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CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR
REGIME DE CUMPRIMENTO
Sumário
I – A proibição de conduzir não envolve violação do direito ao trabalho.
II - A sujeição da pena acessória a restrições violaria a sua natureza e a sua finalidade intrínsecas e, por isso, o seu cumprimento tem de ser contínuo, tal como o é, em geral, o cumprimento das penas, sob pena de preterição do princípio da legalidade.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
1. RELATÓRIO
Nos autos de processo sumário em referência, que correu termos no Juízo Local Criminal de Beja do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, realizado julgamento e proferida oralmente sentença (com transcrição efectuada na 1.ª instância), o arguido AA foi condenado, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal (CP), na pena de 50 (cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 7,00 (sete euros), no total de € 350,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer tipo, em vias públicas ou equiparadas, pelo período de 5 (cinco) meses.
Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso, formulando as conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a acusação, condenando o arguido pela pratica como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelos artigos 292º, n.º 1, e 69º n.º 1, al. a), ambos do Código Penal na pena de 50 (cinquenta) dias de multa à taxa diária de 7,00€ (sete euros), o que perfaz a quantia de 350,00€ (euros),e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer tipo, em vias públicas ou equiparadas, pelo período de 5 (cinco) meses.
2. Não pode o arguido conformar-se com tal decisão, no que à pena acessória diz respeito, por considerarmos a mesma excessiva para a culpa do arguido.
3. O arguido confessou espontaneamente os factos pelos quais vem acusado.
4. A medida de inibição causa-lhe grande transtorno e enorme prejuízo aliás como ficou explanado nas declarações e condições pessoais e sociais do arguido (provadas).
5. Sendo que, nos termos do disposto no nº 3 do Art. 139º do Código da Estrada, aprovado pelo D.L. 114/94, de 3 de Maio com as alterações introduzidas pelo D.L. 2/98, de 3 de Janeiro, “a sanção de inibição de conduzir é cumprida em dias seguidos”.
6. Consideramos que este dispositivo legal viola o direito, constitucionalmente consagrado e assegurado nos termos do nº 1 do Art. 58º da C.R.P., ao trabalho. Segundo esta norma constitucional todos têm direito ao trabalho.
7. Pelo que a sanção aplicada ao arguido de conduzir em dias seguidos impede de desempenhar as suas funções laborais, violando assim o seu direito ao trabalho.
8. A violação desta norma constitucional tem implicações directas na violação de outros direitos, nomeadamente, o direito a uma existência condigna.
Pelo que concluímos pela inconstitucionalidade material do nº 3 do art. 139º do Código da Estrada por violação do disposto no preceito constitucional, Art. 58º nº1
9. Mais acresce que nos termos do disposto no nº 2 do Art. 18º da C. R. P., “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. No caso sub judice, a norma legal considerada aqui inconstitucional, peca por restringir o direito económico que é o direito ao trabalho.
10. O nº 3 do Art. 139º do Código da Estrada, aprovado pelo D.L. 114/94, de 3 de Maio com as alterações introduzidas pelo D. L. 2/98, de 3 de Janeiro, viola o direito ao trabalho constitucionalmente consagrado pelo nº1 do Art. 58º da C.R.P. Pelo que, padece de inconstitucionalidade material, não devendo, assim, ser aplicado.
11. Todavia, na sentença proferida pelo Tribunal a quo de que aqui se recorre foi aplicada ao arguido a sanção acessória de inibição de conduzir.
12. Sendo que se nos termos da lei (a nosso ver inconstitucional) esta sanção tem de ser aplicada em dias seguidos - Art. 139 nº 3 do Código da Estrada - estamos perante uma incongruência e desconformidade entre uma norma legal e uma norma constitucional.
13. Na hierarquia das leis as normas constitucionais prevalecem sobre as normas legais.
14. Deste modo violando a norma legal em apreço, uma norma constitucional, estamos perante uma norma que não poderá deixar de se considerar, flagrantemente, violadora dos princípios basilares do Estado de Direito Democrático, em que os direitos dos cidadãos são tutelados pela Lei Fundamental do Estado Português.
15. Pelo que concluímos que, a sanção de inibição de conduzir não poderá ser aplicada em dias seguidos nem no espaço de tempo atribuído (ao contrário do preceituado no Código da Estrada) de modo a violar o direito constitucional ao trabalho e à dignidade da pessoa humana, à qual é garantido o direito a uma existência condigna.
Sem conceder sempre se dirá que, pelo menos
16. A sentença deve ser revogada na parte referente à medida de inibição de conduzir veículos com motor substituindo-se por outro que reduza essa medida para 3 (três) meses, sendo suspensa na sua execução pelo período de 2 anos mediante prestação de boa conduta.
17. A determinação da medida da pena acessória deve operar-se mediante recurso aos critérios gerais constantes do art. 71º do CP, com a ressalva de que a finalidade a atingir pela pena acessória é mais restrita, na medida em que a sanção acessória tem em vista sobretudo prevenir a perigosidade do agente, ainda que se lhe assinale também um efeito de prevenção geral.
IMPORTANTE,
18. A falta de antecedentes e ausência de perigo concreto.
19. O arguido não ter colocado em perigo a sua segurança como nem a de quaisquer utentes da via pública.
20. A distância até ao destino ser mínima.
TAMBÉM,
21. O arguido sendo primário, permite-se esperar que sanção terá o efeito de choque, por constituir o primeiro confronto com os órgãos repressivos, evitando a prática de novas condutas semelhantes.
22. Afigura-se que a medida da inibição dentro do mínimo legal (3 meses) alcança justificação.
23. No que toca à suspensão da sanção pensamos que a simples censura do facto, a ameaça da inibição de condução e a prestação da caução de boa conduta, bastam para a realização de forma adequada e suficiente das finalidades da punição de prevenção geral e prevenção especial.
24. Reforçamos que o recorrente se conforma com os factos e sua qualificação jurídica, bem como com a natureza e medida concreta da pena principal em que foi condenado, sendo que apenas discorda da medida concreta da pena acessória de proibição de conduzir, que considera excessiva e que a mesma deverá ser suspensa na sua execução.
25. No que respeita à determinação da medida concreta da pena acessória, teria a mesma de ser fixada dentro da moldura penal abstracta - com um mínimo de três meses e um máximo de três anos - de acordo com a culpa e as exigências de prevenção (geral e especial), bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido (artigo 71º do Código Penal), fazendo-se, por isso, o mesmo raciocínio que se fez para graduar a pena principal.
26. Assim, a sanção acessória é concretamente determinada em função da culpa do agente e das exigências da prevenção especial e geral.
27. O recorrente, nunca tinha sido condenado por conduzir em estado de embriaguez, nem por qualquer outro crime.
28. Daí sermos de opinião que a aplicação de uma proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 5 (cinco) meses é, atenta a sua moldura abstracta de três meses a três anos, desadequada, (podendo de igual modo contribuir de forma válida e eficaz para fazer sentir ao arguido/recorrente o que esperam de si, enquanto condutor, os seus concidadãos, fazendo-o entender que a condução de veículo sob influência do álcool representa um perigo para a comunidade, o qual deve ser evitado), se o for reduzida para o mínimo legal de 3 (três) meses.
29. Entendemos que poderia haver lugar à suspensão da pena acessória ou sua substituição por caução de boa conduta.
30. Considera-se injusta e desproporcional a imposição ao arguido da proibição de conduzir veículos a motor por um período de 5 meses.
31. Uma medida acessória dentro do mínimo legal servirá para que o arguido procure interiorizar a necessidade de conformação da conduta posterior servindo como efeito dissuasor da conduta assumida, capacitando o arguido da necessidade de refrear qualquer impulso de ingestão de bebidas alcoólicas sempre que tenha que conduzir.
32. Ora, em face da factualidade provada sempre temos de concluir que o arguido praticou o crime não na sua forma dolosa mas quanto muito de forma negligente.
33. Pugnamos pela inconstitucionalidade material do nº 3 do art. 139º do Código da Estrada por violação do disposto no preceito constitucional, Art. 58º nº1.
Sem conceder,
34. A sentença recorrida violou o disposto nos art.s 40º, 69º, n.º1, 71, n.º 2 do C. Penal.
35. Entendemos que assim a sentença deve ser revogada na parte referente à medida de inibição de conduzir substituindo-se por outra que reduza essa medida para três meses (minimo legal), sendo suspensa na sua execução pelo período de 2 anos mediante prestação de boa conduta.
36. Caso também esta suspensão não seja possível de aplicar, que, a medida de inibição de conduzir seja reduzida para os 3 meses.
Sem prescindir do Douto Suprimento de V. Exas deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo em consequência ser reformulado o douto Acórdão recorrido nos termos da Motivação e Conclusões antecedentes, julgando procedente o presente recurso
O recurso foi admitido.
O Ministério Público apresentou resposta, concluindo:
1 º - Inconformado com a douta sentença que o condenou pela prática de um crime de Condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292º, n.º 1 e art.º 69º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, veio o arguido dela interpor recurso por não concordar com a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de cinco meses.
2º - Alega, em síntese, que a sentença recorrida não considerou as circunstâncias atenuantes que militavam a favor do arguido e, como tal, violou o disposto no art.º 71º do Código Penal e invoca ainda a inconstitucionalidade material do art.º 139º, nº 3 do Código da Estrada por violar o art.º 58, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
3º - Requer, a final, que seja revogada a douta sentença proferida e ao arguido seja aplicada uma pena acessória pelo mínimo legal de três meses ou, em alternativa, ser decretada a suspensão da pena acessória mediante a prestação de caução de boa conduta.
4º - Tal como o arguido refere na sua petição de recurso não merece qualquer censura a decisão ora recorrida quanto ao enquadramento jurídico-penal da sua conduta, que o mesmo confessou em audiência de discussão e julgamento, bem como quanto à medida da pena principal aplicada sendo o presente recurso interposto apenas com o objectivo de ver alterada a pena acessória de proibição de conduzir.
5º - Definindo o que se entende por "finalidades da punição", estatui o art.º 40º do Código Penal que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e em caso algum pode ultrapassar a medida da culpa e, por sua vez, o art.º 71º do Código Penal dispõe que na determinação da medida concreta da pena, principal ou acessória, deve atender-se a todas as circunstâncias que depuserem a favor do agente ou contra ele.
6º - A favor do arguido militava o facto de ter confessado os factos praticados, a ausência de antecedentes criminais e a inserção social e profissional. Contra o arguido militava a elevada taxa de alcoolemia, 2,217 g/l, muito acima do mínimo de 1,20 g/l a partir do qual a conduta é punida a título de crime.
7º - Tomando em consideração que o mínimo de três meses da medida abstracta da pena acessória será de aplicar a condutores que apresentem, numa primeira condenação, uma TAS muito próxima do mínimo legal da punição, não nos merece qualquer censura que a um condutor com uma TAS acima dos 2,00 g/l seja aplicada uma pena acessória de cinco meses. Não nos esqueçamos que o meio da pena acessória abstractamente aplicável se situa em um ano e seis meses.
8º - Por outro lado, foram ponderadas, a nosso ver bem, as cada vez mais elevadas necessidades de prevenção geral deste tipo de crime, praticado frequentemente e cada vez com consequências mais gravosas na sinistralidade rodoviária. São frequentes as situações em que na génese dos crimes de Homicídio por negligência e Ofensa à integridade física por negligência na sequência de acidentes de viação está a ingestão de bebidas alcoólicas por parte dos condutores.
9º - E como é do conhecimento de quem julga este tipo de crime nos tribunais portugueses que a pena acessória tem um efeito dissuasor deste tipo de crime muito superior ao efeito da própria pena principal.
10º - Alega também o recorrente que o art.º139º, nº 3 do Código da Estrada é inconstitucional porque viola o direito ao trabalho consagrado no art.º 58º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa. Ora, tal questão foi há muito apreciada pelo Tribunal Constitucional que no Processo nº 281/2002 proferiu douto aresto (disponível em www.pgdlisboa.pt) negando provimento ao recurso com os fundamentos supra referidos.
11º - Seguindo o raciocínio do recorrente que entende que a pena acessória de proibição de conduzir viola o seu direito ao trabalho, então todas as normas legais que aplicam medidas de coacção e penas privativas da liberdade, bem como a pena acessória de suspensão de funções, seriam todas inconstitucionais! Mas tal assim não é como bem decidiu o Tribunal Constitucional.
12º- E apreciando também a alegada inconstitucionalidade da impossibilidade de cumprimento da pena acessória apenas em dias não úteis pronunciou-se também a referida decisão do Tribunal Constitucional nos termos supra transcritos.
13º - A douta sentença recorrida fez uma correcta aplicação do disposto no art.º 69º, n.º 1, alínea b) do Código Penal e não merece qualquer censura.
14º - Vem ainda o arguido requerer a suspensão da pena acessória a que foi condenado mediante a prestação de caução de boa conduta.
15º - É evidente que o arguido/recorrente confunde a pena acessória prevista no 69º, n.º 1, alínea b) do Código Penal com a sanção acessória prevista no art.º 138º do Código da Estrada, sendo há muito consabido que a possibilidade de suspensão de tal sanção prevista no art.º 141º do Código da Estrada é aplicável exclusivamente aos factos que integram a prática de contra-ordenações e não aos que integram a prática de crimes como é o caso da situação em apreço nestes autos.
16º - Tal entendimento, há muito consolidado na Doutrina e na Jurisprudência porque decorrente de normas legais claras e insusceptíveis de interpretações divergentes só pode vir contraditado no Recurso em apreço como mero exercício de raciocínio pois carece de qualquer fundamento.
17º - Mas sempre se diga que ao ora recorrente também de nada teria valido a suspensão da pena acessória mediante a prestação de caução de boa conduta pois, após ter sido condenado nos presentes autos por decisão ainda não transitada, no dia 19 de Dezembro de 2017, pelas 3.20h, o arguido foi fiscalizado por Militares da GNR e conduzia o veículo automóvel de matrícula HFR na Rua António Sérgio, em Beja, com uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 2,42g/l após a dedução do valor de erro máximo admissível, factos por cuja prática foi julgado no Processo Sumário nº ---/17.0GCBJA que corre termos neste Juízo Local Criminal de Beja, acessível no sistema Citius mas ainda sem decisão final.
Por todo o exposto, deverá ser negado provimento ao recurso e mantida nos seus precisos termos a douta decisão recorrida.
Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, manifestando concordância com a referida resposta e no sentido que o recurso não merece provimento.
Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), o arguido nada veio acrescentar.
Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam, as nulidades de sentença, outras nulidades que não se considerem sanadas e os vícios da decisão (arts. 379.º, n.º 1, e 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP), designadamente de acordo com a jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10, in D.R. I-A Série de 28.12.1995.
Assim, reside em analisar:
A) - da inconstitucionalidade do cumprimento da sanção acessória em dias seguidos; B) - da redução da medida da pena acessória; C) - da suspensão da execução dessa medida mediante prestação de caução de boa conduta.
No que ora releva, resulta da sentença recorrida:
Factos provados:
Quanto aos factos considerados como provadossão os factos constantes da acusação:
1. No dia 22 de Setembro de 2017, pelas 04h00, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passeiros de matrícula ---HFR, na rua Gomes Palma, em Beja, com uma Taxa de álcool no sangue de 2,217 g/L.
2. Com efeito, antes de iniciar o exercício daquela condução, o arguido havia ingerido bebidas alcoólicas.
3. O arguido conhecia as características da viatura e do local onde conduzia.
4. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, ciente de que se encontrava a conduzir um veículo, após ter ingerido bebidas alcoólicas em quantidade suficiente para apresenta uma TAS superior a 1,2 g/l, conformando-se com tal resultado ao não abster-se de conduzir.
5. Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Mais se consideraram provadas as condições sociais e económicas do arguido nos termos declaradas por este:
- É comerciante, sócio-gerente da livraria, papelaria …, auferindo €890,00 mensais.
- Vive com os pais, sendo que o pai teve, sofreu um AVC e a mãe se encontra reformada, em casa própria destes.
- Não tem filhos.
- Paga um empréstimo habitacional, mensal, de cerca € 500,00 (quinhentos euros).
- Tem como habilitações literárias o 12.º ano de escolaridade.
- Não tem antecedentes criminais.
Escolha e medida da pena:
O crime de condução de veículo em estado de embriaguez é punido com pena de prisão de um mês até um ano ou multa de dez até 120 dias.
Na escolha da pena atendeu-se ao disposto no artigo 70.º e 40.º, n.º 1, do Código Penal, e nomeadamente às exigências de prevenção geral, que são muito relevantes neste tipo de crimes atendendo à significativa taxa de reincidência e às consequências associadas à ocorrência de acidentes de viação; também às exigências de prevenção especial que, neste caso, são baixas, uma vez que o arguido não tem antecedentes criminais; confessou os factos; mostra-se social e familiar e profissionalmente inserido; pelo que a pena de multa satisfaz ainda, de forma adequada, as finalidades da punição.
Determinação da medida concreta da pena:
Quanto à concreta pena de multa aplicada, atendeu-se ao disposto no artigo 71.º do Código Penal e, nomeadamente, aos seguintes fatores:
- a culpa do arguido, que é elevada, já que o mesmo podia e deveria ter agido de outro modo;
- o elevado grau de ilicitude atenta à taxa apresentada - 2,217 gramas de álcool por litro de sangue;
- o baixo valor do resultado da conduta, uma vez que a mesma não originou consequências graves para a segurança da circulação rodoviária;
- a intensidade do dolo, que é direto, e às demais exigências de prevenção geral e especial já referidas.
Pesando todos os fatores, entende-se então que é de aplicar uma pena de 50 (cinquenta) dias de multa.
Atendendo à situação económica e financeira do arguido e ao disposto no artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal, fixa-se em €7,00 (sete euros) o quantitativo diário a aplicar.
Quanto à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, que deverá ser fixada entre três meses e três anos de acordo com o artigo 69, n.º 1, alínea a) do Código Penal, tendo em conta os fatores já atendidos aquando da determinação da pena principal entende-se que é de aplicar ao arguido a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de 5 (cinco) meses.
Apreciando:
A) - da inconstitucionalidade do cumprimento da sanção acessória em dias seguidos:
O recorrente invoca que a sanção acessória aplicada, se cumprida em dias seguidos, padece de inconstitucionalidade, alegando ao disposto no art. 139.º, n.º 3, do Código da Estrada (CE), em violação, na sua perspectiva, do direito ao trabalho consagrado no art. 58.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Para o efeito, apela, ainda, para o art. 18.º, n.º 2, da CRP, concluindo que a sanção aplicada o impede de desempenhar as suas funções laborais.
Ora, a pena acessória em apreço, de proibição de conduzir, e como vem sendo pacificamente reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência, justifica-se por exigências de prevenção, não só especial, mas sobretudo geral e com intimidação, dentro do limite da culpa, não só por o crime ter sido cometido no exercício da condução, como também pela apreciação das circunstâncias dos factos e da personalidade que se revelarem substancialmente censuráveis no âmbito da protecção dos bens visados pela incriminação.
Conforme Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Notícias Editorial, 1993, pág. 165, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente e leviano.
Evidentes são, pois, as razões de política criminal para o legislador ter incluído o crime de condução de veículo em estado de embriaguez no elenco que tipificou no art. 69.º do CP, já que, sendo um crime de perigo, teve em vista a acrescida protecção dessa mesma perigosidade, inerente à própria norma incriminatória, se bem que indissoluvelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente, dada a sua natureza de consequência da prática de um crime e que, como a generalidade das penas acessórias no nosso ordenamento jurídico-penal, é sanção adjuvante ou acessória da função da pena principal, que permite, desse modo, o reforço e a diversificação do conteúdo penal da condenação.
Provada a prática do ilícito em causa, o mesmo é dizer a culpabilidade do aqui recorrente, a aplicação da pena acessória serviu o desiderato legal da previsão referida, em sintonia com o princípio da legalidade e sujeita ao numerus apertus, (Maia Gonçalves, in “Código Penal Português Anotado e Comentado”, Almedina, 1998, pág. 233), sendo certo que, de acordo com o n.º 2 do art. 65.º do CP, “A lei pode fazer corresponder a certos crimes a proibição do exercício de determinados direitos ou profissões”.
Dependente da aplicação de uma pena principal, que ao recorrente foi cominada, uma vez que esta é condição necessária de qualquer pena acessória como a própria designação inculca, não decorre, contudo que, directa e imediatamente, seja seu efeito automático, como decorre do n.º 1 daquele art. 65º, de redacção idêntica ao art. 30.º, n.º 4, da CRP, uma vez que se imporá que, além da prática concreta de determinada conduta, criminalmente punida, os requisitos da sua aplicação estejam preenchidos, como no caso sucede.
A sua aplicação decorreu, pois, da prática, pelo aqui recorrente, de crime incluído naquele art. 69.º, a que a lei faz corresponder a proibição de exercício da condução, à luz daquele n.º 2 do referido art. 65º, precedida da justificação nos respectivos pressupostos, não só formais, mas também materiais, consubstanciados nas circunstâncias dos factos e do recorrente no caso concreto em apreciação (cfr. Pedro Caeiro, in RPCC n.ºs 2 a 4 de 1993, pág. 566, sobre “Sanção de Inibição da Faculdade de Conduzir”).
O que nada tem de inconstitucional.
Conforme Gomes Canotilho/Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra Editora, 2007, volume I, pág. 504 (em anotação ao n.º 4 desse art. 30.º), O que se pretende é proibir que à condenação em certas penas se acrescente, de forma automática, mecanicamente, independentemente de decisão judicial, por efeito directo da lei (ope legis), uma outra «pena» daquela natureza (cfr. AcsTC nos 442/93 e 748/93). A teleologia intrínseca da norma consiste em retirar às penas efeitos estigmatizantes, impossibilitadores da readaptação social do delinquente, e impedir que, de forma mecânica, sem se atender aos princípios da culpa, da necessidade e da jurisdicionalidade, se decrete a morte civil, profissional ou política do cidadão (…) Impõe-se, pois, em todos os casos, a existência de juízos de valoração ou de ponderação a cargo do juiz (cfr. AcsTC n.ºs522/95 e 422/01).
Bem como a alegada inconstitucionalidade não tem razão de ser.
Desde logo, note-se que o recorrente traz à colação disposição legal que não foi em concreto aplicada pelo tribunal, confundindo, desse modo, a pena acessória cominada, em razão daquele art. 69.º, com a inibição de conduzir, sanção típica acessória destinada à prática de contra-ordenações, nos termos do art. 147.º, n.º 1, do CE.
Para além de que, apesar de se reportar ao art. 139.º, n.º 3, do CE (na redacção do Dec. Lei n.º 114/94, de 03.05, conferida pelo Dec. Lei n.º 2/98, de 03.01), atentando na data da prática dos factos, a previsão em causa seja a do art. 138.º, n.º 5, desse Código, na redação dada pela Lei n.º 72/2013, de 03.09 (“As sanções acessórias são cumpridas em dias seguidos”).
E, ainda, como sucede relativamente a essa sanção acessória, a proibição de conduzir não implica violação do direito ao trabalho.
Na verdade, acerca da relação entre a inibição de conduzir e o direito ao trabalho, se pronunciou o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 440/02, de 23.10.2002, designadamente referindo:
O direito ao trabalho, com o conteúdo positivo de verdadeiro direito social e que consiste no direito de exercer uma determinada actividade profissional, se confere ao trabalhador, por um lado, determinadas dimensões de garantia e, por outro, se impõe ao e constitui o Estado no cumprimento de determinadas obrigações, não é um direito que, à partida, se possa configurar como não podendo sofrer, pontualmente, quer numa, quer noutra perspectiva, determinadas limitações no seu âmbito, quando for restringido ou sacrificado por mor de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
(…) ainda que fosse demonstrada…que…inelutavelmente necessitava de conduzir veículos automóveis para o exercício da sua profissão…adianta-se desde já que a objectiva «constrição» que porventura resultaria da aplicação da medida sancionatória em causa se apresenta, de um ponto de vista constitucional, como justificada.
Efectivamente, uma tal justificação resulta das circunstâncias de a sanção de inibição temporária da faculdade de conduzir se apresentar como um meio de salvaguarda de outros interesses constitucionalmente protegidos, nomeadamente, quer, por um lado, na perspectiva do arguido…a quem é imposta e destinada a pena aplicada, quer, por outro, na perspectiva da sociedade – a quem, reflexamente, se dirige também aquela medida, - na medida em que se visa proteger essa sociedade e, simultaneamente, compensá-la do risco a que os seus membros forma sujeitos com a prática de uma condução sob o efeito do álcool.
(…) o conteúdo essencial do direito ao trabalho…não é atingido, na medida em que a ponderação que resulte do confronto deste direito ao trabalho com a protecção de outros bens – que fundamentam a sua limitação…- não redunda na aniquilação ou, sequer, na violação desproporcionada de qualquer direito fundamental ao trabalho.
E assim é, sobretudo, se atentarmos no facto de que o que se visa proteger, também, com a aplicação desta sanção…são bens ou interesses (a segurança e a vida das pessoas) constitucionalmente protegidos, sobretudo em face da dimensão do risco que para esses valores uma tal conduta comporta, pondo em causa a vida de todos os que circulam na estradas...a…violação do direito a trabalhar sem restrições …não possa, sem mais, ser valorada em termos absolutos, pois que a limitação que a este direito é imposta com a aplicação da sanção inibitória o é na medida em que o sacrifício parcial que daí resulta não é arbitrário, gratuito ou carente de motivação, mas sim justificado para salvaguarda de outros bens ou interesses constitucionalmente protegidos pela Lei Fundamental.
(…) mister é que se saiba se a aplicação da sanção acessória da faculdade de conduzir, a cumprir em dias seguidos, se apresenta como algo de desproporcionado.
Ora, tocantemente a este ponto, há que atentar, por um lado e desde logo, na circunstância de a medida em causa não poder ser considerada como um esvaziamento do sentido útil do direito fundamental ao trabalho.
(…) Por outro lado, atendendo à teoria dos fins das penas que tem consagração legal no nosso sistema penal e que, dogmaticamente, é subscrita pela maioria da doutrina portuguesa, as penas que se aplicam visam sempre a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (prevenção geral positiva ou de reintegração), sendo ainda necessário, enquanto finalidade da punição, que o agente sinta a sua condenação como uma advertência e como forma de aderir aos valores da comunidade em que se insere (prevenção especial). Deste modo, se as reacções criminais devem ser aplicadas com o fim de restabelecer a eficácia do próprio sistema jurídico-penal e não devem, igualmente, deixar de revestir um sentido profundamente pedagógico e ressocializador do agente, não se compreenderia …que se esvaziasse a pena aplicada do sentido ético e das exigências de socialização que sempre lhe são imanentes e lhe subjazem, e que resultariam inócuas se se aplicasse a referida inibição da condução só em dias não úteis.
Ou seja, se … a sanção acessória da inibição de conduzir – atendendo ao escopo que justificou a sua consagração legal e a teleologia que lhe preside - não fosse aplicada de forma contínua, mas sim apenas em dias não úteis, não se cumpririam os seus objectivos, nomeadamente de defesa da sociedade, que implicam a estrutura de continuidade de cumprimento da medida em causa.
E se o direito ao trabalho se não encontra, como se viu, postergado, mas, tão só, algo «constrangido», de forma alguma se estará perante um cenário de violação do direito a uma existência condigna ...
(…) Se se pode afirmar que, com a medida em causa, se pode configurar uma certa constrição - legitimada nos termos acima expostos – (e, note-se, outrotanto seria de dizer quanto a situações em que é aplicada uma pena privativa de liberdade que, necessariamente, vai contender com o livre exercício do direito ao trabalho do condenado) deste direito, também, inquestionavelmente, se pode asseverar que se não está, todavia, perante uma limitação que se possa considerar manifestamente desproporcional ou excessiva, na medida em que a garantia do conteúdo essencial do direito, enquanto "baliza última de defesa" (...) "delimitando um núcleo que em nenhum caso deverá ser invadido" (para se utilizarem as palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira na Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra Editora, 153), permanece respeitada.
Efectivamente, como prosseguem os mesmos autores (dita obra, 54) se, em termos práticos, se pode dizer "que o requisito da proporcionalidade (...) é uma primeira aproximação, dado que a existência de uma restrição arbitrária, desproporcionada é um índice relativamente seguro da ofensa do núcleo essencial", então, na situação sub iudice, haverá que concluir-se que o núcleo essencial do direito ao trabalho não é afectado pela imposição da proibição de conduzir veículos com motor em dias seguidos, maxime para quem do exercício da condução não faz directamente modo de vida. (…) Tanto mais que, a perfilhar-se o entendimento de que a sanção de inibição da condução apenas deveria operar em dias não úteis, isso redundaria, como já se realçou, no esvaziar de sentido útil da aplicação desta medida, enquanto verdadeira pena – acessória -, pois o sentido profundamente pedagógico, correctivo, ressocializador e ético que se pretende com o aplicar de uma sanção esvanecer-se-ia em face da não imposição de verdadeiro sacrifício ao agente.
Se assim é quanto à inibição de conduzir, por maioria de razão a argumentação vale para a proibição de conduzir, uma vez que esta se aplica quando se esteja perante a prática de crimes, inevitavelmente de gravidade superior à inerente às contra-ordenações.
Aliás, a sujeição da pena acessória a restrições violaria a sua natureza e a sua finalidade intrínsecas e, por isso, o seu cumprimento tem de ser contínuo, tal como o é, em geral, o cumprimento das penas, sob pena de preterição do princípio da legalidade (art. 1.º do CP).
Além de que, ainda, o mencionado art. 69.º do CP prevê, nos seus n.ºs 3 a 5, a forma como se torna exequível o cumprimento da pena acessória – “(…) o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido (…) A secretaria do tribunal comunica a proibição de conduzir (…) bem como participa ao Ministério Público as situações de incumprimento(…)”, identicamente ao preceituado no art. 500.º do CPP.
Ora, tal previsão legal inculca a ideia do legislador de que a proibição de conduzir tem de ser contínua, sob pena de interpretação desconforme às regras gerais do art. 9.º do Código Civil, sendo que até a terminologia adoptada pelo legislador – “proibição” – igualmente a sufraga (entre muitos, o acórdão da Relação do Porto de 10.12.1997, in CJ ano XXII, tomo V, pág. 239, e o acórdão da Relação de Lisboa de 31.01.2006, in CJ ano XXXI, tomo I, pág. 130).
As dificuldades de harmonia do seu cumprimento com alguma restrição, atinente a interrupções, são manifestas perante o regime legal imposto, não se divisando como algum controlo dessa situação, na prática, lograsse efeito e como permaneceria respeitado o princípio da legalidade das penas.
Por isso, a exclusão da proibição de conduzir em determinados períodos equivaleria a solução sem apoio legal.
Todas estas considerações confluem, manifestamente, no sentido de que a aplicação, ao recorrente, da proibição de conduzir, e sem restrições ao seu cumprimento contínuo, não enferma de qualquer inconstitucionalidade.
B) - da redução da medida da pena acessória:
Alegando que a medida da pena acessória é desadequada, o recorrente preconiza que seja reduzida ao período de três meses, ou seja, ao mínimo legal (art. 69.º, n.º 1, do CP).
Para tanto, sustenta a distância mínima de circulação até ao destino, a forma negligente como actuou, não ter colocado em perigo a segurança, a confissão espontânea dos factos, a ausência de antecedentes criminais, o carácter isolado da conduta e o grandetranstorno e enorme prejuízo que a pena lhe causa, por referência à sua culpa e às exigências de prevenção.
Vejamos.
Sendo a segurança da circulação rodoviária, o bem jurídico protegido com a incriminação em apreço, compreensível e justificado é o sancionamento do agente em proibição de conduzir, para que, além do mais, interiorize adequadamente o desvalor da conduta e veja nisso uma especial advertência por comportamento potencialmente perigoso, embora a sanção esteja limitada, nos seus pressupostos, pela sua culpa e só se colocando a perigosidade como finalidade mediata da punição.
As exigências de prevenção geral relacionadas com o tipo legal em causa são elevadas, atenta a elevada frequência com que as infracções relacionadas com a condução sob o efeito do álcool são praticadas e a sua forte influência na elevada taxa de sinistralidade rodoviária, com centenas de vítimas e elevados danos patrimoniais, requerendo, assim, punição consentânea.
Emerge, pois, com acuidade, a necessidade de acautelar essa finalidade de protecção, como garantia da validade da norma e de confiança da comunidade, embora não possam deixar de ser confrontadas com outros valores relevantes, em que se incluem as exigências de integração pressupostas pelo legislador.
Na verdade, as consequências, para a condução, que decorrem da ingestão de bebidas alcoólicas, são variadas e de relevo não reduzido - a audácia incontrolada, a perda de vigilância em relação ao meio envolvente, a perturbação das capacidades sensoriais e perceptivas, o aumento do tempo de reacção, a lentidão da resposta reflexa, a diminuição da resistência à fadiga -, bem como são assinaláveis os perigos associados, para o próprio e para terceiros, motivados pelas mesmas, com riscos notoriamente relevantes de envolvimento em acidentes, muitas vezes, mortais.
A determinação da medida da pena acessória rege-se pelos critérios definidos pelos arts. 40.º e 71.º do CP, em obediência ao princípio acessorium principale sequitur.
Não deixa, pois, de ter por subjacente o art. 40.º, n.º 1, do CP, enquanto norteador das suas finalidades, se bem que o propósito de reinserção social não assuma o relevo que, ao nível da pena principal, deve ser respeitado.
Assim, também, na protecção de bens jurídicos, vai ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afectem bens e valores, ou seja, de prevenção geral. E a previsão, a aplicação ou a execução da pena devem prosseguir igualmente a realização de finalidades preventivas, que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes, ou seja, uma finalidade de prevenção especial.
A medida da pena há-de ser dada por considerações de prevenção geral positiva, isto é, prevenção enquanto necessidade de tutela dos bens jurídicos, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida, que fornece uma “moldura de prevenção”, ou seja, que fornece um quantum de pena que varia entre um ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se até atingir o limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.
Ainda que lhe sendo presente a finalidade de protecção do perigo inerente à condução em estado de embriaguez, a medida da culpa funciona como seu pressuposto axiológico-normativo (n.º 2 daquele art. 40.º).
A resposta punitiva exigida tem de merecer a aceitação da comunidade e ser adequada a que o recorrente sinta censura suficiente ao seu comportamento, com efeito útil de dissuasão de reiteração da conduta.
Provou-se que conduzia com taxa de álcool no sangue (2,217 g/l) bem superior ao mínimo legal para o efeito de responsabilização criminal, com grau de ilicitude e intensidade do dolo consideráveis, conforme salientado pelo tribunal a quo, circunstâncias que, embora não se tivesse provado criação de perigo concreto - que não é necessário ao preenchimento do crime -, não podem deixar de ser valoradas na sua dimensão, como factores que tornam o comportamento mais censurável, adequado a potenciar riscos, bem como, ainda, de que ocorreu em período nocturno, em que se sabe que os perigos associados assumem mais acuidade.
Não se provou a alegada distância mínima, nem que o seu comportamento tivesse sido negligente.
A sua confissão assume relevo atenuativo muito reduzido, dado o verificado flagrante delito.
O restante alegado não comporta, também, valor atenuativo com significado bastante para diminuir o grau de culpa revelado e as prementes finalidades que se fazem sentir.
Mormente, o invocado transtorno e prejuízo – que se admite existir – não é mais senão o resultado da sua conduta, pela qual foi responsável, sublinhando-se que eventuais dificuldades decorrentes no desempenho da sua actividade profissional deveriam ter merecido, da sua parte, diferente reflexão quando se dispôs a conduzir nas condições em que se encontrava.
Em síntese, a sua culpa, valorada pela ponderação global dos factores atendidos, coloca-se em nível que não se compatibiliza com a cominação da pena acessória por período inferior ao fixado.
A aplicação de medida correspondente ao mínimo legal não acautelaria suficientemente as finalidades punitivas a que a pena em causa se destina.
Nem mesmo, em razão do que ficou referido, a redução da pena se justifica.
Ao invés, a medida encontrada reflecte ponderação consentânea com os objectivos dessa punição, norteada pela necessidade e pela proporcionalidade subjacentes, em razão dos referidos arts. 40.º e 71.º do CP, que, por isso, se mostram plenamente respeitados.
C) - da suspensão da execução dessa medida mediante prestação de caução de boa conduta:
No tocante à visada suspensão da execução da pena, é manifesto que não tem qualquer viabilidade legal.
A possibilidade dessa suspensão contende, por um lado, com o disposto no art. 50.º do CP, que tão-só se destina a penas de prisão e, por outro, com a própria natureza da pena, que é de proibição e com finalidade de protecção do perigo, que redundariam inevitavelmente esvaziadas através dessa suspensão.
Além do mais, se assim se não entendesse, não se respeitaria a reserva de lei formal afirmada no art. 165.º, n.º 1, alínea c), da CRP, de acordo com a qual, em toda a matéria atinente a crimes e a penas, não podem os tribunais introduzir alterações ao regime legalmente fixado, sob pena de violação do princípio nulla poena sine lege.
3. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se:
- negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, assim,
- manter a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 4 UC (art. 513.º, n.º 1, do CPP).