor autorizado, contanto que se justifique a compensação por falta de pré-aviso. A opção pela aplicação da regra de cálculo prevista naquele número, em vez da regra prevista no n° 1 do mesmo preceito legal, foi da A.

           

    Contudo, a facilidade com que se calcula a quantia devida ao agente com base numa remuneração pelos serviços agenciados poderá não ser a mesma com que se consideram os lucros do distribuidor com direito à reparação, precisamente porque pode haver uma diferença sensível entre o que seja o lucro médio líquido e o lucro médio bruto, como fator de cálculo.


      Vejamos os factos provados (nesta matéria ficaram aquém dos factos alegados pela A.).


     No ano de 2008, a margem bruta de comercialização dos produtos fornecidos à A. pela R., correspondente à diferença entre o preço de aquisição e o preço de venda pela Saner aos seus clientes foi de € 413.715,00 o que dá uma média mensal de € 34.476,25.


      Ao longo da evolução da relação comercial com a R, em grande parte, por causa do crescimento desta, a A. arrendou dois armazéns adicionais e, posteriormente, substituiu-os por um novo, que fez construir, tendo também adquirido “racks” metálicos, vitrinas de exposição, máquinas e equipamentos para a oficina e para o posto de abastecimento de combustíveis, cerca de dez viaturas, empilhadores, contratou dez vendedores, um diretor comercial e dois chefes de equipa.

           

      Na falta de outros elementos de facto que nos permitam realizar um cálculo mais rigoroso, aritmético, partimos daqueles factos para recorremos à equidade, nos termos do art.° 566°, n° 3, do Código Civil).


      Pensamos que a dúvida interpretativa pode ser resolvida temperando o critério do n° 2 com o critério que o n° 1 do mesmo art.° 29° prevê quando apela à reparação dos danos causados pela falta de pré-aviso.


        Se grande parte dos investimentos que foram efetuados pela A. ao longo dos anos em que o contrato vigorou é de atribuir ao crescimento da relação comercial que manteve com a R., parece-nos razoável que não se considere apenas o lucro líquido da A. como critério de compensação pela falta de pré-aviso, até porque não é descabido admitir que a utilização de um prazo adequado para aquele efeito pudesse evitar uma parte do investimento efetuado»


     Foram estas criteriosas considerações que estiveram na base da decisão que fixou em € 140.000,00 (cento e quarenta mil euros) o montante indemnizatório supra referido.


      Não será conveniente concluir a apreciação desta questão, sem recorrer, uma vez mais, aos preciosos ensinamentos do Prof. António Pinto Monteiro, quando assim se pronuncia em anotação ao artº 29º do DL 178/86, de 3/07:

     «Uma vez que a denúncia do contrato pode acarretar grandes inconvenientes e prejuízos para qualquer das partes, o legislador, como já se disse, estabeleceu prazos que permitam acautelar a outra parte contra uma cessação quase imediata, embora com a preocupação, por outro lado, de não prejudicar, com a fixação de prazos demasiado longos, o exercício, na prática, do direito (potestativo) de denúncia.


     Não sendo respeitados, todavia, os prazos estabelecidos no artigo 28°, o contraente que assim proceder deve indemnizar o outro contraente pelos danos causados pela falta de pré-aviso, tanto danos emergentes como lucros cessantes (são os “'danos da antecipação", na expressão de Medicus, conforme destaca Paulo Mota Pinto: Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, vol. II, Coimbra Editora, 2008, p. 1063, nota 2970).


    Dadas as dificuldades de prova com que o agente poderá deparar, ou porque a indemnização, apurada nos termos do n° 1, poderá não ser significativa, o n° 2 oferece-lhe, em alternativa, a possibilidade de exigir uma quantia determinada segundo outro critério.

           

      Note-se que esta faculdade é restrita ao agente (pode ver-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Março de 2006, in CJ - Acs. STJ, ano XIV, tomo I, pp. 106, ss. e 109, bem como o Acórdão da Relação de Lisboa de 7 de Maio de 2009, in http://www.dgsi.pt, Rei. Des. Granja da Fonseca, Proc. 2791/06.6TBSXL-6, que aplica esta norma ao contrato de concessão comercial)» (A. Pinto Monteiro, Contrato de Agência cit, pg. 133).


     Quanto à aplicação do critério da equidade para o cálculo da compensação ao agente ou concessionário comercial nos termos do nº 2 do artº 32º do DL 178/36, de 03/07 pode ver-se, no plano jurisprudencial, a posição seguida pelo Acórdão da Relação de Lisboa, especificamente citado pelo mesmo autor, na mesma obra e em anotação ao artº 32º do Regime Jurídico do Contrato de Agência (op. cit, pg. 141).

        

     Trata-se, com efeito, do Acórdão da Relação de Lisboa, de 2 de Dezembro de 1999 (Relator, o Exmº Juiz Desembargador, Manuel Silva Pereira) em que o referido aresto decidiu que ainda que ainda que a resolução seja lícita, a parte que resolve o contrato fica adstrita ao pagamento de uma indemnização à outra calculada segundo critérios de equidade, como se colhe do seguinte trecho do referido Acórdão:

     «A sentença entendeu que, embora a resolução não fosse ilícita, em todo caso há a obrigação de Indemnizar nos termos do art 32º nº 2 do Decreto-Lei n" 178/86, que Importa conjugar com o art. 30°, alínea b), do mesmo diploma, ao passo que a Apelante defende que o caso é subsumível na alínea a) do art 30º pelo que não há lugar à Indemnização.   .

      O art 32º nº 2 contempla uma situação em que há justa causa, não por incumprimento de deveres contratuais, mas por força de circunstancias objectivas, não imputáveis a qualquer das partes, descritas na alínea b) do art. 30º. Então, ao arrepio das regras gerais, a justa causa coexiste com a obrigação de indemnizar. E o mesmo não acontece se a resolução se basear na alínea a) do art. 30*. er que há incumprimento pela outra parte de obrigações, quando pela sua gravidade ou reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual.


       É exactamente essa a situação sub judicio, em que existe justa causa para a indemnização por equidade, sem que, contudo, tenha sido provado incumprimento da Ré CC em virtude de, com a elevação inopinada dos preços e o quadro que consta da factualidade provada, terem sido criadas circunstâncias que tornaram impossível ou, pelo menos, gravemente prejudicada a realização do fim contratual, nos temos descritos no artº 30º alínea b) do falado regime legal da Agência, aplicável in casu.


       São desnecessárias mais palavras para se explicar a razão de tal montante indemnizatório e a própria fundamentação da atribuição pela falta de aviso prévio.


       Claudicam, consequentemente, as conclusões atinentes a esta questão.


           9ª questão


          Da Indemnização de Clientela

         (conclusões 1.26 a 1.34 da minuta recursória)


    A Recorrente CC, S.A., condensa a matéria alusiva ao seu inconformismo relativo à indemnização de clientela que a Relação a condenou a pagar à autora Saner, nas conclusões 1.26 a 1.34 da referida peça processual e que aqui se recordam para maior facilidade de entendimento da questão:


1.26 - Não ficou demonstrado qual era o número de clientes existente antes de a Autora passar alegadamente a actuar como distribuidora da Ré, como também não ficou demonstrado qual era o volume de negócios da Ré em todo o território que a Autora entende como sendo explorado por si, antes da sua intervenção, para podermos perceber se o aumento do volume de negócios foi sequer significativo, pelo que cai forçosamente um dos requisitos necessários para que a indemnização de clientela pudesse ser atribuída.


1.27 - Os factos apurados não distinguem se as vendas realizadas pela Autora resultam diretamente do Cash and Carry ou da alegada actividade de distribuição. Da factualidade constantes nas alíneas e), f) e g) da matéria de facto provada, que, por sua vez, têm o seu suporte no relatório pericial, não é feita essa distinção.


1.28 - Logo, sem este esclarecimento, não nos é possível confirmar quais os clientes angariados pela Autora por causa da sua actividade, enquanto alegados distribuidores e não enquanto Cash and Carry, pelo que fica por preencher o primeiro requisito relativo a indemnização de clientela.


1.29 - A notoriedade da marca Coca-Cola é um facto público e notório, o que determina que os produtos em causa são, na verdade, a variável que releva no que respeita a atracção de clientela.


1.30 - Devemos necessariamente concluir pela não verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 33.° do Decreto-Lei n.º 178/86 e, consequentemente, deverá o acórdão da Relação do Porto ser revogado.


1.31 - Os factos apurados são totalmente omissos quanto à existência de um benefício considerável para a Ré, sendo certo que o facto provado H diz respeito à Autora e não à Ré. Aliás, nem sequer foi alegado pela Autora que existiu um benefício considerável para a Ré. sendo certo que o facto provado p) também não é susceptível de o demonstrar, pelo que devemos necessariamente concluir que este requisito também fica por demonstrar e, consequentemente, deverá o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser revogado.


1.32 - Compete ao concessionário alegar e provar factos que preencham o requisito previsto na alínea c) do artigo 33.° do Decreto-Lei n.º 178/86. A Autora, contudo, sobre esta matéria, conforme se disse, nem sequer a procurou demonstrar, pelo que devemos necessariamente concluir que o dito requisito ficou por preencher.


1.33 - Ficou demonstrado que a Autora até continuou a beneficiar da eventual clientela angariada, na medida em que continuou a vender produtos da Ré, pois é o que decorre da alínea k) da matéria de facto provada.


1.34 - Verifica-se que não se encontram reunidos os pressupostos para que possa ser conferida à Autora uma indemnização de clientela nos termos dos artigos 33.° e 34.° do Decreto-Lei n.º 178/86.


    A matéria de facto, apurada definitivamente e plasmada no acervo factual supra transcrito, é «quantum satis» justificativa da falada condenação, como se passa a demonstrar.

    Desde logo, importa ter em atenção que a expressão «indemnização de clientela» não constitui summo rigore uma indemnização no sentido clássico ou tradicional do termo.

   Por outras palavras, não se traduz numa medida ressarcitória ou mesmo compensatória de prejuízos ou danos sofrido por outrem que, por isso, não carecem de ser alegados e provados.

        

     Constitui, sim, «uma compensação ou contrapartida de uma vantagem obtida pelo principal e de uma perda sofrida pelo agente» (Mª Helena Brito, O Contrato de Concessão Comercial cit. pg. 100).


    No direito germânico, tal instituto tem, precisamente, a designação expressiva de Ausgleichsanspruch [Ausgleich = compensação, equilíbrio, perequação, contrapartida + Anspruch = direito a, pretensão].

        

      É deveras elucidativa a lição da Profª Maria Helena Brito quanto a este ponto específico, pelo que não resistimos a aqui transcrever tão precioso ensinamento:

   A “indemnização de clientela” é calculada segundo a equidade, devendo ser exigida nos três meses posteriores à cessação do contrato (art. 34.°).

       Esta “indemnização de clientela” não tem a natureza de reparação pelo prejuízo sofrido pelo agente com a cessação do contrato; é antes uma compensação ou contrapartida de uma vantagem obtida pelo principal e de uma perda sofrida pelo agente. O fundamento desta “indemnização” é o incremento da clientela, que reverte a favor do principal, enquanto o agente perde a retribuição que poderia auferir daquela clientela se o contrato não terminasse.

           

     No direito português, a “indemnização de clientela” devida ao agente, não tendo função reparadora, não é, em sentido próprio, indemnização; também não parece configurar uma pretensão fundada no injustificado enriquecimento de outrem (o principal); não é igualmente adequado pensar em protecção social do agente. Pelo contrário, trata-se de um direito à retribuição por serviços prestados: o originário direito à comissão transforma-se, por efeito da cessação do contrato, em direito a uma compensação, que tem em conta as retribuições esperadas pelo agente se o contrato não fosse interrompido. Em conclusão, pois, trata-se de uma remuneração pela clientela angariada pelo agente e de que vem a beneficiar o principal» (Maria Helena Brito, O Contrato de Concessão Comercial, cit. pg. 100, sendo nosso o destaque a negrito).


      Este é também o entendimento praticamente consensual da nossa jurisprudência, como se pode ver inter alia, no Acórdão desta Secção do Supremo Tribunal, de 12-05-2016, supra identificado, onde estava em causa precisamente um contrato de distribuição comercia e onde se lê no item IV do seu sumário:

       IV - A indemnização de clientela não constitui uma autêntica indemnização por danos, apenas relevando para efeitos do seu reconhecimento e cálculo da indemnização o regime previsto nos arts. 33.° e 34.° do DL n.º 178/86, de 03-07, e não o regime geral da obrigação de indemnização.


       O que se exige para o reconhecimento do direito à indemnização da clientela é – como bem afirma Pinto Monteiro – que, de acordo com o modelo que a lei portuguesa adoptou, se verifiquem os pressupostos para «uma compensação a favor do agente, após a cessação do contrato, pelos benefícios que o principal continue a auferir com a clientela angariada ou desenvolvida pelo agente. Ela é devida seja qual for a forma por que se põe termo ao contrato ou o tempo por que este foi celebrado (por tempo determinado ou por tempo indeterminado) e acresce a qualquer outra indemnização a que haja lugar (por exemplo, por falta ou insuficiência de pré-aviso ou por violação do contrato pelo principal). É como que uma compensação pela «mais-valia» que o agente proporciona ao principal, graças à actividade desenvolvida pelo primeiro, na medida em que o principal continue a aproveitar-se dos frutos dessa actividade, após o termo do con­trato de agência» (P. Monteiro, Denúncia de um Contrato  cit, pg. 79, sendo nosso o destaque a bold)

           

      Para tanto, afigura-se-nos claro o texto legal quando, no artº 33º do DL 178/86 de 3 de Julho, consagra uma tríplice exigência para que haja lugar a tal compensação que é designada por indemnização de clientela e que aqui se indica:

a) O agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente;

b) A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente;

c) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a).


    Como atrás dissemos, a factualidade provada e definitivamente fixada demonstra devidamente a existência destes pressupostos para a atribuição de uma indemnização de clientela à concessionária AA S.A.


     Não relevam como impeditivos de tal indemnização de clientela, os múltiplos argumentos que a Recorrente invoca referindo não terem sido alegadas e provadas as situações que aí enumera, pois o que está em causa é o preenchimento cumulativo dos pressupostos assinalados nas três alíneas do artº 33º do DL 178/86 de 3 de Julho.

        

       Vejamos, então, se tais exigências legais foram observadas!

        

       Nada melhor, para tanto, do que transcrever aqui e agora a passagem do acórdão da Relação – entidade soberana na decisão da matéria de facto – para se constatar que tal factualidade integrante dos supra citados requisitos foi tida em devida consideração para o arbitramento da indemnização da clientela:

   «O caso em análise é de simples distribuição autorizada, em termos gerais, de discutível integração na rede da R. Não havia as obrigações típicas da concessão comercial, designadamente o controlo pela CC da ação comercial da AA, tudo conforme acima já especificado aquando da qualificação do contrato.


    Todavia, foi criada séria dependência económica da A. relativamente à CC, ditada pelos descontos que esta lhe fazia, superiores aos preços que praticava com os restantes grossistas, e isso foi um importante fator de crescimento do negócio da Saner, com evidentes vantagens para a CC. Não há dúvida de que entre as partes havia um relacionamento especial, pelo qual a R. tirou partido comercial das áreas de influência económica da A. No ano de 2005, fruto da sua atividade de compra e revenda de produtos CC já os revendia a 1.049 clientes, no ano de 2006 a 1.244, no ano de 2007 a 1.251, e no ano de 2008 a 1.609. Em 2004, fruto da sua atividade de compra e revenda de tais produtos, a AA faturou aos seus clientes €1.965.181,00, no ano de 2005 € 6.650.483,00, no ano de 2006 € 10.332.719,00, no ano de 2007 € 11.924.596,00, e no ano de 2008 € 10.347.259,00. É um enorme incremento negocial.


      Assim, ao longo daquela relação contratual duradoura, a A. angariou novos clientes e aumentou substancialmente, o volume do negócio, em seu benefício e em benefício da CC. Esta, após a cessação do contrato, continuou a beneficiar dessa clientela, ainda que, tal vantagem continuasse a ser proporcionada através de outros distribuidores, para os quais a AA perdeu grande parte dos seus clientes. Tal situação não é imputável à A.


    Ainda que sem integração controlada na rede de distribuição da R., tal como ela é concebida na concessão comercial tout court, havia entre as partes uma relação de compromisso duradoura, estável e de confiança que se deve presumir recíproca, assente numa política especial de preços que, criando dependência económica da A. não fazia supor a cessação abrupta dessa relação em que havia colaboração, e a perda efetiva e significativa de clientela que a A. angariou ao longo de vários anos na sua área de influência comercial; perda ditada pela R. para a A. continuando aquela a beneficiar, em larga media, dos clientes e volume de negócio obtidos por aquela.


     Pensamos que esta é justamente uma situação, ainda que incomum, em que a indemnização de clientela se justifica por aplicação adaptada e analógica da norma do art.° 33°, a calcular segundo a regra, também adaptada, do subsequente art.° 34° do Decreto-lei n° 178/86, de 3 de Julho, em que pesam as boas regras de prudência, razoabilidade e justiça concreta que caraterizam a equidade e que jamais poderá ultrapassar a média anual dos lucros recebidos pela A. entre 2004 e 2008, segundo uma leitura adaptada daquele art.° 34°, que correspondes, em termos brutos, à quantia de € 288.500,34 (cf. ponto g) dos factos provados).


      Importa considerar que a A., não obstante ter sofrido uma diminuição acentuada de clientela, manteve uma parte não apurada dos seus clientes. Para além disso, é muito relevante o que observámos relativamente ao vínculo contratual que unia as partes. Não há aqui a força de um indiscutível contrato de agência, de um contrato de concessão comercial ou de um contrato de franquia em que a aplicação das regras da indemnização de clientela é mais segura pela definição do conceito. O que temos é um contrato que as partes não submeteram à forma escrita (ao contrário do que é habitual), sem previsão nem atos concludentes ou obrigações próprias do controlo económico que, na concessão comercial, carateriza a integração do concessionário na rede de distribuição do concedente, mas em que, ainda assim, existe uma ténue integração ditada pela política de preços especiais com alguma troca de informação relativa a clientes em benefício da R.

       E porque era significativa a fragilidade e a insegurança do quadro contratual em que atuavam as partes, mais elevado era também o risco de funcionamento da relação negocial que a A. também não acautelou.


    E fraca a intensidade com que se afirmam, no caso, as notas que permitem equiparar a A. ao agente.


       Tudo ponderado, temos como equitativo fixar a indemnização de clientela a favor da A. na quantia de € 80.000,00.


       A transcrição efectuada não permite dúvidas, quer relativamente ao reconhecimento da indemnização da clientela, quer quanto ao respectivo montante fixado, tendo sempre no horizonte os parâmetros tidos como pressupostos de tal compensação do agente ou concessionário comercial nas três alíneas do artº 33º do DL 178/86 de 3 de Julho.

        

     São também perfeitamente eloquentes, para a presente apreciação, os factos provados d)-3 a d)-7 supra transcritos, além dos referentes ao volume das vendas e respectivos ganhos que constam do acervo factual fixado e supra transcrito.

      Nunca se poderá olvidar que a nossa lei estabeleceu a equidade como critério judicante do montante a atribuir, desde que respeitando os parâmetros assinalados no apontado preceito legal, a exemplo, aliás, de vários outros ordenamentos jurídicos e, assim sendo, tendo em vista a inexistência da forma escrita que é usual nos negócios jurídicos congéneres e o muito que, mesmo assim, se logrou provar, nada há a censurar à criteriosa análise da decisão recorrida.

       Recorrendo ainda à palavra autorizada de Pinto Monteiro, haverá que ter em consideração que «tudo depende, no essencial, por um lado, das funções, tarefas e serviços prestados pelo concessionário, em termos de ele dever considerar-se como um relevante factor de atracção da clientela, e, por outro lado, dos benefícios que o concedente possa vir a retirar dessa clientela, após a cessação do contrato, o que implica, designadamente, que é tenha efectivo acesso a ela».


        O que vem dito pela Relação, derradeira entidade na análise e valoração da matéria de facto apurada, cremos não haver dúvidas de que bem andou o tribunal recorrido em arbitrar a favor da Autora AA, S.A, a indemnização de clientela referida.

         Claudicam, deste modo, as conclusões respeitantes a esta questão.


            10ª questão


       Quanto ao Quantum da Indemnização de Clientela (Cálculo)

(conclusões 1.35 e 1.40 da minuta recursória)


1.35 - No que respeita ao cálculo da indemnização de clientela, manda o Supremo Tribunal de Justiça atender-se não à margem bruta, mas sim ao lucro líquido.


1.36 - A Autora nem sequer alegou factos que nos permitam concluir qual era o seu lucro líquido. Neste sentido, a ausência de factos teria de ter determinado a impossibilidade de se apurar qualquer valor e, consequentemente, a pretensão formulada pela Autora deveria ter sido julgado improcedente.


1.37 - Verifica-se que o Tribunal a quo partiu de um valor (margem bruta) para seguir esse critério que não é o aceite pela jurisprudência superior, o que levará necessariamente a um resultado incorrecto e, consequentemente, a indemnização atribuída deve ser revogada ou pelo menos reduzida.


1.38 - Os valores constantes nas als. f) e g) da matéria de facto provada, que, por sua vez, têm o seu suporte no relatório pericial, dizem respeito ao total de vendas da Autora, o que inclui necessariamente as vendas do Cash and Carry, o que não poderá ocorrer, aquando do cálculo de uma putativa indemnização de clientela.


1.39 - O Tribunal a quo não tinha matéria suficiente para poder determinar uma indemnização de clientela.


1.40 - Não foi respeitado o regime resultante dos artigos 33.° e 34.° do Decreto- Lei n.º 178/86 e, consequentemente, o recurso interposto pela Autora deve ser julgado improcedente.


     No tangente ao quantum da indemnização de clientela, é ainda de referir a asserção da ilustre Professora de Direito, que vimos de citar na questão anterior, quanto aos requisitos ou pressupostos da citada indemnização e que se apresenta de forma sintética e esquemática:

       «Seja qual for a forma de cessação do contrato, e independentemente de qualquer outra indemnização a que tenha direito por aplicação das disposições anteriores, ao agente é devida, segundo o art. 33.°, uma “indemnização de clientela” após a cessação do contrato, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes condições:

– aumento de clientela ou do volume de negócios para o principal, como resultado da actividade exercida pelo agente;

– existência de benefícios consideráveis para o principal, após a cessação do contrato, em consequência da actuação do agente;

– ausência de retribuição ao agente por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes angariados pelo agente» (M. H. Brito, op. cit., pg. 99)


       Certo que in casu não nos encontramos no domínio de um contrato de agência mas de distribuição autorizada, porém, já vimos que o arquétipo legal do contrato de agência tem sido considerado, especialmente neste concreto aspecto, a figura matriz dos contratos de concessão comercial em cujo género se integram várias espécies negociais, entre as quais justamente os contratos de distribuição.


      Assim, o Prof. Pinto Monteiro expressamente se pronuncia do seguinte modo, no seu já citado estudo «Denúncia de Um Contrato de Concessão Comercial»:

   «Começo por chamar a atenção para que a indemnização de clientela é também de atribuir em situações que não se enquadrem perfeitamente nos limites da agência. E o que poderá suceder, desde logo, caso se depare com uma união ou coligação de contratos (de agência e de concessão comercial, por ex.), ou com um contrato misto, a que seja de aplicar, total ou parcialmente, em conformidade com as regras que disciplinam estes contratos, o regime da agência.

       Mas temos entendido que esta indemnização poderá ainda beneficiar outros sujeitos, como os concessionários, sempre que a analogia se verifique. É que o contrato de con­cessão envolve, frequentemente, uma actividade e um conjunto de tarefas similares às da agência, estando os contraentes unidos, de modo idêntico, por relações de estabilidade e de colaboração e comungando de um objectivo comum. Nem será obstáculo decisivo, por si só, o facto de o concessionário actuar por conta e em nome próprio, pois essa situação não evita que, no plano interno, o concedente e o concessionário sejam as partes da relação de distribuição. As revendas, pelo concessionário, aos clientes, constituem obrigações que fazem parte do contrato de concessão comercial, como contrato-quadro. Acresce, por outro lado, poder de certo modo considerar-se o concedente, de um ponto de vista económico, também como «parte» da relação de distribuição estabelecida com os terceiros, a ele ficando normalmente ligada a clientela no termo do contrato.


    Tudo passa, assim, num primeiro momento, por averiguar, em cada caso concreto, se o concessionário, pese embora juridicamente actue por conta própria, desempenhou funções, cumpriu tarefas e prestou serviços semelhantes aos de um agente, em termos de ele próprio dever considerar-se, pela actividade que exerceu, como um relevante factor de atracção da clientela. A sua (maior ou menor) integração na rede do concedente, as obrigações (mais ou menos extensas, mais ou menos intensas) que assume em ordem à prossecução e defesa dos interesses deste, os deveres de informação a seu cargo e de respeito pelas instruções que dele recebe, o tipo de bens distribuídos, etc, serão, para esse efeito, elementos importantes a considerar


      Se, ponderados todos esses factores, for de concluir, no caso concreto, pela equiparação de determinado concessionário, atenta a actividade exercida, a um agente, estarão removidas as primeiras dificuldades à aplicação analógica do regime da agência — e, portanto, à atribuição ao primeiro da indemnização de clientela que a lei prevê a favor do agente. Assim como estará provado o requisito prescrito no art. 33.°, n.º 1, alínea a).


     Há que averiguar, porém, num segundo momento, se a norma que se convoca é adequada ou se ajusta ao contrato de concessão. Importa reflectir, para o efeito, sobre a ratio legis, a fim de vermos se a norma pode aplicar-se analogicamente, não bastando, pois, o parentesco funcional entre o concessionário e o agente». (Op. cit, pg. 85-88).


       Certo é que a nossa jurisprudência, designadamente a deste Supremo Tribunal de Justiça, entende que para o cálculo da indemnização de clientela se deve atender não à margem bruta, mas sim ao lucro líquido.

      Não se põe em causa tal entendimento que também defendemos, sempre que o circunstancialismo do caso permita tal consideração.

        

       Não é porém esse o caso sub judicio visto que não só o acervo factual apurado é omisso quanto a tal elemento, como também, é vincada no acórdão recorrido a fragilidade do vínculo contratual estabelecido, não obstante ter o mesmo perdurado desde 2003 a 2009 e com os bons resultados salientados no referido aresto.

        Por outras palavras e como bem julgou a Relação, este é um contrato sui generis não só por não ter sido reduzido a escrito como é habitual, como por reflectir uma certa «fragilidade e insegurança do quadro contratual», como aí expressivamente se diz.


      Por isso, a Relação, com apreciável objectividade, assim decidiu:

    «Pensamos que esta é justamente uma situação, ainda que incomum, em que a indemnização de clientela se justifica por aplicação adaptada e analógica da norma do art.° 33°, a calcular segundo a regra, também adaptada, do subsequente art.° 34° do Decreto-lei n° 178/86, de 3 de Julho, em que pesam as boas regras de prudência, razoabilidade e justiça concreta que caraterizam a equidade e que jamais poderá ultrapassar a média anual dos lucros recebidos pela A. entre 2004 e 2008, segundo uma leitura adaptada daquele art.° 34°, que correspondes, em termos brutos, à quantia de € 288.500,34 (cf. ponto g) dos factos provados).

           

     Importa considerar que a A., não obstante ter sofrido uma diminuição acentuada de clientela, manteve uma parte não apurada dos seus clientes. Para além disso, é muito relevante o que observámos relativamente ao vínculo contratual que unia as partes. Não há aqui a força de um indiscutível contrato de agência, de um contrato de concessão comercial ou de um contrato de franquia em que a aplicação das regras da indemnização de clientela é mais segura pela definição do conceito. O que temos é um contrato que as partes não submeteram à forma escrita (ao contrário do que é habitual), sem previsão nem atos concludentes ou obrigações próprios do controlo económico que, na concessão comercial, carateriza a integração do concessionário na rede de distribuição do concedente, mas em que, ainda assim, existe uma ténue integração ditada pela política de preços especiais com alguma troca de informação relativa a clientes em benefício da R.


       E porque era significativa a fragilidade e a insegurança do quadro contratual em que atuavam as partes, mais elevado era também o risco de funcionamento da relação negocial que a A. também não acautelou.


     É fraca a intensidade com que se afirmam, no caso, as notas que permitem equiparar a A. ao agente.


     Tudo ponderado, temos como equitativo fixar a indemnização de clientela a favor da A. na quantia de € 80.000,00»


    Porém, a assinalada fragilidade vinculativa, por isso que em nada prejudicou o funcionamento do acordado, não pode conduzir à pura e simples negação da indemnização de clientela, visto que nunca se pode olvidar que, como ensina o ilustre Professor da Universidade de Lisboa, Doutor Menezes Leitão, «a indemnização de clientela funda-se na ideia de não ser justo o principal conservar, após o fim do contrato, os benefícios da actividade desenvolvida pelo agente, tendo este deixado de auferir a correspondente remuneração, o que justifica a atribuição de uma prestação suplementar» (L. M. Menezes Leitão, «A Indemnização de Clientela no Contrato de Agência», Almedina, 2006, pg. 34).


     É certo que as considerações deste autor, que vimos de citar, dizem respeito ao contrato de agência, mas não é menos certo que este mesmo ilustre Professor defende a extensão do regime deste contrato tipificado na lei ao contrato juridicamente atípico de concessão comercial e, portanto, ao caso sub-judicio, como se colhe da seguinte passagem do mesmo estudo:

    «Por nosso lado, parece-nos efectivamente que a situação do concessionário no momento da denúncia do contrato é tão merecedora da atribuição da indemnização de clientela como a do agente, desde que se verifique o pressuposto da obrigação de transmissão do círculo de clientes ao concedente e este adquira benefícios dessa transmissão ( op. cit, pg. 84/5).


     Em todo o caso, não podemos olvidar que o tribunal com competência para a apreciação e valoração da matéria de facto em derradeira instância, valorou tal factualidade no sentido de a integrar numa relação contratual de distribuição autorizada, considerando-a todavia, “expressis et apertis verbis”, como sendo «significativa a fragilidade e a insegurança do quadro contratual em que atuavam as partes».


      Daí que a Relação tenha estribado a aplicação do quantum indemnizatório de clientela essencialmente num juízo de equidade, pois como vem milenarmente sendo considerado à luz da concepção aristotélica, «a equidade é a justiça do caso concreto».

        

     Nas palavras sempre impressivas de Oliveira Ascensão, «a equidade dita soluções para casos, atendendo às peculiares características destes» [Oliveira Ascensão, «O Direito, Introdução e Teoria Geral (Uma Perspectiva Luso-Brasileira)», Almedina, 9ª edição, pg. 245].


     Em suma, se a equidade «é a justiça do caso concreto» e se a indemnização de clientela é uma «compensação ou contrapartida de uma vantagem obtida pelo principal e de uma perda sofrida pelo agente», cujo fundamento é o incremento da clientela, que reverte a favor do principal, enquanto o agente perde a retribuição que poderia auferir daquela clientela se o contrato não tivesse terminado, não vemos que o montante de tal compensação, calculada com base na equidade, deva ser alterado, face aos elementos de facto que integralmente o suportam.

        

         Claudicam, desta sorte, as conclusões da alegação da Recorrente alusivas a esta questão.


            11ª questão


            Dos Juros atribuídos pelo Tribunal a quo

      (conclusões 1.41 e 1.42 da minuta recursória)


      Nas conclusões seguintes, a Recorrente manifesta a sua discordância em relação ao cômputo do juros atribuídos, com o seguinte argumentário:


1.41 - Os juros de mora da obrigação de indemnização de clientela contam-se a partir da data da sentença, por só aí se ter tornado líquida (art. 805.°, n.º 3, primeira parte, do Código Civil)", contrariando-se assim o entendimento do Tribunal a quo.


1.42 - O acórdão do Tribunal a quo deverá ser sempre revogado, sendo que uma eventual condenação no pagamento de juros deverá implicar que os mesmos apenas se contabilizem a partir do momento em que o montante da indemnização se torne líquido, a saber: a notificação do acórdão.


     Com efeito, o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002, de 27-06-2002, estabeleceu jurisprudência no sentido de que os juros moratórios são contados a partir da decisão actualizadora e não da citação, sempre que tal indemnização pecuniária tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artº 566º do C. Civil.


Ainda que não tenha sido declarada expressamente tal actualização, a aplicação do critério da equidade para a determinação do quantum indemnizatório evidenciaria tacitamente a mesma, como se entendeu no Acórdão deste Supremo Tribunal de 30-10-2008, desta mesma Secção Cível (Relator, o Exmº Conselheiro Bettencourt de Faria), onde se decidiu que «se o montante de uma indemnização for determinado através da equidade tem de se entender que esse quantitativo está actualizado» (Pº 08B2662, disponível em www.dgsi.pt).


A ratio decidendi de tal decisão mostra-se expressa no referido aresto, nos seguintes termos: «uma quantia fixada segunda a equidade, é-o, atendendo aos padrões actuais de justiça do julgador. Deste modo, ainda quando nada se diga, há que entender que tal montante é fixado de forma actualizada».


Dado que no presente processo o reconhecimento dos pressupostos indemnizatórios em ambas as condenações foi apenas efectuado no Acórdão do tribunal da apelação (Relação), sendo os respectivos montantes fixados com base na equidade, importa corrigir o erro havido, pelo que os juros moratórios serão contados apenas a partir da notificação do referido Acórdão e, como é evidente, têm a natureza de juros comerciais, já que as partes são sociedades comerciais e o objecto do presente recurso é um acto jurídico comercial bilateral (contrato de distribuição autorizada), tendo, in casu, plena aplicação o disposto no § 2º do artº 102º do Código Comercial e o disposto no § 3º do mesmo preceito legal, visto não ter havido fixação por escrito da taxa dos mesmos (§ 1º do referido inciso legal).


      Com a apontada rectificação do termo inicial da contagem dos juros e dado que claudicou a quase totalidade das conclusões das questões levantadas no presente recurso, é patente que improcede na quase totalidade o recurso da Ré, CC, S.A, com excepção da parte referente ao início do cômputo dos juros.

      

          Recurso de AA, S.A


A Autora, AA, S.A. veio também recorrer do Acórdão da Relação proferido no presente processo, manifestando a sua discordância relativamente ao quantum arbitrado a título de indemnização de clientela e indemnização por falta de pré-aviso.


Para tanto, agrupa as inúmeras conclusões recursórias sob as seguintes rubricas das questões que equaciona:

a) Natureza do contrato – conclusões 1 a 10

b) Indemnização de Clientela – conclusões 11 a 44.


Quanto à 1ª questão (natureza do contrato), tece a Recorrente AA longas e doutas considerações visando demonstrar que o acordo estabelecido, entre as ora partes no persente litígio, configurou um puro e paradigmático contrato de cooperação comercial (sic), pelo que lhe é aplicável, por analogia, o regime legal da agência.

Esta questão foi tratada de forma exaustiva no recurso que antecede (da Ré CC), ficando demonstrado que se trata de um contrato de distribuição autorizada – cujo conceito técnico-jurídico aí se expôs a nível dogmático – sendo, por isso, aplicável subsidiariamente, o regime de agência, pelo que nada mais há a tratar quanto à mesma que já se mostra supra decidida, claudicando, destarte, as respectivas conclusões da douta minuta recursória.


Quanto à 2ª questão (montantes indemnizatórios arbitrados), muito se disse sobre a indemnização de clientela, assim como quanto à questão de falta de pré-aviso, com ampla análise dos fundamentos apresentados pela Relação para a fixação dos referidos valores, pelo que se volve despiciendo tecer novas considerações relativamente ao argumentário da Recorrente/Autora que nada de novo acrescenta ao quanto dito ficou, pelo que tais conclusões claudicam também.


Como se lê no sumário do Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça e desta mesma Secção, de 17-05-2012 (Relator, o Exmº Conselheiro Abrantes Geraldes) «a quantificação da indemnização de clientela por parte do Tribunal, implica a ponderação, segundo critérios de justiça e equidade, da globalidade de circunstâncias e factores de ordem quantitativa (número de clientes, número de anos de duração do contrato, volume de negócios, etc) e qualitativa estando limitada à média ponderada do lucro líquido obtido nos últimos 5 anos» (Pº 99/05.3TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).


No caso vertente, como já se teve a oportunidade de salientar na apreciação do recurso da Ré CC, para o qual se remete, a Relação ponderou criteriosamente todo o circunstancialismo fáctico disponível que os autos lhe proporcionavam, antes de decidir com base na justiça do caso, ou seja a equidade, não merecendo tal juízo qualquer censura.


Relembra-se, uma vez mais, que para a atribuição da indemnização de clientela não é necessário que tenha havido danos ou que tenha havido um incumprimento culposo da outra parte, como amplamente se desenvolveu na fundamentação do recurso da Ré e para a qual expressamente se remete.


Citando Ferrer Correia e Lobo Xavier (RDES, IV – 124) a Recorrente esgrime o argumento de que «importante é ter presente que julgar segundo a equidade não significa julgar segundo critérios de miserabilismo. Errado é também pensar que a indemnização estabelecida por equidade se deve traduzir em indemnização simbólica» 


Não se põem em causa as doutas citações destes eminentes jurisconsultos, e os Tribunais deste país, habituados como estão à difícil e complexa missão de julgar onde, não raro, são chamados a decidir «ex aequo et bono» como no caso em apreço, conhecem bem a veracidade das mesmas.


Na judiciosas palavras de Menezes Cordeiro, «a equidade não é arbítrio: ela parte sempre do Direito positivo, expressão histórica máxima da justiça, em cada sociedade organizada. Simplesmente, ela alija determinados elementos técnicos e formais que apenas se justificam perante as exigências de normalização estadual. É, assim, possível fazer apelo ao razoável, ao equilíbrio entre as partes e à justa repartição de encargos. De modo paralelo, afastar-se-ão os obstáculos formais ou os argumentos hábeis mas, predominantemente, técnico-jurídicos, procurando antes ponderar os interesses globais das partes»


É exactamente tendo no horizonte este apelo «ao razoável, ao equilíbrio entre as partes e à justa repartição de encargos» que a Relação reconheceu o direito à indemnização da clientela à Autora e fixou o respectivo montante, «procurando ponderar os interesses globais das partes» como ensina o ilustre Civilista que vimos de citar e como bem o demonstra o próprio acórdão recorrido.

Não se vislumbra, pois, qualquer “miserabilismo” nem tão pouco se descortina alguma “indemnização simbólica” como se deixou explicitado na apreciação do recurso da Ré, que aqui se dá por reproduzido.

São termos em que, sem necessidade de mais considerandos, claudicam as conclusões atinentes a esta questão.

                                                                 

Relativamente à questão da natureza dos juros, já se decidiu supra que tais juros são comerciais como, aliás, vem defendido pela Aurora, tendo em atenção o disposto no § 3º do artº 102º do Código Comercial, visto não ter havido fixação por escrito da taxa dos mesmos (§ 1º do referido preceito legal).


Esta é a posição consensual da nossa jurisprudência, como se pode consultar inter alia no Acórdão da Relação de Lisboa, de 23-03-2012, relatado pelo Exmº Juiz Desembargador Jerónimo Freitas, onde consta o seguinte no seu sumário, na parte que ora interessa:

    «Tendo a R., sociedade comercial, formulado o pedido reconvencional de condenação dos AA. em determinada quantia, acrescida de “juros de mora”, a condenação daqueles nesse pedido de juros apenas poderia atender ao disposto no § 2.° do art.° 102.°, por serem esses os juros legais, como regra, para as operações comerciais» (Pº 244/2002.L1-6, disponível in www.dgsi.pt).


DECISÃO 


Face a tudo quanto exposto se deixa, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em negar procedência ao recurso da Autora, AA, S.A.


Quanto ao recurso da ré CC, S.A, o mesmo apenas procede na parte respeitante à questão da contagem dos juros que será a partir da notificação do acórdão da Relação que fixou as indemnizações com base na equidade, e não desde a citação como havia sido fixado na decisão recorrida que, nesta parte, se altera, mantendo-se a mesma em todo o restante.


As custas dos presentes recursos serão suportadas do seguinte modo:


Recurso da Autora, AA, S.A., por esta recorrente em face da sua sucumbência integral.


Recurso da Ré CC, S.A., por ambas as partes, sendo 9/ 10 pela Recorrente e 1/10 pela Recorrida AA, S.A. atendendo-se à proporcionalidade da sucumbência das partes, uma vez que a recorrida havia deduzido oposição relativamente à questão em que a recorrente Ré foi vencedora.

 

Processado e revisto pelo Relator.


Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 24 de Maio de 2018


Álvaro Rodrigues (Relator)

João Bernardo

Oliveira Vasconcelos

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[1]     Sobre os tipos e a atipicidade contratual, cfr. PAIS DE VASCONCELOS, Contratos Atípicos, Coimbra, 1995.