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PRISÃO PREVENTIVA
TRANSCRIÇÃO DE ESCUTAS
VALOR PROBATÓRIO
Sumário
I – Podem ser valoradas pelo Juiz de Instrução Criminal, para efeitos de aplicação de medida de coacção, as conversações telefónicas judicialmente autorizadas e avalizadas que se mostram transcritas nos autos e foram indicadas pelo Ministério Publico como elementos de indiciação dos crimes imputados aos arguidos e a estes comunicadas quando ouvidos em 1.º interrogatório judicial, ainda que a sua transcrição tenha sido efectuada fora do contexto do n.º7 do artigo 188.º do CPP,
Texto Integral
I
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
Nos autos de inquérito acima identificados, do Juízo de Instrução Criminal de Évora, JP e FP foram, além de outros, ouvidos em primeiro interrogatório judicial de arguido detido, findo o qual o Mm.º Juiz que a tal diligência presidiu entendeu que os autos indiciavam a prática pelos mesmos de um crime de tráfico de estupefacientes, na forma continuada, p. e p. pelo art.º 21.°, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-1, e 30.º do Código Penal (bem como, eventualmente, ainda um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.°, n.º 1, da Lei n.º 5/2006, de 23-2, após melhor definição durante o inquérito de a quem entre eles e mais os arguidos AF e JF efectivamente as detinha) e decretou aguardassem ambos os arguidos os ulteriores termos do processo sob prisão preventiva, por considerar que existem os perigos descritos no art.º 204.º al.ª b) e c), do Código de Processo Penal.
O despacho que assim decidiu e agora é recorrido tem o seguinte teor, citado apenas na parte que agora interessa ao caso dos arguidos JP e FP:
(…)
Indiciam fortemente os autos que:
1. Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde Novembro de 2015, que FP, de alcunha "Flor", AF, AC, JF, MR, com as alcunhas "Manecas" e "Manelito", AA, com a alcunha "Jona", JP, SS, com a alcunha "Orvidinha", e FC se dedicam de forma permanente à actividade de aquisição e posterior distribuição para venda de produtos estupefacientes, designadamente cocaína e heroína, nas localidades de Évora e Montemor-o-Novo, vivendo dos rendimentos que obtêm com essa actividade;
2. Para tanto, FP, de alcunha "Flor", adquiria em Outubro de 2015 heroína e cocaína a MC, sendo que após a detenção desta passou a adquirir o produto estupefaciente a indivíduos cuja identidade não foi possível apurar;
3. Mas, pelo menos desde o mês de Agosto de 2017, os arguidos passaram a adquirir o produto estupefaciente à arguida FC, que reside na Rua…, em Algueirão, Mem Martins;
4. Os contactos com vista a adquirirem o produto estupefaciente passaram a ser efectuados por AF, JR, MR com as alcunhas "Manecas" e "Manelito", e AA, com a alcunha "Jona";
5. Após adquirirem o produto estupefaciente procediam à divisão, corte, preparação e acondicionamento de tais substâncias e posteriormente à sua venda aos consumidores, estabelecendo o respectivo preço, gerindo os proventos pecuniários obtidos, recebendo o dinheiro proveniente das vendas e determinando os investimentos a fazer na aquisição de mais produto estupefaciente;
6. Nesta actividade, FP, AF, AC, JF, MR e AA procedem à sua divisão e posse dos pacotes de cocaína, heroína e cannabis, e posteriormente procedem à venda, por quantias superiores àquelas por que foram adquiridas, assim realizando mais-valias;
7. Por sua vez, FP, AR, AC, JF, MR, com as alcunhas "Manecas" e "Manelito", e AA, com a alcunha "Jona", através dos telemóveis de que são utilizadores e que se encontram indicados nos autos, remetem mensagens escritas (vulgo sms) ou recebem telefonemas de consumidores que pretendem adquirir heroína e cocaína, marcando encontros na cidade de Évora;
8. Após, os consumidores que pretendem adquirir cocaína e heroína acertam hora e local de entrega do estupefaciente pretendido;
9. Os arguidos desenvolvem a sua actividade sobretudo na localidade de Évora, efectuando eles próprios a venda directa a consumidores que os procurem para esse fim;
10. Na prossecução de tal actividade, os arguidos comunicam entre si e com os consumidores finais através dos telemóveis de que são utilizadores e que se encontram indicados nos autos, remetendo mensagens escritas (vulgo sms) ou efectuando telefonemas, nos quais combinam encontros, informam se têm produto estupefaciente na sua disponibilidade, estabelecem o preço de venda e combinam locais de entrega de produtos ou dinheiro ou ainda encontros presenciais destinados a consumar as vendas;
11. Os arguidos e os seus interlocutores, nessas conversas, referiam-se aos produtos estupefacientes como o "cafezinho" e "fresquinha";
12. Assim, no decurso da investigação, FP nos dias 20.01.2017, 28.01.2017, 02.02.2017 e 15.05.2017 é contactada por uma consumidora conhecida como Sónia, com vista a combinar entregar-lhe produto estupefaciente (sessões 32, 287, 465, 3139 e 3151 do código 88539040);
13. No dia 27.01.2017, a mesma arguida é contactada por um individuo cuja entidade não foi possível apurar, mas que utilizou o telemóvel 9614---, que tem consigo um indivíduo que pretende adquirir produto estupefaciente e aquela manda ao local os seus filhos, AF e JF;
14. Nos dias 14.05.2017, 15.05.2017 e 19.07.2017 é a mesma arguida contactada por um consumidor conhecido como "Dinho", com quem combina entregar-lhe produto estupefaciente (sessões 3121, 3134 e 4479 do código 88539040);
15. No dia 10.03.2017, a mesma arguida reencaminha MR para junto do café "Penálti", local onde estava um consumidor para adquirir produto estupefaciente (sessão 1815 do código 88539040);
16. Também o arguido JF é contactado por consumidores;
17. Nomeadamente, nos dias 26.12.2016 e 28.12.2016 é contactado pelo MB, com quem combina entregar-lhe produto estupefaciente (sessões 1543 e 2000 do código 87884040, sendo que se procedeu à correcção de lapso de escrita quanto à indicação da primeira daquelas sessões);
18. No dia 23.12.2016 o mesmo arguido é contactado por uma consumidora conhecida como Márcia, que pretende adquirir produto estupefaciente (sessão 1048 do código 87884040);
19. No dia 27.12.2016 o mesmo arguido é contactado por NS, que pretende adquirir produto estupefaciente (sessão 1805 do código 87884040)
20. Nos dias 03.01.2017 e 09.01.2017 o mesmo arguido é contactado por um consumidor conhecido por Sardas, combinando encontrar-se com este para entregar-lhe estupefaciente (sessões 2980 e 3233 do código 87884040);
21. Nos dias 14.09.2017 e 28.11.2017 o arguido AF é contactado por um consumidor conhecido por Dinis, combinando encontrar-se com este para entregar-lhe estupefaciente (sessões 786 e 2300 do código 933----);
22. Nos dias 04.08.2017 e 19.09.2017, o mesmo arguido é contactado por um consumidor conhecido como JC, com quem combina entregar-lhe produto estupefaciente (sessões 17 e 919 do código 933----).
23. A arguida AC contacta e é contactada através do telemóvel do arguido AF;
24. Nomeadamente, no dia 29.11.2017 é contactada por uma consumidora esposa do "Tofa", com quem combina entregar-lhe produto estupefaciente (sessão 1522 do código 943---);
25. No dia 29.11.2017 é contactada por uma consumidora conhecida por DB, com quem combina entregar-lhe produto estupefaciente (sessão 1524 do código 943----);
26. No dia 30.11.2017 é contactada por um consumidor conhecido por Fábio (sessão 2330 do código 933----);
27. No dia 30.11.2017 é contactada por consumidor conhecido por André (sessão 2332 do código 933---, sendo que se procedeu à correcção de lapso de escrita quanto à identificação do referido consumidor);
28. No dia 01.12.2017 é contactada por um consumidor conhecido por Paulinho (sessão 2345 do código 933---, sendo que se procedeu à correcção de lapso de escrita quanto à identificação do referido consumidor);
29. Por sua vez, MR é contactado nos dias 22.01.2017 e 09.02.2017 por um consumidor conhecido como "Dinho", com vista a combinar entregar-lhe produto estupefaciente (sessão 198 do código 88432080; sessãol2 do código 89086040);
30. No dia 23.01.2017, o mesmo arguido é contactado pelo NB, com quem combina entregar-lhe produto estupefaciente (sessão 251 do código 88432080);
31. Nos dias 10.02.2017, 08.03.2017, 21.03.2017, 14.06.2017, 15.08.2017, 19.10.2017 e 13.11.2017, o mesmo arguido é contactado por um consumidor conhecido por JC, combinando encontrar-se com este para entregar-lhe estupefaciente (sessão 130 do código 89086040; sessões 2 e 189 do código 89760040; sessão 2106 do código 91522040; sessões 772, 8000 e 9896 do código 93347040, sendo que se procedeu à correcção de lapsos de escrita quanto à omissão da sessão n° 772 e à referência à data de 13.11.2017 e não 12.11.2017);
32. No dia 16-02-2017 foi interceptado FS, de alcunha "Dinho" na posse de 0.0483 gramas de Heroína (5 doses), após se ter encontrado com o MR, na Avenida dos Salesianos (AO/03/BIC-D12017);
33. A arguida AA contacta e é contactada através do telemóvel do arguido MR;
34. Regra geral os encontros entre os arguidos e os seus clientes ocorriam na localidade de Évora, designadamente junto às residências destes, junto às Carnes Assuda, perto do McDonald's, junto ao Évora Hotel, no Elefante Azul, entre outros;
35. No decurso das diligências de investigação efectuadas pela Polícia de Segurança Pública veio a apurar-se que a arguida FP, em conjugação de esforços e de vontades com os arguidos AF, AC, JF, MR, com as alcunhas "Manecas" e "Manelito", e AA, com a alcunha "Dona", adquirem habitualmente o produto estupefaciente a FC;
36. Por outro lado, JP e SR, com a alcunha "Orvidinha", que residem habitualmente na Rua Dr.ª …, em Évora, adquirem o produto estupefaciente e posteriormente procedem à sua venda aos consumidores, estabelecendo o respectivo preço, gerindo os proventos pecuniários obtidos, recebendo o dinheiro proveniente das vendas e determinando os investimentos a fazer na aquisição de mais produto estupefaciente;
37. No quadro do mencionado comportamento, depois de adquirirem heroína e cocaína a FC, os arguidos JP e SR procedem à divisão, corte, preparação e acondicionamento de tais substâncias;
38. Posteriormente, na posse dos pacotes de heroína e cocaína, procedem à venda, por quantias superiores àquelas por que foram adquiridas, assim realizando mais-valias;
39. Os arguidos JP e SR efectuavam contactos telefónicos com indivíduos, combinando encontrar-se com os consumidores em determinados locais, a fim de lhes entregarem a cocaína e heroína encomendada e de receberem, em contrapartida, as quantias em dinheiro correspondentes ao preço ajustado;
40. No referido quadro, no dia 18.04.2017 o arguido JP liga para a arguida FP, sua irmã, que tem consigo um consumidor de nome André, que pretende adquirir produto estupefaciente, e solicita-lhe que esta aí envie um dos seus filhos para que efectuem a venda do produto estupefaciente (sessão 2698 do código 88539040, sendo que se procedeu à correcção de lapso de escrita quanto à identificação do número da sessão, que é 2698 e não 2998);
41. Nos dias 19.05.2017, 21.05.2017 e 17.09.2017, o arguido JP é contactado pelo NN, que pretende adquirir produto estupefaciente (sessões 44, 59 e 2738 do código 915----, sendo que se procedeu à correcção de lapso de escrita quanto à referência à data de 19.05.2017 e não 18.05.2017);
42. Nos dias 05.06.2017 e 09.06.2017, o arguido JP é contactado pela MB, que pretende adquirir produto estupefaciente (sessões 364 e 419 do código 915----);
43. Nos dias 31.08.2017, 11.09.2017 e 19.10.2017, o arguido JP é contactado pelo "Toy Vinha", que pretende adquirir produto estupefaciente (sessões 2324, 2326, 2639 e 3361 do código 915---, sendo que se procedeu à correcção de lapso de escrita quanto à referência ao número da primeira das sessões referidas, que é 2324 e não 2314);
44. A arguida SR contacta e é contactada através do telemóvel do arguido JP;
45. Nomeadamente, no dia 27.052017 a arguida SR é contactada pela MB, que pretende adquirir produto estupefaciente (sessão 197 do código 915----);
46. No dia 17.06.2017, a arguida SR é contactado pelo JC, que pretende adquirir produto estupefaciente (sessões 547 e 548 do código 915----, sendo que se procedeu à correcção de lapso de escrita quanto à identificação do indivíduo em causa, de seu nome JC e não JJ);
47. Nos dias 30.06.2017 e 16.07.2017, a arguida SR é contactada por um consumidor cuja identidade não foi possível apurar, que pretende adquirir produto estupefaciente (sessões 789, 1236 e 1243 do código 915----);
48. No dia 30.06.2017, a arguida SR é contactada pelo indivíduo de nome "Leirão", que pretende adquirir produto estupefaciente (sessão 793 do código 915----, sendo que se procedeu à correcção de lapso de escrita quanto à identificação do indivíduo em causa, de seu nome Leirão e não "Dinho");
49. No dia 05.07.2017, a arguida é contactada por uma consumidora de nome Solange, que pretende adquirir produto estupefaciente (sessão 886 do código 915----, sendo que se procedeu à correcção de lapso de escrita quanto à data da conversação, que é 05.07.2017 e não 04.07.2017);
50. No dia 12.07.2017, a arguida SR é contactada por um consumidor cuja identidade não foi possível apurar, que pretende adquirir produto estupefaciente (sessão 1152 do código 915----);
51. Todos os arguidos adquirem o produto estupefaciente à arguida FC, que reside na Rua …., em Algueirão, Mem Martins;
52. A referida arguida desloca-se habitualmente a Évora ou a Casa Branca na sequência de contactos telefónicos, acertando o local de entrega e o estupefaciente e as quantidades pretendidas;
53. Por sua vez, FC adquire o produto estupefaciente a indivíduos cuja identidade não foi possível apurar, na zona de Lisboa;
54. Após, efectua a distribuição do referido produto estupefaciente aos restantes arguidos e suspeitos nos presentes autos e ainda a outros indivíduos cuja identidade não foi possível apurar;
55. Para entregar o produto estupefaciente aos restantes arguidos e suspeitos nos presentes autos, FC desloca-se de comboio até à estação de Casa Branca, onde normalmente é aguardada por JR e AF, e ocasionalmente também por DS, FP e JF, regressando de seguida a Lisboa;
56. Deslocou-se à Estação de Casa Branca, nomeadamente nos dias:
03 de Outubro de 2017, onde contactou com o arguido AF e outros suspeitos;
08 de Outubro de 2017, onde contactou com os suspeitos;
16 de Outubro de 2017, onde contactou com o arguido AF e outros suspeitos;
27 de Outubro de 2017, onde contactou com os suspeitos;
21 de Novembro de 2017, onde contactou os arguidos;
57. Algumas vezes, a FC deslocou-se a Évora, para entregar produto estupefaciente aos arguidos e aos restantes suspeitos e outras vezes, ainda, os arguidos deslocaram-se à residência de FC para irem buscar produto estupefaciente, como aconteceu no dia 29 de Setembro de 2017, pelas 12h30m, em que AF e JF aí se deslocaram;
58. Para efectuar as entregas a JP e SR, FC desloca-se habitualmente a Beja de comboio;
59. Ocasionalmente a entrega de estupefaciente ao JP é feita na cidade de Évora, onde FC se desloca tanto de autocarro como em viatura particular, quando se encontra impossibilitada de se deslocar a Beja para ver o seu marido, que se encontra a cumprir pena de prisão no E.P. de Beja.
60. Designadamente, no dia 24.09.2017 a arguida FC deslocou-se a Évora para entregar produto estupefaciente a JP;
61. Assim, e na concretização do plano previamente delineado, no dia 17 de Dezembro de 2017, pelas 09 horas e 29 minutos, a arguida FC, para efectuar a entrega de heroína aos arguidos, deslocou-se de comboio a Casa Branca, efectuou contacto telefónico com o suspeito JR, informando que chegaria dentro de uma hora;
62. Pelas 11h15m, o suspeito JR chegou à Estação de Caminhos de Ferro da Casa Branca, no veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ---EO, marca Opel, modelo Tigra, de cor preta, mantendo o veículo sempre a trabalhar;
63. Pelas 11h15m, a arguida FC chegou à Estação de Caminhos de Ferro da Casa Branca no comboio proveniente de Lisboa;
64. Quando se dirigia para o exterior da estação, por uma porta um pouco mais distante de onde se encontrava o JR, este inicia a marcha do veículo para a apanhar, altura em que a arguida FC foi interceptada;
65. O suspeito JR ao aperceber-se que a FC tinha sido abordada colocou-se em fuga;
66. Efectuada revista à arguida FC, foram apreendidos:
(…)
71. Na residência dos arguidos JP e SR e da suspeita VV, sita na Rua …-Évora, foram apreendidos os seguintes objectos:
- 1 (um) telemóvel, marca F1, de cor preta, com o IMEI 35560---;
- 1 (um) telemóvel, marca HUAWEI, modelo Y350 3G, com o IMEI 869563---, o qual consta como ter sido furtado, conforme cópia de Participação com o NPP: 16036912017, de 0610412017;
- 1 (uma) arma de fogo, tipo espingarda, n.° 67490;
- 1 (um) Livrete de Manifesto de Arma, n.° G46631, correspondente à arma n.°67490, de marca Félix Sarasqueta, calibre 12, cujo titular é ER;
- 1 (uma) de fogo, tipo pistola, marca Castelo, calibre 32 G;
- 34 (trinta e quatro) munições calibre 12 (procedeu-se a correcção de lapso de escrita quanto ao número de munições);
72. Efectuada revista ao arguido JP, foram apreendidos 220 euros (duzentos e vinte euros), em notas do Banco Central Europeu;
(…)
74. Foi dado cumprimento ao Mandado de Busca e Apreensão, o qual se junta devidamente certificado, para o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula DS-, marca Mercedes-Benz, modelo R320 CDI, de cor preta, tendo sido entregue cópia do mesmo, bem como do despacho que a determinou a JP, o qual acompanhou a diligência;
75. No interior do referido veículo, foram encontrados e apreendidos os seguintes objectos:
- 1(uma) factura n.° 295, emitida pelo Stand Vítor Gaspar, em nome de VV;
- 1(uma) arma de fogo, tipo pistola, marca Beretta, modelo 950B, com o n.° E99297, com respectivo carregador;
- 6 (seis) munições de calibre 6,35mm;
(…)
78. Os arguidos FP, AF, JF e JP tinham conhecimento das características das armas supra descritas, sabiam que mantinham aquelas armas na sua posse e esfera de disponibilidade, designadamente na área desta comarca, sem se encontrarem habilitados com qualquer licença, designadamente de uso e porte de arma de defesa ou de detenção de arma no domicilio, válidas e em vigor, sabendo também que a aquisição e/ou guarda de armas transformadas, bem como a manutenção de armas transformadas, na sua esfera de disponibilidade, sem qualquer autorização ou sequer conhecimento das autoridades administrativas, coloca em causa a tranquilidade e a segurança públicas, bem como a segurança interna, contribuindo para a proliferação indiscriminada de armas de fogo, assim prejudicando o Estado português, ao qual compete assegurar aqueles valores e manter o registo de armas de fogo, o que os arguidos quiseram e conseguiram;
79. Não obstante saberem tal, não se abstiveram de manter na sua posse e esfera de disponibilidade aquelas armas de fogo, bem sabendo que a sua conduta era censurável e punida por lei como crime;
80. Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e conscientemente dedicando-se à venda de produto estupefaciente, cuja natureza e características conheciam, ao longo do período de tempo supra referido, vendendo-o a vários consumidores de forma livre, deliberada e voluntária, bem sabendo que a detenção, compra, venda ou cedência a qualquer título dos referidos produtos são condutas proibidas e punidas por lei.
A forte indiciação dos referidos factos assenta nos seguintes elementos de prova:
(...)
Atender-se-á igualmente às declarações que a arguida FC prestou (os restantes arguidos, no uso do direito que a lei lhes confere, entenderam não prestar declarações).
Ora, a este propósito, a arguida FC confirmou parcialmente os factos que lhe são imputados, confirmando também a entrega de produto estupefaciente a todos os arguidos, embora tenha feito referência mais especificada ao arguido JR (entrega de estupefaciente em Beja), bem como ao suspeito JPR, de alcunha Duriquinho, ainda não constituído arguido (entregas em Casa Branca).
As declarações da arguida FC, conjugadas com os demais elementos probatórios supra referidos, com especial relevo para o conteúdo das conversações telefónicas interceptadas (sem olvidarmos que as escutas telefónicas são um meio de obtenção de prova, sendo que as conversações recolhidas através dessas intercepções constituem meio de prova), do qual resulta que todos os arguidos (bem como os suspeitos ainda não constituídos arguidos) utilizavam entre si e com outros indivíduos linguagem cifrada (o que é habitual em quem se dedica a actividades ilícitas, nomeadamente de tráfico de estupefacientes, já não sendo certamente habitual em quem não o faz), constituem motivo da forte indiciação supra referida.
Não olvida o tribunal que quanto às intercepções telefónicas os Ilustres mandatários dos arguidos suscitaram em sede de pronúncia sobre as medidas de coacção a aplicar duas questões que na sua óptica levam a que não possa o conteúdo das conversações telefónicas ser considerado: em primeiro lugar que o Ministério Público não deu cumprimento ao disposto no n° 7 do art. 188° do Cód. de Proc. Penal, assim violando a jurisprudência fixada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n° 13/2009; em segundo lugar, que existem apensos de transcrições que não se encontram assinados/rubricados pelo agente policial que procedeu à transcrição.
No que concerne às transcrições das intercepções relevantes para a eventual aplicação de medidas de coacção, dispõe o art. 188°, n° 7 do Cód. Proc. Penal, que «durante o inquérito, o juiz determina, a requerimento do Ministério Público, a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para fundamentar a aplicação de medidas de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência». Fora desse estrito condicionalismo, a competência para ordenar a transcrição é do Ministério Público, nos termos da alínea a) do n° 9 do mesmo artigo.
Sendo este o regime legal sobre a repartição de competências entre juiz de instrução criminal e o Ministério Público para ordenar a transcrição, discutiu-se se aquele poderia (e deveria) ordenar transcrições de sessões interceptadas sem que, em concreto, viesse indicada a medida de coacção a promover. A divergência jurisprudencial foi sanada com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n° 13/2009 de 1 de Outubro de 2009, onde se fixou jurisprudência nos seguintes termos: «Durante o Inquérito, o Juiz de Instrução Criminal pode determinar, a requerimento do Ministério Público, elaborado nos termos do n.° 7 do art. 188.° do Código de Processo Penal, a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para fundamentar a futura aplicação de medidas de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do Termo de Identidade e Residência, não tendo aquele requerimento de ser cumulativo com a promoção para aplicação de uma medida de coacção, mas devendo o Ministério Público indicar nele a concreta medida que tenciona vir a promover» (publicado no DR, 1ª Série, n° 216, de 6 de Novembro de 2009).
O referido Acórdão versa assim sobre questão de competência e não sobre questão de validade ou invalidade das intercepções telefónicas e possibilidade da sua utilização no processo.
Com efeito, entendemos que não existe qualquer óbice legal à utilização de transcrições que venham a ser ordenadas pelo Ministério Público de sessões consideradas relevantes para a prova, em sede de interrogatório judicial, caso as mesmas sejam apresentadas como elemento probatório a considerar para esse fim, nos termos previstos nos arts. 141° e 194° do Cód. de Proc. Penal, uma vez que se trata de prova autorizada e controlada judicialmente. Foi precisamente isso que o Ministério Público fez no seu requerimento.
Como dissemos, a transcrição das intercepções constitui meio de prova e a razão do estatuído no art. 188°, n° 7 do Cód. de Proc. Penal, prende-se com a necessidade prática de antecipar a prova, tendo em vista a aplicação de medida de coacção, e não por a transcrição assumir valor acrescido apenas por ser ordenada judicialmente.
Está em causa a necessidade de assegurar o contraditório, nomeadamente o disposto no art. 194°, n°s 6, 7 e 8, do Cód. de Proc. Penal.
Sabendo-se que durante o inquérito estamos em fase processual em que o arguido não tem, por regra, livre acesso aos autos, a transcrição das intercepções destina-se a melhor assegurar o exercício do contraditório. Contudo, no nosso entender, não é a única forma de o fazer em sede de primeiro interrogatório judicial. De facto, os prazos curtos que medeiam entre a detenção e a apresentação do arguido ao juiz para eventual aplicação de medida de coacção não permitem, em especial em processos de maior complexidade, que a transcrição de todas as sessões interceptadas seja efectuada em tempo útil, nomeadamente (mas não só) em relação às sessões interceptadas nos dias e horas que antecedem a detenção (e que muitas das vezes constituem indício indispensável para o flagrante em que a mesma se fundamenta).
Por isso, entende-se que podem ser utilizadas também sessões interceptadas, ainda que não tenham sido transcritas, desde que se assegure a faculdade da sua audição ao arguido durante o interrogatório se este o desejar (e posteriormente para efeitos de recurso), o que no caso dos autos nenhum dos arguidos requereu.
Assim, entendo que nada obsta à utilização das referidas intercepções telefónicas para efeitos de fundamentação das medidas de coacção a aplicar, sendo certo que em relação às que foram transcritas a circunstância de alguns dos autos de transcrição não se encontraram rubricados/assinados constitui mera irregularidade.
Os factos fortemente indiciados supra referidos integram a prática, pelos arguidos FC, FP, AF, JF, AC, SR, MR, AA e JP, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas 1-A, I-B e 1-C anexas a esse diploma, o qual é punível com pena de prisão de 4 a 12 anos.
No que respeita aos arguidos FP, AF, JF e JP, sem prejuízo da necessária realização de exames às armas apreendidas, bem como de melhor definição de quem entre eles efectivamente as detinha, os factos fortemente indiciados são ainda susceptíveis de integrar a prática de crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86°, n° 1, da Lei n° 5/2006, de 23 de Fevereiro (face à factualidade objectiva supra referida, podem igualmente ter praticado tal crime os arguidos SR, MR e AA, mas em relação a eles não é feita referência no requerimento do Ministério Público ao elemento subjectivo do crime, sendo certo que o Ministério Público também não os considerou indiciados de tal crime).
Face à moldura penal do referido crime de tráfico de estupefacientes, bem como à circunstância do mesmo integrar o conceito de criminalidade altamente organizada (cfr. art. 1°, alínea m), do Cód. de Proc. Penal), é admissível a aplicação de qualquer uma das medidas de coacção previstas no Cód. de Proc. Penal, incluindo a prisão preventiva (cfr. art. 202°, n° 1, alíneas a) e c), do Cód. de Proc. Penal).
Importa assim apreciar se se verifica em concreto algum dos perigos a que alude o art.° 204° do Cód. de Proc. Penal, sendo certo que apenas poderá ser aplicada medida de coacção diferente do TIR caso se verifique pelo menos um desses perigos.
Ora, entende o Tribunal que na situação em apreço se verifica em relação a qualquer dos arguidos perigo para a perturbação do inquérito, nomeadamente perigo para a aquisição e conservação da prova, bem como, face às circunstâncias do crime e personalidade de cada um dos arguidos, perigo de que estes continuem a actividade criminosa, bem como perigo de que perturbem gravemente a tranquilidade pública.
Com efeito, no que tange ao perigo de perturbação do inquérito, o nível de organização demonstrado, a rede de contactos dos arguidos, as elevadas cautelas evidenciadas pelos arguidos (nomeadamente nas suas conversações telefónicas e nas deslocações efectuadas com vista quer à aquisição de produto estupefaciente, quer à sua posterior distribuição aos consumidores) com vista a poderem prosseguir a sua actividade ilícita e a eximirem-se à acção da justiça penal são demonstrativas de que os mesmos não são inexperientes, não se vislumbrando ingenuidade no seu modo de actuação. Por outro lado, não se pode olvidar a relevância da prova testemunhal neste tipo de criminalidade (designadamente consumidores que, previsivelmente, ainda serão inquiridos). Assim, e fazendo um juízo de prognose, é de antever que a investigação venha a sofrer importantes entraves no caso de os arguidos poderem movimentar-se e comunicar livremente com fornecedores e clientes.
Por outro lado, em relação à arguida FC verifica-se que os seus rendimentos são escassos (de acordo com o que referiu auferirá de baixa e de rendimento social de inserção o montante total de € 367,55), sendo que em relação aos demais arguidos não se encontra sequer demonstrado que desempenhem alguma actividade laboral remunerada que se mostre nomeadamente compatível com o elevado valor dos bens que lhes foram apreendidos. É sabido que o tráfico de estupefacientes leva a lucros rápidos e fáceis, pelo que é de temer seriamente que os arguidos persistam na sua actividade criminosa.
Finalmente, há que não olvidar que é praticamente unânime na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que o bem jurídico protegido pelo crime de tráfico de estupefacientes é a saúde pública em geral (neste sentido, veja-se FERNANDO GAMA LOBO, Droga – Legislação, Quid Juris, 2006, p. 41, bem como o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Março de 2011, in CJSTJ, Ano IX, Tomo 1, p. 235 a 237; também a Convenção de Nova Iorque de 1961, a Convenção Sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971, a Convenção de 1988 e o próprio preâmbulo do Dec.-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro).
Já no seu Acórdão de 6 de Novembro de 1991, o Tribunal Constitucional considerou que «o escopo do legislador, ao incriminar o tráfico de estupefacientes, é evitar a degradação e destruição de seres humanos, provocadas pelo consumo de estupefacientes, que aquele tráfico indiscutivelmente potencia; assim, o tráfico põe em causa uma pluralidade de bens jurídicos: a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes, e, demais, afecta a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos» (BMJ 411, p. 56).
E na realidade, embora actualmente pareça evidente que o cenário já não é tão catastrófico como já o foi até bem recentemente, mantêm-se ainda assim actuais as palavras de MANUEL M. GUEDES VALENTE, de acordo com as quais «o flagelo da droga atinge as famílias dos nossos dias como se de uma epidemia se tratasse, provocando desavenças, amarguras, desilusões, sofrimento psíquico e, até mesmo, a morte dos cidadãos. A busca de momentos de felicidade efémero produz chagas no consumidor e nos seus entes mais próximos, cujas cicatrizes jamais encontram cura verdadeira {...} Ninguém está livre de sentir a dor física e espiritual do flagelo e do fenómeno da droga, que infelizmente, corrompe e branqueia não só as almas, mas os corpos daqueles que se alimentam deste vil veneno» (Consumo de Drogas – Reflexões Sobre o Novo Quadro Legal, Almedina, 2002, p. 115).
Servem estes últimos parágrafos para dizer que em razão da natureza e das circunstâncias do crime de tráfico de estupefacientes se verifica igualmente perigo de perturbação grave da tranquilidade pública.
Verificam-se assim perigos a que fazem alusão as alíneas b) e c) do art. 204° do Cód. de Proc. Penal.
Deste modo, há que acautelar tais perigos, nunca esquecendo que a aplicação de medidas de coacção se encontra sujeita aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade (art. 193° do Cód. de Proc. Penal).
Ora, entende o tribunal que em relação aos arguidos FC, FP, AF, JF, SR, MR e JP a medida de coacção de prisão preventiva requerida pelo Ministério Público se mostra não só necessária, como é a única adequada às supra referidas exigências cautelares.
Com efeito, não olvidando que a prisão preventiva é uma medida de ultima ratio, não se vislumbra que qualquer das outras previstas no Cód. de Proc. Penal pudesse fazer face aos perigos mencionados, com especial realce para o perigo de continuação da actividade criminosa.
É verdade que a obrigação de permanência na habitação, que tem natureza subsidiária relativamente às restantes medidas de coacção à excepção da prisão preventiva, mostra-se adequada para arguidos que dêem alguma garantia de autolimitarem a sua circulação. Todavia, esta regra não pode ser seguida quando o crime em causa seja susceptível de ser praticado no interior da habitação, como é o caso do tráfico de estupefacientes. De resto, o entendimento jurisprudencial maioritário vai no sentido desta medida de coacção ser inidónea para acautelar o perigo de continuação da actividade criminosa quando esteja em causa o crime de tráfico de estupefacientes (conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27 de Setembro de 2006, «no caso de crime de tráfico de estupefacientes a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, mesmo com controlo electrónico, não atenua seriamente o perigo de continuação da actividade criminosa», in www.dgsi.pt – Proc. 0644871; no mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 8 de Setembro de 2008, proferido no Proc. n° 1853/08-1, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 31 de Janeiro de 2012, proferido no Proc. n° 8/11.OTESTB-B.E1, também ambos disponíveis in www.dgsi.pt).
Por outro lado, considerando a gravidade do crime de tráfico de estupefacientes indiciado, a moldura penal abstracta, os critérios de fixação da medida concreta da pena, as normas legais respeitantes à substituição das penas de prisão, a ausência de antecedentes criminais dos arguidos FC, AF, JF, MR, JP e SR e os antecedentes criminais da arguida FP (que já conta com duas condenações pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes, ambas em pena de prisão efectiva), a prisão preventiva também se mostra proporcional às penas que previsivelmente vierem a ser aplicadas a tais arguidos.
No que tange às arguidas AC e AA, não obstante também tenha resultado fortemente indiciada a prática do crime de tráfico de estupefacientes, da factualidade acima referida resulta que a sua participação na actividade é substancialmente menor do que a dos demais arguidos, pelo que se entende que os perigos supra referidos, embora existentes, se encontram em relação a elas substancialmente atenuados, com especial relevo para os perigos de perturbação do inquérito e de continuação da actividade criminosa (com efeito, entende o tribunal que em relação a tais arguidas é mais improvável que mantenham a actividade desacompanhadas dos restantes arguidos).
Assim, em relação a tais arguidas, o tribunal decide aplicar as medidas de coacção de proibição de contactos, por quaisquer meios, com os demais arguidos (à excepção dos respectivos companheiros), bem como com pessoas conotadas com o consumo de produtos estupefacientes (art. 200°, alínea d), do Cód. de Proc. Penal) e de apresentações periódicas duas vezes por semana no posto policial das respectivas áreas de residência (art. 198°, n° 1, do Cód. de Proc. Penal).
Assim:
Ao abrigo do disposto nos arts. 1°, alínea m), 191°, 193°, 194°, 202°, n° 1, alíneas a) e c) e 204°, alíneas b) e c), todos do Cód. de Proc. Penal, por referência ao art. 21.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas 1-A, I-B e I-C anexas a esse diploma, determino que os arguidos FC, FP, AF, JF, SR, MR e JP, além do TIR que já prestaram, aguardem os ulteriores termos do processo sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva;
Ao abrigo do disposto nos arts. 1°, alínea m), 191°, 193°, 194°, 198°, n° 1 e 2, 200°, alínea d) e 204°, alíneas b) e c), todos do Cód. de Proc. Penal, por referência ao art. 21.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 15193, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas 1-A, 1-B e I-C anexas a esse diploma, determino que as arguidas AC e AA, além do TIR que já prestaram, aguardem os ulteriores termos do processo sujeitas às medidas de coacção de proibição de contactos, por quaisquer meios, com os demais arguidos (à excepção dos respectivos companheiros), bem como com pessoas conotadas com o consumo de produtos estupefacientes, e de apresentações periódicas duas vezes por semana no posto policial das respectivas áreas de residência.
(…)
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Inconformado com o assim decidido, os arguidos JP e FP interpuseram o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:
1. Os Recorrentes encontram-se detidos preventivamente, na sequência de lhes ter sido aplicada a medida de coação de prisão preventiva, em sede de primeiro interrogatório judicial, por decisão datada de 21/12/2017.
2. Com todo o respeito, a decisão recorrida trata-se de um erro clamoroso da justiça.
3. Trata-se de uma decisão efetuada contra jurisprudência firmada.
4. Se atentarmos na decisão recorrida, facilmente chegamos à conclusão que a única prova indiciária relativamente aos arguidos recorrentes, se tratam de escutas telefónicas.
5. Não existe nos autos qualquer outra prova indiciária relativamente aos arguidos aqui recorrentes.
6. Muitas outras referências podem ser feitas, mas se atentarmos na prova indiciária indicada pelo Ministério Público e que, fundamentou a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, chegamos efetivamente à conclusão que apenas as escutas telefónicas serviram para fundamentar tal decisão.
7. E contra jurisprudência fixada se decidiu prender preventivamente os arguidos aqui recorrentes.
8. Dispõe o art.° 188.°, n.° 7, do CPP que: "Durante o inquérito, o juiz determina, a requerimento do Ministério Público, a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para fundamentar a aplicação de medidas de coação ou de garantia patrimonial, à exceção do termo de identidade e residência.".
9. Ora, conforme se pode alcançar dos despachos que promoveram/requereram a validação das escutas telefónicas e bem assim dos que as validaram, em momento algum, qualquer uma das escutas telefónicas que serviram agora para validar a medida de coação de prisão preventiva dos arguidos aqui recorrentes, se encontra validada nos termos do art.° 188.°, n.° 7 do CPP.
10. Ou seja, ao decidir da forma que decidiu o Mmo Juiz de Instrução Criminal decidiu contra a lei expressa e ainda jurisprudência fixada.
11. Isto porque, para que as escutas telefónicas possam ser utilizadas para fundamentar a aplicação de medida de coação detentiva da liberdade, tinha que obedecer ao requisito e condição expressa no art.° 188.°, n.° 7, do CPP, sob pena de nulidade nos termos do art.° 190.° do mesmo código.
12. Ou seja, o art.° 190.° do CPP dispõe que: "Os requisitos e condições referidos nos artigos 187. °, 188.° e 189.° são estabelecidos sob pena de nulidade. ".
13. Quer isto dizer que não foram os arguidos quem fizeram a lei, e que, o requisito imposto no art.° 188.°, n.° 7 do CPP, deve ser cumprido sob pena de nulidade.
14. E essa nulidade em tempo foi invocada e assim deve ser declarada.
15. Bem como se encontra definido no acórdão de fixação de jurisprudência n.° 13/2009.
16. Ou seja, a decisão recorrida é nula porquanto se fundamenta em escutas telefónicas que não foram transcritas ao abrigo do disposto no art.° 188.°, n.° 7, do CPP por referência ao art.° 190.° do CPP, e nesse sentido, deve a mesma ser revogada e substituída por outra que não se fundamente nas escutas telefónicas ordenando a libertação imediata dos arguidos recorrentes porquanto outra prova indiciária não existe contra os mesmos.
17. Não foi inquirida uma única testemunha que infirme os factos indiciários indicados pelo Ministério Público.
18. Isto para dizer, que para a aplicação da medida de coação mais gravosa do nosso ordenamento jurídico, a mesma foi aplicada, sem a existência de qualquer indício forte ou suficiente.
19. Ou seja, salvo melhor opinião, a medida de coação visa salvaguardar os perigos elencados no art.° 204.°, do CPP e não uma antecipação de qualquer pena ou o seu cumprimento.
Vejamos,
20. Será que aquando a prolação do despacho que ora se recorre, se verificavam na íntegra todos os referidos perigos que estiveram na base da aplicação de medida de coação de prisão preventiva?
21. Com todo o respeito entendemos que não.
22. Reitera-se o respeito que é muito, mas não podemos concordar, que se prenda primeiro para se investigar depois.
23. Nesta medida, a natureza excecional e residual da prisão preventiva é acentuada nos artigos 193.°, n.° 2 e 202.°, n.° 1 do Código de Processo Penal, postulando que aquela medida de coação só é aplicável quando as restantes medidas se revelarem inadequadas e insuficientes e houver fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos.
24. Trata-se de crimes de especial gravidade e que pressupõem a inadequação ou insuficiência das restantes medidas de coação, reconhecida a sua insuficiência nociva sobre os arguidos a ela sujeitos.
25. À sua aplicação presidem princípios de necessidade, adequação, proporcionalidade, subsidiariedade e precariedade, integralmente reproduzidos no artigo 193.° do CPP, ditados pelo princípio da presunção de inocência do arguido até ao trânsito em julgado da condenação - Acs. do TC n.° 35/87, de 20.12.87; n.° 7/87, de 09/01, in DR I Séria, de 09.02.87; J. Castro Sousa, in a Prisão Preventiva e outros meios de coação, in BMJ 337-49; Odete Faria de Oliveira, in As medidas de coação no novo Código de Processo Penal, Jornadas de Direito Processual Penal, CEJ, pg. 169 e 182 e ss..
26. A aplicação de qualquer medida de coação deve obedecer, necessariamente, aos princípios da adequação e da proporcionalidade, consagrados no art.° 193.° do C.P.P., sendo que, nos termos do n.° 2 do referido artigo, "a prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação".
27. In casu, face aos circunstancialismos supra referidos, entendem os requerentes que a prisão preventiva se revela inadequada, para além de ilegal, no caso em apreço.
28. No caso em apreço, os requerentes entendem que a aplicação de outras medidas de coação, em detrimento da prisão preventiva, não são inconvenientes, inadequadas ou insuficientes face à prova indiciária e valida para aplicação de medidas de coação existentes nesta fase do processo.
29. Com todo o respeito pela posição assumida pelo Tribunal a quo, não podemos concordar com a mesma, porque violadora de direitos fundamentais dos arguidos.
30. É, pois, intolerável que se mantenha em prisão preventiva um cidadão, ainda que contra ele recaiam fortes indícios de ter cometido crimes graves, funcionando a mesma apenas como uma antecipação do cumprimento de uma pena que se antevê, sem que se fundamente cabal e totalmente a aplicação dessa medida, de acordo com todos os requisitos exigidos na nossa lei, de modo que a medida seja compreendida e aceite ou então que possibilite uma defesa eficaz a quem por ela foi visado.
31. Salvo o devido respeito, é entendimento dos arguidos que tal medida de coação se mostra, in casu, excessiva, pelo que, com os fundamentos que ali se encontram apostos é, por si, ilegal. Desde logo porque violadora do disposto no art.° 193.°, n.°s 1 a 3, do C. de Processo Penal e nos art.°s 28.° e 32.°, n.°s 1 e 3 da Constituição da Republica Portuguesa, entre outros que V. Ex.as oficiosamente venham a verificar.
Em face do exposto, requer-se a V. Ex.as, Mmos Juizes Desembargadores, que com melhor experiência e sapiência revoguem a decisão recorrida, substituindo-a por outra que seja conforme a lei, e ordenando a libertação imediata dos arguidos aqui recorrentes.
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A Ex.ma Procuradora Adjunta do tribunal recorrido respondeu, concluindo da seguinte forma:
1. Os factos imputados aos arguidos, JP e FP no âmbito dos presentes autos, indiciam a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21°, n°1, do DL 15/93 de 22 de Janeiro.
2. O crime de tráfico de estupefacientes com pena de prisão de 4 a 12 anos.
3. Não se verifica qualquer violação de jurisprudência Uniformizada do STJ através do Acórdão n.° 13/2009 de 1 de Outubro.
4. O despacho colocado em crise pela recorrente encontra-se devidamente fundamentado quanto aos requisitos exigidos para aplicação da prisão preventiva, pois encontrou fundamentação nos perigos previstos nos artigos 204.° e 202°, ambos do Código de Processo Penal
5. Existe perigo de continuação da actividade criminosa, porquanto o arguido não desenvolve actividade profissional que permita ao próprio sustento nem a aplicação de medida de coacção menos gravosa surtiria efeito.
6. Sendo que a medida prisão preventiva afigura-se como a única medida adequada e suficiente para que se não verifique o perigo de perturbação do decurso da investigação, nomeadamente para a aquisição, conservação e veracidade da prova, que importa preservar e perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas e de continuação da actividade criminosa, no presente caso.
7. Só a prisão preventiva, e não qualquer das outras medidas de coacção previstas na lei responde de forma adequada e suficientemente às exigências cautelares que o caso reclama, é proporcional à gravidade do crime indiciado e à sanção que é previsível vir a impor-se aos arguidos.
8. Caso os arguidos deixassem de estar na situação prisional em que actualmente se encontram, e tratando-se de um caso de tráfico de estupefacientes, tal causaria perturbação da ordem e tranquilidade públicas. É que sendo o tráfico de estupefacientes uma actividade socialmente maléfica e estando o sentimento comunitário de repulsa por essa conduta e de sensibilização aos perigos que ela representa bem interiorizados, a não aplicação desta medida, que de todo em todo, a inviabilize e sujeite o seu autor à reacção penal é susceptível, em concreto, de causar alarme, com perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
9. Bem andou o Tribunal a quo quando decidiu aplicar ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva, pelo que, pelos motivos que supra se deixaram expostos, não assiste razão ao recorrente.
10. Pelo exposto, entende-se que o despacho judicial que decidiu manter a prisão preventiva, analisado numa perspectiva clara e objectiva, corresponde plenamente, em nosso entender, à correcta realização do Direito.
Termos em que, pelos motivos supra aduzidos, deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se inalterada a decisão recorrida, fazendo V.Exas., desse modo, JUSTIÇA.
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E nesta Relação, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos.
Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II
De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (diploma do qual serão todos os preceitos legais citados sem menção de origem), o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer.
De modo que as questões postas ao desembargo desta Relação são as seguintes:
1.ª – Que a medida de coacção de prisão preventiva foi ilegalmente aplicada aos ora recorrentes JP e FP por ter sido determinada apenas com base nas escutas telefónicas, sem que se mostre nos autos cumprido a esse propósito o disposto no art.º 188, n.º 7, do Código de Processo Penal, o que viola o estatuído no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 13/2009; e
2.ª – Que a prisão preventiva decretada no primeiro interrogatório judicial de arguido detido deve ser substituída por outra medida de coacção menos gravosa, uma vez que não se verificam em concreto os perigos em que se baseou o seu decretamento.
Vejamos:
No tocante à 1.ª das questões postas:
Compulsado o despacho recorrido, recordemos que o Exmo. JIC se referiu concretamente a esta questão nos seguintes termos:
No que concerne às transcrições das intercepções relevantes para a eventual aplicação de medidas de coacção, dispõe o art. 188°, n° 7 do Cód. Proc. Penal, que «durante o inquérito, o juiz determina, a requerimento do Ministério Público, a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para fundamentar a aplicação de medidas de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência». Fora desse estrito condicionalismo, a competência para ordenar a transcrição é do Ministério Público, nos termos da alínea a) do n° 9 do mesmo artigo.
Sendo este o regime legal sobre a repartição de competências entre juiz de instrução criminal e o Ministério Público para ordenar a transcrição, discutiu-se se aquele poderia (e deveria) ordenar transcrições de sessões interceptadas sem que, em concreto, viesse indicada a medida de coacção a promover. A divergência jurisprudencial foi sanada com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n° 13/2009 de 1 de Outubro de 2009, onde se fixou jurisprudência nos seguintes termos: «Durante o Inquérito, o Juiz de Instrução Criminal pode determinar, a requerimento do Ministério Público, elaborado nos termos do n.° 7 do art. 188.° do Código de Processo Penal, a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para fundamentar a futura aplicação de medidas de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do Termo de Identidade e Residência, não tendo aquele requerimento de ser cumulativo com a promoção para aplicação de uma medida de coacção, mas devendo o Ministério Público indicar nele a concreta medida que tenciona vir a promover» (publicado no DR, 1ª Série, n° 216, de 6 de Novembro de 2009).
O referido Acórdão versa assim sobre questão de competência e não sobre questão de validade ou invalidade das intercepções telefónicas e possibilidade da sua utilização no processo.
Com efeito, entendemos que não existe qualquer óbice legal à utilização de transcrições que venham a ser ordenadas pelo Ministério Público de sessões consideradas relevantes para a prova, em sede de interrogatório judicial, caso as mesmas sejam apresentadas como elemento probatório a considerar para esse fim, nos termos previstos nos arts. 141° e 194° do Cód. de Proc. Penal, uma vez que se trata de prova autorizada e controlada judicialmente. Foi precisamente isso que o Ministério Público fez no seu requerimento.
Como dissemos, a transcrição das intercepções constitui meio de prova e a razão do estatuído no art. 188°, n° 7 do Cód. de Proc. Penal, prende-se com a necessidade prática de antecipar a prova, tendo em vista a aplicação de medida de coacção, e não por a transcrição assumir valor acrescido apenas por ser ordenada judicialmente.
Está em causa a necessidade de assegurar o contraditório, nomeadamente o disposto no art. 194°, n°s 6, 7 e 8, do Cód. de Proc. Penal.
Sabendo-se que durante o inquérito estamos em fase processual em que o arguido não tem, por regra, livre acesso aos autos, a transcrição das intercepções destina-se a melhor assegurar o exercício do contraditório. Contudo, no nosso entender, não é a única forma de o fazer em sede de primeiro interrogatório judicial. De facto, os prazos curtos que medeiam entre a detenção e a apresentação do arguido ao juiz para eventual aplicação de medida de coacção não permitem, em especial em processos de maior complexidade, que a transcrição de todas as sessões interceptadas seja efectuada em tempo útil, nomeadamente (mas não só) em relação às sessões interceptadas nos dias e horas que antecedem a detenção (e que muitas das vezes constituem indício indispensável para o flagrante em que a mesma se fundamenta).
Por isso, entende-se que podem ser utilizadas também sessões interceptadas, ainda que não tenham sido transcritas, desde que se assegure a faculdade da sua audição ao arguido durante o interrogatório se este o desejar (e posteriormente para efeitos de recurso), o que no caso dos autos nenhum dos arguidos requereu.
Assim, entendo que nada obsta à utilização das referidas intercepções telefónicas para efeitos de fundamentação das medidas de coacção a aplicar, (…)
Ora bem.
Compulsados os autos, constata-se que todas as escutas que já antes do 1.º interrogatório de arguido detido se mostram transcritas nos autos o foram a mando do M.º P.º e para os efeitos do art.º 188.º, n.º 9 al.ª a), no qual se prescreve:
9 - Só podem valer como prova as conversações ou comunicações que:
a) O Ministério Público mandar transcrever ao órgão de polícia criminal que tiver efectuado a intercepção e a gravação e indicar como meio de prova na acusação.
Por sua vez, o n.º 7 do mesmo preceito legal estabelece que:
Durante o inquérito, o juiz determina, a requerimento do Ministério Público, a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para fundamentar a aplicação de medidas de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência.
No requerimento pelo qual apresentou os arguidos ao JIC para aquele 1.º interrogatório, o M.º P.º indica-as como prova dos indícios e é também com base nelas que fundamenta as medidas de coacção que pretende sejam aplicadas.
Ora, com o devido respeito por opinião contrária, parece-nos ser um uso despropositado quer do disposto no n.º 7 do art.º 188.º, quer do AFJ n.º 13/2009, pretenderem os recorrentes que a medida de coacção de prisão preventiva lhes foi ilegalmente aplicada porque, tendo sido estabelecida apenas com base em determinadas e concretamente identificadas escutas telefónicas, as mesmas, que se encontram transcritas nos autos, não foram transcritas a requerimento do M.º P.º especificamente para fundamentar a aplicação aos recorrentes de medidas de coacção ou de garantia patrimonial.
Para fundamentar a aplicação das medidas de coacção, o JIC estriba-se em todos os elementos que os autos legalmente contiverem e possam ser mostrados ao arguido. Se o M.º P.º quiser que também sejam levadas em consideração o teor de escutas telefónicas que ainda não constam dos autos, requer ao JIC a sua transcrição, nos termos do art.º 188.º, n.º 7. Mas se essa transcriçãojá existir nos autos, por ter sido efectuada a outro título, parece-nos redundante impor ao M.º P.º que, ainda assim, tenha que requerer a transcrição daquilo que já está transcrito para que o seu teor possa fundamentar a aplicação da medida de coacção.
No referido AFJ, expendeu-se o seguinte, com interesse directo para o caso dos autos:
(…) Dissemos acima que a transcrição de conversações e comunicações telefónicas representa uma antecipação de prova útil, com vista à aplicação de uma medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do TIR.
Com efeito, as medidas de coacção, como vimos, têm de ser aplicadas precedendo audição do arguido, que pode ter lugar no primeiro interrogatório judicial. Nesse momento, o juiz tem de dar conhecimento ao arguido, se ele for apresentado detido (o que sucederá no caso de ser submetido a primeiro interrogatório judicial), em primeiro lugar, dos motivos da detenção e, em segundo lugar, dos elementos do processo que indiciam os factos imputados e dos que preenchem uma medida de coacção, incluindo os pressupostos genéricos e específicos da sua aplicação, tudo nos termos já anteriormente referidos com mais detalhe. Quanto às medidas de coacção, não podem ser considerados para a fundamentação da sua aplicação quaisquer elementos do processo que não tenham sido comunicados ao arguido, assim como este e o seu defensor podem consultar os elementos do processo determinantes para o decretamento da medida, durante o interrogatório e no prazo para a interposição de recurso (n.ºs 5 e 6 do artigo 194.º).
Ora, se os referidos elementos se contiverem em escutas telefónicas, não podem estas servir para fundamentar medida de coacção diferente do TIR senão constando da respectiva transcrição e estando esta junta aos autos, pois o arguido, como vimos, não tem acesso a tais escutas, senão a partir do encerramento do inquérito (n.º 8 do artigo 188.º) e daí que, tendo elas de constar dos autos, só como prova documental possam figurar. Para isso, essa prova deve estar junta ao processo antecipadamente, a fim de garantir que, no momento em que o arguido é ouvido, possa a mesma prova ser usada e consultada, servindo ao mesmo tempo para fundamentar o respectivo despacho do juiz.
Tão mais premente é esta necessidade, quanto o arguido, se detido para primeiro interrogatório judicial, tem o direito de ser informado sobre os motivos da detenção, que até podem ser baseados em elementos recolhidos através das escutas, e não pode deixar de ser interrogado pelo juiz num prazo excedente a 48 horas.
As transcrições das escutas podem levar algum tempo, e daí que se justifique que as mesmas, para além das razões já invocadas, devam ser requeridas antecipadamente, sob pena de poder ficar inviabilizado o referido primeiro interrogatório, sobretudo em processos complexos em que haja vários arguidos e se imponha transcrever um assinalável número de gravações de conversações e comunicações telefónicas, como, por regra, sucede em processos em que este meio de obtenção de prova é usado.
Esta mesma necessidade de prover antecipadamente a tais situações foi reconhecida por Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., p. 515:
«No caso de processos com um grande volume de escutas, esta tramitação é dificilmente praticável, pois não pode ficar a aguardar-se depois da decisão de aplicação da medida de coacção vários dias e até semanas pela transcrição das conversações e comunicações mandadas revelar pelo juiz. O MP pode requerer com alguma antecedência em relação ao interrogatório a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações que entender indispensáveis para fundamentar a aplicação das medidas e o juiz pode tomar previamente ao interrogatório a sua decisão sobre quais as escutas que entende que devem ser reveladas, transcritas e mandadas juntar aos autos. Quando estiverem prontas as transcrições, o MP deve requerer então a realização de interrogatório judicial para aplicação de medida de coacção, no qual se revelarão as transcrições efectuadas. Este desfasamento temporal entre o requerimento do MP de transcrição e junção aos autos de conversações e comunicações e o requerimento do MP de realização de interrogatório para aplicação de medida de coacção permite que as transcrições sejam feitas entretanto e estejam concluídas na data do interrogatório e não tenha que se aguardar pelas mesmas na fase posterior ao interrogatório, quando já está a correr o prazo de recurso da decisão que aplicou medida de coacção ou de garantia patrimonial.»
Acresce que (…) o mecanismo agora criado pelo legislador, a par de outras modificações, indicia que se pretendeu agilizar o sistema, sem prejuízo de direitos, liberdades e garantias fundamentais, mal se compreendendo que a pretendida agilização degenerasse em «arrastamento» processual, sobretudo quando estão em causa crimes de complexa investigação como são, em geral, aqueles em relação aos quais se permite a utilização de um meio de obtenção de prova como as escutas, e quando o juiz já teve que autorizar essas escutas por despacho fundamentado em que teve de ponderar o imperativo da sua excepcionalidade e subsidiariedade com o da sua indispensabilidade para a descoberta da verdade ou a sua estrita necessidade para a prova, por ser muito difícil ou mesmo impossível obtê-la de outro modo.
Por outro lado, sendo o Ministério Público o dominus do inquérito que deve actuar segundo critérios de estrita objectividade (artigo 53.º, n.º 1, do CPP) e conhecendo a matéria em investigação, é de supor que, ao requerer a transcrição de determinadas escutas, o faz porque entende ser ela indispensável para fundamentar uma medida de coacção, que não pode ser aplicada em medida mais gravosa do que a requerida.
De qualquer forma, tal não contende — acrescentamos nós — com a conveniência de o Ministério Público indicar, no requerimento em que pede as transcrições de determinadas gravações de conversas e comunicações telefónicas que foram escutadas, a medida de coacção ou de garantia patrimonial diferente do TIR que tenciona promover, para que o juiz, ele próprio, como também legalmente lhe compete, ajuíze autonomamente da sua indispensabilidade.
(…)
Uma das razões de ser do disposto no art.º 188.º, n.º 7, é o de que, para fundamentar a aplicação de medidas de coacção ou de garantia patrimonial num processo em que existam escutas telefónicas mas elas ainda não se mostrem transcritas, o M.º P.º pode requerer, e o juiz autorizar, a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis à fundamentação daquela aplicação, de modo a que o arguido possa em relação às mesmas exercer o contraditório. Mas se, por qualquer outro motivo, já existirem nos autos essas transcrições, ainda que não tenham sido juntas sob o pretexto contido no mencionado n.º 7 do art.º 188.º, elas já lá constam, foram autorizadas e avalizadas por um JIC, e podem ser usadas para fundamentar a aplicação das medidas de coacção, porque a possibilidade de exercício do contraditório do arguido já se mostra assegurado.
Aliás que em idêntico sentido decidiu esta Relação em acórdão publicado no dia 8-5-2018 no âmbito de um outro recurso interposto por um outro arguido neste mesmo processo (e que aí assumiu a numeração 1049/15.4T9EVR-E.E1) e no qual, além de outras, era posta idêntica questão à agora exposta pelos ora recorrentes JP e FP.
Assim, carecem os recorrentes de razão, mesmo ainda na parte em que sibilinamente insinuam que as escutas telefónicas são insuficientes para indiciarem a prática pelos mesmos do crime que lhes é assacado. Sobretudo num processo com vários arguidos, como é o caso dos autos, a indicação compartimentada da prova pela forma exigida para esta fase pelos art.º 194.º, n.º 6 al.ª b) e 7 e 141.º, n.º 4 al.ª e), é sempre provisória e algo redutora. Por exemplo, logo das declarações da co-arguida FC resultou ter esta assumido que forneceu produtos estupefacientes a todos os demais arguidos – o que constitui mais um forte indício da prática pelos recorrentes do tráfico de estupefacientes que lhes é apontado.
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No tocante à 2.ª das questões postas, a de que a prisão preventiva decretada no primeiro interrogatório judicial de arguido detido deve ser substituída por outra medida de coacção menos gravosa, uma vez que não se verificam em concreto os perigos em que se baseou o seu decretamento:
Prescreve o art.º 204.º que a aplicação de qualquer uma das medidas coactivas previstas naquele diploma depende – à excepção de prestação de termo de identidade e residência – da verificação de uma das seguintes ocorrências:
a) Fuga ou perigo de fuga;
b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
Só depois de se constatar que se está perante alguma destas circunstâncias é que se pode ir ao leque das medidas coactivas propostas pelo Código de Processo Penal escolher, para além da já mencionada prestação de termo de identidade e residência, uma delas (ou várias, desde que compatíveis) para aplicar ao arguido.
E como é que se faz esta escolha?
Responde o art.º 193.º, daquele diploma legal:
«1 – As medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
«2 – A prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção.
«3 – Quando couber ao caso medida de coacção privativa da liberdade nos termos do número anterior, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares.
«4 – A execução das medidas de coacção e de garantia patrimonial não deve prejudicar o exercício de direitos fundamentais que não forem incompatíveis com as exigências cautelares que o caso requerer.»
Por seu lado, o art.º 202.º, n.º 1 al.ª c), por referência ao art.º 1.º al.ª m) (criminalidade altamente organizada), estabelece que o Juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva se considerar inadequadas ou insuficientes as demais medidas coactivas e houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos.
Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, in "Curso de Processo Penal", Ed. Verbo, 2.ª edição,1999, pág. 240, «no momento da aplicação de uma medida de coacção (...), que pode ocorrer ainda na fase de inquérito ou da instrução, fases em que o material probatório não é ainda completo, não pode exigir-se uma comprovação categórica da existência dos referidos pressupostos, mas tão só, face ao estado dos autos, a convicção objectivável com os elementos recolhidos nos autos, de que o arguido virá a ser condenado pela prática de determinado crime.» E adianta que «nos casos em que a lei exige fortes indícios, a exigência é naturalmente maior; embora não seja ainda de exigir a comprovação categórica, sem qualquer dúvida razoável, é pelo menos necessário que, face aos elementos de prova disponíveis, seja possível formar a convicção sobre a maior probabilidade de condenação do que de absolvição.»
Por seu lado, Teresa Beleza (Apontamentos de Direito Processual Penal, II, p. 125 e 126), refere que a prisão preventiva não deve funcionar como uma medida punitiva adiantada, mas deve funcionar como uma garantia de segurança no sentido de que o arguido não se eximirá a estar presente no processo e não irá perturbar o decurso das investigações, destruindo a actividade na suspeita da qual ele está a ser sujeito a um processo crime.
Vem isto a propósito de, face aos elementos até ao momento coligidos e constantes do presente processado, se chegar por ora à conclusão de que os arguidos JP e FP praticaram, em termos que a investigação e depois o julgamento melhor definirão, um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-1.
Ora atenta a facilidade com que se conseguem avultadas quantias em pouco tempo com tal actividade de tráfico de estupefacientes, incentivadora da retoma da actividade criminosa como condição de continuar a auferir as mesmas (sendo ainda certo que não é conhecido aos recorrentes qualquer actividade profissional e a arguida FP já tem antecedentes criminais pela prática do mesmo crime), a que o inquérito se encontra no início da sua investigação, com vista a apurar também a eventual responsabilidade criminal dos outros indivíduos igualmente ligados à rede de tráfico de que os arguidos indiciariamente fazem parte e por isso a sua libertação perturbaria o decurso do inquérito, nomeadamente na vertente da ulterior aquisição da prova (particularmente importante no caso quanto às testemunhas toxicodependentes, que se sabe serem particularmente vulneráveis em razão do vício que as domina, que confirmem as aquisições de produtos a que referem algumas das escutas telefónicas, em relação aos quais há o efectivo perigo de os ora recorrentes procurarem condicionar os seus depoimentos) – tudo faz inculcar a ideia da existência efectiva dos perigos de continuação da actividade criminosa, bem como o de perturbação para a aquisição, conservação e veracidade das provas a recolher no processo (art.º 204.º al.ª b) e c)), perigos cuja ocorrência não ficaria por ora suficientemente acautelada com medidas como a de apresentações periódicas, caução ou até de permanência na habitação.
Daí que tal perigo só possa ficar suficientemente acautelado com a prisão preventiva: art.º 202.º, n.º 1 al.ª c), por referência ao art.º 1.º al.ª m) e 204.º al.ª b) e c), do Código de Processo Penal.
Assim, malfadadamente para os ora recorrentes JP e FP, do elenco de medidas coactivas propostas no Código de Processo Penal, a única que se mostra adequada às exigências cautelares que os seus casos requerem é a da prisão preventiva.
III
Termos em que se decide negar provimento aos recursos e manter na íntegra a decisão recorrida.
Custas pelos arguidos, fixando-se a taxa de justiça, que é individual, em quatro Ucs (art.º 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9, do RCP e tabela III anexa).
Évora, 24-5-2018
(elaborado e revisto pelo relator)
João Martinho de Sousa Cardoso
Fernando Ribeiro Cardoso
Ana Maria Barata de Brito (com voto de vencido)
Votei vencida na parte referenteà possibilidade de o Ministério Público, para aplicação de medida de coacção no decurso do inquérito, poder utilizar transcrições (de escutas telefónicas) que não requereu ao juiz de instrução.
O Ministério Público só pode actuar oficiosamente e mandar transcrever comunicações telefónicas ao órgão de polícia criminal que tiver efectuado a intercepção e indicá-las como meio de prova na acusação, pois esse procedimento está previsto no art. 188.º, n.º 9, al. a), do CPP. Já em fase anterior do inquérito, como sucede no caso, e quando as transcrições se destinam a fundamentar a aplicação de uma medida de coacção, a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para a fundamentação de medida de coacção tem de ser requerida ao juiz pelo Ministério Público. Aqui, só podem servir como prova as transcrições ordenadas pelo juiz de instrução criminal e assim o determina (e, logo, impõe) o art. 188º, nº 7, do CPP.
A lei distingue claramente os dois procedimentos por a transcrição ocorrer em dois momentos processuais distintos,encontrando a diferença de procedimentos justificação na coerência do regime de salvaguarda dos direitos fundamentais (que o regime das escutas na vertente do controlo ex post continua a acautelar, já que o controlo ex ante por si só não assegura nem esgota) e também na circunstância de, até ao encerramento do inquérito, nem o arguido, nem o assistente, nem nenhum outro sujeito processual poderem ter acesso às escutas (o que impede qualquer hipótese de controlo das escutas pelos sujeitos processuais, mormente pelo arguido, e justifica por isso a reserva de juiz para a transcrição nesta fase).
É este também o sentido que retiro do acórdão uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça citado no acórdão, AUJ que não decide "só" uma questão de repartição de competência. Como nele se deixou claro, há outros interesses a salvaguardar para além da alegada (no despacho recorrido) garantia do contraditório. O AUJ nº 13/2009 explica detalhadamente as razões da diferença dos dois regimes, do previsto no nº 7 e do previsto no nº 9 do art. 188º do CPP.
Discordo, por isso, do acórdão na parte em que considera correcto o despacho e o sufraga na aceitação de que o Ministério Público pode utilizar escutas para aplicação de medida de coacção cuja transcrição não requereu previamente a um juiz e que, por isso, não foi um juiz a ordenar. Esta prática é ilegal pois contraria o que a lei expressamente determina. A interpretação que a sufraga não só esvazia de conteúdo o artigo 188º, nº 7, do CPP como contraria o disposto no art. 32º, nº 4, da CRP e a garantia de reserva de juiz.
Estando em causa um meio de prova obtido à custa da inviolabilidade das comunicações telefónicas (com protecção constitucional – art. 34º da CRP), o regime-regra da prova livre cede lugar a um regime de apertado controlo de legalidade centrado na exigência da intervenção de um juiz.
Esta intervenção do juiz processa-se ex ante (art. 187º do CPP - pressupostos substanciais ou materiais de admissão das escutas), ex post (art. 188º do CPP - condições processuais da sua aquisição/ formalidades legais na recolha (da escuta)) e perdura, o acompanhamento e controlo judiciais, de modo próximo e continuado, até ao termo do processo-crime.
Quando as transcrições se destinam a fundamentar a aplicação de uma medida de coacção, como era o caso, ou seja, quando ocorrem ainda no decurso do inquérito, a transcrição e junção aos autos das conversações indispensáveis para a fundamentação tem de ser requerida a um juiz e só podem servir como prova as transcrições ordenadas pelo juiz – art. 188º, nº 7, do CPP.
No despacho e no acórdão invocou-se o AUJ nº 13/2009 para justificar a posição que fez vencimento. Mas, com todo o respeito, não é a leitura que se retira da fundamentação do acórdão do Supremo. Leia-se ali a título de exemplo (e apenas para citar um) o excerto seguinte: “O Ministério Público pode requerer com alguma antecedência em relação ao interrogatório a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações que entender indispensáveis para fundamentar a aplicação das medidas e o juiz pode tomar previamente ao interrogatório a sua decisão sobre quais as escutas que entende que devem ser reveladas, transcritas e mandadas juntar aos autos. Quando estiverem prontas as transcrições, o Ministério Público deve requerer então a realização de interrogatório judicial para aplicação de medida de coacção, no qual se revelarão as transcrições efectuadas” (itálicos meus).
Em passagem alguma do AUJ nº 13/2009 é referido, ou sequer sugerido, que o Ministério Público pode mandar transcrever directamente as comunicações telefónicas ao órgão de polícia criminal e indicá-las como meio de prova para aplicação de medida de coacção sem antes o ter requerido a um juiz. E na leitura que faço, o sentido que se retira de toda a fundamentação do AUJ é precisamente o oposto ao agora seguido no despacho e no acórdão.
A questão da ilegalidade de prova suscitada em recurso deveria pois ter merecido acolhimento, e deveriam ter sido retiradas dela as consequências que, em concreto, daí pudessem e devessem advir.