ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
PREVENÇÃO GERAL
JOVEM DELINQUENTE
Sumário

I.– Práticas sexuais com crianças de idades entre os 6 e os 3 anos) e a “tendência” revelada no Relatório Social (desde cedo o arguido manteve práticas sexuais, por vezes com 3 namoradas em simultâneo, desconhecedoras umas das outras), são circunstâncias a não consentir na credibilidade de uma medida positiva no que respeita ao afastamento da continuação de práticas delituosas.

II.– São também elevadas as razões de prevenção geral, pois que o crime de abuso sexual de crianças é dos crimes que causam mais alarme social, com repulsa e indignação na comunidade.

(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes da 9ª. Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.



I–RELATÓRIO:


No processo comum acima identificado, do Juízo Central Criminal de Sintra-Juiz 5, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi julgado o arguido A…, nascido em 3 de Maio de 1996, natural de Cabo Verde, nacionalidade portuguesa, solteiro, residente …,actualmente sujeito à medida de coacção de prisão preventiva à ordem dos presentes autos), tendo ali sido proferido Acórdão onde foi lavrada a seguinte Decisão (que se transcreve):

Em função do exposto, o Tribunal Colectivo delibera em:

A)–Julgar a acusação parcialmente procedente e, consequentemente:
1)–Condena o arguido A…, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, na pena de 4 (quatro) anos de prisão (ofendida B…,);
2)–Condena o referido arguido, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão (ofendida C…,);
3)–Condena o referido arguido, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 3, al. a), do Código Penal, na redacção dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (ofendida D…,);
4)–Procede ao cúmulo jurídico das penas ora aplicadas ao referido arguido e condena-o na pena única de 6 (seis) anos de prisão;
5)–Absolve o referido arguido da prática do demais imputado na acusação pública;
6)–Ordena a recolha de amostras de ADN ao arguido e a ulterior introdução dos resultantes perfis de ADN e dos correspondentes dados pessoais na base de dados de perfis de ADN, com finalidades de investigação criminal, nos termos dos artigos 8.º, n.º 2, e 18.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro (tendo presente que o arguido já foi submetido nos presentes autos a perícia de identificação de vestígios biológicos realizada pela INML - Delegação do Sul);
7)–Condena o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

B)– E delibera julgar os pedidos de indemnização civil totalmente procedentes e, consequentemente:
1)– Condena o referido arguido a pagar a cada uma das ofendidas B…, C…, D…, o montante global de € 5.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, quantia a que acresce juros de mora legais vencidos e vincendos desde a notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento;
2)–Condena o arguido nas custas inerentes ao pedido de indemnização civil, sem prejuízo das isenções de taxa de justiça existentes.
*

Inconformado, o arguido veio interpor recurso do referido Acórdão a que se aludiu supra, juntando aos autos a motivação que constitui fls. 358 a 366 dos autos, na qual formulou as conclusões que vão transcritas:

A pena concretamente aplicada ao arguido é manifestamente excessiva, no essencial, por 5 motivos:

a)-Há factos provados que conduzem à determinação da medida da pena que estão em contradição com factos não provados;
b)-Deveria, in casu, ser aplicada a atenuação especial da pena por se tratar de menor de 21 anos aplicando-se o regime do DL 401/82 de 23 de Setembro;
c)-Porque há agravantes que nunca deveriam ter sido consideradas, ou porque (i) sobre elas não foi feita prova ou porque (ii) a prova feita é inadequada;
d)-Porque a jurisprudência comparada assim o demonstra.

A.– CONTRADIÇÃO INSANÁVEL NO ACÓRDÃO
2.–O ponto 13 dos factos provados está em contradição com o ponto 3 dos factos
não provados.
3.–Ainda que admitindo que o ponto 3 dos factos não provados se reporta à intencionalidade dos factos e não aos factos em si, a falta de intencionalidade faz com que o ponto 13 dos factos provados perca qualquer relevância jurídicopenal.
4.–Note-se que apenas se admite esta hipótese por mera cautela de patrocínio.
5.–Em qualquer dos casos, não deve constituir, tal facto e sua intencionalidade, argumento de determinação da medida da culpa e, consequentemente, da pena concretamente aplicada.

6.–Facto é que o foi quando o Tribunal a quo determinou como fundamento da intencionalidade da conduta quando afirma no Acórdão o seguinte:
Relativamente aos actos sexuais praticados, importa notar que o arguido oscilou entre a mera exibição de actos de masturbação por referência a todas as ofendidas, a indução de práticas de
masturbação pelas próprias menores B…, e C…, e a prática de
coito e cópula vestibulares. (...)
O dolo do agente foi directo e intenso, como sucede naturalmente neste tipo de criminalidade.

7.–Por este motivo, deverá então a sentença ser retificada, perdendo toda esta consideração qualquer relevância
8.–Consequentemente, deverá a pena concretamente aplicada ser atenuada em função da falta de intensidade que ali se determinou.

B.– ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA A MENORES DE 21 ANOS
9.– O Tribunal a quo optou por não aplicar o regime de atenuação especial da pena a menores de 21 anos decorrente do Decreto Lei 401/82, de 23 de Setembro.
10.–Em concreto porque entendeu não se verificarem os pressupostos do artigo 4º. 11. O arguido discorda.
12.–Por um lado, o Tribunal não sustenta tal afirmação limitando-se a formalmente fazê-la.
13.–Por outro lado, como se viu das motivações deste recurso, a prática jurisprudencial, perfeitamente delineadas pelo Acórdão da Relação de Guimarães de 03.04.2017, é a de que o tribunal não pode deixar de investigar se se verificam as sérias razões a que se refere o DL nº 401/82 de 23/09 e se tal acontecer não pode deixar de atenuar especialmente a pena.
14.–Do mesmo acórdão se conclui que as fragilidades sociais e familiares que aparentemente circulam pelo acórdão recorrido, não deverão constituir-se em juízo desfavorável.
15.–E que o juízo deve ser positivo desde que não existam razões fortes para duvidar da possibilidade de reinserção.
16.–Deste modo, impõe-se concluir, in casu, pela aplicação do regime estabelecido no Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, com a atenuação prevista no artº 4º, porquanto as condições e a idade do arguido fazem crer que da atenuação resultarão vantagens para a sua reinserção.
17.–O Tribunal a quo fez uma declaração formal sem substancia factual pela qual afirma não encontrar motivos pelos quais julgue útil a aplicação deste regime especial.
18.–Quando na verdade deveria ter feito o oposto e tal como se afirma neste Acórdão o juízo deve ser positivo desde que não existam razões fortes para duvidar da possibilidade de reinserção.
19.–Deste modo, ao aplicar-se o regime aludido, deverá atenuar-se especialmente a pena nos termos do art.º 73º do Código Penal, ex vi art.º 4º do referido DL 401/82 de 23/9.
20.–Resultando assim num limite máximo da pena de prisão reduzido de 1/3.
21.–E num limite mínimo reduzido a 1/5 ou ao mínimo legal.

22.– O arguido foi condenado nos seguintes termos:
a.- Por um crime de abuso sexual de menor nos termos do 171º n.º 1 CP, com uma moldura penal de 1 a 8 anos, a 4 anos de prisão;
b.- Por um crime de abuso sexual de menor nos termos do 171º n.º 1 CP, com uma moldura penal de 1 a 8 anos, a 3 anos e 6 meses de prisão;
c.- Por um crime de importunação sexual de menor nos termos do 171º n.º 3 a), com uma moldura penal de 0 a 3 anos, a 2 anos e 6 meses.

23.– Aplicado o regime referido de atenuação especial da pena a menores de 21 anos, deverá o Acórdão recorrido ser retificado e aplicadas as seguintes penas:
a.-A moldura penal para o crime de abuso sexual de menor nos termos do 171º n.º 1 CP, passa a ser de 1 ano a 5 anos e 4 meses;
b.-A moldura penal para o crime de abuso sexual de menor nos termos do 171º n.º 1 CP, passa a ser de 1 ano a 5 anos e 4 meses;
c.-A moldura penal para o crime de importunação sexual de menor nos termos do 171º n.º 3 a), passa a ser de 0 a 2 anos.

24.– Assim consideradas as molduras penais e considerando o mesmo juízo de equidade e ainda sem considerar a primeira destas conclusões de recurso nem as que se seguem, deverá o cumulo jurídico situar-se não entre 1 ano e 10 anos de prisão, mas entre 1 ano e 5 anos e 4 meses de prisão.
25.– Considerando igualmente a mesma medida da pena aplicada que nesta moldura de cumulo determinou a aplicação de 6 anos de prisão, a pena em cumulo não deverá ultrapassar os 3 anos e 8 meses de prisão.
26.– Seguramente, nunca poderá a pena concreta exceder os 5 anos de prisão.
27.– Algo que negaria, à tangente, a possibilidade de aplicação da suspensão da sua execução, sobretudo considerando que o arguido já cumpriu mais de 1 ano de prisão por se encontrar em regime de prisão preventiva.

C.– AGRAVANTES.

a)- Inadmissibilidade do meio de prova
28.–O arguido não vislumbra nos autos qualquer documento relativo ao aproveitamento escolar das menores.
29.–Desde já se penitenciando caso tal facto seja falha sua.
30.–Sem prejuízo, a prova produzida deve ter em consideração o disposto na lei no que respeita à sua adequabilidade para o fim que se propõe.
31.–Quer isto dizer que aquilo que possa ser provado por prova documental, sobretudo quando de forma pública, não o pode ser provado por prova testemunhal (entre outros, vide art.º 393º ou art.º 364º CC).
32.–A prova sobre o aproveitamento curricular de que se fala, deveria ter-se feito por documento.
33.–Tendo-se bastado, o Tribunal, pelas declarações da mãe de uma das menores.
34.–Testemunho este que deverá, portanto, ser irrelevado.
35.–Consequentemente, não deverá ser tida em consideração a “elevada gravidade” por diminuição do “aproveitamento escolar” o qual, aliás, nem se sabe qual era nem qual passou a ser.

b)- Ausência de prova
36.–Do mesmo modo, desconhece o arguido qual o suporte probatório para o Tribunal a quo ter determinado como agravante o facto de o arguido ter “ligação a grupos de pares com comportamentos delituais”.
37.–Novamente, pode ter escapado à vista do arguido na consulta dos autos, mas seguramente não detetou qual a origem de tal conclusão e, como tal, não poderá a mesma constar do Acórdão.
38.–E seguramente, no melhor da sua memória, que tal facto não foi objeto no julgamento.
39.–Consequentemente não poderá constituir agravante, conforme se julgou no Acórdão, um facto que não tenha sustentação probatória.

40.–Devendo, como tal, remover-se toda a consideração que se transcreve:
Acresce que o arguido não logrou adaptar-se oportunamente à realidade social e educativa portuguesa após ter vivido 14 anos em Cabo Verde, o que veio a redundar em insucesso escolar e ligação a grupos de pares com comportamentos delituais.

D.–EQUIDADE E PROPORCIONALIDADE.

41.–A pena concretamente aplicada não é apenas severa.
42.–É manifestamente excessiva.
43.–Colocando, à tangente, o arguido fora do regime de suspensão de execução da pena.
44.–Não se trata apenas de entender que há um juízo de censura grave.
45.–Trata-se outrossim de concluir que, ponderadas todas as agravantes que foram ponderadas,
46.–Avaliados todos os factos provados e não provados,
47.–A pena concretamente aplicada vai muito além daquilo que deveria ter ido.
48.–A título exemplificativo e ainda que considerando que cada caso é um caso, foi apresentado nas presentes motivações um caso em tudo semelhante,
49.–Mais grave até.
50.–O de um arguido acusado pelos mesmos crimes.
51.–Acusado de 16 crimes.
52.–Quando nos presentes autos falamos de 3 crimes.
53.–Ponderadas todas as agravantes, o juízo final foi igual.
54.–6 anos de prisão para um arguido condenado pela prática de 16 crimes.
55.–6 anos de prisão para um arguido condenado pela prática de 3 crimes.
56.–O Acórdão a que nos referimos é o da Relação de Évora de 07 de Abril de 2015, mas tal referência não se trata de um pedido de clemência em juízo de paralelos ou em analogia.
57.–É que aquele Acórdão vai em linha com a plenitude da jurisprudência que em muito dista dos presentes autos.
58. No uso da bitola de tal julgador, como se viu, o juízo de equidade adequado determinaria a aplicação de uma pena de 2 anos e 8 meses de prisão.
59.–Menos de metade.
60.–O que surpreende nos presentes autos verdadeiramente, é a excessividade e desproporção na aplicação da pena em concreto, colocando desnecessariamente fora o regime da suspensão da execução da pena, um jovem de 21 anos que pela primeira vez na sua curta vida é sequer acusado de errar.
Nestes termos, e no mais de Direito que V. Exas. mais doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e revogando adequadamente a douta sentença que condenou o recorrente na pena de 6 anos de prisão, por ser desproporcionada e excessiva face às finalidades da punição, analisados todos os pressupostos acima expostos, pena essa que não deveria ter superado 3 anos e 8 meses de prisão ou, no limite e sem conceder, em máximo que não exclua pura e simplesmente o regime de suspensão da execução da pena de prisão assim se favorecendo a reinserção social do arguido e cumprindo os fins jurídico penais que a lei superiormente visa proteger.

Destarte, padecendo a douta decisão recorrida dos vícios invocados, sempre com o Douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente Recurso.
*

O Mº.Pº. respondeu ao recurso, com a motivação que consta de fls.370 a 375, formulando as conclusões que a seguir se transcrevem:
1)–À luz da motivação do ora Recorrente, A…, não merece qualquer reparo o douto acórdão proferido pelo tribunal a quo;
2)–Não se verifica preterição de qualquer disposição legal nem vício de que cumpra conhecer;
3)–Concluímos, pois, que quer as penas parcelares encontradas quer a pena única de 6 anos de prisão aplicada ao arguido não são desproporcionadas nem ultrapassam a medida da culpa, satisfazendo, do mesmo passo, pelo mínimo, os interesses preventivos gerais e especiais;
4)–Concordamos, pois, com o quantum das penas de prisão aplicadas ao arguido, ora Recorrente;
5)–A suspensão da execução da pena única de prisão, na hipótese de abaixamento da pena de prisão imposta, que não se concebe, não é aplicável ao caso dos autos, pois que, à luz das circunstâncias inerentes aos factos e à personalidade do arguido, que se revelou incapaz de reconhecer os graves actos de natureza sexual que praticou sobre três crianças com idade igual e inferior a 7 anos, e que pelo seu intrínseco desvalor suscitam uma elevada censurabilidade, não se mostra viabilizada a prognose de que a simples censura do crime e a ameaça de execução da pena de prisão possam realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – art.º 50º, nº 1, a contrario, do CP, sendo certo, de outro passo, que o quantum da pena de 6 anos de prisão aplicada ao arguido afasta logo a possibilidade da aplicação da pena de substituição.
Termos em que se conclui que o douto acórdão recorrido efectuou um correcto enquadramento jurídico-penal do caso concreto em apreço, pelo que deverá ser mantido nos seus precisos termos, com o que, decidindo pelo exposto,
*

Neste Tribunal, a Srª. Procuradora Geral Adjunta emitiu o parecer que consta de fls. 380, no sentido da improcedência do recurso.
*

Cumpridos os vistos, procedeu-se a conferência.

Cumpre conhecer e decidir.

II–MOTIVAÇÃO.

É jurisprudência constante e pacífica (p. ex. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, em www.dgsi.pt) que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como se extrai do disposto no artº 412º nº 1 e no artº 410 nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal.

O Recurso em apreço aponta ao acórdão o vício da contradição da matéria provada e da não provada. Pugna pela atenuação especial da pena através da aplicação do statuto do jovem delinquente e
invoca a excessividade da pena aplicada.
Antes de iniciar a apreciação das questões colocadas em recurso e, para melhor compreensão das mesmas, cumpre transcrever a matéria de facto fixada no acórdão e a sua fundamentação.
(transcreve-se)

Discutida a causa, provaram-se os seguintes factos com relevância para a decisão final:
1– As ofendidas B…, nascida em 07.11.2009, e C…, nascida em 02.04.2012, são filhas de E…, e de F…, e D…, nascida em 26.04.2010 é filha de G…, e de H…, mantendo as progenitoras uma amizade entre si.
2– F…, mudou de residência para Rio de Mouro juntamente com as filhas B…, e C…, passando a residir na Rua das Figueiras, em Rio de Mouro, mas como saía de casa todos os dias por volta das 05h00 passou a necessitar de apoio de terceiros para ficarem com as suas filhas.
3– Nessas circunstâncias falou com a “Tia Rosa”, com quem não tem qualquer relação de parentesco, que morava dois prédios ao lado, na Rua Figueiras n.º 5, 5º direito, Rio de Mouro, juntamente com o arguido A…,seu filho, e também com um sobrinho menor de idade, I…”, e dois primos, J…, e L…,..
4– Desta forma, todas as madrugadas F…, passou a levar as duas filhas a casa da “Tia Rosa” onde as menores permaneciam a cargo da mesma até aquela ir ela própria trabalhar.
5– Após essa hora e até F…, regressar para apanhar a menor B.., e levá-la à escola as menores ficavam entregues aos cuidados do arguido, J…, e L…,.
6– Como a menor C…, ainda não estava a frequentar nenhum jardim-de-infância permanecia na casa da “Tia Rosa” durante todo o dia.
7– Após o horário escolar, por volta das 17h00, era o arguido A…, que ia buscar à escola a menor B…, e a levava para a sua residência onde permanecia até que a mãe das menores regressasse do trabalho e as apanhasse para as levar para a sua residência.
8– Já H…, mãe da menor D…,, reside sozinha com a sua filha em Algueirão Velho, encontrando-se separada do pai da menor.
9– Nas horas em que o estabelecimento de ensino que a mesma frequenta se encontrava fechado e a progenitora trabalhava era normal H…, pedir ao progenitor da menor para ficar com a mesma.
10– Nessas ocasiões, bem como durante dias do fim-de-semana que a menor estaria a passar com o pai, este entregava a menor D…, aos cuidados da “Tia Rosa”, com quem o mesmo não tem qualquer relação de parentesco, e do arguido, J…, e L…,.
11– Assim, aproveitando-se das fragilidades familiares de F…, e H…, que se viam obrigadas a recorrer a terceiros para irem trabalhar, e estando as mesmas confiantes que estavam a entregar as suas filhas a alguém que delas cuidaria e asseguraria o bem-estar, o arguido A…, em datas não concretamente apuradas compreendidas entre Setembro de 2015 e Agosto de 2016 manteve comportamentos sexualizados com as três menores ou na presença das mesmas quando se encontrava sozinho com as ofendidas no interior da sua residência sita na Rua Figueiras n.º 5, 5º drtº., Rio de Mouro.
12– O arguido dizia às menores que queria fazer “sexy” com elas.
13– Em data não concretamente apurada, no período de tempo acima referido, o arguido, enquanto as menores se encontravam na residência, manteve relações sexuais com uma namorada, encontrando-se os dois despidos, no quarto do arguido A…, na cama, enquanto B…, C, I…, se encontravam na sala a ver televisão.
14– Noutras ocasiões, em datas não concretamente apuradas, durante o período supra referido, por várias vezes, o arguido, após ter ordenado aos menores I…, e C…, que fossem brincar, levou a menor B…, para o seu quarto, despiu-se deitou-se em cima da cama e ordenou à B…, para se despir da cintura para baixo, tirar as cuecas.
15– Depois, ordenou à menor que lhe agarrasse o pénis e fizesse movimentos para cima e para baixo, praticando esta atos de masturbação.
16– De seguida, encostou o pénis ereto, em algumas ocasiões ao rabo, noutras ocasiões à vagina da B…, fazendo força e ejaculou.
17– Em todas as ocasiões, o arguido disse à B…,para não contar a ninguém nada acerca do que se tinha passado.
18– Numa das ocasiões que o arguido se encontrava na sua residência com os menores, em concreto no quarto com a B…, a menor D…, encontrava-se à entrada do quarto e assistiu ao arguido a tirar a roupa à B…, e viu arguido a agarrar o seu próprio pénis ereto e a fazer movimentos ascendentes e descendentes, praticando atos de masturbação à frente das menores até ejacular.
19– Noutra das ocasiões que o arguido se encontrava no quarto com a B…, a menor C…, assistiu ao arguido a tirar as suas calças e cuecas e a tirar a roupa e cuecas à B…, e viu o arguido a agarrar o seu próprio pénis ereto e a fazer movimentos ascendentes e descendentes, praticando atos de masturbação à frente das menores até ejacular.
20– Pelo menos em uma das ocasiões, em data não concretamente apurada, no período de tempo acima referido, as menores B., e C…, foram juntas com o arguido para o quarto do I…, enquanto este menor se mantinha na sala a ver televisão, o arguido deitou-se na cama com as menores, despiu a roupa das mesmas e as cuecas, despiu-se e agarrou no pénis, e começou a fazer movimentos ascendentes e descendentes, praticando atos de masturbação à frente das menores.
21– O arguido apercebeu-se que D…, estava a presenciar os factos chamou-a para ir para junto deles e pediu-lhe para tirar as calças e cuecas, mas a mesma recusou-se e foi para outra divisão da casa.
22– O arguido em datas não concretamente apuradas e em número indeterminado de vezes, deitou-se em cima da cama e ordenou à C…, que lhe agarrasse o pénis e fizesse movimentos ascendentes e descendentes, praticando esta atos de masturbação.
23– O arguido decidiu manter relações sexuais com as menores, sabendo que as mesmas ainda não possuíam a maturidade e os conhecimentos suficientes para iniciar a sua vida sexual e se autodeterminar nessa matéria.
24– O arguido molestou sexualmente as menores e fê-lo com o propósito, concretizado, de satisfazer os seus instintos sexuais e a sua lascívia, não obstante saber as idades das menores, ciente da reprovabilidade da sua conduta, assim violando o direito das mesmas à autodeterminação sexual e à integridade da formação e desenvolvimento da sua personalidade.
25– Ao actuar da forma descrita o arguido A…, agiu sempre com o propósito de satisfazer os seus desejos sexuais, conhecedor da idade das ofendidas.
26– Agiu assim, deliberada e conscientemente, bem sabendo que dessa forma atentava contra o livre desenvolvimento da sua personalidade e sexualidade.
27– O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Mais se provou (pedidos de indemnização civil):
28– Em virtude da actuação do arguido, a menor D…, vive em permanente sobressalto, tem dificuldades em manter a concentração na escola e receia frequentar a escola localizada junto à residência do arguido.
29– Tornou-se uma pessoa introvertida e pouco social, mesmo no meio escolar.
30– Os factos praticados pelo arguido acima descritos puseram em causa o normal desenvolvimento psíquico-sexual, afectivo e emocional das menores D…, B…, e C…,.

Mais se provou:
31– O arguido prestou declarações no primeiro interrogatório judicial de arguido detido e no julgamento, não tendo confessado nem manifestado qualquer arrependimento até final do julgamento.
32– O arguido não apresenta qualquer condenação averbada no respectivo certificado de registo criminal.
Mais se provou (relatório social):
33– O arguido nasceu em 3 de Maio de 1996.
34– Natural de Cabo Verde, …., o processo de desenvolvimento e socialização de A…, decorreu no seu país natal até cerca dos 13 anos de idade, junto da avó, primos e tias maternas, em virtude da situação de emigração da progenitora em Portugal (desde os seus 4 anos de idade) com vista à aquisição de melhores condições de vida.
35– No plano afectivo, o arguido manteria com a mãe (de quem é filho único) um relacionamento algo distante - com maior proximidade sobretudo na altura das férias, aquando da visita daquela ao agregado de origem, sendo que com o pai, residente próximo, em Cabo Verde, manteria uma maior ligação, recordando momentos de partilha e cumplicidade.
36– Não obstante o pai do arguido ter mais … filhos, fruto de outras relações, o mesmo manteria um padrão de vida confortável e auxiliaria os vários descendentes (integrados em distintos agregados), não tendo o arguido passado por constrangimentos no domínio da sua subsistência, que seria suficientemente garantida, quer pelo ascendente masculino, quer pela progenitora e familiares de origem maternos com quem residia.
37– No plano escolar, o arguido completou o 7.º ano de escolaridade no país de origem sem registo de reprovações, após o qual ingressou a escolarização em Portugal, por volta do ano de 2010.
38– Inserido no agregado da progenitora, que partilhava habitação com uma amiga e dois primos, A…, referencia algumas dificuldades de adaptação ao país de emigração, sobretudo do ponto de vista social e escolar, tendo registado, após ingresso no 8.º ano, cerca de três retenções, primeiramente por alegadas dificuldades no acompanhamento dos conteúdos programáticos escolares e posteriormente, após integração em escola de formação profissional, por dificuldades de interacção com colegas, enquadramento que segundo o próprio terá precipitado a sua expulsão da Instituição.
39– Do ponto de vista afectivo, salienta-se o falecimento do progenitor do arguido em 2013, assassinado em período de férias em Cabo Verde, após temporada de integração no seu agregado, fruto do restabelecimento de relação com a progenitora – situação emocionalmente perturbadora, que terá sido vivenciada pelo arguido com significativa angústia, tristeza e revolta.
40– O arguido contava cerca de 18 anos de idade, quando iniciou percurso profissional como ajudante de servente na área da construção civil, ao que se seguiram actividades indiferenciadas no ramo da restauração e construção civil.
41– Aquando do recebimento do vencimento, as quantias monetárias seriam entregues à progenitora na totalidade, para aquela gerir de acordo com as necessidades do agregado, sendo neste âmbito referenciado como um jovem responsável, obediente relativamente às figuras de autoridade, sobretudo em relação à progenitora, com quem mantém desde a sua imigração em Portugal forte vinculação afectiva e que segundo as fontes, sempre se esforçou pela transmissão de valores e regras pro-sociais.
42– Em data coincidente com a situação que despoletou o presente processo, A…, mantinha residência no agregado de origem materno, conjuntamente com a mãe, primo M…, e prima N…,.
43– Frequentariam ainda regularmente o agregado vários familiares/primos residentes próximos.
44– Há cerca de um ano, foi diagnosticado a O…, (mãe do arguido) doença de foro oncológico, encontrando-se desde então de baixa médica da sua actividade de empregada de limpeza do Hospital dos Capuchos.
45– No plano individual, A…, é descrito como um jovem calmo, globalmente responsável e obediente, não obstante ter travado anteriores contactos e amizades com jovens problemáticos do ponto de vista social e criminal, com quem refere ter durante cerca de um ano, por volta dos 19 anos de idade, ter consumido substâncias canabinóides.
46– No domínio afectivo, o arguido refere a sua primeira experiência sexual aos 10 anos de idade, com uma colega de turma de Cabo Verde que teria cerca de 12 anos.
47– O arguido relata posteriores envolvimentos sexuais com várias raparigas de forma afectivamente descomprometida até cerca dos 15 anos de idade, altura em que assume um relacionamento descrito como investido no domínio dos afectos com uma jovem de origem brasileira.
48– O fim da relação terá tido origem em infidelidades do próprio – fruto de dificuldades reflexivas e consequenciais que denota e cedência ao impulso neste âmbito, cuja origem não consegue identificar, mas que remete de modo referencial para o progenitor, que manteria várias relações afectivas em simultâneo.
49– Em data anterior à presente situação de reclusão refere o estabelecimento recente de três namoradas em simultâneo (sem que as mesmas tivessem conhecimento), que justifica por alegada dificuldade em posicionar-se e escolher.
50– De acordo com o próprio e progenitora, em 2015 o arguido terá ficado em situação de desemprego, referenciando que em Outubro do mesmo ano terá viajado conjuntamente com a mãe para o país de origem, para ali passar férias.
51– Após cerca de um mês em Cabo Verde, terão regressado ao agregado, sendo referenciado que pouco tempo depois (que não saberão precisar) A…, terá iniciado ocupação laboral para a empresa de construção civil em que se encontrava a trabalhar até à data da presente reclusão.
52– Enquanto preso preventivamente no E.P. da Policia Judiciária, o arguido registou uma repreensão.
53– No E.P. de Lisboa desde 17-03-2017 não registou mais sanções disciplinares.
54– Em termos de impacto, a presente situação estará a ter repercussões de ordem emocional, essencialmente relacionadas com a privação de liberdade e receio denotado face ao eventual desfecho do processo.
55– A presente situação terá de igual modo tido impacto no âmbito profissional, interrompendo o seu percurso, bem como de ordem familiar, causando perturbação no seu equilíbrio.
56– Não obstante, o arguido continua a dispor de suporte por parte dos vários elementos familiares, que se manifestam incrédulos relativamente ao presente processo.

B)–FACTOS NÃO PROVADOS.

Sem prejuízo dos factos dados como provados, não resultaram provados os seguintes factos constantes da acusação e dos pedidos de indemnização civil com relevância para a decisão final:
1– O arguido manteve comportamentos sexualizados com as três menores entre 1 de Setembro e 5 de Dezembro de 2016.
2– O arguido dizia às menores que queria fazer com elas tal como fazia com a sua namorada.
3– O arguido manteve relações sexuais com uma namorada enquanto Núria se encontravam na sala a ver televisão, deixando a porta entreaberta propositadamente para que as menores C…, e a B…, conseguissem ver tais actos com o propósito de lhes pedir seguidamente que fizessem elas próprias o mesmo com ele, aquilo a que ele denominou e incutiu nas menores chamar-se “sexy”.
4– O arguido pegou na B…,ao colo e colocou-a nua em cima dele.
5– O arguido ejaculou para cima da camisola que a menor Nereida usava.
6– Numa outra ocasião o arguido praticou actos de idêntica natureza no interior da própria residência da menor, no interior do quarto da Nereida.
7– O arguido chegou a ejacular quando esteve no quarto do I…, com as menores B…, e C…,.
*

8– O arguido disse à menor D…, que mataria a mãe desta se a menor lhe contasse o que fazia com o arguido.
9– O arguido ejaculou para cima da menor D…,.
*

C)–MOTIVAÇÃO DO JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO.

1.– O juízo probatório positivo e negativo alcançado pelo Tribunal fundou-se na análise global e sistemática das declarações do arguido, dos depoimentos das ofendidas e das restantes testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento e da prova pericial e documental constante dos autos, tudo à luz da regra da livre apreciação e das restrições legais de valoração existentes, com a concorrência de critérios objectivos que permitam estabelecer um substrato racional de fundamentação e de convicção.

Importa ainda ter presente que o presente julgamento respeita à prática de crime de abuso sexual de crianças com idades compreendidas entre três e sete anos de idade, cuja prova é reconhecidamente difícil “em virtude das ameaças que os autores fazem aos menores para não denunciarem, o próprio medo das vítimas de que os pais saibam ou a compreensão de que aquilo não era coisa normal”, sendo que “a maior ocorrência desses abusos é no próprio lar da criança” (Vide VELOSO DE FRANÇA, Fundamentos de Medicina Legal, Koogan, 2005, p. 133).

Numa perspectiva médica, dir-se-á ainda que o abuso sexual infantil “manifesta-se de muitas formas, como: carícias nos genitais das crianças, solicitação para que elas as façam nos adultos, contacto bucogenital do autor com a vítima ou vice-versa, coitos incompletos anovaginais, ou mesmo a exibição dos genitais dos adultos, masturbação na presença das crianças ou exibição de material pornográfico a elas” (Idem).

Na verdade, do ponto de vista médico-legal, como facilmente se compreende, muitas acções susceptíveis de ser consideradas como abuso sexual são insusceptíveis de demonstração de modo objectivo, nomeadamente os toques realizados com o dedo, pénis ou objectos, excepto se os mesmos forem acompanhados de traumatismo ou de contaminação venérea (Vide GISBERT CALABUIG, Medicina Legal e Toxicología, 6.ª Edición, Elsevier Masson, 2004, pp. 587-588).

Aliás, em estudos realizados na população espanhola, a agressão sexual infantil mais frequente é o mero toque, desacompanhado de qualquer ameaça e sem deixar qualquer vestígio (Vide SUÁREZ SOLÁ y GONZÁLEZ DELGADO, Importancia de la exploración médico forense en las agresiones sexuales a menores, in Cuadernos de Medicina Forense, n.º 31, Enero 2003, pp. 40-43).

Ainda no exame clínico, não podem ser ignoradas determinadas manifestações da criança vítima de abuso sexual, que funcionam como relevantes indicadores a valorar globalmente, nomeadamente: a revelação do abuso sexual pela própria criança, a descrição do abuso com vocabulário próprio da idade, o estado de tristeza, a presença de sentimentos de culpa e de vergonha, a resistência ao exame e investigação, a revelação de conhecimentos sexuais inapropriados para a idade da vítima, a conduta precocemente sexualizada, alterações de comportamento, mudança de rendimento escolar e a enurese. Por outro lado, não se pode exigir que as crianças vítimas de abusos sexuais adoptem padrões comportamentais dos adultos, isto é, que verbalizem o abuso e que o mantenham sempre da mesma forma perante os juízes, médicos e psicólogos, não obstante a demora do processo e a falta de métodos adequados (Vide GIL ARRONES, OSTOS SERNA, LARGO BLANCO, ACOSTA GORDILLO y CABALLERO TRIGO, Valoración médica de la sospecha de abuso sexual em personas menores de edad. A propósito del estúdio de tres casos, in Cuadernos de Medicina Forense, n.º 43-44, Enero-Abril 2006, pp. 60-62 e 71; Vide PEREDA y ARCH, Abuso sexual infantil y síndrome de alienación parental: criterios diferenciales, in Cuadernos de Medicina Forense, n.º 58, Octubre 2009, pp. 283-284).

A denúncia do abuso sexual pela criança constitui um facto muito pouco frequente e quase excepcional nos casos de abuso perpetrados no seio familiar que quando acompanhado de relatório psicológico de veracidade é tão fiável como o sinal físico da ruptura do hímen (Vide RODRÍGUES-ALMADA, Evaluación médico-legal del abuso sexual infantil, in Cuadernos de Medicina Forense, n.º 16, I-II, 2010, pp. 104-105).

Finalmente, no que respeita ao abusador, importa ter presente que uma vez efectuada a denúncia, o abusador pode adoptar uma atitude de aparente indiferença face à mesma e negar os factos. Com frequência, estes sujeitos carecem de sentimentos de culpa mercê de um mecanismo de distorção cognitiva que neutraliza quaisquer juízos de auto-inculpação (v.g., “até gostou”, “não lhe fiz mal”, “foi um jogo”, “a culpa é dele”), evitando assim qualquer mal-estar que poderia desencadear neles a consciência de esses actos, por que não há que esperar reacções de auto-inculpação nos agressores sexuais de crianças (Vide JIMÉNEZ CORTÉS y MARTÍN ALONSO, Valoración del testimonio en abuso sexual infantil – A.S.I., in Cuadernos de Medicina Forense, n.º 43-44, Enero-Abril 2006, p. 85).

2.– Relativamente aos factos típicos dados como provados, a convicção do tribunal assentou, desde logo, nas declarações prestadas para memória futura pelas ofendidas menores B…, D…, e C…, durante a primeira quinzena de 2016.
Todas estas menores confirmaram então a prática dos factos dados como provados nas partes que lhes respeitam e fizeram-no mediante um discurso não ensaiado e com respostas dentro dos limites da inquirição, verosímil e crível, fazendo uso de uma linguagem compatível com a respectiva faixa etária.
Estas declarações surgem durante a investigação na sequência da revelação perante terceiros de comportamentos estranhos e de carácter sexual protagonizados pela menor Nereida relativamente a outra criança do sexo masculino no início do mês de Dezembro de 2016, mais concretamente retirada de roupa e tentativas de introdução de objectos no rabo (vide depoimento da testemunha Jaqueline Gomes).
As menores inscrevem a prática dos factos no período temporal em que estiveram em casa da “tia Rosa” – mãe do arguido – durante o horário de trabalho dos seus pais e mães.
F…, mãe das menores B…, e C…, esclareceu no julgamento que as respectivas filhas ficaram regularmente em casa da “tia Rosa” entre o Verão de 2015 e Agosto de 2016, tendo então as mesmas passado a estar ao cuidado de outra vizinha.
Por seu turno, H…, mãe da menor D…, esclareceu que a respectiva filha ficou regulamente em casa da “tia Rosa” entre o Verão de 2015 e Março de 2016, tendo então passado a estar na sua própria casa fora do horário escolar. Contudo, acrescentou ainda que a sua filha D…, continuaria a frequentar a casa da “tia Rosa” até Dezembro de 2016 a solicitação exclusiva do outro progenitor.
Ora, como a menor D…, não deu conta de qualquer situação que a envolvesse exclusivamente, importa concluir que os factos típicos sob julgamento só podem ter ocorrido até Agosto de 2016.
3.– Durante o julgamento, o arguido optou (legitimamente) por prestar declarações apenas após se mostrar produzida toda a prova indicada pelo Ministério Público e pelas demandantes.
Tendo prestado declarações no julgamento, o arguido repudiou aparentemente a prática de todos os factos típicos alegados na acusação, avançando desde logo que “parava pouco tempo em casa”, mas não deixou de reconhecer dois factos muito relevantes, nomeadamente que a sua mãe “Rosa” ficou com as meninas ao seu cuidado após ter ficado de “baixa médica” durante o ano de 2015, assim como que a B…, lhe enfiou três vezes as mãos pelos bolsos das calças e lhe tocou no pénis e no “colhão”(sic) à procura do telemóvel.
Porém, no interrogatório judicial de arguido detido a que fora sujeito no início do presente procedimento, o mesmo arguido já tinha admitido algo mais, nomeadamente que as menores dos autos lhe mexeram na “piça” (sic) em três dias consecutivos do mês de Setembro de 2015 quando o apanharam a dormir, tendo o mesmo fingido durante um minuto que continuava a dormir enquanto lhe mexiam no referido órgão genital.
Bem vistas as coisas, mesmo numa tese mais restritiva, o arguido sempre admite, ainda que inconscientemente e numa postura muito inconsistente de auto vitimização, a prática de actos sexuais de relevo com as menores dos autos, na parte em que dá conta de que as deixou mexer no seu órgão genital durante um período de tempo minimamente relevante, o que permite inferir que se aproveitou da imaturidade das menores e que omitiu qualquer oposição mais antecipada à manipulação genital em apreço para obter satisfação sexual.
4.– No que respeita à prática dos factos típicos, o arguido arrolou quatro testemunhas que vieram a ser ouvidas no julgamento e cujos depoimentos são contraditórios entre si e irrelevantes para a prova positiva ou negativa dos factos típicos, não obstante terem alegadamente assistido a repreensões das menores pelo arguido relacionadas, mais uma vez, com a fixação das menores no órgão genital do arguido.
Desde logo, a testemunha P…, primo do arguido, frequentava a casa em apreço com uma periodicidade apenas mensal mas não deixou de ver crianças alheias à família a frequentarem a casa dos primos.
A testemunha M…, primo do arguido, residia na casa dos autos mas frequentava a licenciatura do curso de Direito no regime diurno com as necessárias ausências ao longo da semana para efeitos curriculares, e também deu conta de que as meninas ficavam diariamente em sua casa desde a manhã até ao início da noite.
A testemunha Q…, tia do arguido, também residia na casa dos autos mas trabalhava durante a noite com os necessários repousos durante o dia, e também deu conta de que as meninas estiveram na sua casa.
Por seu turno, O…, mãe do arguido, repudiou que tivesse exercido as funções de ama relativamente às menores dos autos não obstante reconhecer que as menores B…, e C…, ficaram na sua casa aos cuidados da Q…, e do P…, durante, pelo menos, dois meses do ano de 2015.
5.– A menor B…, foi especificamente observada no INML e o relatório pericial dá conta de que não existiam vestígios específicos de penetração vaginal ou anal de um pénis adulto em erecção, não deixou de referir que não se poderia excluir outras práticas sexuais que não deixam vestígios traumáticos tais como carícias, beijos, coito vestibular, ou manipulação dos genitais (Vide relatório pericial do INML de fls. 206-207).
Porém, nesta parte, também não se pode perder de vista que as menores não relataram ter sofrido quaisquer práticas sexuais fisicamente mais traumáticas como penetrações vaginais e anais.
6.– As relações de filiação e as idades das menores dos autos alegadas na acusação encontram-se comprovadas pelos assentos de nascimento que constam a fls. 236-238 dos autos.
7.– À face da prova produzida, o Tribunal considera que a verdade se encontra do lado das menores.
Em primeiro lugar, importa assinalar a circunstância nada despicienda de que são três menores pertencentes a diferentes agregados familiares que relataram os actos cometidos pelo arguido e que estes relatos são completamente compatíveis entre si.

Não obstante a recusa de assunção de responsabilidade pelo arguido, o presente caso revela à saciedade a existência de manifestações das menores que funcionam como manifestos indicadores dos abusos sexuais que lhe foram infligidos pelo arguido, a saber:
i)- a conduta precocemente sexualizada da menor B…, perante a nova ama;
ii)- a revelação dos abusos sexuais pelas próprias menores;
iii)- a descrição do abuso sexual com vocabulário próprio da idade das menores;
iv)- a revelação de conhecimentos sexuais inapropriados para crianças de 5 a 7 anos de idade;
v)- a alteração de comportamento da menor Núria após a revelação dos abusos sexuais.

A consciência da ilicitude relativamente aos factos dados como provados resulta da mera valoração negativa feita pelo próprio arguido sobre os factos narrados na acusação, pois alegou concretamente que os abusos sexuais de crianças “devem ser punidos com a morte”.

8.– Relativamente ao juízo probatório negativo dos factos típicos, importa ainda referir que todos os factos relativos às práticas sexuais propriamente ditas foram analisados à luz das declarações para memória futura prestadas pelas menores, sendo insusceptíveis de valoração, sem o pertinente consenso processual, os depoimentos anteriormente prestados pelas mesmas perante as autoridades policiais durante a fase de inquérito sem sujeição ao pertinente contraditório.
9.– No que respeita aos danos alegados, o juízo probatório fundou-se na análise dos depoimentos verosímeis e críveis das mães das menores relativamente à situação das filhas, sobretudo, após a apresentação da denúncia e a consequente sujeição das menores a várias inquirições sobre factos tão íntimos e estruturantes do desenvolvimento psíquico e emocional.
Acresce que por referência a menores de idade que já possuem discernimento e compreensão suficientes sobre o carácter anómalo de determinadas condutas sexuais, as regras da experiência e os dados fornecidos pela Psicologia revelam que as vítimas de abusos sexuais ficam fortemente traumatizadas em virtude dos actos praticados e apresentam alterações na sua personalidade que as irão condicionar com maior ou menor intensidade nas suas vidas futuras.
10.– Para o apuramento da factualidade respeitante às condições sociais e familiares do arguido relevou o relatório social oportunamente elaborado pela DGRS.
11.– Finalmente, a existência de anteriores condenações criminais foi alcançada a partir do respectivo certificado de registo criminal junto aos autos.
*

Conhecendo agora das questões colocadas.

O recorrente invoca a contradição entre os factos 13 da matéria provada (Em data não concretamente apurada, no período de tempo acima referido, o arguido, enquanto as menores se encontravam na residência, manteve relações sexuais com uma namorada, encontrando-se os dois despidos, no quarto do arguido A…, na cama, enquanto B…, C…, I…, se encontravam na sala a ver televisão) e o 3 da matéria não provada (O arguido manteve relações sexuais com uma namorada enquanto D…, se encontravam na sala a ver televisão, deixando a porta entreaberta propositadamente para que as menores C…, e a B…, conseguissem ver tais actos com o propósito de lhes pedir seguidamente que fizessem elas próprias o mesmo com ele, aquilo a que ele denominou e incutiu nas menores chamar-se “sexy”).

Não conseguimos vislumbra a contradição alegada e, na realidade o arguido limitou-se a invoca-la num contexto subjectivista, que não entendemos, parecendo querer
dizer que a não prova de um facto significa a prova do contrário. Mas, sem razão, pois o facto provado sob o nº. 13, mais não é que um facto histórico, sem a relevância que o arguido lhe quer apontar e que não foi considerada pela decisão.

Não existe pois a invocada contradição na matéria, nem qualquer outra vislumbramos.

Refere ainda o recorrente que o Tribunal deu como provada matéria cuja prova não foi feita, como seja a matéria relativa ao aproveitamento escolar das menores e ainda o facto de o arguido ter ligações a grupos de pares com comportamentos delituais.

Não tem qualquer razão ou fundamento nestas afirmações, pois que no uso do princípio da livre apreciação da prova, plasmado no artigo 127 do C.P.P. e que o recorrente não coloca em causa na vertente da aplicação dos seus critérios, o Tribunal valorou os depoimentos da mãe das menores como podia e devia e ainda o relatório social e outros documentos e relatórios, como seja o constante de fls. 297 a 300, donde expressamente consta a ligação do arguido a jovens problemáticos do ponto de vista social e criminal e ao consumo de substâncias canabinóides, tudo referido pelo próprio à técnica de Reinserção Social.

Assim, conclui-se que, nenhum dos vícios aludidos no artigo 410-2 do C.P.P., do conhecimento oficioso deste Tribunal, resultam do texto da decisão recorrida.

E, no que toca ao princípio da prova, regulado no artigo 127 do C.P.P., este dá ao juiz (no caso até foram3) ampla liberdade ao eleger, dentro da globalidade da prova produzida, os meios de que se serve para fixar os factos provados, de harmonia com o princípio da livre convicção e apreciação da prova, plasmado no citado artigo 127 do C.P.P. Nada obsta, pois, que, ao fazê-lo, se apoie num certo conjunto de provas e, do mesmo passo, pretira outras às quais não reconheça suporte de credibilidade, pois que os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1.ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível) sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque nestes últimos a resposta dada pela 1.ª instância tem suporte na regra estabelecida no artigo 127.º do CPP, e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se.

Todos nos confrontamos na produção da prova com as inerentes dificuldades nos casos que envolvem práticas sexuais; não só porque quem os pratica o faz quase sempre a recato de outrem, como pelo decurso do tempo e pela memória traumática as vítimas e mesmo os que a elas estão sentimentalmente ligadas, “apagam” determinadas “imagens”.

Assente que, “só os princípios da oralidade e da imediação permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. E só eles permitem, por último, uma plena audiência desses mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso” – Cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, p. 233-234.

A imediação constitui um factor de grande relevo para a formação da convicção do tribunal recorrido, não só no sentido de obter os meios de prova mais próximos ou mais directos de forma imediata pelo órgão competente, como ainda na utilização dos meios de prova originais – Cavaleiro Ferreira, p. 317.

Como decidiu, de forma lapidar, o Acórdão da Relação de Coimbra de 06.03.2002, publicado na CJ, ano 2002, II, 44, “....quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face ás regras da experiência comum”.

Assim, assentando a decisão recorrida na atribuição de credibilidade a uma fonte de prova em detrimento de outra, com base na imediação, tendo por base um juízo objectivável e racional, só haverá fundamento válido para proceder à sua alteração caso se demonstre que tal juízo contraria as regras da experiência comum.

Não é seguramente o caso em apreço, até porque não vem impugnada em recurso a matéria de facto no seu sentido mais amplo, do artigo 412 nº. 3 e 4 do C.P.P.

Vejamos agora a aplicação da pena concreta, nomeadamente a questão da aplicação do Estatuto do Jovem Delinquente.

Sendo a aplicação deste regime um poder-dever vinculado que o juiz deve usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, impõe-se que, relativamente a todo e qualquer arguido que ainda não haja completado 21 anos, o juiz pondere, oficiosamente, a possibilidade de o aplicar e que fundamente expressamente a decisão, num ou noutro sentido. Quando a decisão evidencie que tal ponderação não foi feita, poderá verificar-se omissão de pronúncia, geradora da nulidade prevista na al. c) do nº 1 do art. 374º do C.P.P. Mas não foi o caso e, basta atentar no que foi escrito no acórdã0 do colectivo para assim verificar.

Com efeito, nos termos do artigo 4° do Dec.-Lei n.° 401/82 de 23 de Setembro, se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do arguido.
No caso, o arguido tinha 19 anos de idade, quando iniciou a prática dos factos delituosos de que há notícia nos autos, sendo-lhe assim em abstracto aplicável este regime.

Todavia, como resulta do citado artigo 4° daquele diploma, este regime só será aplicável caso existam vantagens para a reinserção social do arguido.

E, no caso, não se vislumbra que se justifique a aplicação do regime penal especial para jovens, pois o seu comportamento suscita sérias e fundadas dúvidas quanto à vontade de ressocialização, como está expresso no acórdão e no Relatório Social. Conclui-se assim que, o comportamento anterior e posterior do arguido, não justifica, na nossa perspectiva, a aplicação da atenuação especial da pena prevista no citado Dec.-Lei n.° 401/82, (ou no regime geral), não se vislumbrando que resultassem da mesma quaisquer vantagens para a sua reinserção social.

Todo o circunstancialismo descrito (práticas sexuais com crianças de idades entre os 6 e os3 anos) e a “tendência” revelada no Relatório Social (desde cedo o arguido manteve práticas sexuais, por vezes com 3 namoradas em simultâneo, desconhecedoras umas das outras), leva a concluir que os traços da personalidade que o arguido demonstra são de não consentir na credibilidade de uma medida positiva no que respeita ao afastamento das práticas delituosas, sendo ainda gerador de um sentimento de grande injustiça na comunidade.

O crime de abuso sexual de crianças previsto no artigo 171º, nº 1 do Código Penal é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.

A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, conforme estabelece o artigo 71º do Código Penal.

Considerando as exigências de prevenção de futuros crimes, que relativamente aos dos autos merecem relevo, pela frequência com que ocorrem, há a ponderar essencialmente, em desfavor do agente – a prática dos factos com dolo directo, de considerar intenso, a multiplicidade de condutas e a idade das vítimas. Sobretudo este último aspecto- as menores tinham idades compreendidas ente os 6 anos (B…,), os 5 anos (D…,) e os 3 anos (C…,).

Sendo que a prática de factos deste tipo com menores de 14 anos tem normalmente subjacente a lascívia sexual, sendo elevada a perigosidade do agente voltar a delinquir, é também de se considerar elevada a ilicitude da conduta, além de ser muito elevada a censura social que os factos merecem, sem prejuízo de se terem actualmente por indeterminadas as sequelas que a conduta do Arguido determinará no desenvolvimento futuro das crianças.

São também de ponderar as elevadas razões de prevenção geral, pois que o crime de abuso sexual de crianças é dos crimes que causam mais alarme social, com repulsa e indignação na comunidade.

Também, de ponderar são as razões de prevenção especial, de modo a prevenir a reincidência, o que no caso não será de menosprezar atendendo à postura do arguido na entrevista do relatório social. Ponderando assim, à luz dos critérios expostos, o circunstancialismo supra-descrito, como aliás o Colectivo fez, para aferição da medida da pena, tem-se por adequado fixar esta acima do limite mínimo da respectiva moldura abstracta. Ou seja, nada há a apontar às penas parcelares fixadas pelo Tribunal Colectivo.
Estabelece, quanto à punição do concurso de crimes, o artigo 77º, nº 1, do Código Penal que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

E nos termos do nº 2, a moldura do concurso, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão.

Segundo o Prof. Figueiredo Dias- Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 290 e 292, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72º-1 (actual 71º-1), um critério especial: o do artigo 77º, nº 1, 2ª parte. “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.

Na avaliação da personalidade do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. Acrescenta que “de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.

Assim é que a medida da pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção.

Quanto à determinação da pena única de um concurso, vimos seguindo a jurisprudência ilustrada pelo Ac. do STJ de 11/12/2008, processo 08P3632, relatado pelo Sr. Conselheiro Simas Santos, que reflecte a jurisprudência maioritária do STJ, in www.gdsi.pt, de cujo sumário citamos: “… 6 − No caso de realização de cúmulo jurídico, como vem entendendo o STJ, importa atender à soma das penas parcelares que integram o concurso, atento o princípio de cumulação a fonte essencial de inspiração do cúmulo jurídico sem esquecer, no entanto, que o nosso sistema é um sistema de pena unitária em que o limite mínimo da moldura atendível é constituído pela mais grave das penas parcelares (numa concessão minimalista ao princípio da exasperação ou agravação - a punição do concurso correrá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade de crimes), sem que possa ultrapassar a soma das penas concretamente que seriam de aplicar aos crimes singulares. E nesse contexto tem-se entendido e decidido ser de “agravar” a pena parcelar mais grave numa proporção, adequada ao caso, do remanescente das restantes penas que oscile, em princípio, entre 1/3 e 1/5.”.

Só em casos excepcionais, em que os factos e a personalidade do agente obriguem à ultrapassagem desses limites, eles devem ser ultrapassados.

No entendimento citado, tendo em conta a factualidade em causa, a personalidade do arguido vertida nos factos e a sua postura durante o processo e já depois da reclusão (prisão preventiva) e, por outro lado, a rejeição que a comunidade tem perante a prática de tais actos, exige que o arguido seja punido com uma pena que o faça sentir a enorme dimensão da censura social por tais condutas e que ao mesmo tempo se mostre suficientemente intimidante para futuros comportamentos idênticos; isto é, deve, no caso ser ultrapassado o limite preconizado no acórdão acima citado, pois tem aqui inteira justificação.

Tudo ponderado, na moldura penal balizada em termos abstractos, entendemos que a pena fixada de 6 anos está equilibrada e é adequada. Atenta a medida da pena única aplicada, não é de colocar a questão da suspensão da execução da pena, por cair o pressuposto formal do limite máximo até onde é possível suscitar-se a aplicação de tal pena de substituição -artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.

III–DECISÃO.

Acordam os juízes da 9ª Secção do Tribunal desta Relação em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do arguido, fixando-se em 3Ucs a taxa de justiça.




Lisboa, 3 de maio de 2018



(Maria do Carmo Ferreira)(Acórdão elaborado e integralmente revisto pela relatora – artº 94º, nº 2 do C.P.Penal)

(Cristina Branco)