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CONDUÇÃO SOB A INFLUÊNCIA DE SUBSTÂNCIAS PSICOTRÓPICAS
EXAME MÉDICO
Sumário
I. A presença de produto psicotrópico no corpo do condutor, sem que resulte comprovada que aquela é perturbadora da aptidão física mental ou psicológica para a condução, não preenche o tipo de crime do n.º 2 do artigo 292.º do Código Penal.
II. O exame previsto na Secção III da Portaria 902-B/2007, de 13 de agosto, não se destina a provar que o agente não estava em condições de conduzir com segurança, mas tão só a comprovar o seu estado de influenciado por substâncias psicotrópicas, nos casos em que não tenha sido possível a recolha de sangue.
III. A demonstração da insegurança na condução dependerá do circunstancialismo do caso concreto – a demonstração de que o consumo de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas se revela impeditiva de uma condução em segurança pode e deve ser conseguida através da análise dos elementos probatórios produzidos em julgamento.
Sumariado pela relatora
Texto Integral
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora
I. RELATÓRIO
No processo comum n.º 444/16.6GFLLE, do Juízo Local Criminal de Loulé [Juiz 3] da Comarca de Faro, o Ministério Público acusou
JL, solteiro, estudante, nascido a 29 de janeiro de 1990, …residente… em Almancil pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes, previsto e punível pelos artigos 292.º, n.º 2, e 69.º, n.º 1, alínea a), conjugados com os artigos 13.º, 14.º, n.º 1, e 26.º, todos do Código Penal.
Não foi apresentada contestação escrita.
Realizado o julgamento, perante Tribunal Singular, por sentença proferida e depositada a 6 de novembro de 2017, foi decidido:
«(…) o Tribunal julga a acusação deduzida pelo Ministério Público totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolve o arguido JL da prática, em autoria material e pela forma consumada, de um crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes, p. e p. pelos art. 292.º, n.º 2 e 69.º, n.º 1, alínea a), conjugados com os artigos 13.º, 14.º, n.º 1 e 26.º (1ª parte), todos do Código Penal.
Não são devidas custas criminais por banda do arguido – art.º 513.º, n.º 1, a contrario, do Código de Processo Penal.»
Inconformado com tal decisão, o Ministério Público dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:
«1. O presente recurso é interposto da douta sentença proferida no processo supra identificado, na qual o Mmo Juiz “a quo” decidiu absolver o arguido JL pela prática do crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 292.º, n.º 2 e 69.º, n.º 1, al. a), conjugados com os artigos 13.º, 14.º, n.º 1 e 26.º (1ª parte) do Código Penal, conforme vinha, em processo comum singular, acusado pelo Ministério Público.
2. O Ministério Público, por não se conformar com o teor absolutório da douta sentença a quo, vem da mesma recorrer, por entender, nos termos e para os efeitos do artigo 412.º n.º 2 als. a) e b), não só, face à prova produzida e valorada em audiência de julgamento, a douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 292.º n.º 2 do Código Penal, artigos 12.º n.º 5 da Lei 18/2007, de 17/05 e 23.º da Portaria 902-B/2007, de 13/08, bem como incorreu em errada interpretação das aludidas normas legais quanto ao preenchimento dos elementos objetivos do tipo de crime de que o arguido vinha acusado - o crime de condução sob a influência de estupefacientes;
3. Com efeito, o douto tribunal recorrido, face à prova produzida, valorou a prova documental (participação de acidente, no qual se descreve uma colisão grave com outro veículo, o croqui e fotografias anexas, bem como os relatórios médicos que dão conta das consequências graves para a saúde física e mental do arguido decorrente do acidente, da prova pericial - exame de confirmação - que dá conta da existência, em termos qualitativos e quantitativos de haxixe no sangue do arguido), em conjugação com a prova testemunhal - o militar da GNR que viu o arguido encarcerado no interior do veículo), concluindo que se provou que o arguido conduziu com produto estupefaciente no sangue e que foi interveniente em acidente de viação.
4. Contudo, o douto tribunal a quo, tem o entendimento de que somente a realização no caso concreto do exame médico previstos no artigo 13.º da Lei 18/2007, de 17 /05 e 25.º da Portaria 902-B/2007, de 13/08, é que teria a virtualidade de demonstrar o elemento objetivo do tipo do artigo 292.º nº 2 do Código Penal consistente na afetação da capacidade de conduzir em segurança, diminuindo a capacidade de atenção, visão e reflexos do condutor, razão pela qual absolveu o arguido. 5. Salvo o devido respeito, e em consonância com a doutrina, com a qual concordamos, plasmada no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 24.05.2016, Proc. 20/12.2PTBJA.El; Relator: Sérgio Corvacho, disponível in www.dgsi.pt, o douto Tribunal recorrido fez uma errada interpretação das normas ínsitas nos artigos 292.º n.º 2 do Código Penal e dos artigos 8.º a 13.º da Lei 18/2007, de 17 /05 e 25.º/26.º da Portaria 902-B/2007, de 13/08.
6. Com efeito, o exame de confirmação (artigo 12.º), di-lo a própria lei, se tiver um resultado positivo, considera-se que o condutor estava influenciado pela presença de estupefacientes no sangue;
7. Somente se, por qualquer motivo, não se lograr recolher sangue ou esta recolha for insuficiente para se fazer o exame de confirmação, é que se lança mão do exame médico a que se refere o citado artigo 13.º para provar o estado de influenciado do condutor por produtos estupefacientes.
8. Ora, no caso concreto, e na sequência da melhor interpretação da lei e do seu espirito e com o apoio da doutrina plasmado no douto acórdão supra citado, tendo-se provado que o arguido conduziu com haxixe no sangue que havia consumido antes de iniciar a condução e que teve um acidente grave do qual resultou um traumatismo craniano muito grave para a saúde física e mental, e de harmonia com as regras da experiência comum de vida, toma-se evidente que o arguido ao conduzir da forma como se provou e com as consequências que se deram como provadas, fê-lo influenciado pela presença de produtos estupefacientes que lhe diminuíram, sobremaneira, a sua capacidade de o fazer em segurança, com redução dos seus reflexos, visão e atenção.
9. Daqui resulta a prova inequívoca do preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do tipo incriminador, razão pela qual o arguido deve ser condenado.
10. Nesta conformidade, ao entender não preenchido o elemento objetivo do tipo, o douto Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 292.º n.º 2 do Código Penal, 12.º n.º 5 da Lei 18/2007, de 17 /05 e 23.º da Portaria 902-B/2007, de 13/04.
11. Deverá, então, a douta sentença recorrida ser substituída por outra em sejam dados como provados ainda os factos seguintes:
- O arguido na ocasião a que se reporta 1, encontrava-se sob a sua influência dos produtos estupefacientes que consumira;
- O arguido atuou da forma acima descrita, apesar de saber que a condução sob a influência de produtos estupefacientes afetava a sua capacidade para conduzir em segurança, diminuindo-lhe a capacidade de atenção, visão e reflexos;
- O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, conhecendo o carácter reprovável da sua conduta que sabia proibida e punível por lei penal.
12. Pelo que se impunha ao Tribunal a quo que tivesse condenado o arguido.
Termos em que, o Ministério Público pugna pela procedência do presente recurso e, em consequência, devendo:
- Seja revogada a douta sentença recorrida na parte em que considerou os factos quanto ao preenchimento dos elementos objetivos do tipo do artigo 292.º n.º 2 do CP e, em consequência, ser alterada a matéria de facto dada como não provada e, nessa sequência, serem dados como provados os seguintes factos:
- O arguido na ocasião a que se reporta 1, encontrava-se sob a sua influência dos produtos estupefacientes que consumira;
- O arguido atuou da forma acima descrita, apesar de saber que a condução sob a influência de produtos estupefacientes afetava a sua capacidade para conduzir em segurança, diminuindo-lhe a capacidade de atenção, visão e reflexos;
- O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, conhecendo o carácter reprovável da sua conduta que sabia proibida e punível por lei penal.
Vossas Excelência, porém, decidindo, farão, como sempre, JUSTIÇA!»
O recurso foi admitido.
Respondeu o Arguido, junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
«a) Veio o Ministério Público interpor recurso da douta Sentença que absolveu o Arguido JL da prática de um crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes, p. e p. pelos arts. 292.º, n.º 2 e 69.º, n.º 1, alínea a), conjugados com os artigos 13.º, 14.º e 26.º (1ª parte), todos do Código Penal.
b) No nosso entendimento, a douta Sentença proferida pela Meritíssima Juiz de Direito não merece qualquer reparo.
c) Sendo que estamos totalmente de acordo com a decisão, que no nosso humilde entendimento, não podia fazer melhor aplicação daquilo que é o Direito.
d) Um dos elementos subjetivos do tipo de crime é o “não estando em condições de o fazer em segurança”, ou seja, não basta que sejam detetados vestígios de substâncias psicotrópicas no corpo, mas é também necessário que o condutor esteja sob a influência de tais vestígios e que essa situação o torne incapaz de conduzir em segurança.
e) Sem o referido elemento não se encontra preenchido o tipo legal de crime.
f) Ou seja não foi efetuado o teste que vem regulado no art.º 25.º da Portaria n.º 902-B/2007 de 13 de abril, que foi introduzido pelo legislador especificamente com o propósito de avaliar o estado de influenciado por substâncias psicotrópicas.
g) A falta de produção de prova em sede de Audiência de Julgamento (até porque não há qualquer prova nos autos que nos faça concluir que o Arguido não estaria em condições para conduzir), levou o Tribunal a não lograr a formação da convicção naquilo que era a pretensão do Ministério Público, e ainda, porque não foi feita qualquer prova de que o Sinistro tenha sido causado pelo condutor ou que tenha ocorrido por o condutor não se encontrar capaz de conduzir em Segurança.
h) De acordo com o que consta na Sentença, e que subscrevemos na totalidade, que ora se transcreve: “Não se provou, assim, nem que o acidente tivesse sido por si originado, nem que a substância detetada no sangue fosse suscetível de perturbar a sua capacidade física, mental ou psicológica para o exercício da condução de veículo a motor com segurança.”
i) Aliás, acrescenta-se ainda que a factualidade que resulta da participação de acidente, croquis e fotos anexas, é em sentido contrário, ou seja, no sentido do sinistro ter sido alegadamente causado pelo outro condutor participante no sinistro.
j) Sendo este um elemento objetivo do tipo de crime que não foi demonstrado, por qualquer forma de prova, em sede de Julgamento, não pode haver condenação quando não se encontrarem preenchidos todos os elementos do tipo de Crime, elementos objetivos e Subjetivos.
k) Subscrevemos na totalidade a douta Sentença, proferida pela Meritíssima Juiz de Direito, pois não tendo ficado demonstrado por qualquer forma de prova, que o Arguido não estava em condições de exercer a condução por estar influenciado, não pode a decisão da Meritíssima ou de qualquer outro Tribunal ser diferente da aqui proferida, ou seja, a de absolver o Arguido.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V/Exas., doutamente suprirão deverá: a) Ser totalmente indeferido o Recurso apresentado pelo Ministério Público e em consequência ser mantida a Sentença proferida em 1.ª Instância. Fazendo-se assim a habitual e necessária Justiça.»
Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o SenhorProcurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Observou-se o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal.
Na resposta que apresentou, o Arguido manteve a posição anteriormente assumida no processo.
Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[1]], o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito –, por obstativas da apreciação de mérito, como são os vícios da sentença previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, ou alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379.º do mesmo diploma legal[[2]].
Posto isto, e vistas as conclusões do recurso, a esta Instância é colocada apenas a questão da incorreta interpretação e violação do disposto no artigo 292.º, n.º 2, do Código Penal, no artigo 12.º, n.º 5, da Lei n.º 18/2007, de 17 de maio, e no artigo 23.º da Portaria n.º 902-B/2007, de 13 de agosto.
Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos [transcrição]:
«1. No dia 16 de julho de 2016, pelas 8H55, o arguido conduzia a viatura de marca “Renault”, modelo “Clio”, com a matrícula --SN, na Rua das Cortes Reais, em Almancil;
2. O arguido havia consumido produtos estupefacientes, designadamente Haxixe (“cannabis”);
3. O arguido foi, nessa data e hora, interveniente em acidente de viação;
Mais se provou que: 4. O arguido é estudante universitário e não tem rendimentos próprios, provendo os seus pais, com quem vive, pela sua subsistência.
5. O arguido foi condenado no âmbito do processo n.º ---/14.4GDLLE que correu termos no Juízo Local Criminal de Loulé – J2, do Tribunal Judicial de Faro, por sentença de 06.10.2015, transitada em julgado a 06.11.2015, na pena de 40 dias de multa à taxa diária de 5 €, pela prática, em 18.08.2014 de um crime de consumo de estupefacientes. A pena foi declarada extinta, pelo seu cumprimento, em 11.12.2015.»
Relativamente a factos não provados, consta da sentença que [transcrição]:
«Com relevo para a decisão da causa, não se mostram provados os seguintes factos:
a) O arguido, na ocasião a que se reporta 1. dos factos provados, encontrava-se sob a sua influência dos produtos estupefacientes que consumira;
b) O arguido atuou da forma acima descrita, apesar de saber que a condução sob a influência de produtos estupefacientes afetava a sua capacidade para conduzir em segurança, diminuindo-lhe a capacidade de atenção, visão e reflexos;
c) Agiu voluntaria, livre e conscientemente, conhecendo o carácter reprovável da sua conduta que sabia proibida e punida por lei.»
A convicção do Tribunal recorrido, quanto à matéria de facto, encontra-se fundamentada nos seguintes termos [transcrição]:
«Nos termos e para os efeitos dos artigos 97.º n.º 5 e 374.º n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, para a formação da sua convicção o Tribunal procedeu ao exame da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, concretamente:
- as declarações do arguido relativamente às suas condições pessoais;
- o depoimento da testemunha BM, militar da GNR que elaborou a participação de acidente de viação e o auto de notícia e que, na data dos factos se deslocou ao local do acidente, a fim de tomar conta da ocorrência, dando nota dos factos que presenciou e das diligências que levou a efeito.
Documentalmente, o Tribunal valorou o auto de notícia de fls. 13/14, a participação de acidente de fls. 17/20 e croquis e fotos anexas a fls. 21/22, a informação de fls. 43, o relatório de fls. 47/53 e a declaração de fls. 54 e o CRC do arguido de fls. 95/96.
Pericialmente, o Tribunal sopesou o teor do relatório de fls. 15/16.
Do cotejo do auto de notícia de fls. 13/14, com a participação de acidente de fls. 17/20 e croquis e fotos anexas de fls. 21/22, a informação de fls. 43, o relatório de fls. 47/53 e a declaração de fls. 54, e, bem assim com o depoimento da testemunha BM, cujo depoimento não suscitou ao Tribunal quaisquer questões acerca da sua isenção, objetividade e credibilidade, resulta a convicção de que era o arguido quem conduzia a viatura de marca “Renault”, modelo “Clio”, com a matrícula --SN, na Rua das Cortes Reais, em Almancil.
Com efeito, relatou a testemunha que, aquando da sua chegada ao local do acidente, alguns momentos após a sua ocorrência, viu ocupando o lugar de condutor do mencionado veículo, cujo elementos faz constar do expediente, e encarcerado o arguido, que foi identificado por indicação da pessoa que se apresentou como sendo sua namorada, que estava fora do veículo, pelos documentos que possuía e, mais tarde por confirmação dos seus progenitores, não tendo o militar da GNR qualquer dúvida de que a pessoa que estava no lugar do condutor era o arguido – o que os documentos clínicos a que se fez referência também confirmam, por ter sido a pessoa que, na sequência daquele acidente, foram diagnosticadas lesões e, para as mesmas recebeu tratamento.
Ora se à chegada da testemunha o arguido se encontrava encarcerado no lugar do condutor, à luz das regras da experiência comum – dado que não é possível que aí se tenha introduzido após o acidente, donde é imperioso que se conclua que era ele o condutor do veículo de matrícula ---SN.
O Tribunal também formou a sua convicção no sentido de que o arguido havia consumido produtos estupefacientes, designadamente cannabis, atendendo ao teor do exame de fls. 15/15v que se tanto dá nota, pela presença de vestígios no sangue de tais produtos.
Que o arguido foi interveniente em acidente de viação, resulta dos elementos documentais: auto de notícia de fls. 13/14, a participação de acidente de fls. 17/20 e croquis e fotos anexas a fls. 21/22, a informação de fls. 43, o relatório de fls. 47/53 e a declaração de fls. 54 bem como do depoimento da testemunha BM.
Na formação da sua convicção acerca das condições económicas e sociais do arguido, o Tribunal valorou as suas declarações.
A convicção do Tribunal acerca dos antecedentes criminais do arguido resulta do teor do seu CRC de fls. 95/96.
No que tange aos factos não provados, o Tribunal, por ausência de quaisquer elementos de prova, designadamente, pericial que tanto ateste, nos termos do art. 13.º da Lei n.º 18/2007, de 17 de maio e no art. 25.º da Portaria n.º 902-B/2007, de 13 de abril, não formou a sua convicção no sentido de que o arguido conduzisse sob a influência de produtos estupefacientes ou que os detetados afetassem a sua capacidade de conduzir em segurança, diminuindo-lhe a capacidade de atenção, a visão e os reflexos.
Concomitantemente, o Tribunal não logrou de formar a sua convicção sobre o conhecimento do arguido acerca do caráter proibido e punível por lei da sua conduta.»
Conhecendo.
No artigo 292.º do Código Penal, que se reporta à condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, consagra-se que:
«1 — Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 — Na mesma pena incorre quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar sob influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo perturbadores da aptidão física, mental ou psicológica.»
São elementos integradores ou constitutivos do crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas (i) a condução de veículo, com ou sem motor, na via pública ou equiparada; (ii) que o condutor se encontre sob influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo perturbadores da aptidão física, mental ou psicológica; (iii) que devido à influência de tais estupefacientes, substâncias ou produtos, o condutor não esteja em condições de fazer com segurança tal condução; e (iv) que o agente tenha atuado pelo menos com negligência.
Ou seja, a presença de produto psicotrópico no corpo do condutor, sem que resulte comprovada que aquela é perturbadora da aptidão física mental ou psicológica para a condução, não preenche o tipo de crime do n.º 2 do artigo 292.º do Código Penal.
A Lei n.º 18/2007, de 17 de maio, aprovou o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas.
A Portaria n.º 902-B/2007, de 13 de agosto, contém a regulamentação necessária à execução do regime jurídico constante da Lei.º 18/2007, de 17 de maio.
A Lei nº 18/2007, de 17 de maio, nos artigos 10.º a 13.º, relativos à «Avaliação do estado de influenciado por substâncias psicotrópicas», prevê um exame prévio de rastreio e, em caso de resultado positivo deste, um exame de confirmação, definidos em regulamentação.
No n.º 5 do artigo 12.º consagra-se que «(…) só pode ser declarado influenciado por substâncias psicotrópicas o examinado que apresente resultado positivo no exame de confirmação.»
No Capítulo II da Portaria n.º 902-B/2007, de 13 de agosto, regulamenta-se a «Avaliação do estado de influenciado por substâncias psicotrópicas».
E, no artigo 23.º, «Considera -se que o exame de confirmação é positivo sempre que revele a presença de qualquer das substâncias psicotrópicas previstas no quadro n.º 1 do anexo V ou de outra substância ou produto, com efeito análogo, capaz de perturbar a capacidade física, mental ou psicológica do examinado para o exercício da condução de veículo a motor com segurança.»
Por seu turno, o artigo 25.º prevê realização de exame médico destinado a avaliar o estado de influenciado por substâncias psicotrópicas referido no n.º 1 do artigo 13.º, do Regulamento [Lei nº 18/07, de 17 de maio], ou seja, «Quando, após repetidas tentativas de colheita, não se lograr retirar ao examinando uma amostra de sangue em quantidade suficiente para a realização do teste, deve este ser submetido a exame médico para avaliação do estado de influenciação por substâncias psicotrópicas.»
Neste exame, deve ser preenchido o relatório do exame modelo do anexo VII, respondendo aos itens de: (i) Observação geral; (ii) Estado mental; (iii) Provas de equilíbrio; (iv) Coordenação dos movimentos; (v) Provas oculares; (vi) Reflexos; (vii) Sensibilidade e quaisquer outros dados que possam ter interesse para comprovar o estado do observado.
Isto posto, e ao contrário do que parece ser o entendimento do Senhor Juiz que proferiu a sentença recorrida, o exame previsto na Secção III da Portaria 902-B/2007, de 13 de agosto, não se destina a provar que o agente não estava em condições de conduzir com segurança, mas tão só a comprovar o seu estado de influenciado por substâncias psicotrópicas, nos casos em que não tenha sido possível a recolha de sangue.
A opção legislativa revela-se inequívoca. E a preferência por análise de sangue radica nas características de fiabilidade e de objetividade deste exame, que não se encontram num exame médico feito com base na observação de indícios exteriores e comportamentais.
Assim sendo, na situação dos autos, não era exigível a realização do exame médico destinado a avaliar o estado de influenciado por substâncias psicotrópicas, por ter sido realizada colheita de sangue adequada à realização do teste.
Todavia, porque, como já se deixou dito, não basta a presença de produto psicotrópico no corpo do condutor para afirmar a prática do crime previsto no n.º 2 do artigo 292.º do Código Penal, nos casos em que não é exigível o exame previsto na Secção III da Portaria 902-B/2007, de 13 de agosto, a demonstração da insegurança na condução dependerá do circunstancialismo do caso concreto – a demostração de que o consumo de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas se revela impeditiva de uma condução em segurança pode e deve ser conseguida através da análise dos elementos probatórios produzidos em julgamento, «numa valoração probatória responsável, ponderando o caso concreto e apoiando-se, como em toda a atividade jurisdicional, no conhecimento adquirido por via das regras da experiência, da razoabilidade das coisas e da normalidade da vida.»[[3]]
Dito de outra forma, «a influência do consumo (confirmado pelo estado de influenciado por substâncias psicotrópicas reconhecido por exame) na segurança da condução concreta, há-de ser demonstrada por quaisquer elementos de prova, cuja análise crítica em confronto com a dinâmica da condução concreta permitirá ao julgador concluir pela falta de segurança.»[[4]]
De regresso ao processo e aos factos provados, perante a ausência de qualquer referência às circunstâncias em que o acidente ocorreu – e padecendo a acusação nele proferida de idêntica característica –, não vemos como afirmar a insegurança na condução e a prática do crime previsto e punível pelo n.º 2 do artigo 292.º do Código Penal.
III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, mas por razões diversas das constantes na sentença recorrida, manter esta decisão.
Sem custas, por o Ministério Público delas estar isento.
Évora, 2018 maio 24
(certificando-se que o acórdão foi elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários)
Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz
Renato Amorim Damas Barroso
__________________________________________________
[1] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.
[2] Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt [que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria].
[3] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 11 de julho de 2013, proferido no processo n.º 109/11.5GTSTB.E1 e acessível em www.dgsi.pt
[4] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 7 de novembro de 2017, proferido no processo n.º 337/14.1T9TVD.L1-5 e acessível em www.dgsi.pt